Resumo: A Nova Lex Mercatoria, direito das relações mercantis internacionais, representa ponto em comum nas ciências Economia e Direito, envolve quase todas as questões existentes, pois é inerente à produção em escala global. A nova Lex Mercatoria implica em transformações na estrutura do poder a nível mundial, permitindo que os particulares emitam normas para reger suas relações à nível internacional (caráter de normatividade), assim como a interferência de instituições, associações de categorias, organizações não governamentais, internacionais ou intergovernamentais em questões internas dos Estados ( caráter de paranormatividade). Esse Direito surge como manifestação de indignação dos soberanos privados, já que os Estados não conseguem regular com a mesma eficiência, velocidade e tecnicidade que os próprios participantes do comércio internacional, essa postura representa uma reconciliação com o papel que os mercadores sempre tiveram durante toda história das trocas e os colocam em uma posição privilegiada na hierarquia do poder no cenário mundial.[1]
Palavras-chave: Economia; Mercado; Poder
Abstract: The New Law Merchant, the law of international trade relations, represents common point between the sciences Economy and law, involves almost everything, since it is inherent in the production on global scale. The new Law Merchant implies changes in the world´s power structure, allowing individuals to issue rules to govern their relations in the international level (normative character), as well as the interference of institutions, associations of categories, non-governmental, international and intergovernmental organizations in the internal affairs of States (paranormativ character). This law comes as a the private sovereign´s manifestation of indignation of, since the states can not regulate with the same efficiency, speed and technicality that the participants of the international trade by themselves, this position represents a reconciliation with the role that the merchants have always had throughout the history of trade and put them in a privileged position in the hierarchy of power on the world stage.
Keywords: Economy, Market, Power
Sumário: Globalização e mundialização. Pós-modernismo. Direito e pós-modernidade. Nova Lex Mercatoria. Conclusão. Referências.
Globalização e Mundialização
Os termos “globalização” e “mundialização” são termos empregados como sinônimos, mas deveriam ser utilizados para aludir a fenômenos diferentes. Embora em português geralmente não haja diferenciação desses termos, verifica-se que ambos diferem pelo próprio significado, ainda que ambas as palavras derivem de termos latinos, “Global” de “globus”, que significa globo, bola, esfera, pelotão (de soldados); massa enquanto Mundo deriva de “mundus” que corresponde a universo mundo; firmamento; a terra.[2] Deve-se promover discussões e reavaliações sobre o uso desses termos na língua Portuguesa para melhor aproveitamento semântico dos mesmos, tal como já se faz em outros idiomas[3].
A palavra “Mundialisation”, em francês ou “Mundialization” em inglês pode ser utilizada tanto em francês como em inglês com mesmo significado de “Globalisation“, ainda que com ressalvas, pois “Globalisação” refere-se principalmente à fenômeno econômico, social e “Mundialização”[4] à uma organização política, legislativa e jurídica à nível mundial. Portam significados antagônicos em uma analise aprofundada, ainda que ambos sejam empregados para descrever fenômenos internacionais, planetários.
O termo “Mundialização” de origem e uso Francês surgiu quando cidades ou autoridades começaram a se declarar cidadãs mundiais por votação de uma carta de sensibilização dos problemas mundiais, assim como seu senso de dividir responsabilidade pela solução dos mesmos assumindo para si direitos e deveres, “Os requerimentos da Mundialização será não estar satisfeitos com as obrigações dos tratados internacionais ou disposições aos quais faltam a força da lei.[5]
O fenômeno que conhecemos como globalização tem seus efeitos de Integração mundial devido e visando a aceleração das trocas, do desenvolvimento das técnicas de informação e de comunicação, além dos meios de transporte. Acarretam-se inovações, destruições, criações, aculturações…, esse fenômeno é gerador de processos complexos de transformação da realidade social, cultural, dos comportamentos e valores.
