Resumo: O instituto dos alimentos tem por pressuposto garantir a sobrevivência do alimentando, proporcionando-o, sobretudo, uma vida digna e saudável. Quando o enfoque é alimentos sempre deverá ser observado, para a concessão de tal benefício, o binômio necessidade/possibilidade, pois deve se levar em consideração a necessidade do alimentando e a possibilidade do alimentante de arcar com a pensão alimentícia. É um tema bastante profundo e lastreado de conflitos, que provêm, sobretudo, da complexidade das relações sociais e de algumas omissões legais. Neste contexto, a pesquisa visa demonstrar, de forma clara e precisa, a natureza e as principais características do instituto. Abrange, como ponto de referência central, a análise dos parâmetros legais da obrigação de prestar alimentos gravídicos, conforme estabelecido na Lei n. 11.804/2008. Desta forma, liga-se a direitos fundamentais e princípios basilares do ordenamento jurídico pátrio, tais como a dignidade da pessoa humana, o direito a vida e a posição jurídica do nascituro.
Palavras chave: Alimentos-assistência-embrião-paternidade-gestação.
Abstract: The institute of aliment is assumed to ensure the survival of feeding, providing it mainly a dignified and healthy life. When the focus is aliment it should always be observed, for the grant of such a benefit, the binomial need / opportunity, as it must take into account the necessity of feeding and the possibility of provider to afford alimony. It is a very deep subject and supported conflict, stemming mainly from the complexity of social relations and some legal omissions. In this context, the research aims to demonstrate clearly and precisely, the nature and main characteristics of the institute. It covers, as a central reference point, the analysis of the legal parameters of the obligation to provide gravidic aliment, as established by Law n. 11.804 / 2008. In this way, it binds the fundamental rights and basic principles of the national legal system, such as human dignity, the right to life and the legal position of the unborn child.
Keywords:Aliment-assistance-embryo-paternity-pregnancy
Sumário: Introdução. 1. Alimentos. 1.1. Noções iniciais 1.2. Principais características 1.2.1. Pessoalidade 1.2.2. Transmissibilidade1.2.3. Irrenunciabilidade 1.2.4. Impenhorabilidade 1.2.5. Incedibilidade 1.2.6. Incompensabilidade.1.2.7. Imprescritibilidade 1.2.8. Irrepetibilidade 2. Relação jurídica obrigacional alimentar. 2.1. Constituição da obrigação 2.2. Requisitos 2.2.1. Necessidade 2.2.2. Possibilidade 2.2.3 Proporcionalidade 2.2.4. Reciprocidade 2.3. Extinção da obrigação 3. Alimentos gravídicos (Lei 11.804/2008). 3.1. Definição e hipóteses de cabimento. 3.2. Concessão dos Alimentos e Ônus Probatório 3.3. O quantum da prestação. 3.4. Termo inicial. 3.5. Possibilidade de conversão, revisão, extinção dos alimentos gravídicos. 4. A responsabilidade pela falsa imputação de paternidade. 5. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A história relata que desde os primórdios o ser humano sempre necessitou de amparo e cuidado por parte de seus semelhantes; com a evolução da espécie, passou a ter outras necessidades, essenciais à sobrevivência. Dentre elas, destaca-se a necessidade de alimentos.
Na sociedade moderna, muitas pessoas não conseguem, por si só, os recursos necessários para prover a própria subsistência. Os motivos são os mais variados possíveis, tais como: a má qualificação para o mercado de trabalho, os relativos à saúde, idade, taxas de desemprego, etc.
Cabe ao Estado, a fim de promover o bem estar social, socorrer estas pessoas através de sua atividade assistencial. Mas, em complemento a sua atividade, para aliviar-se de parte do encargo, impõe esta obrigação aos parentes do necessitado, como se observa no artigo 1694[1] do Código Civil de 2002, na forma da prestação de alimentos.
Menciona Washington de Barros Monteiro: “a obrigação alimentar constitui estudo que interessa ao Estado, à sociedade e à família.” [2] Diante disso, é matéria de ordem pública, a qual não pode o cidadão renunciar seu direito.
Tal esforço estatal busca empreender efetivamente o direito a vida e a dignidade da pessoa humana, em âmbito social, conforme previstos, respectivamente, no artigo 5º e 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.
Pelo exposto, é de se notar que tal obrigação se localiza em um patamar superior as demais obrigações civis, visto que está diretamente relacionada aos princípios basilares da Constituição Federal. Em razão disso, ela apresenta características peculiares, tais como: caráter personalíssimo, imprescritível, inalienável, irrepetível, irrenunciável, que serão a seguir abordadas.
Ponto crucial deste trabalho é a análise da prestação de alimentos gravídicos, dotada de legislação e característica peculiar, que passou por um grande processo interpretação e desenvolvimento.
O instituto dos alimentos gravídicos foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro no ano de 2008 pela lei 11.804 e, a partir de então, se solidificou o entendimento no que diz respeito à necessidade de se respeitar e valorizar a dignidade do nascituro.
Sob outro ponto, o instituto também visa sedimentar o entendimento basilar de educação e amparo que deve ser concedido pelos pais a seus filhos, no âmbito do poder familiar. Assim como a garantia de subsistência, vida e saúde da mulher durante o período da gestação.
A partir destes breves comentários se depreende que o instituto em apreço se revela de grande importância no âmbito das relações jurídicas e visa implementar princípios e diretrizes constitucionais, assegurando aos cidadãos direitos fundamentais necessários a vida digna.
1. ALIMENTOS
1.1 Noções iniciais
Preliminarmente, cabe resaltar que, quando comparado a noção vulgar, popular, da palavra, o direito confere aos alimentos uma concepção mais abrangente. Caio Mario da Silva Pereira menciona que o vocábulo deve ter uma interpretação estendida para além da acepção fisiológica, passando a integrá-lo também tudo aquilo que é necessário à manutenção individual: sustento, habitação, vestuário, tratamento.[3]
Por conseguinte, unânime é a posição da doutrina, expondo que não existe diferença substancial entre as acepções da palavra “alimentos”. Yussef Said Cahali assevera ainda que “alimentos são, pois, as prestações devidas, feitas para aquele que as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito a vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional).” [4]
Noção que segue tal conclusão é referente à natureza dos alimentos, estes são ditos naturais quando remeterem às necessidades indispensáveis à sobrevida do indivíduo, não consideradas as particularidades, fixados em relação a um limite do necessário, o qual abrange a alimentação, vestuário e habitação.
