INTRODUÇÃO
Insta salientar que o legislador não é livre para a instituição do aparato normativo, antes deve observância aos direitos e garantias estatuídos na Magna Carta.
Desta feita, desponta a importância de uma nova hermenêutica constitucional, não mais voltada para o Estado de Direito concebido como Estado mínimo, reduzido em suas funções, mas às garantias de cunho eminentemente social, que demandam tarefas positivas do Estado, objetivando um fazer, com o que ganha relevo uma “interpretação de legitimação de aspirações sociais à luz da Constituição”, refletindo a pretensão de realização dos comandos constitucionais, na qualidade de instrumento de legitimação das tarefas postas ao Estado[1].
No Preâmbulo da Constituição de 1988, iniciou o Poder Constituinte por destacar como valores supremos da sociedade “a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”, cabendo ao Estado assegurá-los, bem como assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais.
Neste sentido, fácil é aferir que o Estado de Direito deixou de ser o simples império da lei, para se caracterizar como a supremacia da constituição.
O escopo deste estudo é a exposição de um arquétipo teórico de interpretação construtiva do direito que auxilie na concretização dos direitos fundamentais, em consonância com os novos imperativos da ordem intervencionista.
1 ORDEM ECONÔMICA INTERVENCIONISTA.
Em face às imperfeições do liberalismo, cujas principais podem ser resumidas no surgimento dos monopólios, no advento de cíclicas crises econômicas e no exacerbamento do conflito capital versus trabalho[2], aliadas à incapacidade de auto-regulação dos mercados e concreção dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, surge a ordem econômica intervencionista.
Como corolário das características próprias do Estado social, aparece o aspecto da intervenção, substituindo a antiga postura do poder público abstencionista e inerte diante da atuação dos particulares na vida social, acabando por se revelar a existência de entidades, por meio das quais se desenvolvem os processos coletivos de satisfação das necessidades, como uma necessidade para os indivíduos [3].
Os reflexos sentidos na ordem econômica intervencionista são originários de um novo significado ideológico, que pode ser perquirido em duas distintas faixas, conforme seja encarada predominantemente na perspectiva da filosofia do direito ou da sociologia política, com base na lição de Orlando Gomes[4]:
“Na primeira faixa, a intervenção justifica-se pela necessidade de submeter a vida econômica aos imperativos da Justiça. A ordem econômica caracterizada por essa atitude ingerente do Estado não é manifestação típica da ordem política traçada na Constituição. Os princípios e preceitos orientados nesse rumo visam a “introduzir no fortuito domínio da economia os ditames da Justiça”. Inconstitucionaliza-se a economia de mercado na sua variedade mista porque preserva e reabastece valores considerados necessários a uma organização justa da sociedade, independentemente de seu traçado político.
Na segunda faixa, agrupam-se todos aqueles que reputam os preceitos interventivos expressões jurídicas da tendência socializante latu sensu motivada pelo esgotamento do liberalismo econômico e pela decadência do sistema capitalista de produção.”
Complementado o quanto exposto acima, pode-se afirmar que o fenômeno da intervenção do Estado gera técnicas diferentes das liberais em decorrência de ter saído do seu domínio tradicional de atividades, ao assumir funções novas. Essas mutações dar-se-ão para absorver as funções do Estado do bem-estar e do desenvolvimento.
Em decorrência do necessidade de satisfação das necessidades coletivas, passa o Estado a exercer “um poder, cujo objeto é o arbítrio racional orientado axiologicamente no sentido de promover, dentro de certos limites, modificações dirigidas à totalidade ou a uma parte considerável da ordem social”[5].
A transformação do direito a que se refere este tópico tem como marco o instante em que as precedentes ordens econômicas (mundo do dever ser) passam a servir de instrumento para a implementação de políticas públicas[6].
Da simples leitura do art. 170 da hodierna Constituição Federal, vislumbra-se que a transformação da ordem econômica (mundo do ser) é perseguida, não restando dúvidas de que no Brasil o liberalismo foi substituído pelo intervencionismo.
1.1 CONCEITO DE INTERVENÇÃO.
Imprescindível se revela discernir a expressão “atuação estatal” de “intervenção estatal”, visando-se apartar o campo dos serviços públicos do campo da denominada atividade econômica, uma vez que se trata de regimes jurídicos distintos.
