A Organização Internacional do Trabalho e o direito brasileiro: a falta de estabilidade empregatícia e a convenção 158 da OIT

Resumo: O presente trabalho trata da Organização Internacional do Trabalho – OIT, tomando por enfoque a sua finalidade quanto ao trabalho decente e a justiça social, além de analisar os instrumentos jurídicos que podem ser elaborados pela OIT, quais sejam, as convenções e recomendações. Mas o foco principal é uma análise da falta de estabilidade empregatícia no Brasil e a possível aplicação da Convenção 158 pelos Tribunais como uma fonte material do Direito. Para tanto, foram utilizadas as visões de autores como Gustavo Felipe Barbosa Garcia, Sidney Guerra, Aline Carneiro Guerra, Roberta Freitas, Zoraide Amaral de Souza, Carlos Roberto Husek e Manuel Diez Velasco. [1]

Palavras-chave: Organização Internacional do Trabalho. Trabalho decente. Justiça Social. Convenção 158 OIT. Dispensa sem justa causa.

Resumen: El presente trabajo trata de la Organización Internacional del Trabajo – OIT, tomando por enfoque su propósito cuanto al trabajo decente y la justicia social. Analizar los instrumentos jurídicos que pueden ser elaborados por la OIT: las convenciones y recomendaciones. Pero el foco principal es un análisis de la falta de estabilidad de empleo en Brasil y la posible aplicación de la Convención 158 por los Tribunales como una fuente material del Derecho.

Palabras-Clave: Organización Internacional del Trabajo. Trabajo decente. Justicia Social. Convenio 158 OIT. La dispensa sin justa causa.

Sumário: Introdução. 1. A Organização Internacional do Trabalho. 2. Finalidade da Organização Internacional do Trabalho. 2.1 Trabalho decente. 2.2 Justiça Social. 3. Instrumentos jurídicos elaborados pela OIT: convenções e recomendações. 4. A falta de estabilidade empregatícia no direito brasileiro e a convenção 158 da OIT: a necessidade de combate ao desemprego. Considerações Finais.

INTRODUÇÃO

A Organização Internacional do Trabalho é o principal órgão quando se trata de normas trabalhistas de âmbito internacional, tomando por enfoque o ponto de vista social e o econômico para o desenvolvimento das nações, e por isso será objeto de especial atenção.

Em um primeiro momento será visto como surgiu a Organização Internacional do Trabalho, sua finalidade, objetivos e sua estrutura interna. Serão analisados os conceitos de trabalho decente e justiça social, que são as finalidades primeiras da OIT, além do objetivo de manutenção da paz.

Será visto ainda, os instrumentos jurídicos que tal Organização pode instituir, com a respectiva diferenciação entre as convenções e as recomendações, e sua aplicação pelos Estados como fonte formal ou material de Direito.

Por fim será demonstrado como o trabalho é a forma mais eficaz de efetivação do direito a dignidade da pessoa humana, e, porque deveria ser aplicável a Convenção 158 da OIT no direito brasileiro como fonte material do Direito, ou seja, como modelo e inspiração.

1. A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi instituída em 1919, pelo Tratado de Versalhes, com o objetivo principal de promover a justiça social. Atualmente se encontra sediada em Genebra, na Suíça, e é um organismo especializado da Organização das Nações Unidas (ONU), na forma do art. 57 da Carta das Nações Unidas:

“Artigo 57.1. As várias entidades especializadas, criadas por acordos intergovernamentais e com amplas responsabilidades internacionais, definidas em seus instrumentos básicos, nos campos econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos, serão vinculadas às Nações Unidas, de conformidade com as disposições do Artigo 63.