Seguindo o desenvolvimento do conceito, a noção de alimentos civis é aquela que inclui aos já mencionados acima o auxílio prestado a pessoa para que ela possa prover suas necessidades em sentido amplo, devem ser taxados segundo as suas qualidades e deveres.
Sob outra análise, os alimentos apresentam finalidade provisional/provisória, quando eles são concedidos durante o trâmite processual, buscando a manutenção do suplicante. Cumpre ressaltar que nesse caso eles compreendem também o necessário para cobrir as despesas do processo.
Em contrapartida, são ditos definitivos aqueles já estabelecidos pelo juiz ou mediante acordo entre as partes, ainda que sujeitos a futuras alterações e revisões. Estes apresentam caráter definitivo, de prestações periódicas.
1.2 Principais características
1.2.1 Pessoalidade
Esta é considerada característica fundamental da prestação de alimentos, baseada no caráter de ordem pública das normas que o disciplinam, já que fundados em motivos humanitários e piedosos. A faculdade de perseguir os alimentos cria ao necessitado um direito especial e ao devedor uma obrigação da qual não pode se esquivar.
1.2.2 Transmissibilidade
A regra da intransmissibilidade, constante no Código Civil de 1916, se justificava pela natureza de direito personalíssimo dos alimentos. No entanto, o atual Código reverteu a lógica anterior estabelecendo a transmissão da obrigação de prestar alimentos.
Com isso, a partir da taxatividade do texto legal, a doutrina majoritariamente admite a transmissão, estabelecendo, porém, algumas ressalvas. Consideram uma exceção ao caráter personalíssimo dos alimentos. Como defendem Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:
“Ao nosso ver, tratando-se de uma obrigação personalíssima, os alimentos não deveriam admitir transmissão, impondo-se reconhecer sua automática extinção pelo falecimento do alimentante ou mes mo do alimentado. Somente as prestações vencidas e não pagas é que se transmitiriam aos herdeiros, dentro das forças do espólio, por se tratar de dívida do falecido, transmitida juntamente com o seu patrimônio, em conformidade com a transmissão operada por saisine (CC, art. 1.784). Não vemos, portanto, com bons olhos a opção do legislador civil, desprovida de sustentação jurídica e atentatória à natureza personalíssima da obrigação.”[5]
Mas, diante de uma análise mais profunda, tem-se que a qualidade de direito personalíssimo deriva do seu caráter tutelar, a fim de garantir a existência digna do indivíduo necessitado. Sendo assim, a prestação é direcionada ao alimentado, o que lhe confere tais características peculiares, aqui expostas.
O direito é personalíssimo, já que liga duas pessoas (credor alimentado e devedor alimentante) unidas por determinado vínculo levando em consideração suas situações pessoais (binômio da necessidade versus possibilidade).
Dito isto, certo é que o caráter personalíssimo não é abalado pela transmissiblidade. A obrigação alimentar segue como uma obrigação pessoal relativa ao falecido e seu credor, o que se transfere é a prestação. Nesse sentido, Walsir Edson Rodrigues Júnior:
“A obrigação de prestar alimentos se transmite aos herdeiros do devedor (nos limites das forças da herança), e não o direito a alimentos e a obrigação em si. Não é possível a transmissão da condição própria, personalíssima, de alimentário e de alimentante. Na verdade, a obrigação alimentar é pessoal e intransferível, mas a obrigação de prestá-la, não.”[6]
Questão relevante que merece atenção refere-se ao fato de que a regra da transmissibilidade deve ser aplicada exclusivamente na situação de morte do alimentante. Caso o alimentando venha a falecer a obrigação será extinta, não havendo sucessão para o recebimento das pensões desta data em diante, mas apenas das parcelas vencidas e não pagas como qualquer dívida contraída em vida pelo alimentante falecido. Nas palavras de Maria Helena Diniz:
“Todavia, se falecer o beneficiado, extingue-se a obrigação, e se, porventura, seus herdeiros forem carentes de recursos materiais, terão de requerer alimentos de quem seja obrigado a prestá-los, fazendo-o por direito próprio e não como sucessores do falecido.”[7]
1.2.3 Irrenunciabilidade
Conforme dita o Artigo 1.707 do Código Civil de 2002 (CC/02): “pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”. Dito isto, é de fácil constatação a existência da irrenunciabilidade do direito de pleitear alimentos.
É possível, apenas como faculdade, o credor não pleitear os alimentos, quando, por motivos pessoais, não acha necessário fazê-lo. Noção que se depreende da literalidade do artigo citado.
Como fundamento para tal está o interesse público que rege a norma, consequência natural do conceito e razão da prestação, sendo manifestação do direito a vida e dignidade da pessoa humana.
A discricionariedade trazida pelo Código Civil de 2002 fundamenta-se no exercício do direito que, neste sentido, admite que o credor não o pleiteie. É uma forma de renúncia às prestações passadas, com o não exercício do direito.
Questão relevante a ser exposta se refere ao acordo de divórcio. Diante da súmula 379 do Supremo Tribunal Federal (STF) “no acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificado os pressupostos legais”.
Deste dispositivo tem-se o entendimento que os alimentos eram irrenunciáveis, pois sob a égide do Código Civil de 1916 a competência para julgar tais ações era do Supremo Tribunal Federal, e esta súmula era a expressão do entendimento dos magistrados à época:
“PENSÃO. ALIMENTOS PROVISIONAIS. MULHER DESQUITADA. RENUNCIA. 1. Recurso. Não e conhecer-se do recurso extraordinário referente aos alimentos provisionais se não atende ele aos pressupostos que o justificariam, a par do que o julgamento da ação principal de qualquer sorte o prejudica. 2. Recurso. Embora tenha havido renuncia a pensão alimentar pela mulher, na ocasião da separação judicial, e possível possa ela futuramente obte-la se da prova dos autos resulta dela necessitar, já assim ocorrendo quando da separação. E pode pleitea-la, embora já divorciada, pois a perda do direito a alimentos – se deles precisava – somente se da no caso de novo casamento ou passando a levar vida irregular (art. 29 da lei 6515/77). Inaplicação, na espécie, do enunciado da súmula 379.”[8] (Grifo nosso)
Ocorre que, atualmente, por se tratar de matéria infraconstitucional, abarcada no Código Civil de 2002, passou a ser apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, que apresentava outro entendimento em relação ao assunto. Neste prevalecia que a irrenunciabilidade dos alimentos somente era alcançada pelos incapazes.