Eros grau, tomando por base a definição de intervenção no sentido de expressar atuação em área de outrem, passa a conceituar as indigitadas expressões:
“Intervenção indica, em sentido forte (isto é, na sua conotação mais vigorosa), no caso, atuação estatal em área de titularidade do setor privado; atuação estatal, simplesmente, ação do estado tanto na área de titularidade própria quanto em área de titularidade do setor privado. Em outros termos, teremos que intervenção conota atuação do Estado no campo da atividade econômica em sentido estrito; atuação estatal, ação do Estado no campo da atividade econômica em sentido amplo[7].”
Destarte, temos que atuação estatal pode ser considerada o gênero do qual a intervenção, no sentido do qual nos valemos, representa uma de suas espécies, e o serviço público a outra.
A Constituição apresenta todos os contornos da noção jurídico-brasileira de serviço público. Assim o faz quando aparta essas atividades daquelas próprias dos particulares, entregando-as ao Estado como sendo um dever-poder[8].
De acordo com o pensamento de Celso Antônio Bandeira de Melo, a noção de serviço público pode ser dividida entre os aspectos formal e material.
No aspecto material, o serviço público se caracteriza como sendo uma atividade de prestação de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, que o Estado assume como próprias por se tratarem de atividades necessárias ao interesse social. O aspecto material da noção deverá influir, em verdade, o legislador ordinário, tendo em vista que aquelas atividades que a Constituição determina como sendo serviços públicos podem ser assim consideradas imediatamente. Porém, as atividades que não estejam previstas na CF/88 podem vir a ser serviços públicos, contanto que o legislador respeite a natureza da atividade, confrontando a mesma com o substrato material do serviço público que é aquele previsto implicitamente na Constituição Federal[9].
No aspecto formal, diz respeito ao regime jurídico a que se submete o serviço. Eis aqui o aspecto nuclear do serviço público. É o regime que incide sobre as atividades consideradas como serviço público. Esse regime é informado por princípios e regras de caráter público, segundo o regime jurídico de direito Administrativo e Constitucional, ao que se acrescenta que “de nada adiantaria qualificar como serviços públicos determinadas atividades se algumas fossem regidas por princípios de Direito Público e outras prestadas em regime de economia privada.”[10]
Vale ressaltar que nem todas as atividades que o legislador ordinário queira transformar em serviço público podem ser assim tachadas. Como já delineado, para o legislador ordinário, o aspecto material da noção de serviço público, encontrado implicitamente na Constituição, deve ser levado em consideração para a validade da norma infraconstitucional, sob pena de invadir-se o campo da iniciativa privada.
Concluindo, a atuação do Estado no domínio econômico “latu sensu” somente pode dar-se pela prestação de serviço público ou, excepcionalmente, respeitados os limites do art. 173 da Magna Carta, ou seja, quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou o relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
Cabe a advertência de que, neste trabalho, não se trata de intervenção no domínio econômico, mas sobre o mesmo, no sentido de que o Estado não atua diretamente na ordem econômica, mas como agente normativo.
1.2 INTERVENÇÃO COMO EXIGÊNCIA DO CAPITALISMO
Ressalte-se, para os menos avisados, que a asserida inserção na ordem jurídica de dispositivos permissivos da intervenção estatal nas relações de cunho econômico, em sentido estrito, não se caracteriza como uma ruptura do sistema capitalista, antes denota o intuito de aprimoramento e renovação do mesmo com vistas à sua perpetuação.
Da exigência de integração, modernização e legitimação do capitalismo, surge a necessidade do Estado de assumir uma postura interventiva, o que supõe a implementação de políticas públicas[11].
1.3 CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DA NOVA ORDEM ECONÔMICA
Com base no quanto impresso nas linhas anteriores, podemos sintetizar as características principais da nova ordem econômica da seguinte forma:
a) não compreende apenas normas de ordem pública, mas também normas que instrumentam a intervenção do Estado na economia – normas de intervenção;
b) não se esgota em nível constitucional
c) pressupõe uma constituição dirigente ou diretiva, capaz de servir de vetor orientativo da atuação estatal
Em relação ao primeiro ponto, René Savatier leciona que a expressão “ordem pública” se refere ao conjunto de normas cogentes, imperativas, que prevalecem sobre as normas privadas dispositivas[12].
