Direito de Família

A paternidade socioafetiva no âmbito jurídico

Rosângela Aparecida Pachega Sandrin Sarturato[1]

Andrea Luiza Escarabelo Sotero[2]

Resumo: Socioafetividade representa o alicerçamento de uma relação de parentesco que se origina a partir de um convívio social e através desta, considerando um quadro benéfico, o nascimento do afeto. O presente artigo buscou abordar o reconhecimento socioafetivo, definindo a afetividade entre a criança e quem está fazendo seu reconhecimento, como desenvolvimento psicossocial. A importância da pesquisa é abordar as modificações sofridas pelas famílias brasileiras e provar que esse relacionamento é possível, é viável e que trará muito amor e carinho para ambas as partes. No âmbito constitucional, a afetividade é uma forma de efetivação da dignidade humana. Trata-se do princípio que fundamenta o Direito de Família na estabilidade das relações socioafetivas e na concordância da vida, com prioridade em face de considerações de caráter patrimonial ou biológico. O novo código civil se desatenta no que se refere a filiação socioafetiva, dedicando-se apenas a filiação no conceito biológico, passando despercebida pelos legisladores. Dessa forma, as doutrinas mais modernas e inúmeras jurisprudências vem se incumbido de preencher essa lacuna. O objetivo do artigo é discutir a paternalidade socioafetiva no direito.

Palavras-chave: Socioafetividade. Multiparentalidade. Reconhecimento socioafetivo.

 

Abstract: Socioaffectivity represents the foundation of a kinship that originates from a social life and through this, considering a beneficial framework, the birth of affection. This article sought to address socio-affective recognition, defining the affectivity between the child and who is recognizing it, as psychosocial development. The importance of research is to address the changes suffered by Brazilian families and prove that this relationship is possible, feasible and will bring much love and affection for both parties. In the constitutional context, affectivity is a form of realization of human dignity. This is the principle that bases Family Law on the stability of socio-affective relations and on the agreement of life, with priority given to considerations of patrimonial or biological character. The new civil code is inattentive with regard to socio-affective affiliation, devoting itself only to affiliation in the biological concept, passing unnoticed by legislators. Thus, the most modern doctrines and numerous jurisprudences have been tasked with filling this gap. The aim of this paper is to discuss socio-affective paternality in law.

Keywords: Socio-affectivity. Multiparentality. Socio-affective recognition.

 

Sumário: Introdução. 1 Da evolução histórica da família. 2 Dos princípios norteadores do direito de família. 2.1 Dignidade da pessoa humana. 2.2 Igualdade. 2.3 Afetividade. 3 Proteção à criança e ao adolescente. 4 Da socioafetividade. Conclusão. Referências.

 

Introdução

A filiação socioafetiva pode ser caracterizada como aquela que deriva do convívio, do afeto concebido por essa convivência, sem considerar o vínculo biológico ou civil decretado através da sentença judicial. Socioafetividade representa o alicerçamento de uma relação de parentesco que se origina a partir de um convívio social e através desta, considerando um quadro benéfico, o nascimento do afeto. O presente artigo cientifico buscou abordar o reconhecimento socioafetivo, definindo a afetividade entre a criança e quem está fazendo seu reconhecimento, como desenvolvimento psicossocial. Observe-se que o sujeito é a criança, bem como o objeto que será tratado é a afetividade. A importância da pesquisa é abordar as modificações sofridas pelas famílias brasileiras e provar que esse relacionamento é possível, é viável e que trará muito amor e carinho para ambas as partes. Caso surjam problemas nesse reconhecimento sócio afetivo entre os pais e a criança/adolescente, será sempre prevalecido o bem-estar desta criança/adolescente. Com efeito, nos novos modelos de família, a constituição familiar vem se modificando, estabelecendo diferentes tipos de filiação, como a biológica, a adotiva, por reprodução assistida, por inseminação artificial, da barriga de aluguel, gerando assim a multiparentalidade, que é definida como laços afetivos que surgem quando duas ou mais pessoas exercem as funções parentais. Assim os filhos terão mais de dois pais ou mães. Assim, em decorrência dos novos conceitos relacionados a família, a filiação pode ter origem genética, jurídica, registral ou afetiva. Por isso, a multiparentalidade se apresenta, como a possibilidade de inclusão da maternidade ou paternidade socioafetiva, sem descartar os vínculos biológicos existentes. Não há hierarquia, vez que a multiparentalidade é embasada na igualdade entre as filiações biológicas e afetivas. O novo código civil se desatenta no que se refere a filiação socioafetiva, dedicando-se apenas a filiação no conceito biológico, passando despercebida pelos legisladores. Dessa forma, as doutrinas mais modernas e inúmeras jurisprudências vem se incumbido de preencher essa lacuna. O objetivo do artigo é discutir a paternalidade socioafetiva no direito.