Assim, a validade e a eficácia da renúncia eram reconhecidas em sede jurisprudencial, quando esta renúncia era feita pelo cônjuge ou companheiro no acordo de dissolução de casamento ou união estável, proibindo posterior cobrança de pensão, superando o entendimento sumulado.
Com o Novo Código Civil o assunto ganhou nova discussão por conta do artigo 1.707, supratranscrito. Este artigo veio restaurar o entendimento da súmula 379 do Supremo Tribunal Federal, mas o Superior Tribunal de Justiça continuou firme no seu entendimento de que somente serão alcançados pela irrenunciabilidade os incapazes.
E assim o Superior Tribunal de Justiça tem entendido em seus julgados deste então:
“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. SEPARAÇÃO JUDICIAL. ACORDO HOMOLOGADO.
Cláusula de renúncia a alimentos, constante em acordo de separação devidamente homologado, é válida e eficaz, não permitindo ao ex-cônjuge que renunciou a pretensão de ser pensionado ou voltar a pleitear o encargo”.[9]
“Alimentos. Renúncia. Precedentes da Corte. 1. Na linha de precedentes da Corte, a mulher pode renunciar aos alimentos, em acordo de divórcio, sendo válida e eficaz a cláusula que assim dispõe. 2. Recurso especial não conhecido.”[10]
Sob análise diversa, o caráter não transacional dos alimentos está intimamente ligado a sua irrenunciabilidade. A doutrina dizia ser a transação uma espécie de renúncia futura, estritamente vedada no ordenamento.
Em se tratando de prestações pretéritas, assim como explicitado acima, sempre foi plenamente possível houvesse convenção entre as partes. Pois aqui se trata de prestação útil ao sustento do necessitado em época passada, cessada a sua finalidade dirigida à subsistência.
Seguindo um rumo evolutivo, a jurisprudência tem admitido às convenções estipuladas entre as partes, que visam fixar a pensão, presente ou futura, e seu modo de prestação.
Ainda assim, resta demonstrar que não se perde o caráter obrigacional inerente à prestação, podendo sempre haver revisão, na forma da lei, quando houver mudança na situação fática em que o acordo foi firmado.
1.2.4 Impenhorabilidade
Tal característica, expressamente prevista no 1.707 Código Civil, supratranscrito, decorre da própria função e natureza dos alimentos, qual seja manter a vida digna da pessoa alimentada, que não dispõe de recursos próprios para tal. Nesse sentido, admitir a penhora consiste em privá-la do que é estritamente necessário a sua subsistência.
Dentro dessa questão é importante ressaltar que impenhorabilidade dos salários não abarca o pagamento das pensões alimentícias, conforme previsto no parágrafo 2º do artigo 649 do Código de Processo Civil[11]. Isso se da em razão da função do instituto a luz dos princípios constitucionais e valores sociais.
1.2.5 Incedibilidade
A cessão deste crédito, seja por qual modalidade for feita, se opõe a natureza do instituto. Conforme dito acima, o artigo 1707 do Código Civil[12] veda expressamente essa possibilidade.
Menciona Orlando Gomes:
“Outorgado, como é, a quem necessita de meios para subsitir, e, portanto, concedido para assegurara sobrevivência de quem caiu em estado de miserabilidade, esse direito é, por definição e substancia, intrasferivel, seu titular não pode sequer ceder o seu credito que obteve em razão de se terem reunido os pressupostos da obrigação alimentar.”[13]
1.2.6 Incompensabilidade
Ainda corolário do caráter personalíssimo do direito de pleitear alimentos e tendo em vista a sua razão de ser, afirma-se como princípio geral que o crédito por este gerado não pode ser compensado. Essa natureza especial ligada à finalidade da obrigação gera a necessidade de pagamento efetivo, para que o credor possa prover, de forma direta, sua subsistência.
Ainda que, na maioria das vezes, o pagamento seja efetuado em dinheiro, forma que, em regra, admite a compensação, nesta obrigação especifica encontra-se uma exceção, prestigiada pelo entendimento doutrinário e jurisprudencial; e corroborada pelo artigo 1.707 do CC.
No entanto, é pertinente mencionar que parte da doutrina faz uma importante ressalva, exemplificada nas palavras de Yussef Cahali: “parece-nos que o principio da não compensação das dividas deve ser aplicado ponderadamente, para que dele não resulte eventual enriquecimento sem causa da parte do beneficiário.” [14]
1.2.7 Imprescritibilidade
A Lei 5.478 de 25 de julho de 1968, que disciplina o rito procedimental da ação de alimentos, menciona expressamente no artigo 23[15] que o direito aos alimentos é imprescritível, sendo apenas as prestações mensais alcançadas pela prescrição do Código Civil.
Quanto ao dispositivo do código civil, tem-se que o atual artigo de lei que estabelece o prazo é o 206, §2º [16], o qual traz o prazo prescricional de dois anos. Conclusão relevante, então, é que o novo código civil não repetiu o prazo de cinco anos presente no artigo 178, §10, I do Código Civil de 1916 [17].
Assevera Cahali que “considera-se, assim, o direito de alimentos imprescritível, no sentido daquele poder de fazer surgir, em presença de determinadas circunstancias, uma obrigação em relação a uma ou mais pessoas (direito potestativo).” [18]
No que se refere às prestações prescritíveis, é forçoso concluir que se trata de prescrição em relação às prestações alimentares já fixadas, consideradas a partir da data em que se venceram, após a citação, convencionadas ou arbitradas judicialmente.