Todavia, o Estado no uso de suas novas atribuições não lança mão apenas de meios coercitivos para a intervenção sobre o domínio econômico, podendo-se dar como exemplo, de logo, as denominadas sanções premiais.
Dessa forma, a nova ordem econômica se diferenciaria da antiga na medida em que compreende não apenas normas de ordem pública, caracterizadas como exceção à autonomia privada, mas também normas que instrumentalizam a intervenção do Estado na economia.
No tocante à segunda característica, vale a lição de Eros Grau:
“A contemplação, nas nossas Constituições, de um conjunto de normas compreensivo de uma “ordem econômica”, ainda que como tal não formalmente referido, é expressiva de marcante transformação que afeta o direito, operada no momento em deixa de meramente prestar-se à harmonização de conflitos e à legitimação do poder, passando a funcionar como instrumento de implementação de políticas públicas[…][13].”
Ora, como de conhecimento notório, a implementação de políticas públicas importa a flexibilidade das medidas em face às rápidas alterações na vida social, de forma que impossível se revelaria que as normas interventivas estivessem adstritas ao âmbito constitucional.
2 CONSTITUIÇÃO DIRETIVA E CONSTITUIÇÃO ESTATUTÁRIA: DISTINÇÃO
Na esteira do magistério de José Joaquim Gomes Canotilho, Constituição estatutária é aquela que se limita a definir um estatuto do poder, simples instrumento de governo, enunciadora de competências e reguladora de processos[14].
Diversamente, Constituição dirigente é aquela que possui um complexo de normas que definem fins e tarefas do estado, estatuindo diretivas e imposições, pelo que a Constituição dirigente aproximar-se-ia, pois, da noção de Constituição programática[15].
Discorrendo acerca do tema, Gilberto Bercovici consigna:
“Ao debruçarmo-nos sobre a problemática da Constituição dirigente, ou seja, sobre a Constituição que define fins e objetivos para o Estado e a sociedade, precisamos fixar-nos ao texto de uma determinada constituição. Isso porque o texto constitucional é o texto que regula uma ordem histórica concreta, e a definição da Constituição só pode ser obtida a partir de sua inserção e função na realidade histórica. Esse é, nas palavras de José Joaquim Gomes Canotilho, o ‘conceito de Constituição constitucionalmente adequado’[16].”
Vale a advertência, como já visto, de que a mera existência de normas que podemos dizer engendradas pela Constituição econômica não é característica exclusiva das Constituições dirigentes, sendo certo que também são verificadas nas denominadas estatutárias. Contudo, nestas últimas, apenas se recepciona a ordem econômica praticada no mundo real, funcionando como um espelho da ordem estabelecida[17].
A nova ordem econômica pressupõe o exercício pelo Estado um poder interventivo, “cujo objeto é o arbítrio racional orientado axiologicamente no sentido de promover, dentro de certos limites, modificações dirigidas à totalidade ou a uma parte considerável da ordem social”[18], portanto, somente pode dar-se no âmbito de uma Constituição dirigente.
Destarte, do mesmo modo como o sistema econômico assume sempre determinada forma econômica, a Constituição Econômica se apresenta, sempre, sob a forma de Constituição Econômica diretiva de determinada ordem econômica (mundo do ser); sendo que a Constituição Econômica Estatutária é implícita e importa uma leitura (para trás) das disposições da Constituição Econômica diretiva[19].
3 VINCULAÇÃO DO PODERES CONSTITUÍDOS DAS NORMAS PROGRAMÁTICAS
Pontes de Miranda consigna:
“Regras jurídicas programáticas são aquelas em que o legislador, constituinte ou não, em vez de edictar regra jurídica de aplicação concreta, apenas traça linhas diretoras, pelas quais se hão de orientar os poderes públicos. A legislação, a execução e a própria justiça ficam sujeitas a êsses ditames, que são como programas dados à função legislativa[20].”
Em sentido similar, Paulo Pimenta, após analisar os conceitos de vários juristas, sintetiza o conceito de normas programáticas que será adotado nesta monografia:
“São normas jurídicas inseridas na Constituição Jurídica que representam uma tentativa do constituinte em conciliar os interesses opostos dos grupos sociais, tendo conteúdo econômico-social, função eficacial de programa, que, entretanto obrigam os órgão integrantes da organização política do Estado (executivo, Legislativo e judiciário), mediante a determinação dos princípios que por eles devem ser cumpridos[21].”