O termo globalização difere-se de processos de integração já ocorridos, pois, refere-se ao processo de aprofundamento da integração econômica, social, cultural, política, que ocorre atualmente gerando principalmente a integração financeira à nível mundial[6]. ”Globalização” teve sua origem na literatura destinada às firmas multinacionais. Trata-se, portanto, da ideologia do império do mercado mundial, da ideologia do neoliberalismo. (André-jean Arnauld, 2006).
Hodiernamente no capitalismo destacam-se os grandes agentes financeiros, que promovem considerável mudança na produção de riqueza, e muito mais devido o fato de ao fazê-lo adquirem poder não só econômico, mas político.
A Globalização está relacionada à nova Lex Mercatoria uma vez que ambas são promovidas pela Societas mercatorum a expansão e desenvolvimento de ambas está atrelado, e por vezes podem levar ao movimento, na maioria das vezes reacionário, de mundialização, isto é uma regulamentação à nível mundial. Quanto maior o volume de trocas, transações, atuações a nível global inter Estados maiores são os atentados contra a soberania Estatal “A globalização é o conjunto dos “processos em cujo andamento os Estados nacionais vêem a sua soberania, sua identidade, suas redes de comunicação, suas chances de poder e suas orientações sofrerem a interferência cruzada de atores transnacionais”[7]
Com a idéia de aldeia global[8], “Um aspecto crucial da globalização é a emergência de um sistema mundial[9] -, a idéia de que o mundo constitui uma única ordem social[10]” mas não há centralização planetária do poder, ausência de uma organização jurídica mundial[11], surge então o instrumento nova Lex Mercatoria, eficiente à regular relações no ambiente internacional, direito consuetudinário formado pelo esforço conjunto das corporações, Estados, instituições internacionais e intergovernamentais.
PÓs-Modernismo
A questão da superação da Modernidade tem sido muito debatida, uma vez que as ciências atualmente divergem muito sobre o assunto, alguns afirmam que a pós-modernidade já se faz presente enquanto outros a negam. Há ainda autores que se referem ao momento vivenciado por outros termos. A própria pós-modernidade é pouco consciente de si mesma, seus parâmetros de compreensão não são seguros, de modo que se utiliza o termo pós-modernismo para se descrever o momento contemporâneo de perturbações, estremecimentos que atingem a vida cotidiana, a capacidade de avaliar filosófica e criticamente estes tempos.
No campo do direito é difícil tecer afirmações devido o niilismo marcante da atualidade e por não ter haver ruptura brusca com o modernismo “não há um direito pós-moderno, há, sim, reflexão jusfilosófica pós-moderna, questionadora dos paradigmas do direito moderno, mas incapaz ou desinteressada em apresentar modelo alternativo, real, fatível.” [12] O termo pós-modernidade é utilizado para descrever uma realidade na qual está inserida a Nova Lex Mercatoria, assim como esses elementos perturbadores da ordem jurídica.
André Jean Arnauld[13] contrasta a modernidade com o período evidenciado atualmente e assevera que da Abstração passa-se ao pragmatismo; do Subjetivismo ao Descentramento do Sujeito; do Universalismo ao Relativismo; da unidade da razão à pluralidade de racionalidades; da Axiomatização às lógicas estilhaçadas; da simplicidade à complexidade; da sociedade civil/ Estado ao Retorno da Sociedade Civil e da Segurança ao Risco.
Da abstração passa-se ao Pragmatismo, aquela se baseia em construções axiomáticas, isto é conclusões obtidas através de um postulado inicial, um axioma, uma verdade tomada por absoluta que possibilita deduções de outras verdades. A abstração está ligada aos axiomas universalistas, isto é, todos os homens conhecem as leis naturais imutáveis que lhes é inerente, logo a lei está gravada no âmago do indivíduo sendo ela herdada por todos.
É fundamental a compreensão de três tendências para uma análise da ótica pós-moderna: o Universalismo, o Pragmatismo e o Relativismo. O primeiro trata-se de idéia etnocentrista, com vestígios do antigo direito natural de origem grega, o universalismo[14] nos remeta à idéia de que a filosofia ocidental seria válida universalmente, emanando do subjetivismo, ideologia que prega que o sujeito esta no centro do mundo, e por conseqüência é foco do Direito.
