Resumo: Cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. O conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental. Neste aspecto, o presente se propõe a analisar a participação popular como instrumento robusto de efetivação da democracia participativa, sobretudo em sede de Administração Pública e seus instrumentos de intervenção na propriedade privada, tendo como pressuposto a análise do destombamento do patrimônio cultural.
Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural. Destombamento. Participação Popular.
Sumário: 1 Intervenção do Estado na Propriedade: Breve Escorço Histórico; 2 Patrimônio Cultural como Faceta do Meio Ambiente; 3 Comentários Introdutórios ao Instituto do Tombamento: Acepção Conceitual e Fonte Normativa; 4 Fundamento do Tombamento; 5 A Possibilidade de Destombamento do Patrimônio Cultural; 6 A Imprescindibilidade da Participação Popular no Processo de Destombamento do Patrimônio Cultural
1 Intervenção do Estado na Propriedade: Breve Escorço Histórico
Em uma primeira plana, o tema concernente à intervenção do Estado na propriedade decore da evolução do perfil do Estado no cenário contemporâneo. Tal fato deriva da premissa que o Ente Estatal não tem suas ações limitadas tão somente à manutenção da segurança externa e da paz interna, suprindo, via de consequência, as ações individuais. “Muito mais do que isso, o Estado deve perceber e concretizar as aspirações coletivas, exercendo papel de funda conotação social”[1], como obtempera José dos Santos Carvalho Filho. Nesta esteira, durante o curso evolutivo da sociedade, o Estado do século XIX não apresentava essa preocupação; ao reverso, a doutrina do laissez feire assegurava ampla liberdade aos indivíduos e considerava intocáveis os seus direitos, mas, concomitantemente, permitia que os abismos sociais se tornassem, cada vez mais, profundos, colocando em exposição os inevitáveis conflitos oriundos da desigualdade, provenientes das distintas camadas sociais.
Quadra pontuar que essa forma de Estado deu origem ao Estado de Bem-estar, o qual utiliza de seu poder supremo e coercitivo para suavizar, por meio de uma intervenção decidida, algumas das consequências consideradas mais penosas da desigualdade econômica. “O bem-estar social é o bem comum, o bem do povo em geral, expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades comunitárias”[2], compreendo, aliás, as exigências materiais e espirituais dos indivíduos coletivamente considerados. Com realce, são as necessidades consideradas vitais da comunidade, dos grupos, das classes que constituem a sociedade. Abandonando, paulatinamente, a posição de indiferente distância, o Estado contemporâneo passa a assumir a tarefar de garantir a prestação dos serviços fundamentais e ampliando seu espectro social, objetivando a materialização da proteção da sociedade vista como um todo, e não mais como uma resultante do somatório de individualidades.
Neste sentido, inclusive, o Ministro Luiz Fux, ao apreciar o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo N° 672.579/RJ, firmou entendimento que “ainda que seja de aplicação imediata e incondicional a norma constitucional que estabeleça direitos fundamentais, não pode o Ente Estatal beneficiar-se de sua inércia em não regulamentar, em sua esfera de competência, a aplicação de direito constitucionalmente garantido”[3]. Desta feita, para consubstanciar a novel feição adotada pelo Estado, restou necessário que esse passasse a se imiscuir nas relações dotadas de aspecto privado. “Para propiciar esse bem-estar social o Poder Público pode intervir na propriedade privada e nas atividades econômicas das empresas, nos limites da competência constitucional atribuída”[4], por meio de normas legais e atos de essência administrativa adequados aos objetivos contidos na intervenção dos entes estatais.
Com efeito, nem sempre o Estado intervencionista ostenta aspectos positivos, todavia, é considerado melhor tolerar a hipertrofia com vistas à defesa social do que assistir à sua ineficácia e desinteresse diante dos conflitos produzidos pelos distintos grupamentos sociais. Neste jaez, justamente, é que se situa o dilema moderno na relação existente entre o Estado e o indivíduo, porquanto para que possa atender os reclamos globais da sociedade e captar as exigências inerentes ao interesse público, é carecido que o Estado atinja alguns interesses individuais. Ao lado disso, o norte que tem orientado essa relação é a da supremacia do interesse público sobre o particular, constituindo verdadeiro postulado político da intervenção do Estado na propriedade. “O princípio constitucional da supremacia do interesse público, como modernamente compreendido, impõe ao administrador ponderar, diante do caso concreto, o conflito de interesses entre o público e o privado, a fim de definir, à luz da proporcionalidade, qual direito deve prevalecer sobre os demais”[5].