 

1 Da evolução histórica da família

O conceito de família se encontra na esfera psicológica, jurídica e social, estabelecendo um cuidado maior em sua definição teórica, já que é complexo delimitar um conceito único de família. O art. 226, caput, da Constituição Federal estabelece ser a família a “base da sociedade”, contando com especial proteção do Estado. A importância dada à família é tão importante que a mesma é considerada como fundamento de toda a sociedade brasileira (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017).

A princípio, cumpre destacar o dispositivo positivado em nossa Carta Magna que exalta o tema do presente artigo, ou seja, a Família.

Neste sentido, o caput do artigo 227 da Constituição Federal é explícito ao afirmar que:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar á criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (BRASIL, 1988).

A palavra “família” tem diversos significados sendo que, historicamente, a perspectiva não é diferente. Os primeiros grupos humanos podem ser considerados núcleos familiares, tendo em vista que a reunião de pessoas com o objetivo de formação de uma coletividade de proteção mútua, produção e/ou reprodução, já proporcionava o desenvolvimento da afeição e a procura de alguma forma de completude existencial (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017).

Se o conceito generalizado de família reflete a de um núcleo existencial associado por indivíduos com algum vínculo socioafetivo, com a finalidade de realização plena dos seus constituinte, a formação de grupamentos, em sociedades antigas, já buscava alguns objetivos, mesmo rústicos, como a de produção (o trabalho em grupo para satisfazer as necessidades básicas de subsistência), a de reprodução (pensamento de procriação e formação de descendência) e a de assistência (defesa contra inimigos e seguro contra a velhice) (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017).

Nota-se que não há de forma explícita um conceito de família que interfira no mandamus do Estado, seja como ente interveniente na proteção desta instituição, seja como ente absenteísta que também roga para segurança jurídica da família. Todavia, o conceito de família sofreu e sofre alterações de forma constante em nossa sociedade.

A família sempre desempenhou um papel fundamental na vida do homem, representando a forma pela qual este se relacionava com o meio em que vivia (MALUF, 2010).

As instalações dos vínculos familiares, independentemente da identidade de gênero e orientação sexual, é uma preocupação atual, e pode ser entendido tanto como um direito personalíssimo de integridade psíquica como um direito humano a ser reconhecido (MALUF, 2010).

A Constituição Federal da República Brasileira (1988, p.1) define família em seu art. 226, como: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

Lima (2018) explica que o Código de 1916 compreendia família como uma conexão entre dois pontos fundamentais: o casamento formal e a consanguinidade. A nova concepção tem se fundamentado em valores, como a afetividade, o amor e o carinho. As entidades familiares expressas na Constituição, consistem em: casamento (art. 226 § 1º e § 2º, CF), união estável (art. 226 § 3º, CF) e família monoparental (art. 226 § 4º, CF).

A história do direito de família é a história das formas de ajustamento da cessão de bens e manutenção do status de um grupo social específico, naturalmente daquele que os possuem, onde o casamento civil sempre foi considerado um lugar central nesse processo (ZARIAS, 2010).

O Direito de Família brasileiro sem embasa no Direito Romano, que sofreu influências do Direito Grego. A palavra Família vem do latim famulus, que representa escravo doméstico. O modelo de família se originou dentro de uma sociedade demasiadamente conservadora, onde prevalecia a família matrimonial, ou seja, aquela proveniente do casamento, sendo proibido outro tipo de composição familiar (RIBEIRO, 2014).

No século XX, a mulher desempenhava atribuições, tanto na família, quanto na sociedade, sendo grandemente alterada, conquistando seu espaço no mercado de trabalho e como resultado alcançando os mesmos direitos do marido. A nova posição social entre os cônjuges, junto as influências econômicas, as discussões sociais e até os fragmentos do machismo do século passado ajudou a despontar o número de dissoluções (RIBEIRO, 2014).