O principal aspecto do subjetivismo extraído pelos juristas é o caráter de imutabilidade e de ser próprio ao ser humano, de estar atrelado às regras elementares que presidem as relações jurídicas, regras que, por conseqüência, são aplicadas universalmente, já que o sujeito, independente do lugar que esteja mantém gravado no seu coração os princípios fundamentais do direito.
Há atualmente uma ruptura com a idéia de universalismo como conceito-chave da filosofia jurídica e política, devido o fato de haver erosão dos conceitos nos quais o universalismo se baseia (como por exemplo, a imposição do pragmatismo e enfraquecimento da axiomatização e abstração) e visto que a presente diversificação dos direitos é tão intensa que se torna difícil identificar todos os produtos da natureza do indivíduo, centro da regulação social e jurídica.
O pragmatismo[15] atinge a crença na verdade, o conhecimento, fazendo com que haja um movimento de reflexão sobre o universalismo, o subjetivismo, a abstração, pois para o movimento universalista são possíveis verdades universais, eternas, imutáveis enquanto que sob ótica pós-moderna não é possível atingir a verdade. A pragmática[16] que se inaugura é do atentado privado contra o público “À pragmática moderna é à supremacia do interesse público em face do interesse privado, que poderia marcar a pragmática do direito público, opõe-se a autonomia da vontade, identificadora de modelos exegéticos de direito privado.”[17]
Do universalismo caminha-se para o relativismo, pois os valores são relativos, tendem a variar conforme cada cultura, ideologia, política, até mesmo de indivíduo para indivíduo de modo que “Não há mais qualquer noção de “bem” ou “mal”, de “certo” ou “errado”, de “belo” ou “feio” que seja aceita sem contestações por uma parcela significativa de uma nação ou de uma sociedade. ”(Arbex júnior, José, 1957- mundo pós-moderno. P. 7.) Mesmo o valor justiça é tomado por relativo “Chaїm Perelman em seu ensaio sobre a justiça, não admite que esta seja um valor absoluto, mas relativo e impassível de ser definido pelo conhecimento; o valor é relativo e depende da crença de cada qual.” (Bittar, Eduardo Carlos Bianca. Curso de Filosofia do Direito, 2007 p.464), o relativismo do direito é reconhecido inclusive por Hans Kelsen[18].
O Universalismo possui fundamentos e concepções advindos do direito natural, surgido na Grécia, segundo o qual os homens portam em seu âmago leis naturais imutáveis, que são inerentes a todos os seres humanos, havendo, portanto um conjunto de direitos mínimos herdados por todos os povos. Fundamentam-se também as idéias universalistas no subjetivismo, que afirma que a idéia do sujeito é que projetaria o objeto, logo o sujeito está no centro do mundo e por conseqüência no centro do direito. Por se tratarem de idéias imutáveis inerentes a todos os sujeitos essas regras constatadas de forma universal.
O não reconhecimento de verdades inerentes do ser humano leva ao relativismo, posto que, já que não há uma verdade universal há somente verdades particulares, “O pós-modernismo jurídico insiste que as interpretações autorizadas são oferecidas a partir de ponto de vista particular, com vistas a fim particular, de modo que não haveria significado último e definido de um texto” [19], nítida conseqüência do desacreditamento de verdades absolutas postas até então.
O que é eterno é imutável e também universal, essa ordem universal, eterna e imutável pode ser atingida através do conhecimento considerado genuíno ou a sabedoria, não se poderia atingir a mesma pela reconciliação ou por acordo entre opiniões (Bauman, 2001, Pag. 55). Nega-se o reconhecimento de verdades imutáveis, eternas, universais já que não se reconhece verdades, conhecimentos e sabedorias universais, o niilismo[20] “proclamou a indeterminação da verdade, que deixa de ser fato e passa a conceito. A verdade é construída, mutável, manipulável. A verdade é interpretada, criada escondida, produzida, alterada. A verdade não detém estabilidade.”[21] Reforça-se o relativismo já que nada seria imutável, permanente, absoluto ao passo que emerge uma visão de que o direito é relativo, ligado à relatividade do lugar, época, cultura e moral dos indivíduos.