1.2.8 Irrepetibilidade
A verba alimentar, independentemente da natureza provisional ou definitiva, não admite repetição. Posição pacifica na doutrina e jurisprudência. Conforme demonstrado a seguir:
“Ação de execução de alimentos julgada extinta pelo pagamento do débito, com base no artigo 794, inciso I do CPC, impondo ao Executado os ônus da sucumbência. Apelação do Executado. Pretensão do Apelante de compensação do débito, que não é cabível, pois a obrigação alimentar é irrepetível, não se admitindo a sua compensação com quaisquer outras verbas. Conjunto probatório que evidencia o adimplemento do Apelante referente às despesas mensais de sua responsabilidade, pois ficou comprovado que todas as contas encontravam-se pagas, inclusive, por vezes, antes de seus vencimentos. Comprovação que somente foi apresentada pelo Apelante quando do oferecimento da exceção de pré-executividade, sendo de se concluir que tal comportamento deu causa à propositura da execução. Ônus da sucumbência corretamente impostos ao Apelante. Honorários advocatícios de sucumbência que comportam redução para R$ 1.000,00, montante mais compatível com critérios do art. 20, §§ 3º e 4º do CPC. Provimento parcial da apelação”.(Grifo nosso) [19]
O alimentado jamais terá o ônus de restituir o que recebeu, pois, visto o caráter subsistencial da prestação, este não incorrerá em enriquecimento ilícito, não havendo, então, causa para a sua oneração.
Entretanto, uma ressalva deve ser feita. Tem se admitido a repetição, nos tribunais, quando quem adimpliu a obrigação não a devia, ou seja, havendo prova de que caberia a um terceiro a prestação de alimentos, caberá contra este o pedido de restituição. Toma-se como base a vedação ao enriquecimento ilícito, visto que este, não cumprindo sua obrigação, enriquece em detrimento de outrem.
Outra questão que vem sendo relativizada, admitindo-se a repetição, é no caso da divorciada esconder, dolosamente, a constituição de um novo vinculo conjugal, a fim de manter a pensão, contrariando o disposto no artigo 1.708 do Código Civil [20]. Neste caso, tendo em vista a conduta ilícita da parte credora, deve a mesma restituir o valor recebido desde o momento em que se romperia a obrigação, a constituição da nova sociedade afetiva.
2. RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL ALIMENTAR
2.1 Constituição da obrigação
Passada a análise conceitual preliminar, sabe-se que a prestação alimentícia tem a finalidade de atender a necessidade do ser humano, que não consegue, por si só, prover sua própria manutenção. Dito isto, tendo como base o atual ordenamento, a obrigação apresenta diversas formas de se constituir, que serão por ora analisadas.
Preliminarmente, é pertinente esclarecer que o legislador não se preocupou em distinguir a obrigação em razão da sua origem, seja ela relação de parentesco, como os destinados a ascendentes ou descendentes, rompimento da sociedade conjugal, ato ilícito, etc.
A vontade das partes é uma forma de constituição da obrigação, podendo ser manifestada através de contrato ou testamento. É necessário considerar que a primeira forma raramente ocorrera na prática, tendo maior incidência nos casos de separação consensual, nos quais há uma convenção da pensão a ser paga.
A segunda materializa a vontade do de cujos na forma de um testamento, pelo qual pode o testador impor a um herdeiro a obrigação de prestar alimentos a um legatário. Aqui não se tem a prestação em razão de uma relação de parentesco, pois não é necessário esse vinculo para a manifestação de vontade no testamento.
Outra fonte a ser mencionada é o ato ilícito. Neste caso o causador de um dano fica obrigado a pagar pensão alimentícia à vítima ou a sua família, é instituto de responsabilização civil, posto em prática mediante ao pagamento da indenização. Esta forma não é disciplinada no direito de família. Ocorre, por exemplo, nos casos de homicídio em acidente automobilístico, em que o causador do evento danoso é compelido a pagar alimentos à família da vítima.
Por fim, a prestação de alimentos derivada de lei. Fundamenta-se no artigo 1694 do Código Civil de 2002[21], pelo qual os parentes, cônjuges ou companheiros podem, mutuamente, solicitar uns dos outros alimentos, a fim de viver de modo compatível com sua condição de vida, inclusive para suprir as necessidades referentes à educação.
Os alimentos de que tratamos decorrem, então, de três causas:
a) do Poder Familiar (dever de sustento entre pais e filhos);
b) da relação de parentesco; e
c) da condição de cônjuge ou companheiro.
Vale ressaltar que cônjuge também é parente. Porém, como a lei civil cuidou de individualizá-lo quando elencou expressamente aqueles que podem pleitear os alimentos, assim também é feito aqui[22]. Nesse sentido, considera-se como efeito do casamento e da união estável o dever de assistência recíproca dos cônjuges/companheiros, o qual integra a prestação de alimentos.
2.2 Requisitos
A doutrina aponta os requisitos necessários à concessão dos alimentos sob diferentes parâmetros. No presente trabalho segue-se a classificação exposta por Caio Mario da Silva Pereira, em seu manual do Direito de Família[23].
2.2.1 Necessidade
Os alimentos são devidos quando o alimentando não possui bens suficientes, e, além disso, está impossibilitado de prover, pelo seu trabalho, à própria subsistência. Neste sentido, se depreende que não importa o motivo que o levou aquela situação, tanto de incapacidade quanto de desemprego.
É fundamental que quem pleiteie os alimentos não tenha bens nem capacidade para prover a sua subsistência. A base de criação do instituto é a necessidade vital e a manutenção da vida digna do alimentando. Não se cogita ou pretende estimular a ociosidade ou o parasitismo. Conclusão correta então é que a obrigação de prestar alimentos é subsidiaria, posto que o indivíduo, em regra, deve prover o próprio sustento.
Salienta Yussef Said Cahali:
“A impossibilidade de prover, o alimentando, a própria mantença pode advir da incapacidade física ou mental para o trabalho; doença, inadaptação ou imaturidade para o exercício de qualquer atividade laborativa; idade avançada; ou crise econômica de que resulte absoluta falta de trabalho.”[24]
2.2.2 Possibilidade
Tal requisito vem complementar o citado anteriormente, de forma que representam em conjunto o pilar da obrigação, o binômio necessidade/possibilidade, conforme o exposto no artigo 1695 do CC/02[25].
Assim sendo, para que exista a obrigação alimentar é necessário que a pessoa a quem se reclamam os alimentos tenha condição de fornecê-los, sem que haja qualquer privação a sua condição natural.