Com base no conceito esposado, se saliente o equívoco dos que acham que as normas programáticas não vinculam os destinatários de modo absoluto, por não portarem juridicidade. Falácia esta que deita suas raízes na escassa compreensão a respeito da função operada pela incorporação dessas normas nos textos constitucionais elaborados a partir do inicio do séc. XX.
O Estado intervencionista, com a constitucionalização de programas, deixa de ser meramente garantidor à preservação da liberdade individual, ficando atado à persecução de um modelo econômico que privilegie o desenvolvimento e o bem-estar social.
Cumpre rememorar, como analisado anteriormente, que o constitucionalismo social representou a pronta resposta às insatisfações decorrentes do não atendimento das necessidades coletivas pelo Estado Liberal ao final do século XIX e inicio do século XX.
Deve-se, por conseguinte, serem rechaçados os acessos essencialistas fundados na teoria de Lassalle, segundo a qual o texto fundador do Estado nada mais era que o somatório dos fatores reais de poder, condicionando-se, assim, a materialização do compromisso selado pela vontade do Poder Constituinte à ocorrência de situações ideais para a efetivação, com base em juízo de conveniência e oportunidade a ser emitido pelos Poderes Constituídos.[22]
Evidenciava-se que as normas constitucionais programáticas não poderiam ser colocadas no plano da mera opção política em termos de atuação do legislador futuro, devendo ser entendidas como objetivos permanentes do próprio Estado, devendo o mesmo buscar a concretização dos referidos programas.
Em resposta aos adeptos de Lassalle, nos idos de 1950, Vezio Crisafulli sustentou que (i) a eficácia das normas de programa é a mesma a de qualquer norma jurídica, distinguindo-se apenas quanto ao fato de que tais normas se dirigem de modo mais marcante para os órgãos estatais, particularmente no que atina ao Poder Legislativo, (ii) são normas obrigatórias, invalidando as leis com elas colidentes.[23]
Paulo Pimenta entende que as normas programáticas têm eficácia complementável por meio da ação do legislador infraconstitucional, o que se faz necessário já que, para ele, estes preceitos regulam interesses socioeconômicos em conflito, pertencentes a grupos sociais antagônicos, sendo imperativo a verificação do meio hábil para a consecução do fim posto em face à conjuntura concreta.
Os programas, nesta doutrina, obrigam os órgãos estatais, determinam a cessação de vigência, por inconstitucionalidade sucessiva, das normas infraconstitucionais antecedentes que entrem em atrito com aquelas, fixam critérios a serem adotados pelo legislador ordinário, vedam a emissão de normas e a prática de comportamentos que lhe são contrários ou que podem impedir a produção de seus efeitos[24].
Quanto à tipologia, o indigitado autor assere que, apesar de todas serem vinculativas, pode-se classificar as normas programáticas em: a) normas programáticas em sentido estrito – aquelas pelas quais o Estado, ao fixar um programa, exige que o legislador o implemente através de lei (ex. art. 186, 182 e 174, §4º, da CF/88); b) normas programáticas meramente definidoras de programas – estabelecem programas sem mencionar a atuação legislativa (ex. art. 144 da Constituição Federal); c) normas programáticas enunciativas ou declaratórias de direitos – que estatuem direitos sem a previsão da forma de sua efetivação (ex. art. 6, 196 e 206 da CF); e d) normas programáticas definidoras dos fins organizacionais, econômicos e sociais do Estado – normas que fixam os fins mediante os quais o Estado se organiza (ex. art. 170, I a IX, 193, 3, I a IV, da Magna Carta).
Por oportuno, saliente-se que as normas integrantes da “Constituição Econômica” fazem parte desta última espécie, pelo que, contendo os fins que norteiam a própria organização do Estado, inlobrigável a não vinculação deste por aquelas, sob pena de se tomar os ditames supremos como adiáforos.
De qualquer modo, Edvaldo Brito assim sintetizou a questão: “as normas constitucionais são eficazes. Que significa isto? Significa dizer que todas elas irradiam efeito, a partir do momento em que são promulgadas. Todas, sem exceção[25].”