Da axiomatização às lógicas estilhaçadas, por aquela se demonstrava, construía teorias a partir de um postulado inicial, um axioma, que tomado por verdade possibilitava deduções e inferências de outras verdades. Os postulados axiomáticos possibilitaram a concepção de uma ordem jurídica em forma piramidal, modelo que passa a ser questionado e apresentam-se novas representações, como a do ordenamento jurídico em forma de rede, de teia o que melhor representaria a existência da variedade de lógicas, já que o Direito surge de grupos de pressão, da negociação[22], não há uma unidade lógica, a conseqüência do desacreditamento do universalismo é a rejeição da razão una[23].
As lógicas estilhaçadas fazem-se presentes na ciência jurídica devido o fato de que o papel dos conselheiros, interpretes, assessores, grupos de pressão se tornam mais intensos, assumindo campos que até então eram apenas restritos pelo legislador, como não é possível “eleger” uma verdade somente, já que o discurso niilista esvazia o discurso da “verdade”, reconhece-se que verdade não há, sobram somente opiniões, conselhos diversos cada qual com sua própria razão, sua lógica.
Parte-se da segurança ao risco, a sociedade global lida com o risco, porquanto a própria ciência e a técnica estão tão desenvolvidas que se ignora o risco, não se consegue apurar precisamente os riscos. A contribuição de Ulrich Beck através da obra a sociedade do risco, é de fundamental para a compreensão da realidade contemporânea, já que expõe sobre mudanças na configuração da sociedade, em razão do desenvolvimento industrial e tecnológico, onde a questão central é a repartição do risco.
Beck expõe sobre a tolerância ao risco ao tratar da energia nuclear versus o aquecimento global somado as altas do preço do petróleo[24], assim como Eros Roberto Grau, ao tratar da perseguição a todo custo pela redução do custo da produção[25], de fato o risco é algo inerente da sociedade atual. Mesmo os encarregados de garantir a segurança (Estado, Ciência e Indústria) expõem a humanidade à situações de risco cujas medidas de segurança estão para surgir.
Da simplicidade parte-se para a complexidade, que reside na eliminação das certezas[26], pois o que possibilita que o direito seja sólido é o universalismo, o subjetivismo e a atemporalidade do direito, o que leva a eliminação do risco, a segurança já que as regras são redigidas para serem perpétuas. A complexidade se impõe com o pragmatismo, o relativismo, o descentramento do sujeito, o pluralismo de racionalidades fontes e lógicas, a coexistência de sistemas alternativos ou informais e não-oficiais de regulação jurídica (cada um com sua racionalidade).
Direito e Pós-Modernidade
Não há sistematização pós-moderna do direito, devido o “seu niilismo, o pós-modernismo jurídico é abstração filosófica, especulação teórica, agitação intelectual, negativismo conceitual, anarquia moral, ambigüidade ética.” [27] Mas verifica-se certas características que surgem daquelas perturbações.
Atualmente a lei encontra obstáculos devido à imensa diversificação dos direitos humanos, o que torna difícil identificar todos como produtos da natureza do individuo, “Fala-se cada vez mais, em nome dos direitos humanos, não tanto de direitos do indivíduo do que de direitos sociais, de direitos das minorias ou dos grupos específicos.” [28]. O direito é pragmático, um “direito negociado” editado pela autoridade legítima, mas elaborado grupos interessados (negociação entre técnicos e grupos representativos), o que faz com que o direito se distancie da certeza e simplicidade.