Nas palavras de Caio Mario: “o alimentante os prestará sem desfalque do necessário ao próprio sustento. Não encontra amparo legal que a prestação de alimentos vá reduzi-lo a condições precárias, ou lhe imponha sacrifício para a sua condição social.” [26]
Dessa forma, caso o alimentante não tenha meios para fornecer a totalidade dos alimentos necessários, em razão do prejuízo ao próprio sustento, deverá fazê-lo dentro do limite possível, respeitada uma proporção que não lhe afete a dignidade e condições anteriores. Caso não seja suficiente, caberá ao alimentando reclamar a outro parente a complementação.
Por fim, importa salientar que o parâmetro para a fixação de tal requisito são os rendimentos auferidos pelo alimentante. Visto que não seria cabível que este fosse obrigado a se desfazer de seu patrimônio para adimplir a obrigação.
2.2.3 Proporcionalidade
Os alimentos, para sua fixação, devem levar em consideração o binômio supracitado, tendo em vista que este instituto não visa o enriquecimento do alimentando. Sendo assim, não se justifica a exigência para além das necessidades do alimentando, ainda que o devedor tenha elevada condição financeira.
No mesmo sentido, não pode o devedor arcar com uma alta prestação, que venha a sacrificar o seu próprio sustento ou de sua família, em razão da alta estima ou necessidade do alimentando.
Desta forma, os alimentos deverão ter, quando da sua fixação, as condições pessoais e sociais do alimentante e do alimentado, conciliadas.
Veja-se:
“Agravo de instrumento. Alimentos provisórios. Observância do art. 400 do código civil. Binômio necessidade/possibilidade. Manutenção da verba em trinta salários mínimos. Admissibilidade. Família que detinha alto padrão de vida. Recurso não provido. Analisando o binômio necessidade e possibilidade a ser empregado nos casos de fixação de alimentos, admite-se a fixação destes no equivalente a trinta salários mínimos quando o alimentante é um empresário, ostentando vasto patrimônio, considerando, além disso, que a família, que era composta por seus dois filhos e sua esposa, ora alimentados, possuía elevado padrão de vida, razão pela qual deve ser mantida a decisão do juízo a quo que fixou os alimentos no percentual supracitado, precipuamente quando o alimentante, conquanto a aponte excessiva, não deixa evidenciada, por prova robusta, a sua impossibilidade financeira de suportar com o valor fixado. PRETENDIDA DISCUSSÃO ACERCA DOS BENS DO CASAL EM SEDE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. INADMISSIBILIDADE. AÇÃO PRÓPRIA. Não se admite a discussão acerca da divisão dos bens do casal em sede de agravo de instrumento, devendo ser decidida nos autos de ação própria.”[27] (grifo nosso)
2.2.4 Reciprocidade
A Constituição Federal (CF) traz parâmetros sociais de amplo amparo e assistência nas relações familiares, regra que norteia todo o ordenamento e visa garantir o desenvolvimento digno a todos os membros da família. Imerso nesse contexto, o artigo 229 da Constituição Federal [28] remete á regra da reciprocidade nas relações familiares entre pais e filhos, no que toca, inclusive, as prestações de alimentos.
Ou seja, na mesma relação familiar, o parente que, em principio, é devedor de alimentos, pode se tornar credor, podendo reclama-los, se vier a necessitar deles, inclusive daquele que anteriormente era seu credor. Os pólos da relação podem variar de acordo com as condições fáticas dos indivíduos inseridos na relação.[29]
2.3 Extinção da obrigação
A legislação civil prevê expressa e objetivamente apenas algumas poucas situações de extinção da obrigação alimentar: casamento, união estável ou concubinato do credor (CC/02, artigo 1.708[30]), além de comportamento indigno do credor em relação ao devedor.
Quanto ao casamento, por se tratar de ato jurídico solene, a prova se faz mediante apresentação da certidão expedida pelo Oficial do Registro Civil. Todavia, quanto à união estável e ao concubinato dependerão de prova de sua configuração e/ou declaração judicial de sua existência, em processo regular, sob o crivo do contraditório ou, ainda, no caso da primeira, mediante apresentação de escritura pública, caso existente.
Já no que diz respeito à indignidade, esta também poderá ser provada nos próprios autos da ação de alimentos ou de exoneração de pensão, assim como poderá também, ser utilizada prova emprestada de eventual ação declaratória ajuizada para fins sucessórios. Isso porque se aquele que postula alimentos foi declarado indigno no juízo sucessório (da herança) também será considerado indigno para pleitear alimentos do cônjuge, do ascendente e dos descendentes do falecido.
Aplicam-se aos casos de (des)obrigação alimentar as mesmas causas de indignidade previstas para a sucessão causa mortis, artigo 1.814 CC/02[31].
No que tange aos alimentos devidos entre pais e filhos, a lei não cuidou de tratar expressa e minuciosamente das causas de cessação da obrigação alimentar. Não há na lei civil um critério objetivo para o término de tal obrigação alimentar.
Como visto, mesmo cessado o dever de sustento decorrente do Poder Familiar, os filhos maiores têm direito de pleitear alimentos dos pais, caso venham a necessitar de auxílio para prover o próprio sustento, desde que os pais possam arcar com tal encargo.