Interessante é a conclusão esposada por José Carlos Vasconcelos do Reis de que quando as normas programáticas estiverem ligadas ao mínimo existencial, proceder-se-á a uma densificação das situações jurídicas subjetivas por elas geradas, originando não apenas a interesses legítimos, mas a verdadeiros direitos subjetivos, inclusive na sua feição positiva, permitindo a seus beneficiários exigir determinadas prestações do Poder Público[26].
Tomando como referência o direito à saúde constante do art. 196 da Magna Carta, o citado autor ressalta que o puro normativismo não se presta à compreensão dos direitos fundamentais do homem. Isto porque, apesar de se tratar de um princípio programático, uma vez que estatui um fim a ser alcançado e não de uma norma definidora de direito em plano abstrato, no momento de aplicação da norma ao caso concreto, pode a mesma gerar, diretamente, direitos públicos subjetivos individuais, quando a imediata satisfação do interesse protegido pela norma constitucional se mostrar necessária à manutenção da vida humana digna.
Em síntese, sustenta o doutrinador que, em casos envolvendo o mínimo existencial, a decisão do Poder Judiciário, quando fundamentada em norma programática, pode extrair a norma individual (que regerá o caso), diretamente, de um princípio constitucional.
Cumpre diferenciar, para uma correta compreensão, os sentidos adotados para os termos: poderes, interesses legítimos e direitos subjetivos.
Com base no magistério de Santi Romano, pode-se afirmar que os poderes estão relacionados com as normas que são plenamente eficazes, desde o seu nascimento, ausente a necessidade de intermediação legislativa a posteriori, pois o sujeito tem a faculdade de fruir do bem jurídico deferido sem que haja uma relação jurídica instaurada. Direitos seriam os poderes desenvolvidos em uma particular e concreta relação jurídica[27].
No tocante à delimitação semântica de interesses legítimos e de direito subjetivo, vale o pensamento de Paolo Biscaretti Di Ruffia, para quem estes são espécies do gênero situações subjetivas, que surgem em relação a certas pessoas por imposição do ordenamento jurídico.
Os interesses legítimos são aqueles tutelados de maneira indireta pelo sistema jurídico, gerando proteção restrita, decorrente de via reflexa; enquanto que os direitos subjetivos são tutelados de modo direito pelo ordenamento estatal, e gozam de ampla proteção[28].
Salta aos olhos que a norma programática não tutela a situação jurídica de modo reflexo, mas sim diretamente, e a generalidade da norma abrange todos os cidadãos, pelo que gera direitos subjetivos.
Diga-se mais, os direitos subjetivos oriundos das mencionadas normas são de natureza pública, por vez que devem ser exercidos em face do Estado, e abarcam não somente o aspecto negativo, entendido como a possibilidade de exigir uma abstenção do poder estatal, como também o aspecto positivo, consubstanciado no gozo de uma prestação promovida pelos órgão daquele.
Antônio Enrique Pérez Luño, ao enfatizar a proximidade semântica entre direitos humanos e direitos subjetivos, na perspectiva de se referem a relações jurídicas entre o Estado, pessoa jurídica, e os particulares, ensina que “a noção de direitos públicos subjetivos, enquanto autolimitação do poder soberano do Estado, deve ser substituída pela noção de direitos fundamentais, entendidos como limitação que a soberania popular impõe aos órgãos que dependem dela. No Estado social e Democrático, a meta de desenvolvimento progressivo, estabelecida no art. 1.1, de nossa Constituição, não deve ser considerada – no seu aspecto soberania – como patrimônio estatal, senão como atributo concreto de todos os cidadãos, cada um dos quais – se indicado – deveria poder afirmar, sem detrimento de seus vínculos sociais: O Estado sou eu[29].”
È lícito definir o direito subjetivo como a prerrogativa ou possibilidade, reconhecida a alguém e correlativa de um dever alheio suscetível de imposição coativa, de dispor como dono, dentro de certos limites, de um bem atribuído segundo uma norma jurídica positiva.[30]
Comparato consigna:
“Importa não esquecer que todo direito subjetivo se insere numa relação entre sujeito ativo e sujeito passivo. Quem fala, pois em direitos fundamentais está implicitamente reconhecendo a existência correspectiva de deveres fundamentais.[31]”
Dito isto, frisa-se que, que no trabalho empreendido pelo aluno-mestre, a expressão “direito subjetivo” não está utilizada em sua noção individualista, com algo ínsito ao ser humano e independente das relações sociais, e, sim, como fruto do próprio direito objetivo, criado por determinada sociedade.