Com pragmatismo, a relativização, o direito “negociado” faz com que as diversas culturas e grupos de pressão passem a requerer que a norma lhes mais favorável. O tempo torna-se relativo em relação aos princípios, que não são mais considerados inerentes ao homem, logo não mais “eternos”. Considera-se somente o tempo presente e conseqüentemente rompe-se com a vocação para a perpetuidade dos princípios, enfraquece-se a axiomatização e fragiliza-se a idéia de codificação. Dessa forma o neoliberalismo apresenta a lei do mercado como substituta às leis, hora tidas por eternas e imutáveis.[29]
Essa lógica faz não ser mais o “público” a colonizar o “privado”, mas o inverso, “é o privado que coloniza o espaço público, espremendo e expulsando o que quer que não possa ser expresso inteiramente, sem deixar resíduos, no vernáculo dos cuidados, angústias e iniciativas privadas.” [30] De forma que a esfera publica necessite de defesa contra a privado, para viabilizar a liberdade individual.
Além desses distúrbios se lida a policentricidade das fontes do direito, o direito oficial aceita vias alternativas de regulação jurídica, contrapondo-se à monocentricidade e à ordem jurídica piramidal defendida pelo corrente positivista legalista. Faz-se presente cada vez mais a presença e participação de terceiros auxiliando na produção normativa. Observa-se a iniciativa de grupos interessados, tanto à nível interno como externo do Estado[31].
A nova Lex Mercatoria porta diversas das características expostas, a relatividade já que as partes convencionam sua aplicação, não é um direito universal aplicável a todos; o pragmatismo, é voltada a superar obstáculos do comércio internacional, ferramenta desenvolvida com finalidade exclusiva de superar dificuldades e controvérsias mercantis; por surgir do Mercado, das instituições diversas cada qual com sua razão e não do Estado lhe confere uma pluralidade de racionalidades, lógicas fragmentadas; o risco, pois passa pela nova Lex Mercatoria as questões referentes à produção global.
nova Lex mercatoria
Pode-se fazer dois tipos de leitura da Nova Lex Mercatoria, uma interna, tomando-se o viés dos operadores jurídicos, visualizada principalmente na doutrina de direito internacional privado e outra leitura externa que seria a leitura sob ângulo sócio-cultural, filosófico, econômico.
Através da leitura externa da nova Lex Mercatoria[32] tem-se um conceito diferente do habitualmente apresentado pela doutrina de direito internacional, que se restringe ao conceito legal. Sob aquela ótica a nova Lex Mercatoria está no centro do sistema produtivo global, logo toda a produção passa por ela, Juan Ramón Capella classificou o gênero em quatro espécies, a saber: Acordos sobre políticas públicas, Acordos de normatização técnica, acordos de Produção, Acordos de repartição de Mercado. Essa classificação permite que se visualize a interferência da societas mercatorum em praticamente todas as questões econômicas, políticas, sociais, através da nova Lex Mercatoria.
Os acordos sobre políticas públicas são decisões que versam sobre política econômica, laboral, militar, ecológica, informação e de educação pelo soberano Supra-estatal. Constata-se a intervenção dos agentes detentores de poder econômico a nível internacional sobre os Estados de modo a interferir nas decisões internas de um país, através de pressões para produção normativa, realização de reformas e investimentos[33].
Quando se trata de acordos que visam pautar sobre políticas públicas ferramentas como o soft-power e a nova Lex Mercatoria se confundem de modo que ambas portam em si enunciados normativos baseados nas regras, usos, costumes e princípios de direito internacional, além provém principalmente de instituições internacionais e intergovernamentais e aquém provém da societas mercatorum, mas ocorre que as instituições internacionais e a societas mercatorum se confundem já que o soberano supra-Estatal influi naquelas, logo enunciados da Lex Mercatoria estão sempre presentes na soft-law.
