Qualquer pessoa já teve de enfrentar variados problemas no decorrer de sua vida. Nessas ocasiões, a ajuda de amigos e familiares, além de ser sempre bem-vinda, provavelmente trouxe conforto e segurança. Entretanto, existem dificuldades, maiores ou menores, que não conseguimos resolver sozinho e necessitamos de ajuda profissional e competente. Os problemas que todas as pessoas estão propensas a enfrentar, quer por tê-los causado, quer não, são infindáveis. Assim como recorrer a um médico em busca de auxílio diante de uma doença traz a confiança necessária, buscar a orientação de um advogado competente para a solução adequada de um problema, além de outras questões legais, que necessariamente não chegam a se tornarem problemas graves, mas, devido às relações sociais cada vez mais complexas, acabam trazendo certo aborrecimento, proporciona tranqüilidade.
É preciso esforço, tempo e dedicação para que uma pessoa consiga se destacar e ser indicada para solucionar determinado problema. Em todos os cursos universitários, não raro existe a idéia de que todo o esforço despendido se baseia no princípio de que se deve investir durante anos para se obter uma estabilidade financeira no futuro. E quanto mais estabilidade conseguir, mais sucesso terá. Tal princípio estriba-se na idéia de que um curso superior trará oportunidades, talvez através de uma promoção no emprego ou numa conquista de uma vaga em algum concurso público valorizado, granjeando uma respeitada reputação como profissional. Naturalmente, quanto mais tempo o estudante gasta numa faculdade mais ele espera ser valorizado. Mas, pensar que o lucro, o sucesso e a glória são os únicos motivos pelos quais se deve empenhar num curso superior, sem levar em consideração outros aspectos sociais e morais envolvidos na profissão, até o ser humano antes de o cliente, seria o mesmo que esforçar-se para corrigir algumas injustiças gerando outras.
Os anos que passam numa faculdade a fim de obter o entendimento de um complexo sistema jurídico, os primeiros passos no manuseio de processos, o contato com o público nos estágios obrigatórios, e o exercício inicial da advocacia são meios que ajudam o estudante a familiarizar com a solução de muitos problemas que enfrentará no futuro. Além disso, o estudo pessoal constante por meio de artigos e doutrinas jurídicas, e a busca de um entendimento em outras áreas, farão do futuro profissional digno de respeito, podendo atrair a confiança das autoridades locais e a oportunidade de se tornar conhecido, conquistando mais clientes para finalmente, depois de muito esforço, conseguir o tão almejado sucesso. Porém, os valores morais e uma boa reputação no exercício da advocacia são pouco mencionados nos cursos de Direito. Além do mais, a queda no nível de qualidade da formação jurídica, com pouca importância à ética profissional, talvez pelas faculdades acharem que uma boa reputação deve ser conquistada gradativamente pelo exercício da profissão, não importando por quais meios essa se desenvolva, é, sem dúvida, a primeira conseqüência danosa da facilidade com que se estabelecem novos cursos de Direito.
Conseguir construir um bom nome é extremamente difícil para os recém-formados, ainda mais quando muitos não têm o amparo de uma formação ética sólida. Ainda mais porque um pequeno deslize pode macular uma boa reputação que demorou anos para conseguir. O bom desempenho do estudante pressupõe uma adequada formação acadêmica. A classe jurídica sofre também outro tipo de preconceito. Isso talvez se deva às desilusões ocasionadas pela morosidade excessiva para com a justiça pretendida, à falta de informação quanto aos procedimentos adotados, e o preço dos honorários cobrados, muitas vezes considerados abusivos. A complexidade das relações sociais e o número alarmante de leis e princípios jurídicos contribuem para multiplicar os problemas e atravancar o Judiciário com pilhas intermináveis de processos. Não é de admirar então que, devido à lentidão desse sistema, muitos estudantes se sintam desencorajados de seguir a carreira jurídica, sobressaindo o sentimento de frustração.
Outro aspecto envolvendo o dilema moral do futuro advogado é a utilização de todos os meios possíveis em favor do cliente. Para alguns, agir vigorosamente para defender os interesses do cliente é considerado como algo normal, e ainda acrescentam que quanto menos merecedor de respeito for o cliente, mais nobre será o esforço. Ou seja, mesmo tendo a consciência de que a pessoa defendida é um criminoso da pior espécie, conseguirá se livrar da Justiça devido aos préstimos de um bom advogado, e a sociedade mais uma vez ficará desacreditada quanto aos atos do Judiciário. Outros já preferem não se importar com a moral e seguir o princípio de que “todos são inocentes até prova em contrário”, evitando, assim, tecer quaisquer comentários pessoais e morais quanto a seu futuro cliente, deixando que o juiz dê a palavra final. Há ainda aqueles que acreditam que uma inverdade pouparia milhares de explicações, ou seja, se você tem uma boa razão e boas intenções, então o fato de mentir não vem ao caso. Muitos dos que se apercebem desta necessidade expressam o ponto de vista de que, afinal, cada um devia estribar-se na sua consciência, deixando que esta o guie.
