Resumo: O artigo se propõe a investigar as repercussões e as possíveis contradições do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADI n. 3026-4/DF, que conferiu natureza jurídica sui generis à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No julgado paradigma, entendeu-se que a OAB não se enquadrava em nenhuma das categorias propostas pela doutrina tradicional e, diferentemente dos demais conselhos fiscalizadores de profissões regulamentadas, que gozam de natureza jurídica de autarquia federal, não deveria se submeter ao regime jurídico de direito público. Apesar disso, o STF manteve muitas das prerrogativas típicas das autarquias, gerando dúvidas quanto à sua obrigação de prestar contas.
Palavras-chave: Direito administrativo. Conselhos profissionais. Ordem dos Advogados do Brasil. Natureza jurídica. Prestação de contas.
Abstract: The paper proposes to investigate the consequences and possible contradictions from the Brazilian Supreme Court (STF) in the ruling of ADI n. 3026-4/DF, which granted sui generis legal status to the Brazilian Bar Association (OAB). The leading case held that the OAB did not fit into any of the categories proposed by the traditional doctrine and that, unlike other inspection boards of regulated professions, which bear legal nature of federal authority, the OAB should not abide by the public law regime. Notwithstanding, the Supreme Court retained many of the typical prerogatives of public authorities, stirring controversy regarding its accountability.
Keywords: Administrative law. Professional councils. Brazilian Bar Association. Legal status. Accountability.
Sumário: Introdução. 1 Natureza jurídica dos conselhos profissionais: evolução da jurisprudência. 2 O julgamento paradigmático da ADI n. 3026-4/DF. 3 A quem a OAB presta contas? Conclusão.
Introdução
O presente trabalho tem por objetivo investigar os fundamentos e as repercussões do julgamento paradigmático do Supremo Tribunal Federal (STF) que conferiu natureza jurídica sui generis à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subtraindo-a do alcance das normas constitucionais pertinentes à Administração Pública indireta, sem, todavia, dela retirar todos os privilégios próprios das pessoas jurídicas de direito público (ADI n. 3026-4/DF).
Quando surgiram, os conselhos profissionais ou conselhos fiscalizadores de profissões regulamentadas possuíam natureza jurídica de autarquia e gozavam de personalidade jurídica de direito público. Com o advento da Lei n. 9.649/98, responsável pela reorganização da administração federal, eles passaram a ser considerados pessoas jurídicas de direito privado, sem qualquer vínculo hierárquico com os órgãos da Administração Pública. Por disposição expressa, o referido diploma excluiu de sua abrangência a OAB.
Em virtude das atividades desempenhadas por essas entidades, que envolvem o uso de prerrogativas de direito público, com destaque para o poder de polícia, o STF foi chamado a se manifestar sobre a constitucionalidade da referida lei. Ao se manifestar sobre dispositivos da Lei n. 9.649/98 no bojo da ADI n. 1717-DF, o STF declarou a inconstitucionalidade de alguns de seus dispositivos, mais especificamente do caput e dos parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do art. 58, o que teve por efeito prático restabelecer o statu quo ante, ou seja, restituir aos conselhos profissionais a natureza jurídica de autarquia integrante da Administração Pública indireta.
Como espécie de autarquia profissional de regime especial, os conselhos fiscalizadores possuem todas as prerrogativas e deveres inerentes às demais entidades que compõem a Administração Pública indireta, quais sejam: estão sujeitos à regra da contabilidade pública, o que inclui o efetivo controle pelo Tribunal de Contas da União; as anuidades pagas pelos membros têm natureza de contribuição tributária parafiscal, razão pela qual devem ser cobradas por meio de execução fiscal, regulada pela Lei n. 6.830/80; possuem os mesmos privilégios processuais da Fazenda Pública; gozam de imunidade tributária; seus bens são públicos, ou seja, são imprescritíveis, impenhoráveis e inalienáveis; sujeitam-se à regra constitucional que impõe a realização de concurso público, dentre outras.
Entretanto, a OAB foge à regra geral e o próprio STF se manifestou no sentido de ela ser serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro, possuidora de natureza jurídica sui generis, não podendo ser considerada uma entidade da Administração Pública indireta (ADI n. 3026-4/DF). Na interpretação do STF, a OAB é uma entidade independente, cuja função institucional assenta-se no próprio texto constitucional e não se restringe a finalidades exclusivamente corporativas, mas, sobretudo, à defesa da Constituição, da boa aplicação das leis, da rápida administração da justiça, do aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.