2 Patrimônio Cultural como Faceta do Meio Ambiente
Em sede de comentários introdutórios, cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. O meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos”[6]. A proteção do patrimônio cultural se revela como instrumento robusto da sobrevivência da própria sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental”[7]. Quadra anotar que os bens compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio ambiente cultural em duas espécies distintas, quais sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o meio-ambiente cultural concreto, também denominado material, se revela materializado quando está transfigurado em um objeto classificado como elemento integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível citar os prédios, as construções, os monumentos arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos citados alhures, em razão de todos os predicados que ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso Especial N° 115.599/RS:
“Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio cultural. Destruição de dunas em sítios arqueológicos. Responsabilidade civil. Indenização. O autor da destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente, especificamente ao meio ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural (jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase Vieira). Recurso conhecido em parte e provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando este não se apresenta materializado no meio-ambiente humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade. Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a língua e suas variações regionais, os costumes, os modos e como as pessoas relacionam-se, as produções acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N° 2005251015239518, firmou entendimento que “expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo”[8]. Esses aspectos constituem, sem distinção, abstratamente o meio-ambiente cultural. “O patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a geração e é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente”[9], decorrendo da interação com a natureza e dos acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000[10], que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências, consiste em instrumento efetivo para a preservação dos bens imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como aponta Brollo[11], o aludido decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também estruturou uma política de inventariança, referenciamento e valorização desse patrimônio.
Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Fiorillo[12], que os bens que constituem o denominado patrimônio cultural consistem na materialização da história de um povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o condão de substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada comunidade. O meio-ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente em decorrência de produzir um sentimento de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem como é propiciada a constante evolução fomentada pela atenção à diversidade e à criatividade humana.
3 Comentários Introdutórios ao Instituto do Tombamento: Acepção Conceitual e Fonte Normativa
O tombamento se apresenta como a forma de intervenção na propriedade, por meio da qual o Poder Público objetiva proteger o patrimônio cultural brasileiro. Neste sentido, já firmou entendimento o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que “o tombamento é ato administrativo que visa à preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de bem a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico”[13]. Com realce, o instituto em comento se revela, em sede de direito administrativo, como um dos instrumentos criados pelo legislador para combater a deterioração do patrimônio cultural de um povo, apresentando, em razão disso, maciça relevância no cenário atual, notadamente em decorrência dos bens tombados encerrarem períodos da história nacional ou, mesmo, refletir os aspectos característicos e identificadores de uma comunidade.
É cediço que quando o Estado intervém na propriedade privada para proteger o patrimônio cultural, busca preservar a memória nacional. Ao lado disso, o instituto em comento permite que o aspecto histórico seja salvaguardado, eis que constitui parte da própria cultura do povo e representa a fonte sociológica de identificação de vários fenômenos sociais, políticos e econômicos existentes na atualidade. “A escolha do bem de patrimônio cultural que será tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial”[14].