2. Tais entidades assim vinculadas às Nações Unidas serão designadas, daqui por diante, como entidades especializadas.”

Inicialmente foi criada como parte da Sociedade das Nações, da qual percebia a receita destinada ao custeio de suas atividades, sendo que em 1946, transformou-se em organismo especializado da ONU, por aprovação unânime de sua Conferência Geral. Tal organização possui três órgãos: a) a Conferência Internacional do Trabalho, constituída pelos representantes dos Estados-Membros; b) o Conselho de Administração, que é seu órgão executivo e c) o Bureau Internacional do Trabalho ou Repartição Internacional do Trabalho, que é seu secretariado técnico-administrativo. (HUSEK, 2002, p. 224)

A Conferência Internacional do Trabalho possui como funções a elaboração e aprovação de normas que regulamentem as relações de trabalho, podendo ser por meio de Convenção ou Recomendação. Para tanto, são realizadas sessões pelo menos uma vez ao ano, nas quais comparecem delegações compostas de forma tripartite, ou seja, por membros do governo, representantes dos trabalhadores e dos empregadores. (GARCIA, 2017, p. 176)

O Conselho de Administração é competente para determinar o local, a data e a ordem do dia das reuniões da Conferência, pela escolha do Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho, pela instituição de comissões permanentes ou especiais, dentre outras atribuições. Por fim, a Repartição Internacional do Trabalho possui como principais funções o compartilhamento de informações referentes à regulamentação internacional que envolvem as relações de trabalho e, em especial, o estudo de matérias que devem ser examinadas pela Conferência.

A OIT é constituída por diversos países, chamados de Estados-membros, que podem ratificar as convenções, resoluções e recomendações produzidas e, consequentemente, observá-los no seu ordenamento jurídico. O Brasil é Estado-Membro desde 1 de abril de 1945, e é considerado membro nato por ter sido um dos primeiros, além de ter sido um dos membros fundadores da organização.

Como já dito, a OIT surgiu logo após a Primeira Guerra Mundial, ou seja, num período onde o principal objetivo internacional era a manutenção da paz, e com isso, surgiram manifestações adeptas a necessidade de existir uma organização internacional que proporcionasse um sistema protetivo para as relações de trabalho. Velasco apresenta os antecedentes para a criação da OIT:

“La necesidad de llegar a una regulamentacion internacional de las matérias referentes al trabajo comenzó a sentirse desde el inicio del siglo XIX. No es extraño encontrar propuestas a los Congressos de Trabajadores durante este siglo. No obstante, esta necesidad se reflejó solamente a través de las iniciativas privadas y no de las gubernamentales. Por iniciativa privada se fundo em el año 1900, com sede em París, la Asociación Internacional para la Protección Legal de los Trabajadores, com algunos órganos permanentes. La necesidad siguió sintiéndose de forma creciente al finalizar la Primeira Guerra Mundial, y passa de la esfera privada a la gubernamental al ser acogida la ideia por la Conferencia de Paz posterior a la misma. Em la primera reunión de ésta se decide crear uns Comissión de Legislación Internacional Del Trabajo, para elaborar um proyecto de instituición permanente que se pusiera bajo los auspícios de la Sociedad de Naciones. El referido proyecto fue adoptado por la Conferencia de la Paz el dia 11 de abril de 1919.” (VELASCO, 2006, p. 354)[2]

Assim sendo, pode-se observar que a criação da OIT tem um caráter humanitário, de forma que possui como pressupostos principais a valorização da pessoa humana, a formação profissional dos trabalhadores, a remuneração digna, proteção a saúde do empregado, dentre muitos outros. Entretanto, também possui como pressuposto expresso em sua Constituição a preservação e manutenção da paz mundial.

2. FINALIDADE DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TABALHO

A principal finalidade da OIT é propiciar o mínimo de proteção ao trabalhador em âmbito mundial, além de buscar reduzir os impactos da globalização e da ordem econômica atual, através do compromisso de regular as relações entre capital e trabalho, a fim de evitar a desumanização dos trabalhadores. No mesmo sentido assevera Sidney Guerra:

“Ela surge no ano de 1919, com a finalidade de promover a universalização dos princípios da justiça social, especialmente daqueles consagrados pelo ser tratado institutivo como fundamentais ao direito do trabalho e à previdência social. Busca-se, dessa forma, o estabelecimento da paz na comunidade internacional por intermédio da justiça social. Essa justiça social será alcançada se melhores condições de trabalho forem oferecidas, bem como a luta constante contra o desemprego, a garantia de um salário digno, as horas de labor que cada indivíduo deve realizar etc.” (GUERRA, 2014, p. 297)

A Conferência Internacional do Trabalho aprovou, em 1998, a Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, que estabelece quatro princípios relativos aos direitos fundamentais a que todos os membros da OIT estão sujeitos, ainda que não tenham ratificados as Convenções, quais sejam: a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; a abolição efetiva do trabalho infantil e a eliminação de todas as formas de discriminação no emprego ou na ocupação.