Como consequência, as uniões sem casamento, que já existiam, apenas nunca foram aceitas, passam a ser admitidas pela sociedade e pela legislação (RIBEIRO, 2014).

A evolução das famílias se dá desde o século passado em que, pelo Código Civil de 1916, somente as famílias constituídas com o casamento heterossexual é que conferia proteção jurídica enquanto instituição (ZARIAS, 2010).

Os filhos eram considerados legítimos, caso derivados do casamento, ou eram ilegítimos na hipótese em que a concepção se desse fora da constância do casamento (arts. 332 e 337, Código Civil – 1916), modelos estes inegavelmente centrado em valores individualistas.

O antigo Código Civil de 1916 trazia em seus artigos:

“Artigo 332. O parentesco é legítimo, ou ilegítimo, segundo procede, ou não de casamento; natural, ou civil, conforme resultar de consanguinidade, ou adoção.

Artigo 337. São legítimos os filhos concebidos na constância do casamento, ainda que anulado (art. 217), ou mesmo nulo, se se contraiu de boa fé (art.221).

(Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15/01/1919)”.

O direito calcado exclusivamente na afetividade, sem nenhuma origem biológica ou civil, era inaceitável pelo Estado (KÜMPEL et al., 2017).

Com a Constituição da República de 1988 temos o ápice da nova sistemática, onde foi apartada a preconceituosa denominação de filiação ilegítima, contemplando, outrossim, paralelas formas de instituição de núcleos familiares, ideais que viriam a possibilitar o reconhecimento de famílias não contempladas na previsão constitucional, nem relacionadas no Código Civil de 2002, fundamentadas na verdade sentimental dos seus participantes, o que permitira, por meio da construção doutrinária e posteriormente jurisprudencial, o reconhecimento do parentesco socioafetivo.

A Constituição Federal de 1988 trouxe ao campo jurídico brasileiro a viabilidade de desenvolvimento de filiações as quais não eram essenciais a presença de laços consanguíneos entre os genitores e seus filhos. Dentre essas viabilidades criadas pela Constituição Federal, encontram-se: a filiação sanguínea, a afetiva e a jurídica que podem ser caracterizadas como:

– Filiação sanguínea: aquela onde se leva em conta apenas os laços biológicos existentes entre os indivíduos do núcleo familiar;

– Filiação afetiva: quando os laços que unem os indivíduos são apenas afetivos, não sendo considerados os laços biológicos reais;

– Filiação jurídica: é aquela onde é fundamental que exista um ato jurídico o qual deve ser formalizado pelo possível pai da criança para que, dessa forma, através de vias judiciais seja dado a ele o título de pai (SCHIMICOSKI; COLOMBO, 2016).

A Constituição Federal de 1988 trouxe evoluções para ordenamento jurídico em geral, que merecem especial atenção as modificações trazidas para o direito de família.

No Direito de Família atual, observa-se a família denominada de plural, em constante movimento, evoluindo para a suplantação de obstáculos e valores antigos. O conceito de família e suas alterações contam com famílias monoparentais, recompostas, binucleares, casais com filhos de casamentos prévios e seus novos filhos, mães criando filhos sem os pais ao redor e vice-versa, casais sem filhos, filhos sem pais, meninos de rua e na rua; casais homossexuais, parentalidade socioafetiva, inseminações artificiais, útero de substituição (PEREIRA, 2004).

Todas as alterações na estrutura da organização familiar, com suas bases associadas ao declínio do patriarcalismo, também representam a plenitude das suspensões de um processo de dissociação principiado há muitos séculos, findando o princípio da indissolubilidade do casamento (PEREIRA, 2004).

No ordenamento jurídico anterior, o qual foi encerrado pelo advento da Carta Magna, havia a diferenciação entre os filhos legítimos e ilegítimos, com o intuito de preservar o vínculo conjugal.

Atualmente, essa diferenciação não é mais aceita, tendo em vista que o artigo 227, §6º da CF/1988, trouxe a igualdade de filiação não sendo mais aceito qualquer medida que estabeleça diferença entre os filhos, independente do vinculo anteriormente estabelecido entre os pais. O reconhecimento da paternidade pode ser feito de duas maneiras, reconhecimento voluntário ou reconhecimento mediante o juízo.