Apesar de a OAB ter substrato constitucional, sendo a advocacia considerada uma das funções essenciais à justiça, buscar-se-á demonstrar que sua categorização como entidade ímpar constitui flagrante e injustificada discriminação, até mesmo porque seu objetivo, assim como o das demais autarquias profissionais, é essencialmente fiscalizar e regulamentar o exercício de profissões. Ademais, o fato de a OAB prestar serviço público indelegável apenas reforça a ideia de que ela deveria integra-se à Administração Pública indireta, submetendo-se, inclusive, ao indispensável controle pelo Tribunal de Contas da União (TCU), tendo em vista que as contribuições pagas pelos inscritos têm natureza compulsória e caracterizam-se como dinheiro público.
1 Natureza jurídica dos conselhos profissionais: evolução da jurisprudência
Os conselhos fiscalizadores de profissões regulamentadas surgiram, inicialmente, com natureza jurídica de autarquia, ou seja, gozavam de personalidade jurídica de direito público. Posteriormente, começou a ganhar corpo a ideia de que os conselhos profissionais não se constituíam com a participação do Estado em seus órgãos dirigentes, que eram compostos integralmente por representantes da própria classe, eleitos por seus associados, e que também elaboravam os regulamentos a serem seguidos na área de atuação da entidade. A Administração Pública não influenciava suas decisões e os recursos de que dispunham eram oriundos das contribuições pagas pela respectiva categoria, não lhes sendo destinados recursos orçamentários, nem fixadas despesas pela lei orçamentária anual.
Foi então que o art. 1º do Decreto-Lei n. 968, de 13 de outubro de 1969, que dispôs sobre o Exercício da Supervisão Ministerial relativamente às Entidades Incumbidas da Fiscalização do Exercício de Profissões Liberais, estabeleceu entendimento de que, às entidades de fiscalização profissional que fossem mantidas por recursos próprios e que não recebessem subvenções ou transferências do orçamento da União, não seriam aplicadas as regras sobre pessoal e demais disposições de caráter-geral, relativas à administração interna das autarquias federais:
“Art. 1º As entidades criadas por lei com atribuições de fiscalização do exercício de profissões liberais que sejam mantidas com recursos próprios e não recebam subvenções ou transferências à conta do orçamento da União, regular-se-ão pela respectiva legislação específica, não se lhes aplicando as normas legais sobre pessoal e demais disposições de caráter-geral, relativas à administração interna das autarquias federais.”
Apesar de nascerem com status de autarquia, aos poucos, foi-se consolidando o entendimento de que eles se assemelhavam muito mais a entidades privadas do que a autarquias federais, seja pela natureza das atividades desempenhadas, seja pela origem dos recursos que geriam. Mas foi apenas com o advento da Lei n. 9.649/98, responsável pela reorganização da administração federal, que o legislador se debruçou mais detidamente sobre o tema para atribuir a todos os conselhos profissionais natureza jurídica de direito privado, sem vínculo hierárquico com os órgãos da Administração Pública:
“Art. 58. Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa.
§2º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, dotados de personalidade jurídica de direito privado, não manterão com os órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.” (destaques acrescidos)
Esse dispositivo é claro ao dispor sobre a ausência de qualquer vínculo funcional ou hierárquico entre os conselhos fiscalizadores de profissões regulamentadas e o poder público. A partir desse marco legislativo, os conselhos passaram a contratar seu quadro de pessoal sob regime da CLT e a funcionar como as demais entidades privadas, inclusive no que tange à cobrança de débitos, como atesta o julgado seguinte:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONSELHOS DE PROFISSÕES LIBERAIS. SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE CARÁTER PRIVADO, EXERCIDO POR DELEGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. EXECUÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES. NATUREZA PARAFISCAL. COMPETÊNCIA DAS VARAS CÍVEIS DA JUSTIÇA ESTADUAL. Tendo natureza parafiscal as contribuições arrecadadas pelos conselhos das profissões liberais, e sendo tais órgãos, por definição legal, serviços de fiscalização de caráter privado (Lei 9.649/98, art. 58), são competentes para as execuções as varas cíveis da Justiça Estadual, não tendo competência privativa a Vara da Fazenda Pública.” (TJSC – CC: 136482 SC 1998.013648-2, Relator: Pedro Manoel Abreu, Data de Julgamento: 11/02/1998, Segunda Câmara de Direito Comercial, Data de Publicação: Conflito de Competência n. 98.013648-2, da Capital) (destaques acrescidos)