Desta feita, o proprietário não pode, em nome de interesses particulares, usar ou fruir de maneira livre seus bens, se estes se traduzem em interesse público por atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural, científica, turística e paisagística. “São esses bens que, embora permanecendo na propriedade do particular, passam a ser protegidos pelo Poder Público, que, para esse fim, impõe algumas restrições quanto a seu uso pelo proprietário”[15]. Os exemplos de bens a serem tombados são extremamente variados, sendo os mais comuns os imóveis que retratam a arquitetura de épocas passadas na história pátria, dos quais podem os estudiosos e pesquisadores extrair diversos meios de conhecimento do passado e desenvolver outros estudos com vistas a proliferar a cultura do país. Além disso, é possível evidenciar que é corriqueiro o tombamento de bairros ou até mesmo cidades, quando retratam aspectos culturais do passado. Com o escopo de ilustrar o expendido, mister se faz colacionar o aresto jurisprudencial que acena:
“Ementa: Direito Constitucional – Direito Administrativo – Apelação – Preliminar de não conhecimento – Inovação Recursal – Ausência de Documentos Indispensáveis para propositura da Ação – Não Configuração – Pedido de Assistência Judiciária – Indeferimento – Ação Civil Pública – Dano ao Patrimônio Histórico e Cultural – Edificação em imóvel localizado no Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto – Tombamento – Aprovação do IPHAN – Inexistência. – Embora a apelante tenha feito diversas alegações que deixaram de ser levantadas na contestação, foi questionada, na apelação, parte da matéria tratada na peça de defesa, além de terem sido atacadas, em alguns pontos, questões examinadas na sentença, de forma que não se sustenta a preliminar de não conhecimento do recurso. – O pedido de assistência judiciária deve ser indeferido, pois a apelante efetuou o preparo do recurso, gerando não apenas presunção, mas certeza de sua capacidade de custear a demanda sem prejuízo do próprio sustento e de familiares. Além disso, não foi juntada a declaração de pobreza a que se refere a lei 1.060/50, o que leva ao indeferimento do pedido. – O Município de Ouro Preto foi erigido a Monumento Nacional pelo decreto nº. 22.928, de 12/06/33, e inscrito pela UNESCO na lista do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural em 21/09/80, e a cidade teve todo o seu Conjunto Arquitetônico tombado. Trata-se de fato notório, conhecido pela apelante e por qualquer pessoa, de forma que não se pode afirmar que o processo de tombamento do Conjunto Arquitetônico do referido Município seja um documento indispensável para a propositura da presente ação civil pública. – O imóvel que faz parte do Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto, e integra o Patrimônio Mundial, Cultural e Natural da cidade, deve ser conservado por seu proprietário, e qualquer obra de reparo de tal bem deve ser precedida de autorização do IPHAN, sob pena de demolição.” (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível 1.0461.03.010271-3/001/ Relator: Desembargador Moreira Diniz/ Julgado em 12.06.2008/ Publicado em 26.06.2008).
“Ementa: Ação popular. Instalação de quiosques no entorno de praças municipais. Tombamento preservado. Inocorrência de ofensa ao patrimônio ambiental cultural. O fato de as praças municipais serem tombadas, como partes do Patrimônio Histórico e Cultural do Município de Paraisópolis, não podendo, consequentemente, serem ocupadas ou restringidas em sua área, para outras finalidades (Lei Municipal n. 1.218/89) não impede a instalação, ao arredor delas, de quiosques de alimentação, porquanto o tombamento se limitou às praças, e não ao entorno delas. Assim, não há ofensa ao patrimônio ambiental cultural. A instalação dos referidos quiosques não configura abalo de ordem ambiental, visto que não houve lesão aos recursos ambientais, com consequente degradação – alteração adversa – do equilíbrio ecológico do local”. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quinta Câmara Cível/ Apelação Cível/Reexame Necessário N° 1.0473.03.000617-4/001/ Relatora: Desembargadora Maria Elza/ Julgado em 03.03.2005/ Publicado em 01.04.2005).
É verificável que a proteção dos bens de interesse cultural encontra respaldo na Constituição da República Federativa do Brasil[16], que impõe ao Estado o dever de garantir a todos o exercício de direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional. “Por outro lado, nela se define o patrimônio cultural brasileiro, composto de bens materiais e imateriais necessários à exata compreensão dos vários aspectos ligados os grupos formadores da sociedade brasileira”[17]. O Constituinte, ao insculpir, a redação do §1° do artigo 216 da Carta de Outubro estabeleceu que o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. “Independentemente do tombamento, o patrimônio cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que precária – até definitiva solução da questão em exame – essa proteção, se não for dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é irreversível”[18].