Os acordos de normatização técnica versam sobre questões de normatização e uniformização de padrões que anteriormente era encabeçada pelos Estados e agora assumida pelos entes privados de acordo com a lógica e política econômica dominante. Acordos que versam sobre Padrões, estabelecimento de regras, diretrizes, ou características acerca de um material, produto, processo ou serviço. Esses acordos produzem normas referentes à questões de grande importância tais como matrizes energéticas, indústria da informática, telecomunicações, biogenética, engenharia genética, Indústria mecânica, suprimentos, Indústria farmacêutica, a comunidade médica (prescrições médicas, uniformidade de drogas, norma técnica da droga), “padrões de referência”, à exemplo o quilo-grama-padrão e inúmeras outras questões.
Acordos de produção ocorrem devido à constante inovação tecnológica, essencial para humanidade que dela depende e constante ameaça para os grandes agentes produtores mundiais. O simples ato de investir ou deixar de investir em certas tecnologias pode ser fatal às corporações[34], logo essas recorrem aos acordos para produzir e comercializar os novos inventos de forma escalonada, por passos, e para rentabilizar as mercadorias que incorporam avanços que já são intermediários ou até obsoletos, antes mesmo de serem produzidos, com tempo para sua introdução e retirada dos mercados já totalmente planificados[35].
O papel da Lex Mercatoria de substituição da concorrência faz com que a nível global, os soberanos supra-estatais exerçam a planificação e obsolescência das mercadorias assim como a substituição da liberdade do mercado pelos acordos de produção e planejamento, deixando claro que há muito já não há liberdade de mercado e que as novas tecnologias das quais a humanidade depende são selecionadas minuciosamente de acordo com o interesse do soberano supra-estatal.
Os acordos de divisão de mercados são realizados com base nos resultados demonstrados pela teoria dos jogos e equilíbrio de Nash. Um jogo é uma situação em que vários agentes tomam suas decisões cujo resultado estará atrelado, não provem de uma decisão isolada, mas de um conjunto de decisões de vários sujeitos. Desta forma a nova Lex Mercatoria está diretamente ligada à teoria dos jogos, uma vez que o resultado, os efeitos dos contratos firmados entre os jogadores, isto é as multinacionais, agentes produtores mundiais dependerá do conjunto de decisões de cada jogador, tais como respeitar ou não o contrato firmado entre eles.
Os acordos de divisão de mercados e de produção como conjunto de estratégias devem ser vistos como um equilíbrio de Nash, que representa uma situação em um jogo envolvendo jogadores em que esses nada têm a ganhar, em nada haverá aumento dos ganhos com a mudança repentina em sua estratégia individualmente. Por esses acordos as multinacionais podem acordar a divisão dos mercados existentes no planeta evitando a competição direta de forma a maximizar seus lucros, ou ainda excluir Estados que se recusam a realizar reformas nas legislações trabalhistas, tributárias, reformas do poder judiciário de acordo com as exigências postas.
Pela leitura interna faz-se uma definição para a nova Lex Mercatoria, mais restrita ao campo jurídico, atrelada aos estudos de direito internacional[36], de conjunto de costumes, princípios e regras a-nacionais desenvolvidas pelo comercio internacional através dos contratos internacionais tipo (constituída de fato, de modelos de cláusulas e de contratos internacionalmente uniformes), condições gerais de compra e venda, Condições gerais do Conselho de Assistência Econômica Mútua (COMECON), Inconterms e de leis modelo uniformes[37], com influência dos tratados internacionais em destaque os multilaterais (GATT e OMC) e os constitutivos de blocos regionais, de práticas, de códigos privados, de princípios aplicados em sede de arbitragem[38] comercial internacionalmente elaborados pelos sujeitos privados independentes e com vocação universal[39], (como exemplos – UNIDROIT, câmara de comercio internacional ICC, Associações de categorias (exemplo London Trade Corn Association, International General Produce Association) e comissões de estudo sobre unificação e uniformização e em geral as organizações não governamentais ONGs) e Organizações internacionais ou intergovernamentais OIGs (por exemplo –UNCITRAL, OEA).