Neste diapasão, a despeito da noção de direito subjetivo ter se originado com a doutrina individualista, tendo por base a liberdade negativa, com o surgimento de direitos sociais e solidarizantes, passa o conceito a engendrar centros de subjetivação que ultrapassam o indivíduo e o mero dever de abstenção de óbices ao exercício de determinada faculdade inerente a um direito.
Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho conceituam direito subjetivo como:
“Uma relação, que, na sociedade juridicamente organizada, se estabelece, por um acontecimento de ordem natural, ou por um ato humano voluntário, lícito ou ilícito, entre o sujeito (pessoa natural ou jurídica) e um bem da vida (objeto), sem ou com interferência de uma pessoa obrigada, e da qual, por força do reconhecimento da ordem jurídica, resulta, para o sujeito, o poder de, por si ou representado, tirar, no interesse próprio, de outrem, ou coletivo, toda a utilidade, de que é susceptível o mesmo bem, ficando, outrossim, à exclusiva disposição de tal sujeito movimentar a ação coercitiva do direito objetivo, para obter o cumprimento da obrigação assumida pelo sujeito passivo, quando seja o caso disso, e o respeito integral por parte de quem quer que seja.[32]”
Do conceito trazido a lume, podemos extrair que o núcleo essencial do conceito de direito subjetivo não se encontra atrelado à vontade, ao interesse ou à proteção dispensada pelo ordenamento no caso de sua violação, equivale a dizer que aquele existe como decorrência funcional do direito objetivo.
Sintetizando, com base na lição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior[33], direito subjetivo aponta para a posição de um sujeito que se vê dotado de faculdades jurídicas, que o titular pode fazer valer mediante procedimentos garantidos por normas.
Logo, do ponto de vista prático, a idéia realista de que o direito subjetivo é uma autorização concedida pelo direito objetivo possibilita a ampliação do conceito de direito subjetivo. Direito subjetivo não é apenas a autorização para exigir o cumprimento de norma jurídica violada, mas também de fazer e de ter o que a norma jurídica não proíbe. O que não é proibido é permitido.
De modo uníssono, o STJ no RESP nº. 5, analisando a questão do tabelamento de juros no patamar da legislação infraconstitucional, reconheceu a necessidade da intervenção estatal na espécie, visto que a cobrança de juros extorsivos, que levam á exploração do trabalho humano em prol da ganância da minoria, não pode ser tolerada frente à ordem econômica defendida na constituição vigente.
Apesar de o nosso Ordenamento encerrar o Princípio da liberdade das convenções, os abusos e extorsões são defesos pela Constituição Federal, que adota como princípios fundamentais o da dignidade da Pessoa humana e dos Valores Sociais do Trabalho, ressaltando a função ético-social do estado.
A cobrança de juros extorsivos é caracterizada como contrária à organização social e à justiça, e ofensiva da liberdade, motivo pelo qual, em nome das garantias constitucionais, pode e deve sofrer a intervenção estatal.
O entendimento esposa na jurisprudência referida eleva os princípios fundamentais à categoria de normas cogentes que geram direitos subjetivos aos cidadãos, legitimando a atuação do Estado como verdadeiro regulador da ordem econômica.
CONCLUSÃO
O Direito não se apresenta como um simples amontoado de normas, mas como um sistema dotado de unidade e coerência, que se dá pela existência dos princípios, que são verdadeiros vetores interpretativos que conferem unidade ao todo. Dessa maneira, é que a interpretação das disposições constitucionais deve ser feita em concordância com a força existente em cada um dos princípios, o que, indiscutivelmente, deve ocorrer ao se analisar as regras relativas à ingerência do Estado na economia.
A Constituição Federal adotou um modelo de estado de bem-estar social, sendo certo que aos cidadãos é conferido um direito subjetivo público subjetivo, ao qual corresponde o dever permanente do Estado de implementar políticas públicas tendentes à concretização da dignidade da pessoa humana.
De mesma forma, a Magna Carta faz do desenvolvimento nacional um objetivo fundamental do estado e, portanto, direito da nação e de cada indivíduo, passando este a ser integralizador da esfera individual de cada ser humano, apesar de apresentar-se como um direito de natureza pública subjetiva e indivisível.
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