Ocorre que, cinco anos depois, de forma unânime, o STF decidiu pela inconstitucionalidade do art. 58 da Lei n. 9.649/98, cujo efeito prático foi o de conferir natureza de autarquia federal aos conselhos profissionais, com todas as prerrogativas e privilégios da Fazenda Pública:
“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao §3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5º, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime.” (STF – ADI: 1717 DF, Relator: SYDNEY SANCHES, Data de Julgamento: 07/11/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 28-03-2003 PP-00061 EMENT VOL-02104-01 PP-00149) (destaques acrescidos)
Não obstante, a doutrina entende que as autarquias profissionais gozam de natureza jurídica híbrida, posto que a observância das normas públicas não ocorre de forma plena ou absoluta. Diz-se que elas são autarquias especiais e sua especialidade reside no fato de que não integram a Administração Pública. Elas não se subordinam, nem se vinculam a nenhuma outra entidade. No desempenho de suas atribuições, devem dispor de plena e absoluta liberdade administrativa, gerencial, financeira, orçamentária, tendo como limite a lei que as criou e os princípios constitucionais. Nesse sentido:
“Mesmo que esses Conselhos sejam autarquias, segundo a definição de uns, porém nunca deixarão de ser autarquias corporativas peculiares, em seu sentido particularíssimo, contudo, jamais aquelas especiais integrantes indiretas do Serviço Público, como tal organizado em carreira à imagem do estampado dogmaticamente na Constituição. (…) Seria um contrassenso que a ação estatal se fizesse em setor de exclusiva atuação da iniciativa privada, para impor o cumprimento de certo regime para os seus empregados, de que defluiriam prerrogativas, privilégios, ônus e encargos, que ao Estado não é dado constranger ao ente paraestatal a que o faça. Nenhuma lei criou cargos públicos em Conselhos Profissionais, e seria absolutamente inadmissível, inconcebível e ininteligível mesmo, que por uma interpretação analógica e ampliativa, viesse o Estado a exigir que essa categoria de empregados se convertesse em servidores públicos, circunstância que por si só já acarretaria a ele mesmo, pesados ônus, decorrentes das consequências dessa absurda metamorfose.” (STF – MS: 21797 RJ, Relator: Min. CARLOS VELLOSO, Data de Julgamento: 04/09/2003, Data de Publicação: DJ 15/09/2003PP-00064) (destaques acrescidos)
Alhures, reiterou-se a ideia de que os conselhos profissionais, apesar de serem autarquias federais regidas pelo direito público, não se submetem a todas as regras aplicáveis aos demais entes da Administração Pública indireta, quando se analisou a aplicabilidade das regras sobre acesso à informação previstas na Lei n. 12.257/2011. É que, não obstante a Controladoria-Geral da União ter a possibilidade de rever as decisões de indeferimento de acesso à informação, formulados com base na Lei n. 12.257/2011, a Comissão Mista de Reavaliação de Informações sumulou o seguinte entendimento de que isso não se aplica aos conselhos profissionais:
“Súmula CMRI nº 7/2015. CONSELHOS PROFISSIONAIS – Não são cabíveis os recursos de que trata o art. 16 da Lei nº 12.527, de 2011, contra decisão tomada por autoridade máxima de conselho profissional, visto que estes não integram o Poder Executivo Federal, não estando sujeitos, em consequência, à disciplina do Decreto nº 7.724/2012.”
Percebe-se que, não obstante serem consideradas autarquias, os conselhos fiscalizadores de profissões regulamentadas submetem-se a um regime jurídico ambíguo no ordenamento jurídico brasileiro, razão pela qual grande parte da doutrina lhes acrescenta a alcunha de “especial”. Seriam pois, juntamente com as agências reguladoras, autarquias especiais, submetidas a regras majoritariamente de ordem pública, mas com algumas ressalvas, como é o caso de sua subsunção às regras insertas na Lei de Acesso à Informação.
Apesar disso, mesmo dentro do contexto das autarquias especiais, a OAB destaca-se pela sua suposta singularidade e pelo fato de, recentemente, o STF ter-lhe conferido natureza ímpar, ou seja, que não se classifica em nenhuma das modalidades atualmente existentes no Direito Administrativo brasileiro.
2 O julgamento paradigmático da ADI n. 3026-4/DF
A ADI n. 3026-4/DF foi proposta pelo Procurador-Geral da República, que se insurgiu contra dispositivo da Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. O dispositivo atacado dispunha sobre a aplicabilidade do regime trabalhista aos servidores da OAB, cujas regras estão contidas na CLT, e não o regime jurídico único dos servidores civis da União, consubstanciado na Lei n. 8.112/90.
A referida lei dispunha expressamente que aos servidores da OAB seria aplicável o regime trabalhista, ou seja, aquele ao qual se submetem os trabalhadores da iniciativa privada:
“Art. 79. Aos servidores da OAB, aplica-se o regime trabalhista.