Conforme se depreende dos seguintes julgados:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. PEDIDO ALTERNATIVO DE FIXAÇÃO DE LIMITE TEMPORAL DE VIGÊNCIA DOS ALIMENTOS. FILHA MAIOR QUE FREQUENTA CURSO SUPERIOR. Descabe fixar termo final para a obrigação alimentar devida à filha maior que freqüenta curso superior e não trabalha, porque o que extingue a obrigação alimentar é a ausência de necessidade ou de possibilidade, e não a maioridade do alimentado. APELAÇÃO DESPROVIDA. (grifo nosso) [32]
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. MAIORIDADE CIVIL. ALIMENTANDA ESTUDANTE UNIVERSITÁRIA. MAJORAÇÃO DO QUANTUM. IMPOSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR QUE DECORRE DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR. ALIMENTOS PRETÉRITOS. COBRANÇA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. cálculo dos honorários de advogado. regra do art. 20, § 3º, do cpc. incidência. anuidade. 1 -odever de sustento entre pais e filhos cessa com a maioridade destes, sendo essa uma das causas de extinção do poder familiar. todavia, na forma estabelecida pelo artigo 1.694 do código civil,se o filho maior encontrar-se em fase de complementação da sua educação, ressurge a obrigação alimentar do ascendente, derivada da solidariedade familiar e fundamentada no parentesco. 2- com base no artigo 1.695 do cc, no caso de filho maior e estudante, a obrigação alimentar tem caráter complementar, portanto, a necessidade do alimentando se circunscreve à sua incapacidade de exercer atividade remunerada que lhe dê condições de prover seus estudos, devendo o valor da prestação ser aquele suficiente para arcar com a sua formação profissional. 3- a cobrança de alimentos pretéritos do alimentante que, por liberalidade, efetua depósitos bancários em favor da alimentanda anteriores ao ajuizamento da ação de alimentos não encontra guarida no ordenamento jurídico brasileiro, pois tal voluntariedade não se traduz em relação obrigacional capaz de gerar os efeitos da inadimplência. 4- o arbitramento dos honorários advocatícios nas ações de alimentos segue o mesmo parâmetro para a fixação do valor da causa, qual seja a soma das doze prestações mensais (artigo 259, vi, cpc), o que significa dizer que o valor-base sobre o qual deve incidir o percentual previsto no § 3º do artigo 20 do cpc para o cálculo dos honorários advocatícios corresponde a uma anuidade da verba alimentar. 5 – recurso parcialmente provido. Unânime”.[33]
Sob outra análise, prevê o artigo 1.699 Código Civil de 2002[34] a possibilidade de o interessado reclamar ao juiz alteração/exoneração da prestação, caso lhe sobrevenha mudança na situação patrimonial. Esta norma retrata os critérios da necessidade/possibilidade, que devem ser observados ao longo de toda a prestação.
Diante do principio da proporcionalidade, o valor deve ser alterado caso seja comprovada a alteração na situação de fato de uma das partes, podendo então ocorrer a extinção da obrigação, com a exoneração do devedor, por mudança superveniente.
Assevera Caio Mario:
“Se a situação econômica do alimentante ou do alimentado mudar de tal modo que o primeiro não os possa prestar, ou não os suporte no quantitativo determinado; ou e o alimentado melhorar as condições, poderá o juiz exonerar o devedor, ou reduzir o encargo. Reversamente, se o credor de alimentos vier a necessitar de reforço da prestação, e o devedor o suportar, pode o suprimento ser agravado. Em qualquer dessas circunstancias, cabe ao interessado ingressar com ação própria de revisão de cláusula ou exoneração de pensão, na qual será comprovado o fato que justifique a mudança.” [35]
3. ALIMENTOS GRAVÍDICOS (LEI NÚMERO 11.804/2008)
3.1 Definição e hipóteses de cabimento
Alimentos gravídicos são aqueles destinados a subsistência e manutenção da vida digna e saudável da mulher grávida e do feto. Assim determina taxativamente a lei número 11.804, de 05 de novembro de 2008.
Said Yussef Cahali afirma que:
“A lei 11.804/08 procura proporcionar a mulher grávida um autêntico auxilio maternidade, sob a denominação latu sensu dos alimentos, representado por uma contribuição proporcional ao ser imposta ao suposto pai, sob forma de participação nas despesas adicionais do período de gravidez e que sejam delas decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições prescritivas e terapêuticas indispensáveis, ajuízo do médico, alem de outros que o juiz considere pertinentes”. [36]
Tal dispositivo foi editado com o fim de sanar eventuais divergências no tocante a possibilidade de reconhecimento dos alimentos durante a vida embrionária. No período anterior a edição da lei supracitada, havia muita discussão quanto à possibilidade de se impor tal prestação, visto que a lei de alimentos, em seu caráter genérico não a admitia sem a prova inequívoca do vínculo de parentesco ou da obrigação alimentar.
O silêncio do legislador sempre gerou controvérsias e retardou o reconhecimento dos alimentos durante a vida embrionária. A concessão se demonstrava possível através da interpretação sistemática de nosso ordenamento jurídico, à luz dos artigos 5º[37], 227º[38] e 229º[39] da Constituição Federal (CF), o artigo 2º[40] do CC e o artigo 8º[41] do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que já permitia a fixação de alimentos à gestante, de forma a garantir uma gravidez sadia e, por conseguinte, a vinda ao mundo de um bebê saudável.
Atualmente, essa discussão não mais se justifica, visto que a norma em debate apregoa integral proteção à mãe e ao embrião de modo a suprir a lacuna anteriormente existente no ordenamento jurídico brasileiro, no intuito de acabar com os dilemas sobre a fixação dos alimentos durante a gravidez.
Nas palavras de Maria Berenice Dias, “apesar do nome, de alimentos não se trata. Melhor seria chamar de subsidio gestacional. Ainda que não haja uma relação parental estabelecida, existe um dever jurídico, verdadeira função de amparo a gestante.” [42]
A natureza dos alimentos gravídicos é sui generis, agregando elementos da pensão alimentícia e da responsabilidade civil. Da primeira, se apropria da primazia de tutela em relação a outras obrigações, enquanto da segunda, a novel lei se vale das regras de integral reparação patrimonial.
Desta forma, diante do artigo 2º da lei 11.804, tem-se que os alimentos gravídicos deverão compreender:
“os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.”
3.2 Concessão dos Alimentos e Ônus Probatório
A Lei 11.804/08 confere em seu art. 1º[43] à mulher gestante a titularidade para pleitear os alimentos gravídicos, pertencendo à futura mãe a legitimidade ativa para a propositura da ação, em nome próprio. A legitimidade passiva foi atribuída exclusivamente ao suposto pai, não se estendendo a outros parentes do nascituro.
Diferente do que acontece quando se é pleiteado a pensão alimentícia, os alimentos são devidos à gestante (em benefício do nascituro) e não diretamente a criança, pelo simples convencimento do Juiz dos indícios da paternidade.
Desta forma, admite-se a fixação dos alimentos gravídicos sob meros indícios da paternidade do ser em gestação, porque tais alimentos perdurarão, no máximo, 9 (nove) meses e, após o nascimento, se converterão em pensão alimentícia, regida pela lei de alimentos, na forma descrita nas primeiras explanações deste trabalho.