O reconhecimento voluntário dá-se normalmente para os filhos nascidos fora do casamento, sendo que o reconhecimento judicial se dá através de uma ação de investigação de paternidade.

Seguindo essa evolução no ramo da família, temos a paternidade socioafetiva. Esse foi um avanço significativo no ordenamento jurídico brasileiro.

 

2 Dos princípios norteadores do direito de família

Os princípios do direito de família são regidos pela dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), o qual será pleno e efetivo quando observado no seio das relações familiares; a igualdade está expressa no artigo 5º da Constituição Federal onde diz que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza; a afetividade que é a base do respeito à dignidade humana, norteadora das relações familiares e da solidariedade familiar. O afeto é um valor conducente ao reconhecimento da família matrimonial e da entidade familiar, constituindo não só um direito fundamental (individual e social) da pessoa afeiçoar-se a alguém como também um direito à integralidade da natureza humana, aliado ao dever de ser leal e solidário. Exemplos: união homoafetiva, guarda de filhos (art. 1584 do C.C.), paternidade socioafetiva, colocação de criança em família substituta (art. 28 ECA).

Sobre o artigo 1584 do Código Civil – Lei 10406/02 (CC – Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002):

“Institui o Código Civil.

SUBTÍTULO I

Do Casamento

Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

  • 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
  • 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
  • 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
  • 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
  • 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
  • 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
  • 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
  • 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
  • 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
  • 6o Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)”.

Sobre o artigo 28 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

“Título II – DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Capítulo III – DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

Seção III – DA FAMÍLIA SUBSTITUTA

Subseção I – DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 28

– A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta lei.

  • – Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada.

Lei 12.010, de 03/08/2009 (Nova redação ao § 1º. Vigência em 02/11/2009)

  • Redação anterior: «§ 1º – Sempre que possível, a criança ou adolescente deverá ser previamente ouvido e a sua opinião devidamente considerada.»
  • – Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência.

Lei 12.010, de 03/08/2009 (Nova redação ao § 2º. Vigência em 02/11/2009)

  • Redação anterior: «§ 2º – Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as conseqüências decorrentes da medida.»
  • – Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida.

Lei 12.010, de 03/08/2009 (Acrescenta o § 3º. Vigência em 02/11/2009)

  • – Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais.

Lei 12.010, de 03/08/2009 (Acrescenta o § 4º. Vigência em 02/11/2009)

  • – A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de sua preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar.

Lei 12.010, de 03/08/2009 (Acrescenta o § 5º. Vigência em 02/11/2009)

  • – Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório:

Lei 12.010, de 03/08/2009 (Acrescenta o § 6º. Vigência em 02/11/2009)

I – que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal;

II – que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia;

III – a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso”.

 

2.1 Dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana, que é macroprincípio do qual redundam os demais, é fundamentado pela Constituição Federativa do Brasil em seu Art 1º, III:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana”.

Já no artigo 227 da Carta Magna é explícito que:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

No que concerne à multiparentalidade, o princípio da dignidade da pessoa humana alcança todos os tipos de filiação, não havendo falar, assim, em diferenciação de qualquer espécie entre as várias espécies de filiação. Nessas condições, implica “postura ativa dos operadores do direito, já que (….) ter dois pais ou duas mães ao lado de um terceiro é uma realidade fática e deve ser também jurídica” (VALADARES, 2016, p.31).

 

2.2 Igualdade

Já acerca da filiação, se antes da Constituição Federal de 1988 vigia praticamente a possibilidade de filiação dita “legítima” por intermédio do casamento, e mesmo a própria pratica da adoção não conferia direitos plenos ao filho, a Carta Magna, em seu artigo 227 §6º, proíbe quaisquer discriminações aos filhos, havidos ou não pelo casamento, pela união estável ou por adoção.

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).

  • Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

 

2.3 Afetividade

No reconhecimento da Parentalidade socioafetiva o que predomina, isto é, o mais importante, é a afetividade que há entre as partes. A afetividade é uma nascente da qual fluem, em uma relação de consequência natural, a solidariedade, o respeito e o cuidado. Os vínculos afetivos são a origem e a inspiração do princípio da solidariedade, que, antes de constitucional, é um princípio bíblico (ANJOS, 2018).