§ 1º Aos servidores da OAB, sujeitos ao regime da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, é concedido o direito de opção pelo regime trabalhista, no prazo de noventa dias a partir da vigência desta lei, sendo assegurado aos optantes o pagamento de indenização, quando da aposentadoria, correspondente a cinco vezes o valor da última remuneração.
§ 2º Os servidores que não optarem pelo regime trabalhista serão posicionados no quadro em extinção, assegurado o direito adquirido ao regime legal anterior.”
Dentre as razões do pedido, o Procurador-Geral da República aduziu que a OAB tinha natureza de autarquia e que, portanto, não poderia furtar-se à exigência de concurso público de provas ou de provas e títulos para seleção de seus servidores contida no art. 37, II, da Constituição Federal.
O resultado dessa ADI foi o histórico julgamento cuja transcrição da ementa justifica-se em virtude da essencialidade ao presente trabalho. Nela, o STF consagrou a ideia hoje corrente de que a OAB não é autarquia e que não se submete aos ditames da Lei n. 8.112/90:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. §1º DO ARTIGO 79 DA LEI N. 8.906, 2ª PARTE. "SERVIDORES" DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. PRECEITO QUE POSSIBILITA A OPÇÃO PELO REGIME CELESTISTA. COMPENSAÇÃO PELA ESCOLHA DO REGIME JURÍDICO NO MOMENTO DA APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. IMPOSIÇÃO DOS DITAMES INERENTES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). INEXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A ADMISSÃO DOS CONTRATADOS PELA OAB. AUTARQUIAS ESPECIAIS E AGÊNCIAS. CARÁTER JURÍDICO DA OAB. ENTIDADE PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO INDEPENDENTE. CATEGORIA ÍMPAR NO ELENCO DAS PERSONALIDADES JURÍDICAS EXISTENTES NO DIREITO BRASILEIRO. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DA ENTIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A Lei n. 8.906, artigo 79, §1º, possibilitou aos "servidores" da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista. Compensação pela escolha: indenização a ser paga à época da aposentadoria. 2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta. 3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como "autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas "agências". 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária. 6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público. 7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional. 8. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente. 9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se dê interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição do Brasil ao caput do artigo 79 da Lei n. 8.906, que determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores da OAB. 10. Incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB. 11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade. 12. Julgo improcedente o pedido.” (STF – ADI: 3026 DF, Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 08/06/2006, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 29-09-2006 PP-00031 EMENT VOL-02249-03 PP-00478RTJ VOL-00201-01 PP-00093) (destaques acrescidos)
Em comentário ao referido julgado, Ives Gandra da Silva Martins tece inúmeros elogios à decisão do STF, afirmando que a OAB não poderia ter natureza jurídica de autarquia, posto que isso feriria de morte sua autonomia, além de colocá-la juridicamente sob o manto do Estado, quando, de fato, com este ela não guarda qualquer laço de dependência. O referido autor destaca, ainda, que os seguintes aspectos foram consagrados pelo STF no julgamento da ADI n. 3026-4/DF:
“a) a OAB não se sujeita aos ditames impostos pela Administração Pública Direta e Indireta;
b) a OAB não é uma entidade de Administração Indireta da União;
c) a Ordem é um serviço público independente;
d) a Ordem não está inserida na categoria das autarquias especiais;
e) a Ordem não está sujeita ao controle da Administração;
f) a Ordem não está vinculada a qualquer parte da Administração Pública;
g) não há relação de dependência entre qualquer órgão público e a Ordem;
h) a Ordem ocupa-se das atividades atinentes aos advogados, que exercem função institucionalmente privilegiada;
i) a Ordem possui finalidade institucional;
j) Não há necessidade de concurso público para admissão de contratados sob o regime trabalhista para atender seus serviços;
k) a Ordem é uma categoria impar no elenco das personalidades jurídicas do direito brasileiro.” (2007, p. 9)
O julgado foi um marco importante para a OAB. Nele, os Ministros do STF fizeram observações dignas de nota. O Ministro Carlos Britto, lembrando que o constituinte fez três menções à OAB, cinco ao Conselho Federal e quatorze vezes a advogado, asseverou ser de bom alvitre que a OAB permanecesse desvinculada do Poder Público. Fez ainda um paralelo entre a corporação representativa dos advogados e a imprensa:
“O regime jurídico da OAB, na verdade, é tricotômico: começa com a Constituição, passa pela lei orgânica da OAB, Lei n 8.906, e desemboca nesses provimentos endoadministrativos, endógenos ou da própria instituição. Para terminar, faço um outro paralelo entre a OAB e a imprensa: a OAB desempenha um papel de representação da sociedade civil, histórica e culturalmente, que pode se assemelhar àquele papel típico da imprensa. É bom que a Ordem dos Advogados do Brasil permaneça absolutamente desatrelada do Poder Público. Longe de ser fiscalizada pelo Poder Público, ela deve fiscalizar com toda autonomia, com toda independência, o Poder Público, tal como faz a imprensa.”