Porém, a nova lei não veio afirmar que não são necessárias provas acerca da paternidade. O que o novo regramento admite é a possibilidade do magistrado se convencer, numa análise superficial, através da “existência de indícios”, pela paternidade da criança, ainda que não haja prova cabal, mas nunca sem a sua existência. Desta forma, há presunção de paternidade, mediante comprovação suficiente para indiciar o provável pai.
Por isso, para a fixação de alimentos gravídicos, cabe à gestante carrear aos autos elementos que comprovem a existência de relacionamento amoroso com o suposto pai. São eles: fotografias, cartões, cartas de amor, mensagens em redes sociais, entre outros. É possível ainda a designação de audiência de justificação, para oitiva de testemunhas acerca do relacionamento mantido pelas partes.
Nesse sentido, Ana Maria Gonçalves Louzada afirma:
“Mas e se a genitora não tiver essas provas, se foi um encontro eventual, poderá o magistrado, apenas com um laudo atestando a gravidez, fixar alimentos? Entendo que sim, uma vez que a experiência forense tem nos mostrado que na imensa maioria dos casos, em quase sua totalidade, as ações investigatórias de paternidade são julgadas procedentes, não se mostrando temerária, a fixação dos alimentos gravídicos sem provas (até porque a lei não exige). Elege-se a proteção da vida em detrimento do patrimônio.”[44]
Por conseguinte, é certo que a atualmente é impossível a comprovação médica, através de exame hematológico (DNA), de quem seja o pai, sem risco para a gravidez. Desta forma, não havendo concordância do pai quanto a paternidade e sendo os alimentos gravídicos concedidos antes de se realizar o exame, sob pena de inefetividade da norma, é necessário aguardar o nascimento para requerer a sua realização.
Tal fato ocorre porque a razão da norma é manter a saúde e dignidade do feto e da mãe, sendo o referido exame invasivo e prejudicial à gestação, não pode a lei vincular a este a concessão da prestação. O suposto pai pode utilizar-se de outros meios para provar que é descabida a presunção de paternidade, como por exemplo, um exame de infertilidade ou prova de que o suposto pai fez uma vasectomia.
Ressalta-se ainda que as necessidades da gestante e do nascituro não podem ser “separadas”, por razões biológicas, bem como são presumidas, em virtude do estado peculiar em que se encontra uma mulher grávida.
Do contrário, como já enaltecido, a lei perderá aplicabilidade, especialmente para as gestantes economicamente hipossuficientes, cujas necessidades são quase sempre relacionadas às condições mínimas de subsistência dela e da criança, e que possuem sérias dificuldades para a produção da prova documental nesse sentido.
3.3 O quantum da prestação
Conforme demonstrado acima, com a transcrição do artigo 2º da Lei 11.804/08, os alimentos gravídicos compreendem “valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.”
Pelo modo que foi redigido o dispositivo, fica claro que o rol ali constante não é taxativo, pois poderão existir outras despesas não mencionadas aqui e que seja indispensável a gestante e ao feto.
Sob outra analise, é certo que os alimentos devem cobrir despesas indispensáveis da gravidez ou dela decorrentes e estas sempre devem estar avalizadas por médico ou pelo juiz.
É incontroverso, então, que não estão englobados na definição de alimentos gravídicos, por exemplo, exames de ultra-som, destinados somente à vaidade da mãe em ver o filho intra-uterino, já que hoje existem exames (ultra-sonografia 3D/4D), capazes de definir com precisão a aparência do feto.
Além disso, para arbitramento dos alimentos, a genitora deverá instruir a ação com Relatório ou Parecer Médico que justifique a indispensabilidade de exames complementares, alimentação especial ou outras prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, pois deve haver no processo referências médicas sobre a necessidade desses cuidados especiais.
Importantíssimo destacar que se aplica aos alimentos resultantes da gravidez critério semelhante ao utilizado nos alimentos convencionais: a) necessidade da autora da ação (gestante); b) possibilidade de contribuição do réu (suposto pai), mas também da mãe, resultando na fixação proporcional dos rendimentos de ambos, diante da responsabilidade mútua.
Desta forma, não há impeditivos à fixação de um montante específico para o período da gravidez e outro após o nascimento, pois a convergência dos alimentos em pensão alimentícia é em razão da natureza da obrigação e não em função dos valores.
3.4 Termo inicial
Segue-se para a análise de outra questão que ainda suscita polêmica: o termo inicial de vigência dos alimentos gravídicos. Para alguns doutrinadores, os alimentos gravídicos tem como termo inicial a concepção do feto, outros falam na propositura da ação, há também os que mencionam a citação do requerido.
O artigo 9º[45] da Lei 11.804/2008 estabelecia como termo inicial dos alimentos gravídicos da citação do réu. No entanto, o dispositivo foi vetado, sob o fundamento de que poderia condenar o instituto a não existência, pois a morosidade da justiça e manobras do réu para não ser citado impediriam o surgimento da própria obrigação dos alimentos da gravidez.
Para Maria Berenice Dias[46], o termo inicial dos alimentos gravídicos dá-se desde a concepção, na medida em que:
“(…) a Constituição garante o direito à vida (CF 5º). Também impõe a família, com absoluta prioridade, o dever de assegurar aos filhos o direito à vida, à saúde, à alimentação (CF 227). Além disso, o Código Civil põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (CC 2º)(…)com o nome de gravídicos, os alimentos são garantidos desde a concepção. A explicitação do termo inicial da obrigação acolhe a doutrina que há muito reclamava a necessidade de se impor a responsabilidade alimentar com efeito retroativo a partir do momento em que são assegurados os direitos do nascituro.”
Denis Donoso[47], por sua vez, entende que:
“os alimentos gravídicos são devidos desde a citação do devedor. A uma, porque só a citação é que o constitui em mora (artigo 219, caput, do CPC); a duas, porque à Lei de Alimentos Gravídicos se aplicam supletivamente as disposições da Lei de Alimentos (conforme previsto no artigo 11 da LAG), e esta prevê que os alimentos fixados retroagem à data da citação (artigo 13, parágrafo 2º).”
Desta forma, em interpretação sistemática e hermenêutica, a melhor opção é aquela que se volta para a finalidade da lei e do veto. Por se tratar de norma especial mais recente, é plenamente cabível o requerimento dos alimentos gestacionais a partir da fecundação, já que tem por escopo a lei assegurar o compartilhamento das despesas da gravidez, compreendidas da concepção ao parto.