Resta patentemente demonstrado que o tombamento é uma das múltiplas formas utilizadas na proteção do patrimônio cultural brasileiro. Como bem anota Meirelles, “tombamento é a declaração do Poder Público do valor histórico, artísticos, paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo com a inscrição em livro próprio”[19]. O tombamento é um dos institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio histórico e artístico nacional, que implica na restrição parcial do imóvel, conforme se verifica pela legislação que o disciplina. Com o escopo de explicitar a proeminente natureza do instituto em comento, é possível transcrever os arestos que se coadunam com as ponderações estruturadas até o momento:
“Ementa: Constitucional e Administrativo. Mandado de segurança. Imóvel. Valor histórico e cultural. Declaração. Município. Tombamento. Ordem de demolição. Inviabilidade. São deveres do Poder público, nos termos dos arts. 23, III e IV; 30, I e IX e 216, §1º, da Constituição Federal, promover e proteger o patrimônio cultural, artístico e histórico, por meio de tombamento e de outras formas de acautelamento e preservação, bem como impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de bens de valor histórico, artístico e cultural. Demonstrada, no curso do mandado de segurança, a conclusão do procedimento administrativo de tombamento do imóvel, com declaração do seu valor histórico e cultural pelo Município, inviável a concessão de ordem para sua demolição. Rejeita-se a preliminar e nega-se provimento ao recurso.” (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível 1.0702.02.010330-6/001/ Relator: Desembargador Almeida Melo/ Julgado em 15.04.2004/ Publicado em 18.05.2004).
“Ementa: Tombamento – Patrimônio Histórico e Cultural – Imóvel reputado de valor histórico pelo município onde se localiza – Competência Constitucional dele para aferi-lo e tombá-lo. Nada impede que o Município, mediante tombamento, preserve imóvel nele situado e que considere de valor histórico-cultural, ""ex vi"" do art. 23, inciso III, da Lei Fundamental da República, que a ele – Município, atribui a competência para fazê-lo. Ademais, a cada comunidade, com seus hábitos e culturas próprios, cabe aferir, atendidas as peculiaridades locais, acerca do valor histórico-cultural de seu patrimônio, com o escopo, inclusive, de também preservá-lo.” (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Embargos Infringentes 1.0000.00.230571-2/001/ Relator: Desembargador Hyparco Immesi/ Julgado em 09.10.2003/ Publicado em 03.02.2004)
O diploma infraconstitucional que versa acerca do tombamento é o Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937[20], que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, trazendo à baila as disposições elementares e a fisionomia jurídica do instituto do tombamento, inclusive no que toca aos registros dos bens tombados. Sobreleva anotar que o diploma ora aludido traça tão somente as disposições gerais aplicáveis ao fato jurídico–administrativo do tombamento. Entrementes, este se consumará por meio de atos administrativos específicos, destinados a propriedades determinadas.
4 Fundamento do Tombamento
Tal como ocorre com as demais espécies de intervenção na propriedade, o tombamento tem por fundamento a necessidade de adequar o domínio privado às necessidades de interesse público. Por mais uma vez, com realce, é possível verificar a materialização da premissa que o interesse público prevalece em relação aos interesses dos particulares. É por tal motivo que, ainda em relação ao presente instituto, se pode invocar as disposições contidas nos artigos 5°, inciso XXIII[21], e 170, inciso III[22], ambos da Constituição Federal, os quais objetivam assegurar que a propriedade alcance sua função social. Com efeito, a defesa do patrimônio cultural se apresenta como matéria dotada de interesse geral da coletividade. Assim, “para que a propriedade privada atenda a essa função social, necessário se torna que os proprietários se sujeitem a algumas normas restritivas concernentes ao uso de seus bens, impostas pelo Poder Público”[23]. Uma vez obtida essa proteção, a propriedade estará cumprindo o papel para o qual a Constituição Federal a destinou.
Destarte, é possível evidenciar que o tombamento encontra escora na necessidade de adequação da propriedade à correspondente função social e esta, por sua vez, se consubstancia na necessidade de proteção ao patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e científico. Ao lado disso, com destaque, a Emenda Constitucional N° 48, de 10 de agosto de 2005, que, ao acrescentar o §3° ao artigo 215 da Constituição Federal[24], estabeleceu que diploma legislativo criasse o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, com o escopo principal de fomentar o desenvolvimento cultural do País, tal como a interação de ações do Poder Público para a defesa e a valorização do patrimônio cultural brasileiro, produção, promoção e difusão de bens culturais e outras ações do gênero. Salta aos olhos o intuito de atribuir, cada vez mais, realce aos valores culturais do País.