Grande parte da discussão sobre a nova Lex Mercatoria passa pela sua natureza Jurídica, tema gerador de grande divergência[40]que levou à distinção de teorias, que visam melhor compreendê-la. Essa classificação se dá em três tendências, a saber: teoria da massa legal, teoria do ordenamento jurídico e a teoria Hibrida, posicionamentos majoritários da doutrina. [41]
A primeira teoria, da massa legal é a teoria mais conservadora reduz a nova Lex Mercatoria ao mesmo nível da sua antecessora, de conjunto de princípios e regras consuetudinárias, espontaneamente referidos ou elaborados nas relações internacionais, sem suporte nem coerção bem como regras uniformes aceitas, cumprindo o papel de fonte do direito,
Em seu conceito Amaral assevera, de forma condizente com essa doutrina, que “o Direito provém do Estado, sendo inconcebível imaginar-se norma jurídica dele não originada nem seu suporte de coerção.” [42]
Francesco Sbodorne assevera que a doutrina defensora desta teoria vê na nova Lex Mercatoria uma massa legal de princípios sem nenhuma consistência interna ou qualidade sistemática, fenômeno que se remete à antiga Lex Mercatoria ou do ius commune. A nova Lex Mercatoria, opera entre uma realidade caracterizada pela divisão política dos mercados em uma pluralidade de Estados; sua função é superar a descontinuidade jurídica. Por essa nova Lex Mercatoria se dissolvem tanto os particularismos jurídicos das codificações quanto, fenômeno ainda mais significativo, a diferença entre o civil Law e o Common Law.
A segunda teoria, do ordenamento jurídico, sustenta a natureza jurídica de ordenamento jurídico autônomo da nova Lex Mercatoria, mesmo pelo próprio histórico da comunidade mercadora, o direito do comercio sempre regeu suas relações de forma independente, perdendo somente essa característica na era das codificações. A nova Lex Mercatoria para essa corrente se afirma como um terceiro sistema entre a lei domestica e a lei internacional publica sendo ordenamento jurídico autônomo a-nacional aplicável, inter pares[43], e adstrito ao âmbito aplicativo das relações comerciais internacionais (de forma subjetiva à societas mercatorum), isto é o espaço transnacional, o campo das relações internacionais, substitui o “território” convencional.[44]
Como direito seria produto de fora do poder do Estado e às vezes em contradição com esse, já que o direito Estatal é assegurado pelo poder político do Estado, enquanto que o direito da Lex Mercatoria é assegurado pelo poder econômico da comunidade do comercio internacional.
A nova Lex Mercatoria seria aceita como ordenamento das relações comerciais internacionais com base no argumento de que aquela tem efetividade aplicativa (devido espontânea observação ou por aplicação em sede de arbitragem); possui transparência e previsibilidade, as decisões formam uma “jurisprudência privada” que possibilitam previsões sobre os resultados das controvérsias e cria soluções para controvérsias futuras; auto-sancionamento, o descumprimento gera descrédito comercial, exclusão por aplicação de sanções, impossibilidade de recorrer Lex Mercatoria futuramente, etc.). Assim estariam presentes na nova Lex Mercatoria características essenciais à um ordenamento jurídico, acessibilidade, previsibilidade, independência.[45]
A classificação da nova Lex Mercatoria como ordenamento jurídico encontra serias críticas ao passo que a mesma é reduzida à um conjunto unitário de regras, devido o fato de a mesma ser um sistema jurídico fragmentário somado à desomogeneidade dos sujeitos envolvidos na sua produção e a impossibilidade de se individuar os elementos fundadores de um ordenamento consuetudinário levam a rejeição da nova Lex Mercatoria como ordenamento jurídico.
Verifica-se que há certa precaução por parte dos estados nacionais quanto ao reconhecimento da nova Lex Mercatoria, esses através de seus ordenamentos jurídicos mantém um controle dos critérios regulatórios que o mercado emite, de modo a se evitar uma extremada mercantilização da sociedade, a identificação e exaurimento dos direitos civis e humanos com aqueles econômicos.