O Ministro Cesar Peluzo principiou seu voto dizendo que a OAB se sujeitava a algumas regras de direito público e a outras de direito privado, porém ao analisar a questão específica do regime de pessoal, disse que esse apresentava sobretudo características do regime privado, posto que a criação de cargos não dependia de lei:
“Há uma tendência óbvia na ciência do Direito e entre os seus aplicadores, também, de, diante de certas dificuldades conceituais, se recorrer às categorias existentes e já pensadas como se fossem escaninhos postos pela ciência, onde um fenômeno deva ser enquadrado forçosamente. […]
Estou colocando a premissa da minha conclusão. Isso significa, para abreviar, que a instituição está sujeita a normas de direito público e, ao mesmo tempo, a normas de direito privado, independentemente de saber se é autarquia típica, se é autarquia especial. Isto não importa para se resolver o caso concreto, admitir que, perante o ordenamento jurídico, a OAB está sujeita, em alguns aspectos, a normas de direito público e, em outros, a normas de direito privado. A pergunta que fica é a seguinte: o regime de pessoal da Ordem está sujeito a regras de direito público? Os cargos são criados por lei? Há necessidade de lei para regular qualquer circunstância do regime jurídico de pessoal? A melhor resposta, a meu ver, é obviamente negativa e, se o é, isto é, se não se aplicam ao regime jurídico do pessoal da Ordem normas de direito público, ainda que tenham outras explicações, a mim me parece que a resposta à pergunta é que não há interpretação conforme no sentido do pedido, porque não se exige concurso público, pois o pessoal da ordem dos Advogados não está sujeito a normas de direito público.”
O relator, Ministro Eros Grau, esclareceu em seu voto que a OAB sequer poderia ser classificada como autarquia especial, posto tratar-se de figura singular no âmbito do direito brasileiro. Trata-se da tese vencedora, que teve o condão de criar um novo gênero no elenco de personalidade jurídicas, um que se aplica com exclusividade à OAB:
“[…] não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. A OAB não está incluída na categoria da qual se inserem essas que se tem referido como ‘autarquias especiais’ para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas ‘agências’. Por não se consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não esta sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não vinculação é formal e materialmente necessária. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça. É entidade cuja finalidade é feita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional.” (destaques acrescidos)
Os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa foram as duas vozes destoantes no julgamento e que se opuseram, em graus distintos, ao esse entendimento de que a OAB não encontrava guarida no espectro das personalidades jurídicas existentes no Direito Público brasileiro.
Gilmar Mendes, fazendo referência a precedentes do próprio STF, relembrou que a OAB exerce serviço público, por se tratar de pessoa jurídica de direito público (autarquia), conforme disposto na ementa da ADI n. 1.707/DF:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.607, de 31 de maio de 1990, do Estado de Mato Grosso que atribui em favor da OAB, Seção daquele Estado, parcela de custas processuais. Exercendo a OAB, federal ou estadual, serviço público, por se tratar de pessoa jurídica de direito público (autarquia), e serviço esse que está ligado à prestação jurisdicional pela fiscalização da profissão de advogado que, segundo a parte inicial do artigo 133 da Constituição, é indispensável à administração da justiça, não tem relevância, de plano, a fundamentação jurídica da arguição de inconstitucionalidade da lei em causa no sentido de que o serviço por ela prestado não se vincula à prestação jurisdicional, desvirtuando-se, assim, a finalidade das custas judiciais, como taxa que são . – Ausência, também, do "periculum in mora" ou da conveniência em suspender-se, liminarmente, a eficácia dessa Lei estadual. Pedido de liminar indeferido.” (STF – ADI: 1707 MT, Relator: Min. MOREIRA ALVES, Data de Julgamento: 01/07/1998, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 16-10-1998 PP-00006, EMENT VOL-01927-01 PP-00043)
Em alguns momentos, o Ministro Joaquim Barbosa foi irônico ao observar durante os debates do Pleno que a OAB seria “panglossianamente” pública e privada, querendo sempre estar no melhor dos mundos, e destacou que uma das poucas características, senão a única, que a distinguiria dos demais conselhos profissionais, seria o fato dela estar elencada no rol de legitimados do art. 103 da Constituição Federal para interpor ADI.