O bem-estar da criança e do adolescente é o ponto principal e primordial dessa relação (ANJOS, 2018).

O afeto deve sobrepujar, sendo o fator marcante na relação socioafetiva. As relações familiares devem ser permeadas pela fraternidade, que significa um sentimento de amor entre parentes, e reciprocidade, uma forma de mão dupla que se estabelece entre as pessoas de uma mesma família, impulsionando-as a viverem em colaboração, complementando as necessidades umas das outras (ANJOS, 2018).

Esse afeto rotineiro, do dia a dia, essa relação entre as partes, o diálogo entre elas, as preocupações, as esperanças, os projetos de vida que são traçados, são pontos importantíssimos para o reconhecimento da socioafetividade (ANJOS, 2018).

No âmbito constitucional, a afetividade é uma forma de efetivação da dignidade humana. Trata-se do princípio que fundamenta o Direito de Família na estabilidade das relações socioafetivas e na concordância da vida, com prioridade em face de considerações de caráter patrimonial ou biológico. O princípio da afetividade é associado com a convivência familiar e com o princípio da igualdade entre os filhos, constitucionalmente garantido. A filiação progride do determinismo biológico para o afetivo, à medida que, as diversas relações existentes, direcionam uniformemente o bem-estar pessoal (OLIVEIRA, 2017).

A história da família apresenta fases evolutivas que causaram profundas transformações na sociedade através dos tempos. Desde a Antiguidade até os dias atuais, vem-se modificando, evoluindo, traçando novos contornos para o conceito de família.

O princípio da afetividade é abalizado pela CF/88 e comprovadamente vem se materializando nas decisões dos juízes por todo o país.

O princípio da afetividade no Direito de Família é resultado das mudanças nos padrões e intermédio da psicanálise, voltando a reflexão para um ordenamento jurídico para a família que volte a dar valor e a apreciar os “Princípios” como uma razão do direito efetivo e de aplicação prática. Organizar e especificar esses princípios particulares do Direito de Família auxilia na compreensão do fundamento e do alicerce deste ramo do Direito, auxiliando para uma hermenêutica que aproxima o correto do legal. A estipulação de princípios norteadores característicos do Direito de Família tem o intuito de colaborar com a organização do pensamento jurídico, principalmente nos julgamentos, para que se prevaleça o mais próximo do ideal de justiça, através da complexa distinção entre ética e moral (PEREIRA, 2004).

Por definição é o conjunto de fenômenos psíquicos que são experimentados e vivenciados na forma de emoções e de sentimentos. Lobo (2011, p. 71) conceitua como “o principio que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico”. Ele ainda indica na Constituição fundamentos essenciais do princípio da afetividade:

“A) Todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º);

  1. B) A adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, § 5º e 6º);
  2. C) A comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, te m a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, §4º);
  3. D) A convivência familiar (e não a origem biológica) é prioridade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art. 227). (LOBO, 2011 p.71)”.

O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 878941, reconheceu a filiação socioafetiva sob a ótica de que a existência do afeto transforma a relação de pais e filhos, pois o mútuo respeito reflete no vínculo duradouro entre eles, logo, o liame meramente sanguíneo pode ser desconsiderado para dar ensejo ao reconhecimento da existência de filiação jurídica; a solidariedade familiar não apenas traduz a afetividade necessária que une os membros da família, mas, especialmente, concretiza uma especial forma de responsabilidade social aplicada à relação familiar. Por fim, esta solidariedade culmina por determinar o amparo, a assistência material e moral recíproca, entre todos os familiares.

Afirma Rolf Madaleno (2011, p.95) a afirmar que “o afeto como a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana”.

Nessa trilha, Maria Berenice Dias (2011, p.70) esclarece que “houve a constitucionalização de um modelo de família eudemonista e igualitário, com maior espaço para o afeto e a realização individual”.

 

3 Proteção à criança e ao adolescente

Foi vagarosa a atenção devida as crianças e adolescentes no decorrer da história, onde os Estados foram gradativamente buscando os instrumentos protetivos relativos aos direitos que a eles eram concernentes. São considerados direitos relativamente novos, pois, historicamente, esse grupo não era apontado como titular de direitos, sendo reconhecidos apenas como uma extensão da família ou uma esperança para vida adulta (LUZ, 2018).