Quando ao fato de não ser necessária a ratificação das Convenções para que a Declaração Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho seja observada pelos Estados-Membros da OIT é expressamente previsto na Declaração que os Estados-Membros têm o compromisso de respeitar, promover e efetivar os princípios estabelecidos na Declaração, de boa-fé e em conformidade com a Constituição da OIT, tendo em vista o fato de pertencer à Organização.

Nesse sentido, Garcia, ao escrever sobre, afirma:

“Desse modo, a Conferência Internacional do Trabalho ressalta que no momento de incorporar-se livremente à OIT, todos os Estados-Membros aceitam os princípios e direitos enunciados em sua Constituição e na Declaração de Filadélfia, e se comprometeram a esforçar-se por alcançar os objetivos gerais da Organização na medida de suas possibilidades e atendendo a suas condições especificas.” (GARCIA, 2017, p. 181)

Dessa forma, pode-se afirmar que a OIT visa promover o acesso a um trabalho decente, em condições de igualdade, segurança e dignidade para todos, que respeite os direitos fundamentais dos trabalhadores e que vise a manutenção da justiça social no âmbito mundial.

2.1 Trabalho Decente

A OIT instituiu o Trabalho Decente como seu objetivo principal, sendo este o que respeita o princípio da dignidade da pessoa humana nas relações trabalhistas e também os direitos fundamentais dos trabalhadores. Dessa forma, a noção de Trabalho Decente visa promover o acesso ao trabalho digno, tomando tal como o eixo para o progresso econômico e social dos países-membros.

Acerca dessa conceituação, assevera Garcia que:

“Desse modo, o trabalho decente, em síntese, exige que sejam observados os mandamentos considerados essenciais para as relações de labor, ou seja: promover e cumprir as normas e os princípios e direitos fundamentais no trabalho; criar maiores oportunidades para mulheres e homens para que disponham de remuneração e empregos decentes; realçar a abrangência e a eficácia da proteção social para todos; fortalecer o tripartismo e o dialogo social.” (GARCIA, 2017, p. 177)

Dessa forma, o Trabalho Decente é o fundamento principal dos objetivos estratégicos adotados pela Organização Internacional do Trabalho de manutenção da paz e justiça social.

2.2 Justiça Social

A Organização Internacional do Trabalho desempenha papel de relevância na promoção e conquista da justiça social no contexto atual de constante evolução em que vivemos. Nesse sentido, a Conferência Internacional do Trabalho no ano de 2008, reunida em Genebra durante sua 97ª reunião, adotou a Declaração da OIT sobre a Justiça social para uma Globalização Equitativa.

No texto da Declaração é enfatizado o contexto atual de globalização, caracterizado pela difusão de novas tecnologias, circulação das ideias, o crescimento da movimentação de capital e fluxos financeiros, a internacionalização do mundo dos negócios e seus processos, do diálogo bem como da circulação de pessoas, especialmente trabalhadoras e trabalhadores, o que transforma profundamente o mundo do trabalho.

Dessa forma, tal declaração visa afirmar a necessidade de observância das Normas Internacionais do Trabalho, para que cada vez mais seja possível se alcançar o pleno emprego produtivo e o trabalho decente, a fim de garantir a sustentabilidade da sociedade e da economia global, de combater a pobreza, o desemprego e as crescentes desigualdades. (GARCIA, 2017, p. 184)

3. INSTRUMENTOS JURÍDICOS ELABORADOS PELA OIT: CONVENÇÕES E RECOMENDAÇÕES

Como já visto, é competência da Confederação Internacional do Trabalho a elaboração e aprovação das normas que irão firmar a regulamentação das relações de trabalho em âmbito internacional, a fim de promover um direito uniforme, com a consequente universalização da Justiça Social.