No julgamento, é visível o estupor do Ministro Joaquim Barbosa, ao afirmar que há uma ambiguidade, uma incongruência em todo o estatuto jurídico da OAB. Em um trecho do julgado, ele defende que a OAB deveria assumir uma atitude radical no sentido de dar um caráter liberal à profissão de advogado e que deveria, em suas próprias palavras, “sair das costelas do Estado, abrir mão desse seu papel de coauxiliar na formação da vontade do Estado e assumir uma postura liberal”. Ele clama, em outras palavras, que a OAB se assuma ou como ente privado, com todas as suas consequências, inclusive no que tange, por exemplo, à desnecessidade de concurso público para contratação de pessoal e à não subsunção de seus créditos à lei de execução fiscal, ou como ente público, hipótese na qual deveria assumir o ônus, juntamente com o bônus que esse status lhe conferiria.
O fato é que a OAB receia ser vista como autarquia para não ter que se submeter a algumas amarras que esse sistema jurídico naturalmente lhe imporia. Os defensores dessa tese, hoje vitoriosa, afirmam que não há qualquer vínculo entre a OAB e a Administração Pública e que a criação de eventual laço de subordinação seria deletéria aos interesses da sociedade. Marçal Justen Filho (2012, p. 243) afirma categoricamente que, do ponto de vista puramente teórico, é questionável a orientação de que apenas a OAB mereceria um regime jurídico diferenciado.
Apesar disso, o fato é que a decisão proferida na ADI n. 3026-4/DF consagrou a tese de que a OAB é uma corporação jurídica autônoma, sujeita a regime jurídico especial e próprio. Ocorre que, dessa afirmação, exsurgem algumas contradições que merecem ser investigadas.
3 A quem a OAB presta contas?
Aspecto que suscita intenso debate é a fiscalização dos conselhos de classe e, dentro desse cenário, a fiscalização da OAB. É que os demais conselhos fiscalizadores de profissões regulamentadas submetem-se à fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU). No momento em que a condição de autarquia dos conselhos profissionais foi consolidada, todas as demais regras do regime jurídico público que lhe são próprias passaram a se aplicar, entendimento que veio a ser reforçado pela Instrução Normativa TCU nº 63/2010.
Ocorre que esses dispositivos e entendimentos não são extensíveis à OAB, o que é fator gerador de grande estranheza. Ives Gandra da Silva Martins defende que a OAB não deve ser fiscalizada, posto ser entidade fiscalizadora. Não se trata de argumento suficientemente sólido, posto que o controle é uma marca indelével do Estado democrático de direito, ao qual estão submetidos todos os seus poderes, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o próprio Tribunal de Contas. Ele afirma:
“Estou convencido de que exatamente por força desta independência e desta autonomia, a Ordem dos Advogados não poderia jamais –como, com fantástico rigor científico a Suprema Corte reconheceu- estar submetida a qualquer poder, a fiscalização externa, a qualquer controle, visto que é instituição fiscalizadora das instituições e passaria a correr o risco de ser controlada e manietada, restringindo a sua função maior perante a sociedade. […] A Ordem tem esta função maior, portanto, como representante do povo, de preservar e defender as instituições, mais do que qualquer outra, visto que as demais, por mais relevantes que sejam as suas funções, estão subordinadas a rígidas normas da Administração, podendo sofrer as limitações próprias e necessárias, muitas vezes, determinadas pelos controles internos e externos das Cortes de Contas.” (MARTINS, 2007, p. 22-23)
Com esse entendimento, a sociedade perde em publicidade e transparência, justamente com uma entidade que tem missão constitucional tão destacada. Ao consagrar natureza jurídica sui generis OAB, o STF lhe assegurou privilégios únicos, sem que estes fossem estendidos a qualquer outra entidade privada. Quanto à necessidade de prestar constas, colhe-se da jurisprudência:
“ADMINISTRATIVO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS PERANTE O TCU. OBRIGATORIEDADE. SUPERVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO NORMATIVA TCU Nº 63/2010. PERDA DE OBJETO. 1. Trata-se de remessa oficial e de apelação interposta contra sentença que julgou procedente do pedido formulado, consistente na declaração a) de nulidade dos Acórdãos TCU nºs 967/2007, 2.190/2007 e 3.562/2007, que reconheceram a incompetência do Tribunal de Contas da União para apreciar as contas das entidades de fiscalização profissional; b) da competência do TCU no que concerne ao controle externo das autarquias federais de fiscalização profissional. 2. No julgamento da ADI 1717-6, o Supremo Tribunal Federal proclamou a necessidade da prestação de contas pelos conselhos profissionais ao TCU, em face do que determina o parágrafo único do art. 70 da Carta Magna Nacional, que, "em uma primeira visão, não poderia ser desconsiderado por uma instrução normativa, pois o poder de regulamentar de qualquer órgão não deve atuar para limitar a sua competência constitucional" (TRF/1ª Região, AG 2007.01.00.015231-2/MT, rel. Juiz Federal Reynaldo Soares da Fonseca). 