As crianças e adolescentes são detentores dos direitos humanos, mais que os próprios adultos. Existem como sujeitos de direito, que necessitam de proteção, tendo em vista que representam pessoas em desenvolvimento. O entendimento de crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento foi uma composição paulatina que, atualmente, é o atual entendimento da comunidade jurídica nacional e internacional (LUZ, 2018).

A primeira normativa internacional a assegurar os direitos e a proteção integral às crianças e adolescentes foi a Declaração de Genebra de 1924 que determinava “a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial”. Foi uma declaração concebida pela União Internacional “Save Children”, que abrangeu os princípios essenciais de proteção à infância e criou a proposta de que os países deveriam adequar suas ações de acordo com alguns princípios básicos (LUZ, 2018).

A Convenção sobre os Direitos da Criança, Decreto n° 99.710 de 21 de novembro de 1990 prevê em seu artigo 2.1, o direito à igualdade das crianças e adolescentes proibida qualquer distinção entre eles. Já o art. 2.2, visa protegê-los de qualquer forma de discriminação ou castigo, assegurando o exercício de atividades, a manifestação de suas opiniões, dentre outros direitos e garantias (LIMA et al., 2017).

A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança trata-se do instrumento legal de maior representatividade internacional, tanto em conquistas, como em direitos e implantados em prol da infância e adolescência. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 é a referência legal do princípio da proteção integral da criança e do adolescente, concretizado em seu artigo 227 (LUZ, 2018).

A Convenção sobre os Direitos da Criança em seu art. 12 expressa de forma clara o direito da criança e do adolescente em poder manifestar livremente o seu ponto de vista principalmente em relação a questões que os envolvem, devendo a sua opinião ser considerada de acordo com a sua idade e maturidade. O art. 13 assegura-lhes a liberdade de expressão. Já o art. 14 prevê o exercício do direito à liberdade de pensamento, de consciência e de professar a sua crença religiosa; proibindo interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada (art. 16) (LIMA et al., 2017).

A criança e o adolescente merecem toda a proteção e observação do seu melhor interesse tendo em vista sua especial condição de pessoa em desenvolvimento e esse tratamento consagra também o princípio da prioridade absoluta, que garante que a administração pública deve atender suas demandas com preferência, assim como priorizar a entrega das condições necessárias para que eles gozem de todos os seus direitos fundamentais (PORTO; DIEHL, 2015).

É importante discorrer que as disposições generalizadas encontradas na Constituição da República não foram eficientes no intuito de estabilizar o princípio da proteção integral, demandando uma normativa que fosse exclusiva à criança e ao adolescente. Dessa forma, desponta o Estatuto da Criança e do Adolescente, legalizado pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, sendo iniciado em 12 de outubro de 1990, apontando os direitos da criança e do adolescente e os deveres da família, sociedade e Poder Público para garanti-los. O Estatuto tem como fundamento a proteção integral, como se observa nos artigos 1º e 3º:

“Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata a lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 1990)”.

Importante mencionar que o Direito Brasileiro reconhece, de forma expressa, três tipos de parentesco: o consanguíneo; o civil; e aquele que decorre da afinidade. Entretanto, atualmente, a doutrina e a jurisprudência estão questionando a existência de uma nova forma de filiação: a socioafetiva. Nesta não há a existência de qualquer vinculo biológico entre pai e filho, mas tão somente o vinculo afetivo, que, dentre as suas variadas formas, poderá ser ainda mais relevante do que as demais. Isto se deve ao fato de que o vinculo afetivo, o sentimento de um para com o outro, originará uma profunda relação baseada na consideração, companheirismo, amizade e proteção (FUGIMOTO, 2014).

A chegada de novos episódios sociais reclama o alinhamento desses fatos jurídicos em vigência, exigindo-se de todos os operadores do direito a solução adequada das omissões contempladas pelo aparelho legislativo (LOPES, 2014).

Deve-se compreender, neste tocante que a valoração de um novo comportamento trazido no seio da sociedade não se deve manter alijado da devida proteção jurídica. Busca-se constantemente, uma nova formatação que acompanhe a mudança comportamental vivenciada pelas pessoas, se não formal, com a regular mudança legislativa, ao menos de concepção, cuja prática é perfeitamente atribuída ao Poder Judiciário (LOPES, 2014).