Tal atividade da Confederação se opera por meio de Convenções e Recomendações, que constituem o “Código Internacional do Trabalho”. Zoraide Amaral explica que:

“Não se trata porém, de um Código na acepção técnica da palavra, posto que suas normas integram a legislação nacional de cada um dos Estados-membros da OIT na medida em que forem ratificadas as correspondentes convenções e transformadas em lei as respectivas recomendações.” (2006, p. 446)

Portanto, a diferença entre as convenções e as recomendações da OIT é somente formal, ou seja, quanto aos efeitos que geram. Por consequência, a convenção ratificada constitui fonte formal de direito que deve ser observada e aplicada no Estado-membro que a ratificou. Já as recomendações e as convenções não ratificadas, representam fonte material de direito, ou seja, desempenham papel de inspiração e modelo para a atividade legislativa ou medidas de outra natureza de cada Estado-membro no âmbito de sua soberania.

3.1 Convenções

A convenção é considerada um acordo internacional, mais especificamente um tratado multilateral aberto e de caráter normativo. Isso porque, conforme explica Zoraide Amaral de Souza “cabe ressaltar que as convenções constituem tratados multilaterais, abertos à ratificação por parte dos Estados-membros, que após tal formalidade, as regras nela esculpidas devem integrar a respectiva legislação nacional daquele Estado”. (2006, p. 448)

É considerada tratado multilateral pela razão de poder ser ratificada por um número ilimitado de Estados, sendo apenas necessário que seja membro da Organização Internacional do Trabalho. No mesmo sentido:

“As convenções podem ser classificadas como tratados-leis, ou normativas e tratados-contratos. Assim, uma Convenção é um tratado multilateral, de caráter normativo, que admite um número ilimitado de partes, que perseguem o mesmo fim, obrigando-se as prestações idênticas, e que produzem efeitos jurídicos objetivos em relação aos que vivem nos respectivos países.” (DE SOUZA, 2006, p. 448)

Com efeito, a convenção possui como finalidade a criação de um direito comum de forma a promover a universalização das normas de Justiça social, a fim de incentivar os Estados a garantirem um trabalho digno. Com isso, pode ter como objeto assuntos que versem sobre os direitos humanos do trabalhador, e que afirmem sua dignidade.

3.2 Recomendações

A característica principal das recomendações se revela no fato de que tais não são ratificadas pelos Estados-membros, o que gera a consequência de não serem de observância obrigatória, servindo apenas como orientação. Ao tratar das recomendações, explica Zoraide Amaral que:

“É uma regra oriunda da Organização Internacional do Trabalho em virtude de não terem sido alçadas a convenção, seja por falta de quórum ou falta de adesões, são promulgadas como simples recomendações. Dessa forma, somente valem como sugestão destinada a orientar o direito interno de cada Estado-membro.” (2006, p. 448)

Nesse sentido é o que dispõe o art. 19, caput, da Constituição da OIT:

“Se a Conferência pronunciar-se pela aceitação de propostas relativas a um assunto na sua ordem do dia, deverá decidir se essas propostas tomarão a forma: a) de uma convenção internacional; b) de uma recomendação, quando o assunto tratado, ou um de seus aspectos não permitir a adoção imediata de uma convenção.”

Assim sendo, as recomendações possuem caráter facultativo e não criam direitos e obrigações entre os Estados signatários, servindo apenas de inspiração e modelo, e possuem como principal finalidade a complementação das disposições de alguma convenção, e por isso é considerada mera fonte material do direito.

4. A FALTA DE ESTABILIDADE EMPREGATÍCIA NO DIREITO BRASILEIRO E A CONVENÇÃO 158 DA OIT: a necessidade de combate ao desemprego

No âmbito da esfera trabalhista a garantia ao emprego se torna uma forma de efetivação do direito fundamental a dignidade da pessoa humana, tendo em vista que é a partir da renda adquirida que o cidadão tem efetivados seus direitos a moradia, alimentação, educação, dentre outros.

Justamente a partir desse aspecto, são vários os momentos em que o ordenamento Jurídico se preocupou em garantir tal estabilidade. Magalhães e Guerra sustentam que:

“Nesta ordem de ideias, mostra-se, a dignidade humana, como centro dos direitos humanos fundamentais, encontrando no trabalho um dos meios de sua efetivação. […]

O Direito do Trabalho é o ramo do Direito que tem como objetivo central a promoção da dignidade do trabalhador, através de normas que possibilitem a melhoria da sua condição social e confiram um “patamar civilizatório mínimo”.[…]

Nesta ordem de ideias, emerge o direito à garantia de emprego, como expressão da concretização dos princípios da proteção e da continuidade da relação de emprego, pois, além de resguardar o obreiro do exercício potestativo da dispensa sem qualquer justificativa, ele permite a inserção do obreiro na estrutura empresarial por mais tempo, fato que gera benefícios não apenas para o trabalhador, mas também para o empregador, em especial, no que diz respeito à rotatividade de mão-de obra e aos gastos que dela decorrem.”