Tem se tornado corriqueiro, entretanto, o tombamento de imóveis urbanos para o fito de obstar suas demolições e evitar novas edificações ou, mesmo, edificações em determinadas áreas urbanas, cuja demanda de serviços públicos e equipamentos urbanos se apresente como incompatível com a oferta possível no local. “Com tal objetivo, certas zonas urbanas têm sido qualificadas como ‘áreas de proteção ao ambiente cultural’, e nelas se indicam os imóveis sujeitos àquelas limitações”[25], como bem espanca José dos Santos Carvalho Filho. Transparece, nesses atos, notório desvio da perspectiva, porquanto são flagrantemente ilegais e não apresentam qualquer conexão com o real motivo apresentado pelo instituto do tombamento. O fundamento real deste instituto está assentado na preservação do patrimônio público, contudo, naquelas áreas inexiste qualquer ambiente cultural que reclama preservação do Poder Público.
Com realce, o que se objetiva é a instituição de limitações administrativas urbanísticas, cujo sedimento, diametralmente diverso, está arrimado na mudança de estratégia da política urbana e na carência de alteração de critérios para edificação, sendo valorada a preservação da ordem urbanística, e não da ordem cultural. As limitações administrativas urbanísticas, enquanto conjunto de institutos jurídicos que afetam, de maneira direta, qualquer dos aspectos característicos desse direito, encontram, in casu, substrato nas normas e princípios que orientam o Direito Municipal e Urbanístico, porquanto servem de instrumento de atuação e materialização urbanística. Ora, se a Administração Pública ambiciona alterar critérios de edificação, a exemplo de natureza e objetivos de prédios, pode fazer utilizando instrumentos urbanísticos, mas não por meio do tombamento que, tal como visto até o momento, apresenta fito distinto.
O instituto do tombamento, consoante expressa dicção do artigo 1° do Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937[26], que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, incide sobre bens móveis e imóveis. É imperioso frisar que os bens suscetíveis de tombamento são aqueles que traduzem aspectos de relevância para a noção de patrimônio cultural brasileiro. Neste passo, claro é o diploma aludido acima, porquanto faz expressa menção a bens do patrimônio histórico e artístico. “Ultimamente o tombamento tem sido utilizado para proteger florestas nativas. Há equívoco nesse procedimento. O tombamento não é o instrumento adequado para a preservação da flora e da fauna”[27].
Cuida salientar que as florestas são bens de interesse comum e estão condicionadas ao regime legal especial estabelecido em diploma específico, o qual indica o modo de preservação de determinadas áreas florestadas. O mesmo ocorre com a fauna, que está orientada pelas disposições do Código de Caça e pelo Código de Pesca, os quais acenam como preservas as espécies silvestres e aquáticas. Desta feita, a preservação das florestas e da fauna silvestre tem que ser protegida por meio da criação de parques nacionais, estaduais e municipais ou mesmo reservas biológicas, e não por tombamento como, de maneira equivocada, tem se observado no cenário atual, eis que desvirtua o fito a que se destina o instituto ora mencionado.
Acalorados são os debates que discutem a natureza jurídica do instituto do tombamento, entretanto, a doutrina mais abaliza sustenta que se trata de instrumento especial de intervenção restritiva do Estado na propriedade privada[28], dotado de fisionomia própria e impassível de confusão com as demais espécies de intervenção. Afora isso, apresenta natureza concreta e específica, motivo pelo qual, diversamente das limitações administrativas, se apresenta como uma restrição ao uso da propriedade. Neste alamiré, é forçoso frisar que a natureza jurídica do tombamento é a de se qualificar como meio de intervenção do Estado, consistente na restrição ao uso de propriedades determinadas.