A omissão, caso mantida, tem o condão de estabelecer injustiça a todos àqueles que estão sintonizados ao novel acontecimento, com desproteção da pessoa enquanto núcleo central do ordenamento vigente. Além disso, o rechaçar dessa nova realidade impede a observância ainda que no plano judicial da nova conformação social, desqualificando o Estado democrático de direito, consequentemente, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da Constituição Federal) (LOPES, 2014).

Nas lições de sua Excelência, o Ministro Luiz Fux (2016, n.p.):

“Os arranjos familiares alheios a regulação estatal por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitantemente, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos (STF, RE 898.060)”.

O Supremo Tribunal Federal, em sede da Repercussão Geral nº 622, com a relatoria do Min Luiz Fux firmou, por maioria de votos, a seguinte tese: “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vinculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.

A tese é explicita em afirmar a não prevalência das paternidades biológica e afetiva sendo plenamente possível cumular as duas, permitindo a existência jurídica de dois pais. Ela permite destacar três aspectos principais: reconhecimento jurídico da afetividade; vínculo socioafetivo e biológico em igual grau de hierarquia jurídica e acolhimento expresso da possibilidade jurídica da pluriparentalidade.

Calderón (2018) explana sobre o caso julgado pelo Supremo, que compreendia uma situação de debate sobre o reconhecimento tardio de uma paternidade biológica não vivenciada, em substituição a uma paternidade socioafetiva registral e de vivência estável. O pronunciamento de um tribunal superior pela probabilidade de reconhecimento jurídico sobre as paternidades socioafetivas e biológicas, simultaneamente foi notório, deixando o Brasil à frente do Direito de Família.

 

4 Da socioafetividade

No direito de família, a afetividade é apontada como fundamento para toda discussão que compreenda o vínculo familiar e é empregada para a formação do novo direito de família como extensão do princípio da dignidade da pessoa humana (SOUSA, WAQUIM, 2015).

Tivemos no ordenamento jurídico brasileiro, um avanço significativo com a paternidade socioafetiva, tendo em vista a possibilidade do reconhecimento da criança/adolescente por uma família. Essa nomenclatura retrata a associação de duas realidades, onde a primeira representa a inclusão do indivíduo no grupo social familiar e, a segunda, a relação afetiva desenvolvida com um representante que assume o papel de pai – ou mãe – e aquele que assume o papel de filho. Cada uma dessas realidades, se separadas, permaneceria sem nenhuma relevância no mundo jurídico, porém o agrupamento delas se destacou em nosso ordenamento. Essa migração só foi possível devido a considerável mudança do direito brasileiro com o ingresso da Constituição de 1988, a qual traçou as linhas fundamentais para o Código Civil de 2002 (GONÇALVES, 2019).

Paternidade socioafetiva é o vínculo que une pai e filho por meio do afeto. É um direito-dever que se elabora na relação entre ambos e que assume o encargo de cumprir com os direitos fundamentais para a formação do indivíduo denominado como filho. Quem assume esse direito-dever é chamado de pai (ou mãe), mesmo que não seja o genitor (GONÇALVES, 2019).

O termo parentalidade não está limitado à definição da paternidade. Como equivocadamente se poderia concluir. Parentalidade é nomenclatura ampla e inclui em sua essência a relação de parentesco surgida a partir de laços de civis ou de consanguinidade, de modo que a sua utilização é apropriada tanto para a paternidade (vínculo masculino) como a maternidade socioafetivas (vínculo feminino) humana (SOUSA, WAQUIM, 2015).

Segundo o artigo 1.593 do Código Civil vigente, “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. É natural, assim, o resultante de natureza biológica, mostrando-se sem qualquer relevância jurídica a forma de sua constituição, isto é, se decorrente da inseminação natural, artificial, fecundação in vitro ou de qualquer meio alternativo.

Por seu turno, civil, é o parentesco resultante de origem não consanguíneo, excetuada, ainda, a que decorre de afinidade, na medida em que essa é própria ao vinculo extraído a partir do casamento ou da união estável (Art. 1.595 do Código Civil), estendendo-se aos “ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro” (art. 1.595, §1º CC).