Aline Carneiro Magalhães e Roberta Freitas Guerra, ainda, ao tratarem da evolução histórica dos tratamentos legislativos sobre estabilidade empregatícia, apresentam primeiramente que foi criada a estabilidade na esfera previdenciária, já que esta visava fixar o trabalhador no emprego por meio de financiamento das contribuições e benefícios da seguridade. Depois, foi promulgada a Lei 4.682/23, chamada de Lei Elói Chaves, que criou a Caixa de Aposentadoria e Pensão dos Ferroviários, que garantia a estabilidade aos empregados da categoria profissional de ferroviários após dez anos de serviço.

No mesmo sentido, as Constituições de 1937, 1946 e 1967 previram de maneira expressa a estabilidade empregatícia, assim como a CLT que prevê nos artigos 492 a 500 uma forma de estabilidade após dez anos de serviço para o mesmo empregador, em conformidade com os princípios da proteção ao trabalhador e da continuidade da relação de emprego, podendo ser dispensado apenas por motivo de falta grave ou por circunstâncias de força maior devidamente comprovadas.

Logo após, sustentam que foi estabelecido o instituto do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, que surgiu primeiramente como um sistema alternativo ao da estabilidade decenal prevista na CLT, cabendo ao trabalhador escolher a qual deles aderir no momento de celebração do contrato de trabalho.

Por fim, asseveram que com a promulgação da Constituição Federal de 1988 terminou-se a necessidade de escolha entre o FGTS e a estabilidade decenal, sendo universalizado o FGTS para todo o mercado de trabalho e revogada tacitamente a estabilidade decenal.

Entretanto, a mesma Carta Maior trouxe previsto expressamente a garantia ao emprego de maneira genérica, ou seja, a todo e qualquer tipo de trabalhador, exigindo apenas a necessidade de uma lei complementar para tratar das especificidades. Assim dispõe o Art. 7, I da Constituição Federal de 88:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.”

Importante ressaltar que o art. 7º, I, da CR/88 prevê a hipótese de garantia de emprego contra dispensa arbitrária ou sem justa causa, na mesma linha protetiva da Convenção n° 158 da OIT, de 1982, de forma que, como asseveram Magalhães e Guerra:

“De outro lado, a Convenção nº 158 da OIT, que trata do mesmo assunto, aprovada pelo Congresso Nacional em 16/09/92 e promulgada em 11/04/96, foi denunciada pelo Poder Executivo em 20/11/96, deixando de ter vigência em nosso ordenamento a partir de 20/11/97.[…]

Em meio à falta de regulamentação do art. 7º, I, da CR/88 e da denúncia da Convenção nº 158 da CLT, continua o obreiro sujeito a dispensas imotivadas, que colocam fim a seu vínculo de emprego sem qualquer justificativa, não tendo ele mínimas garantias da continuidade da sua relação empregatícia.”

Tal ausência de uma efetiva garantia no emprego impulsiona o desemprego, favorece a insegurança nas relações trabalhistas e fragiliza a situação do trabalhador, já que tal se encontra em um estado ainda maior de submissão do obreiro a condições de labor contrarias ao padrão mínimo estabelecido por lei.

Dessa forma, a garantia de emprego contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa acaba não sendo efetivada nos casos da vida real tendo em vista não existir a Lei Complementar expressamente exigida pela Constituição sobre tal aspecto, perdurando, assim, na prática laboral a facilidade jurídica conferida aos empregadores de dispensarem seus empregados.

O princípio da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador, que além de ser aplicável no Direito brasileiro, é previsto na Constituição da OIT, prevê a possibilidade de aplicação do que for mais favorável ao trabalhador, seja a norma jurídica interna, seja uma convenção internacional do trabalho.