No que se refere à natureza do ato, em que pesem às ponderações que orbitam acerca de ser ele vinculado ou discricionário, cuida fazer uma clara distinção quanto à natureza do ato e quanto aos motivos do ato. Sob o aspecto de que o tombamento deve apresentar como pressuposto a defesa do patrimônio cultural, o ato se revela como sendo vinculado, porquanto o autor do ato não pode praticá-lo ostentando motivo distinto. Desta sorte, o ato está vinculado à razão nele constante. Entrementes, no que concerne à valoração da qualificação do bem como de natureza histórica, artística, cultural, paisagística, etc. e da necessidade de sua proteção, o ato é discricionário, eis que essa avaliação é privativa da Administração. “A escolha do bem de patrimônio cultural que será tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial”[29]. Assente é o entendimento jurisprudencial que sedimenta as ponderações vertidas até o momento:
“Ementa: Mandado de Segurança – Tombamento de bem imóvel – Ilegitimidade ativa – Constituição há menos de um ano – Artigo 5º, LXX, alínea ‘b' da Constituição Federal – Poder discricionário da Administração para decretar o tombamento – Processo extinto – Art. 267, VI do CPC. A Constituição Federal exige expressamente a constituição de Associação há pelo menos um ano para que possa legitimamente ajuizar mandado de segurança coletivo, em defesa dos interesses dos seus membros ou associados. O tombamento de prédio considerado de interesse histórico, artístico ou cultural, é ato discricionário do Administrador, sendo descabida a intervenção do Poder Judiciário no processo de tombamento, quando não demonstrada a ilegalidade do mesmo. Apelo improvido”. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara Cível/ Apelação Cível 1.0145.03.094392-5/003/ Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/ Julgado em 14.12.2004/ Publicado em 30.12.2004).
“Ementa: Agravo. Liminar em mandado de segurança. Tombamento de bem imóvel. O poder discricionário da autoridade administrativa vale, na medida em que o ordenamento jurídico concede ao administrador a prerrogativa de agir movido pelos critérios de oportunidade e conveniência, sopesados com parcimônia para que o fim último seja alcançado. Descabimento da intervenção do Judiciário no processo de tombamento, indemonstrada, ""prima facia"", irregularidade no mesmo. Agravo provido, para cassar a liminar”. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara Cível/ Agravo de Instrumento 1.0145.03.094392-5/001/ Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/ Julgado em 03.02.2004/ Publicado em 20.02.2004).
Da mesma forma, é cabível, ainda, a observação de que o tombamento constitui um ato administrativo, sendo imperioso, por via de consequência, que apresente todos os elementos necessários para materializar a moldura de legalidade. O tombamento, enquanto instituto do direito administrativo, não acarreta a produção de todo um procedimento; ao contrário, é efetivamente um ato só, um ato administrativo único. O que ocorre é que aludido ato resulta necessariamente de procedimento administrativo e corresponde ao desfecho de toda a sua tramitação. Assim, o ato não pode ser perpetrado em uma única ação, ao revés, reclama todo um sucedâneo de formalidades prévias.
Do ato de tombamento resulta um sucedâneo de efeitos de maciça importância, no que toca ao uso e à alienação do bem tombado. Como o tombamento acarreta restrição ao uso da propriedade privada, deve esse fato ser levado a registro no Cartório de Registro de Imóveis respectivo, sendo devidamente averbado ao lado da transcrição do imóvel. Caso o bem seja alienado, o adquirente tem a incumbência de levar ao Registro de Imóveis a escritura pública, ou o termo de contrato, se for o caso, tendo o prazo de trinta dias para fazê-lo sob pena de multa correspondente a dez por cento do valor da avença pactuada, tal como para comunicar a transferência ao órgão público cultural competente. “É vedado ao proprietário, ou ao titular de eventual direito de uso, destruir, demolir ou mutilar o bem tombado”[30]. Da mesma sorte, somente é autorizado a reparar, pintar ou restaurar o bem, desde que com prévia autorização especial do Poder Público, nos termos do artigo 17 do Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937[31].
Cabe ao proprietário o dever de conservar o bem tombado, a fim de mantê-lo dentro de suas características culturais. Entretanto, se não dispuser de recursos financeiros para realizar as obras de conservação e reparação, deve, carecidamente, comunicar o fato ao órgão que decretou o tombamento, o quando mandará executá-las a suas expensas. Em se tratando de caso de urgência, independentemente de comunicação, tem o Estado o poder de tomar a iniciativa e providenciar as obras destinadas à conservação. Existem restrições também para a vizinhança do prédio tombado, porquanto sem que haja autorização do órgão competente, é vedado fazer qualquer construção que impeça ou mesmo reduza a visibilidade em relação ao prédio sob proteção, tal como nele colocar cartazes ou anúncios. Caso tal situação ocorra, é possível que seja determinada a destruição da obra ou a retirada do cartaz ou anúncio, podendo, até mesmo, ser aplicada multa, em razão da infração perpetrada.