3. Com a superveniência da Instrução Normativa TCU nº 63/2010, a competência constitucional do Tribunal de Contas da União para julgar as contas dos conselhos profissionais ficou preservada. 4. Assim, o Tribunal de Contas da União manteve o seu controle externo sobre os Conselhos de fiscalização profissional, disciplinando apenas a forma pela qual será implementado o exercício mais adequado, eficiente e econômico da sua competência constitucional. Configurada, portanto, a perda do objeto desta ação. 6. Processo extinto sem resolução do mérito (art. 267, VI, do CPC). Apelação e remessa oficial prejudicadas”. (TRF-1 – AC: 00102599320084013400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL REYNALDO FONSECA, Data de Julgamento: 24/02/2015, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: 06/03/2015) (destaques acrescidos)
Ocorre que nada disso se aplica à OAB, que permanece à ilharga de qualquer fiscalização e que não presta contas a virtualmente ninguém. A própria natureza das contribuições que são recolhidas pelos conselhos profissionais é parafiscal, sendo que o fato de não depender de subvenções públicas era justamente um dos elementos utilizados pelo STF para dizer que a OAB gozava de autonomia e independência do Estado. Ora, se recolhe contribuições de seus membros, as quais possuem natureza parafiscal, a OAB deveria, sim, prestar contas tanto a seus membros quanto ao TCU.
Infelizmente, não é isso que se vê e a OAB, bastião da liberdade e da defesa da cidadania, função essencial à administração da justiça, permanece sendo uma das instituições menos transparentes da República, sendo esta crítica compartilhada por outros autores:
“É sabido que a OAB não tem o costume de prestar contas a seus membros, o que por si só, viola os princípios fundamentais da publicidade e transparência, fundamentais em qualquer entidade pertencente à administração pública, seja ela categoria ímpar ou não. Diante do relevante papel que a OAB desempenha no Estado Democrático de Direito, o mínimo que se espera é que ela detalhe a sua situação financeira, divulgando-a aos seus membros.” (FERREIRA, 2011)
O mais estranho é que, mesmo não sendo autarquia, nem prestando contas ao TCU, a OAB mantém privilégios da Fazenda Pública na execução de seus créditos, possui prerrogativas processuais e imunidade tributária, ou seja, um verdadeiro frankenstein jurídico, formado a partir de pedaços soltos e ligados entre si pela simples vontade dos que julgaram de forma casuísta e pouco coerente:
“A situação diferencial da OAB decorrente desta decisão do STF insere em nosso ordenamento jurídico uma situação peculiar que fere, a priori, a isonomia constitucional por diferenciar entidades de classe de mesmo padrão. Em que pese os argumentos que tendem a diferenciar a OAB das demais entidades do gênero, o fato é que a forma como foram tratadas pelo STF impõe à mesma beneplácitos que contrariam o sistema jurídico, violando preceitos constitucionais próprios, como o dever de licitar, o qual tem como objetivo a obtenção da melhor proposta possível para a Administração Pública. Não se pode olvidar que o serviço por ela prestado é público e que a mesma não está obrigada a observar os preceitos já mencionados o que gera incongruência e sérios questionamentos quanto a fiscalização das ações da OAB, pois que as mesmas também não estão submetidas ao controle finalístico. Ademais, continua a OAB a ter benefícios que seriam próprios de autarquias, mas não tem obrigações típicas destes entes, não podendo ser justificativa para tal condição, o caráter impar do serviço por ela prestado, porque de todo modo, o serviço por mais imperioso que seja, é antes de tudo, um serviço público” (OLIVEIRA, 2010)
Ainda a questionar a inteligência da decisão do STF sobre a natureza jurídica da OAB, existe a conhecida crítica de Maria Sylvia Zanella Di Pietro à decisão proferida na ADI n. 3026-4/DF, vazada nos seguintes termos:
“Com essa decisão, a OAB passa a ser considerada como pessoa jurídica de direito público no que esta tem de vantagens (com todos os privilégios da Fazenda Pública, como imunidade tributária, prazos em dobro, prescrição quinquenal etc.), mas não é considerada pessoa jurídica de direito público no que diz respeito às restrições impostas aos entes da Administração Pública direta e indireta (como licitação, concurso público, controle). A decisão é absolutamente inaceitável quando se considera que a OAB, da mesma forma que as demais entidades profissionais, desempenha atividade típica do Estado (poder de polícia, no qual se insere o poder disciplinar) e, portanto, função administrativa descentralizada pelo Estado. Ela se enquadra tanto no conceito de serviço estatal descentralizado, que constava da Lei n. 6.016/43, como se enquadra como atividade típica do Estado, constante do art. 5o, I, do Decreto-lei n. 200. O acórdão do Supremo Tribunal Federal, com todo o respeito que é devido à instituição, criou uma fórmula mágica para subtrair a OAB do alcance das normas constitucionais pertinentes à Administração Pública indireta, quando essas normas imponham ônus ou restrições, sem, no entanto, retirar-lhe os privilégios próprios das demais pessoas jurídicas de direito público” (2014, p. 504).