Portanto, levando em consideração que a finalidade principal da OIT é a proteção dos direitos do trabalhador em âmbito internacional e o combate ao desemprego, e que as convenções não ratificadas representam fonte material de direito, se faz necessária a aplicação da Convenção 158 da OIT, que trata sobre a dispensa imotivada do empregado, nas decisões judiciais brasileiras, para que em âmbito nacional seja pouco a pouco reduzido os inúmeros casos de desemprego.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto, a Organização Internacional do Trabalho – OIT foi criada em 1919, logo após a primeira guerra mundial, com a principal finalidade de manutenção da paz, além de trazer como seus objetivos o trabalho decente e a justiça social.

Visa ainda efetivar os direitos humanos dos trabalhadores em âmbito internacional como forma de se garantir a dignidade humana, o que demonstra a importância de uma legislação internacional robusta, eficaz e adequada. Dessa forma, se trata de um organismo internacional especializado da ONU, baseado em uma estrutura tripartite, que tem como objetivo fim a obtenção da justiça social e assegurar o acesso aos direitos trabalhistas e a dignidade a todos.

Com a crescente globalização mundial acredita-se que a tendência é o fortalecimento da OIT, quanto a instituição de normas, sejam convenções, sejam recomendações, para que cada vez mais nos aproximemos de um Direito do Trabalho mais justo e que efetive os direitos fundamentais. Por fim, entendemos que o Direito Brasileiro deve tomar como inspiração as convenções e recomendações da OIT, utilizando-as como fonte material de direito, e não somente como fonte formal de direito.

 

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 24 out. 2017.
BRASIL. Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945. Promulga a Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, por ocasião da Conferência de Organização Internacional das Nações Unidas. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm. Acesso em: 25 out. 2017.
GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Trabalho Decente na Organização Internacional do Trabalho e Direitos Fundamentais Sociais no Estado Democrático de Direito. Revista de Direito Constitucional e Internacional. vol. 99. ano. 25. p. 175-188. São Paulo, jan-fev. 2017.
GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
MAGALHÃES, Aline Carneiro. GUERRA, Roberta Freitas. Direito fundamental à garantia de emprego: uma análise sobre a ausência de regulamentação do dispositivo constitucional que o abriga. 2014. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/Direito/article/view/P.2318-7999.2014v17n34p133>. Acesso em: 11 de setembro de 2016.
SOUZA, Zoraide Amaral de. A Organização Internacional do Trabalho – OIT. Revista da Faculdade de Direito de Campos. nº. 9. ano. VII. p. 425-465. dez. 2006.
HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito Internacional Público. 11. Ed. São Paulo: LTr Editora, 2002.
VELASCO, Manuel Diez. Las organizaciones internacionales. 14. Ed. Madrid: Tecnos, 2007.
Notas
[1] Artigo orientado pelo Prof. Marcelo Fernando Quiroga Obregon, Doutor em Direito .Direitos e Garantias Fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Mestre em Direito Internacional e Comunitário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialista em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, Coordenador Acadêmico do curso de especialização em Direito Marítimo e Portuário da Faculdade de Direito de Vitória – FDV -, Professor de Direito Internacional e Direito Marítimo e Portuário nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Vitória – FDV.
[2] A necessidade de alcançar uma regulamentação internacional dos materiais relacionados ao trabalho começou a ser sentida desde o início do século XIX. Não é estranho encontrar propostas para os Congressos dos Trabalhadores durante este século. No entanto, essa necessidade foi refletida apenas através de iniciativas privadas e não de iniciativas governamentais. Por iniciativa privada foi fundada em 1900, com sede em Paris, a Associação Internacional para a Proteção Jurídica dos Trabalhadores, com alguns órgãos permanentes. A necessidade continuou a ser sentida cada vez mais no final da Primeira Guerra Mundial, e passou da esfera privada para o governo, quando foi aceita pela Conferência da Paz. Na primeira reunião deste último, foi decidido criar uma Comissão para a Legislação Internacional do Trabalho, elaborar um projeto para uma instituição permanente que seria colocada sob os auspícios da Liga das Nações. O projeto acima mencionado foi adotado pela Conferência da Paz em 11 de abril de 1919.

Informações Sobre o Autor

Ana Carolina Campos Rosa

Acadêmica de Direito na Faculdade de Direito de Vitória- FDV


Equipe Âmbito Jurídico

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