3.5 Possibilidade de conversão, revisão, extinção dos alimentos gravídicos
A previsão da conversão da pensão gravídica em pensão alimentícia se da conforme o parágrafo único do artigo 6° da lei 11.804/08: “Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão”.
Conforme exposto acima, somente é admitido o exame pericial de DNA após o nascimento da criança. Desta forma, através desta prova o suposto pai pode pleitear a revisão ou até mesmo a exoneração da pensão.
Arnaldo Rizzardo afirma:
“Nascendo a criança com vida, a revisão de alimento deverá ser feita cumulada com a investigação de paternidade, se esta não for reconhecida. e, dependendo do resultado do Exame de DNA é que se verificará a existência da dívida alimentar ou não, sem esquecer que os valores já pagos em caso de negativo o exame, são irrepetíveis”.[48]
Carlos Roberto Gonçalves assim afirma:
“O juiz não pode determinar a realização de DNA por meio da coleta de líquido amniótico, em caso negativo da paternidade, porque pode colocar em risco a vida da criança, além de retardar o andamento do feito. Todavia, após o nascimento com vida, o vínculo provisório da paternidade pode ser desconstituído mediante ação de exoneração da obrigação alimentícia, com a realização do referido exame”.[49]
De outro giro, a extinção ocorrerá apenas nos casos de aborto ou natimorto.
4 A RESPONSABILIDADE PELA FALSA IMPUTAÇÃO DE PATERNIDADE
De acordo com as questões já mencionadas, é visível que a Lei 11.804/08 prestigiou a gestante e o nascituro, ao dispor que a prestação de alimentos gravídicos se baseia apenas em indícios de paternidade. Desta forma, a posição processual do suposto pai, ao alegar a negativa de paternidade, fica bastante fragilizada no que se refere a produção probatória.
Nesse contexto, o artigo 10 da referida lei de alimentos gravídicos previa que em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor da ação de alimentos gravídicos responderia objetivamente pelos danos materiais e morais causados ao réu e ainda, que a indenização será liquidada nos próprios autos.
No entanto, tal artigo foi vetado nos seguintes termos: “Trata-se de norma intimidadora, pois cria hipótese de responsabilidade objetiva pelo simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo pressupõe que o simples exercício do direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do direito de ação.”
Desta forma, como em regra os alimentos não são passíveis de restituição, pois visam à sobrevivência da pessoa, conforme o princípio do irrepetibilidade, aquele que pagou indevidamente a prestação não teria amparo legal.
Ocorre que mesmo com o veto do artigo que tratava da responsabilidade objetiva da autora, ainda persiste a responsabilidade subjetiva, em que há necessidade de se demonstrar a culpa do agente para a caracterização da responsabilidade. Sendo assim, a reparação de danos fica então não albergada na lei específica, mas sim no âmbito geral dos aspectos civis.
Permanece então a regra geral da responsabilidade subjetiva do artigo 186[50] do Código Civil, ao qual a autora pode responder pela indenização cabível desde que verificada sua culpa em sentido estrito (negligência ou imprudência) ou dolo (vontade deliberada de causar prejuízo) ao promover a ação.
Assim, a autora deverá ser responsabilizada subjetivamente tanto em sua conduta culposa quanto em sua conduta dolosa, pois configura abuso de direito, ou seja, é o exercício irregular de um direito, que diante do artigo 927[51] do Código Civil se equipara ao ato ilícito, tornando-se fundamento para a responsabilidade civil.
A comprovação dos danos materiais sofridos será feita através de demonstrativos da quantia gasta, valendo-se de descontos em folha, bloqueios judiciais, ou qualquer outro documento que ateste o quantum pago em alimentos gravídicos, sendo possível também a cumulação com pedido de indenização por danos morais, uma vez que a condenação daquele que não era pai, além gerar o encargo financeiro, acarreta grande abalo psicológico ao réu.
A jurisprudência é pacífica quanto à condenação em danos morais por ato ilícito, independentemente de o pleito ter sido exclusivamente em relação aos danos psíquicos ou cumulados com qualquer outro:
“Ementa: Dano moral puro. Caracterização. Sobrevindo em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos entendimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização.”[52]
5 CONCLUSÃO
O instituto dos alimentos tem extrema importância como forma de garantia efetiva dos princípios da dignidade da pessoa humana, assistência familiar, entre outros, consagrados na Constituição Federal. Desta forma, é forçoso reconhecer que sua tutela deve ser especialmente estudada e garantida pelos meios judiciais.
Versando sobre o conteúdo dos alimentos gravídicos, especialmente no tocante à sua atual importância para a sociedade brasileira, o presente trabalho demonstrou que o nascituro passou a ter o direito a alimentos após o advento da Lei 11.804/08. Alimentos esses que vão atender às suas necessidades vitais, embasados pelas normas de direito constitucional de direito à vida e da dignidade da pessoa humana, mesmo antes de nascer e de ter a paternidade reconhecida através de exame de DNA.
Os benefícios trazidos com a edição dessa lei são indiscutíveis, uma vez que proporciona a mulher uma gestação mais tranqüila no que tange ao custeio das despesas decorrentes do estado gravídico e, conseqüentemente, gerando ao filho um desenvolvimento saudável.
Portando, foi analisado que mesmo existindo dúvidas em relação ao suposto pai, o Juiz, ao convencer-se de que há possibilidade para que esse assuma a paternidade, irá fixar os alimentos, de maneira que o nascituro tenha seu desenvolvimento garantido e assegurado. Nascendo com vida o suposto pai pode realizar o exame de DNA que comprove ou não essa paternidade.
Por derradeiro, é de se exaltar a necessária humanidade e sensibilidade para tratar de tal temática. Sem dúvida, a vida humana e as necessidades inerentes a ela são de grande relevo e consideradas como direito fundamental pelo nosso Estado, de tal sorte que tais ponderações não apenas são bem vindas, mas essenciais para a consecução dos fins sociais preconizados pela Constituição Federal.
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pós Graduada pela Universidade Cândido Mendes – Servidora Pública na Agência Nacional de Saúde Suplementar
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