5 A Possibilidade de Destombamento do Patrimônio Cultural
Em alinho às ponderações aventadas até o momento, cuida assinalar que o destombamento – também nominado de cancelamento do tombamento -, é medida excepcional, devendo observar alguns parâmetros, com o escopo de evitar distorções em sua aplicação e violações aos princípios constitucionais culturais e, sobremodo, impliquem afronta aos direitos culturais consagrados pela Constituição de 1988, a exemplo do corolário da preservação do patrimônio cultural. Com destaque, é imperioso ressaltar que o cancelamento do tombamento não apenas afasta a proteção conferida, mas também promove a desvalorização da coisa tombada, porquanto retira o manto protetor e a moldura de patrimônio, motivo pelo qual, repise-se, deve ser utilizado em situações excepcionais. Ora, comumente, o destombamento se dá a partir de dois atos administrativos: o primeiro tem assento quando o próprio órgão que tombou cancela o processo de tombamento e promove a exclusão do bem cultural do Livro do Tombo, por diversos interesses, tais como pressão exercida pelo proprietário contra o ato de proteção oficial, devido a possibilidade de alienação do imóvel ou, ainda, para assegurar a modernização de uma cidade e, para finalizar, publica-se no Diário Oficial da União, do Estado ou do Município. Em complemento, quando há o cancelamento do tombamento, o procedimento adotado é voltado para a averbação do cancelamento no Livro do Tombo, mantendo-se a inscrição de tombamento intacta, com o intuito de manter o registro histórico e documental de tal ato.
Neste jaez, um dos principais pilares condicionantes para aplicação do cancelamento do tombamento repousa na premissa que tal ato deve ser precedido não apenas de manifestação do conselho, mas de mecanismos que assegurem a participação popular no processo decisório, a exemplo do que preconiza as contemporâneas políticas culturais e, maiormente, as políticas de patrimônio, por meio do conceito de referência cultural. Sendo assim, as principais hipóteses de aplicação do cancelamento de tombamento são: (i) perecimento da coisa tombada; (ii) desaparecimento do valor; e (iii) atendimento de interesse público superveniente. A primeira possibilidade está atrelada à inexistência física da coisa tombada, ocasionada por fatores naturais ou similares, não se admitindo, entretanto, destombamento decorrente de qualquer ação dolosa com o fito de causar dano irreversível ao patrimônio cultural, sem prejuízo da responsabilização civil e criminal para tais atos. É importante ressalvar, pois, infelizmente, não são raros os casos em que se destrói o patrimônio cultural, intencionalmente, a fim de extinguir a coisa tombada, no intuito de se driblar a proteção conferida, em razão da impossibilidade de aplicação do tombamento sobre coisa não corpórea.
A segunda hipótese está vinculada ao desaparecimento do valor atribuído à coisa, levando-se em consideração que o valor se altera no tempo e no espaço, podendo, em casos excepcionais, ser retirado da coisa por meio de critérios técnico-científicos, em processo administrativo próprio, com participação popular e respaldo do conselho consultivo. A terceira hipótese – tomada com ressalvas – é a mais comum e que merece maior aprofundamento, isto é, o possível cancelamento de tombamento com vistas a atender interesse público superveniente ao direito cultural – direito difuso – de preservação ao patrimônio cultural. Na segunda forma de destombamento, o Poder Judiciário promoverá o cancelamento da Resolução de Tombamento, ainda que não haja consentimento do órgão responsável pela proteção oficial e dos proprietários.
6 A Imprescindibilidade da Participação Popular no Processo de Destombamento do Patrimônio Cultural
Premente faz-se evidenciar que, ao cotejar o Ordenamento Pátrio, o cenário nacional ostenta um dos mais robustos sistemas de proteção ambiental do planeta. Entrementes, conflitos de competência de órgãos ambientais, escassez de recursos orçamentários, carência de informações e de planejamento são exemplos de deficiências administrativas, que acarretam, corriqueiramente, a inaplicabilidade dos preceitos normativos em sede ambiental. “Quando a máquina estatal não se apresenta habilitada a atender satisfatoriamente aos anseios da sociedade, incumbe à própria sociedade atuar diretamente”[32]. Ora, os cidadãos têm o direito e o dever de participar da tomada de decisões que tenham o condão de afetar o complexo e frágil equilíbrio ambiental. Subsiste, nesta toada, uma diversidade de mecanismos para proteção do meio ambiente que viabilizam a concreta aplicação do princípio da participação comunitária.