Explica Flávio Tartuce que:

“Parentesco civil é aquele decorrente de outra origem, que não seja a consanguinidade ou afinidade, conforme consta do artigo 1593 do CC. Tradicionalmente, tem origem na adoção. Todavia, a doutrina e a jurisprudência admitem duas outras formas de parentes civil. A primeira é decorrente da técnica da reprodução heteróloga, aquela efetivada com material genético de terceiro. (TARTUCE, 2018, p. 2015)”.

Com essa distinção, afirma-se que para além da adoção e da reprodução heteróloga, remanesce uma terceira forma de parentesco civil, embora assim não contemplada, expressamente, pelo ordenamento jurídico em vigência. Define-o, a propósito, o enunciado nº 256 da III jornada de direito civil, “a posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”.

No mesmo sentido o enunciado nº 103 da I Jornada de Direito Civil:

“O Código Civil reconhece, no artigo 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vinculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai ( ou a mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho”.

A partir do momento em que for reconhecida a socioafetividade na esfera familiar, a mesma não poderá ser desfeita. A paternidade socioafetiva não pode ser revogada, pois, o que se destaca nessa relação é a participação do pai, a proteção, os cuidados, o amor, carinho que é investido no filho, os laços afetivos que são constituídos dentro do lar e perante a sociedade.

Para configurar a paternidade socioafetiva, leva-se em consideração a parte afetiva, e não a conformidade sanguínea.

É importante explicar que a normalização do reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva, não representa o fato de que toda ação poderá ser abalizada pela afetividade. As pessoas que tencionam reconhecer crianças como seus filhos afetivos devem obedecer a algumas ressalvas como: a concordância dos pais registrais da criança com o reconhecimento e, caso a criança tenha mais de 12 anos de idade, é fundamental o seu consentimento. Esta concordância, dos pais e da criança maior de 12 anos, deverá ser expressa presencialmente diante do Oficial de Registro Civil (PIRES, 2017).

Além disso, o presumido pai deve possuir mais de dezoito anos de idade, devendo ser dezesseis anos mais velho que o filho a ser reconhecido. O indivíduo a ser reconhecido como pai não pode ser o irmão, tio, ou avô da criança, além de não poder ter nenhum processo judicial com relação a filiação da criança (PIRES, 2017).

Obedecendo essas ressalvas, o Oficial de Registro Civil pode dispor da inscrição no livro do registro de nascimento para dar palpabilidade a paternidade socioafetiva reconhecida. Após declarada a anunciada parentalidade, todos os pais devem assumir as obrigações resultantes do poder familiar, onde o filho passará a usufruir de direitos com relação ao pai biológico e ao pai afetivo, tanto na esfera do direito das famílias, quanto também em na linha sucessória (PIRES, 2017).

 

Conclusão

Ao término desse artigo, conclui-se que o direito de família evoluiu de maneira muito importante ao longo dos anos, trazendo à tona a paternidade socioafetiva como um fato possível de amor e afeto entre as partes. Os benefícios trazidos por esse reconhecimento são inegáveis as partes. O direito não é estático, está em constante mudança para atingir as relações familiares e afetivas conforme a evolução da humanidade.

A multiparentalidade é uma veracidade onde milhares de pessoas passam no Brasil. Não reconhecer a viabilidade de coexistência da parentalidade biológica e afetiva é na verdade, é contestar a existência vivida por esses indivíduos. Nos dias de hoje, não se admite o abandono das relações familiares pelo fato das mesmas não cumprirem um modelo tradicional de família.

Ainda se encontra excessiva a discordância de compreensão sobre o tema paternidade biológica e afetiva, abrindo espaço para intensos debates sobre o assunto, levando-se em conta que as omissões existentes na legislação sucessória são obstáculos a serem conquistados, para que a segurança de todo o ordenamento jurídico seja mantida. No entanto, trata-se a multiparentalidade como alternativa de tutela jurídica para uma manifestação já existente em nossa sociedade, consequência da liberdade de constituição familiar e da consequente formação de famílias reconstituídas.

 

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[1] Acadêmico de Direito no Instituto de Ensino Superior de Bauru (IESB) (e-mail: ro.sandrin@hotmail.com)

[2] Orientadora, Mestre em Ciências Sociais, Professora e Coordenadora do curso de Direito do Instituto de Ensino Superior de Bauru (IESB) (e-mail: andrealsotero@gmail.com)

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