E essas palavras fazem com que mais uma vez se retome a crítica do Ministro Joaquim Barbosa, no sentido de que a OAB é panglossianamente pública e privada e que busca, incansavelmente, estar no melhor dos mundos, abraçando os privilégios públicos, mas repelindo as obrigações de prestar contas; abraçando a imunidade tributária, mas repelindo a obrigatoriedade de concurso público.
Conclusão
O presente trabalho buscou lançar luzes sobre o debate acerca da natureza jurídica da OAB. Apesar de não tema exatamente novo, ele ainda suscita vivo debate entre doutrinadores, que ainda não chegaram a um consenso sobre como enquadrar essa entidade que tem prestado valorosos serviços à sociedade brasileira desde sua criação.
Há doutrinadores que defendem que ela deveria ser considerada uma autarquia federal como os demais conselhos profissionais, outros afirmam que a colocar sob o manto do Estado feriria de morte sua independência e autonomia, além de ser uma inaceitável incongruência jurídica, posto que a OAB não guarda nenhum vínculo de subordinação ou mesmo de vinculação com a Administração Pública.
O fato que causa espécie em todo esse debate é a solução encontrada pelo STF de considerar a OAB uma categoria ímpar, singular e sui generis, sem paralelo com nenhuma outra no ordenamento jurídico brasileiro. Ao que parece, o STF furtou-se à sua obrigação de enfrentar a questão com ousadia e altivez, optando por uma solução de compromisso, cujo resultado foi a criação de um frankenstein jurídico cujas contradições vêm à tona a cada instante.
Seria aconselhável que antes de adotar tal subterfúgio jurídico, o STF se debruçasse sobre os elementos que distinguem a OAB dos demais conselhos profissionais de classe. Ora, em que o conselho dos advogados é maior merecedor de autonomia do que o conselho de engenheiros, ou de químicos, ou de qualquer outra categoria profissional? Não parece razoável que a OAB seja colocada num limbo jurídico usufruindo de inúmeras benesses conferidas pelo regime jurídico de Direito Público, mas furtando-se à aplicação das regras que lhe são menos favoráveis, como, por exemplo, a obrigação de prestar contas aos órgãos de controle externo.
É fato que a própria decisão do STF de considerar os conselhos profissionais como autarquias federais é merecedora de críticas, mas se estes exercem poder de polícia e outras atividades indelegáveis a entidades privadas, outra não poderia ter sido a conclusão do Pretório Excelso. Ocorre que a OAB também exerce poder de polícia e não poderia, seguindo a mesma linha de raciocínio consagrada na ADI n. 1717/DF, eximir-se da condição de entidade que exerce múnus público e que se submete a regime jurídico majoritariamente público.
Acerca da autonomia e independência, destaque-se que há inúmeros exemplos no ordenamento jurídico brasileiro de entes que possuem essas garantias, mesmo integrando a esfera estatal. É o caso do Ministério Público, tido por muitos como um quarto poder constitucional. Não se pode dizer que o Ministério Público, por possuir vínculos com o Estado, tem sua independência e autonomia comprometidos. Não é o que se vê na prática. Essa instituição, inobstante fazer parte do Estado e ser por ele subsidiado através de parcela orçamentária própria, tem ganhado cada vez mais destaque enquanto defensor da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Com a devida vênia que se deve às decisões do STF, percebe-se claramente a fragilidade dos fundamentos empregados na ADI n. 3026-4/DF, sobretudo quando se observa que as garantias e privilégios típicos da Administração Pública não foram extirpados da OAB, ou seja, ela é privada naquilo que lhe interessa, e pública naquilo que lhe convém. A decisão é deveras casuística e suscita dúvidas sobre sua inteligência e perenidade. Diante desse cenário, nada mais coerente que, no futuro, novos debates cheguem à Corte Suprema e que, diante de uma nova composição desse colegiado, o equívoco seja desfeito, seja para enquadrar a OAB como entidade pública, com todos os privilégios e obrigações, seja para enquadrá-la como entidade privada, com as consequências naturais que disto adviria.
Analista do Ministério Público de Santa Catarina MPSC; Mestre em Direito UFSC; Especialista em Direito Público Faculdade Damásio
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