Esmiuçando o princípio ora referenciado, fato é que este se encontra entre um dos maciços pilares que integram a vigorosa tábua principiológica da Ciência Jurídica, o dogma da participação comunitária, que não é aplicado somente na ramificação ambiental, preconiza em seus mandamentos que é fundamental a cooperação entre o Estado e a comunidade para que sejam instituídas políticas ambientais, bem como para que os assuntos sejam discutidos de forma salutar. Com destaque, é imperioso assinalar que o corolário em comento deriva da premissa que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e do regime jurídico do ambiente como bem de uso comum do povo, incumbindo a toda a sociedade o dever de atuar na sua defesa.
“A Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, caput, consagrou na defesa do meio ambiente a atuação presente do Estado e da sociedade civil na proteção e preservação do meio ambiente, ao impor à coletividade e ao Poder Público tais deveres”[33]. Ejeta-se, deste modo, que a proteção e preservação do meio ambiente reclama uma atuação conjunta entre organizações ambientalistas, sindicatos, indústrias, comércio, agricultura e tantos outros organismos sociais compromissados. Quadra pontuar, ainda, que o corolário em apreço encontra-se devidamente entalhado no princípio dez da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como Declaração do Rio/92, que, em altos alaridos, dicciona que:
“A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos”[34].
Insta evidenciar, deste modo, que a democracia não se satisfaz tão somente com as instâncias deliberativas dos representantes eleitos e de corpos burocráticos, comprometidos aos comandos legais. Ao reverso, é imperiosa a adoção de meios de participação direta do povo ou da comunidade, tanto no que concerne à adoção de macrodecisões, como ocorre com a realização de plebiscitos, referendos e iniciativa legislativa popular, como também em processos decisórios de extensão setorial, como decisões de cunho administrativo, condominial e empresarial, desde que estas afetam, direta ou indiretamente, os indivíduos. Como Thomé bem explicita em seu magistério, “as questões ambientais, por sua própria natureza, extensão e gravidade, enquadram-se como tema da macrodemocracia (…) e da microdemocracia (participação popular e social, sobretudo das ONGs, em audiências públicas e em ações coletivas ambientais)”[35].
Além disso, como bem expõe Facin[36], o tema em exame objetiva uma ação conjunta entre todos aqueles comprometidos com os interesses difusos e coletivos da sociedade, sobretudo com a causa ambiental. Em razão de tais argumentos, raro não é a hipótese de ações civis públicas em defesa do meio ambiente tendo como parte autora determinada Organização Não Governamental (ONG) ou pessoa jurídica de direito público, os quais também têm o direito-dever de tutelar o meio ambiente. Não é despiciendo citar que, “no Brasil, o princípio da participação comunitária encontra-se inserido no art. 225, caput, da Constituição, na disposição que prescreve ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações”[37].
Ao volver um olhar analítico para o tema central, cuida evidenciar que as recentes políticas públicas preservacionistas, calcadas no §1º do artigo 216 da Constituição Federal de 1988, arvoram a participação popular como conditio sine qua non nos processos de patrimonialização de bens culturais, com o espeque de ressoar o bem cultural entre os sujeitos diretamente envolvidos com aquele, desencadeando, desta sorte, uma efetiva proteção ao patrimônio cultural. Ora, considerando que a participação popular é imprescindível para o delineamento da proteção do patrimônio cultural e com seu consequente tombamento, há que, por via reversa, salientar que tal participação, também, faz-se carecida quando houver o processo de destombamento, não podendo, então, qualquer decisão ser alicerçada à revelia da manifestação popular e contra o interesse da coletividade. Destarte, é necessário que sejam assegurados meios de participação popular no processo de destombamento, a exemplo de audiências públicas, consulta às associações de moradores e conselhos comunitários estabelecidos no entorno do bem tombado, sob pena de o bem cultural ficar desprotegido e suscetível a danos considerados irreversíveis.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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