A importância da arbitragem para a Lex Mercatoria é mais exaltada nesta corrente, pela cláusula contratual “pactum de lege utenda (ou ferenda)” [46], as partes convencionam uma lei nacional para reger o contrato, assim como balizar a arbitragem caso ela seja necessária, dessa forma o foro eleito deverá aplicar a lei eleita. A arbitragem pode ser elemento da nova Lex Mercatoria, sendo pactuada por convenção arbitral, clausula arbitral ou compromissória, porém essa não tem sua produção e existência limitada em razão daquela.
Já a terceira teoria, chamada de Hibrida nega que a nova Lex Mercatoria seria um ordenamento jurídico autônomo, assim nega-se que a mesma teria enforcement e nem mesmo self-enforcement, não prescindindo a indicação de um ordenamento ou juiz arbitral para que mesma tenha efetiva aplicação “impositiva” caso ocorra falta espontânea de atuação. Destarte a nova Lex Mercatoria, segundo a concepção que a reconhece como um sistema hibrido, não seria manejável sem um ordenamento jurídico que lhe desse suporte.
Para a teoria hibrida a Lex Mercatoria são normas de proveniência extra-estatais, usos do comercio internacional, legislações internacionais (convenções, leis uniformes), integrados de princípios gerais do direito e se mantém sempre ancorada, direta ou indiretamente, aos ordenamentos jurídicos nacionais. Sustenta-se que é essa “ancoragem” principal aspecto levantado pela teoria hibrida. Esse sistema “hibrido” tem por conseqüência a mudança dos conteúdos das normas nacionais e internacionais[47] quando em contato com ele.
Para essa teoria a nova Lex Mercatoria não é ordenamento autônomo nem massa de regras indeterminadas, ela estaria apoiada no Estado, adentra ao sistema judiciário e gera modificações, enunciados, interpretações. A nova Lex Mercatoria é a base para a reforma do judiciário, e pode ser extraída das decisões judiciais.
Conclusão
A nova Lex Mercatoria está relacionada à globalização e às contribuições pós-modernas e é de grande importância para compreensão das reformas do poder judiciário e as relações de poder fundamentadoras do direito.
Das Classificações apresentadas a teoria híbrida é a que possibilita uma boa compreensão da proporção, da extensão e as implicações do fenômeno. A partir da análise dessa teoria, constata-se que a Lex Mercatoria serve de base para reformas dos Estados[48], para aproximar os ordenamentos jurídicos eliminando divergências[49] e fazer do judiciário instrumento previsível, eficiente e transparente de eliminação de riscos, assegurador de cenário mais favorável para investimentos e de expansão da economia e riqueza.
As instituições[50] freqüentemente utilizam do Soft-power[51] para formatar o Estado de acordo com o mercado, visualiza-se um “dialogo”, entre Banco mundial e os Estados, em que o banco aconselha o poder judiciário à proporcionar resoluções de conflitos transparentes e igualitárias para aprimorar a qualidade e eficiência da Justiça, fomentando um ambiente propício ao comércio e investimentos[52]. A resposta do Estado é a emenda constitucional de nº 45, “todos têm direito à razoável duração do processo”, em que se acatou a diretriz do Mercado, que surge do cálculo econômico que considera o fator essencial para atividades econômicas, o tempo. A preocupação de que o elemento tempo não seja óbice às atividades produtivas fez o judiciário protegê-lo constitucionalmente como garantia fundamental.
Os detentores do poder econômico mundial usam deste poder para assumir a função normativa até então exercida quase exclusivamente pelos Estados. Essa função é propriamente dita normativa quando se manifesta com o surgimento da nova Lex Mercatoria e paranormativa quando os Estados são levados a sedimentarem em seus ordenamentos jurídicos os valores condizentes com a nova Lex Mercatoria sugeridos pelas instituições internacionais. Manifestações dos agentes econômicos mundiais que deixam clara a intenção por parte dos mesmos de assumir forte presença normativa à nível global.
Acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Maringá/PR
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