A mentira nos tribunais infelizmente tornou-se rotina para alguns advogados. E pior, agem como se fossem pagos exclusivamente para mentir e livrar seus clientes de punições. É verdade que nem sempre a conduta irrefletida de um advogado será o reflexo de sua formação acadêmica desprovida de empenhos numa disciplina sobre ética profissional. Mesmo que não tenha qualquer formação sólida sobre ética profissional, o estudante de Direito, quer venha a se importar com o passado do seu cliente ou não, quer venha a agir com boas intenções quer não, precisará manter sua reputação profissional, lembrando do aspecto social envolvido se quiser se tornar um advogado de sucesso. O sucesso financeiro talvez não seja alcançado simplesmente por manter uma conduta justa e uma reputação limpa, mas essas atitudes atrairão mais clientes e oportunidades. Por isso, será interessante considerar dois exemplos, um quanto à boa intenção e outro quanto à boa reputação. O primeiro deles, o de Uzá.
Uzá era irmão de Aiô, filho de Abinadabe e morava numa região chamada Quiriate-Jearim. Uzá e seu irmão foram incumbidos de transportar a tão famosa Arca do Pacto até Jerusalém, uma distância de pouco mais de 18 quilômetros. Eles sabiam, como membros de sua nação, que jamais poderiam tocar na Arca. Aiô andava na frente, quando Uzá “estendeu então [a mão] à arca do [verdadeiro] Deus e segurou-a, porque o gado quase causara um transtorno. Nisso se acendeu a ira de Deus contra Uzá, e o [verdadeiro] Deus o golpeou ali pelo ato irreverente, de modo que morreu ali perto da arca.”
A princípio, o relato descrito pode parecer extremamente injusto. Afinal, Uzá agiu dentro de uma atitude considerada correta. Entretanto, o ponto chave está, não em sua atitude em si, mas na sua intenção. A seqüência do relato mostra que Uzá tinha uma intenção errada, havia nele a disposição de irreverência, ou seja, a vontade de segurar a Arca era devido à glória que ele buscava, uma presunção indevida, agindo com uma desobediência deliberada. Havia instruções de que em nenhuma circunstância a Arca poderia ser tocada por pessoas não autorizadas, aviso que era de conhecimento público e que incorria na pena de morte para os violadores.
De maneira similar, uma coisa é usar a arte de advogar em favor do cliente por todos os meios possíveis, cobrando um valor justo. Outra coisa é usar de técnicas que denigrem o exercício da advocacia, tais como mentiras, falsidades e outros meios fraudulentos para sagrar-se vencedor da demanda valendo-se dessas “boas intenções” para justificar uma conduta duvidosa, desconsiderando o aspecto ético envolvido.
Muitos advogados se recusam a aprender dos próprios erros e tirar uma lição moral do modo como estão agindo ou conduzindo um processo. Por exemplo, muitos médicos prescrevem uma mudança de hábitos, recomendando ter-se apenas um só parceiro sexual, e usar preservativos para evitar a AIDS. Mas eles se recusam a condenar a conduta dissoluta. Da mesma forma, nenhuma tentativa de manter a boa conduta terá qualquer efeito a menos que seja acompanhada de uma boa intenção, associada a condutas compatíveis. A boa intenção não é produto de qualquer metodologia de ensino aprendida nas faculdades, uma vez que parte do centro das nossas convicções, o coração. Mas as instituições de ensino se souberem inculcar tais intenções nos alunos, prosperarão cumprindo com seus objetivos sociais. Daí, quando confrontados com ameaças à um boa intenção ao conduzir um processo, esta talvez seja encarada como dependente para a sobrevivência de um bom advogado no mercado, diminuindo as chances de desonestidades.
Tais técnicas que não refletem como moralmente corretas, é verdade, têm ajudado a evitar que muitas pessoas honestas e inocentes sejam vítimas de erros judiciais. Em alguns casos, os advogados que cuidam dos processos talvez estivessem tão convencidos da inocência de seus clientes que acabaram utilizando de todos os meios disponíveis para ajudá-los. Caso não o tivessem feito, pessoas inocentes poderiam ter sido condenadas. Mas é importante lembrar que, como no exemplo de Uzá, nem sempre as nossas boas intenções servirão para justificar os nossos erros, e em qualquer profissão, aqueles que primam pela verdade em todas as ocasiões granjearão respeito e demonstrarão ser pessoas maduras e responsáveis pelos seus atos.
A lei 8.906, de 4 de julho de 1994, em seu art. 14, parágrafo único, diz que “é vedado o uso da expressão “escritório de advocacia”, sem a indicação expressa do nome e do número da inscrição dos advogados que o integram.” Havendo necessidade de recorrer à Justiça, obviamente as pessoas necessitarão dos préstimos de um advogado. No entanto, antes de procurar um escritório de advocacia, pode ser que uma pessoa telefone para a Ordem dos Advogados solicitando informações a respeito, incluindo perguntas sobre a habilidade e boa reputação dos profissionais. O que dirão a seu respeito?
O segundo exemplo, do rei Salomão, envolve a boa reputação e uma visão prudente do sucesso e prosperidade financeira. Às vezes somos conhecidos mais por aquilo que fazemos do que pelo que somos. Um estudante que se destaca na escola é conhecido como aluno esforçado e brilhante, já aquele que não faz nada pode ser conhecido como preguiçoso, e aquele que mente demasiadamente, mentiroso. Não é de admirar, então, que o próprio rei Salomão, um dos homens mais sábios que já existiu tenha registrado que “o bom nome é preferível às grandes riquezas; a boa reputação vale mais do que a prata e o ouro.”
Quando o desempenho das atividades profissionais de algum advogado recém-formado começa a ser maculada pela busca de sucesso a todo custo, a tendência é que os seus valores éticos e altruístas fiquem escurecidos. Aqueles para quem o trabalho representa tudo carecem de equilíbrio, revelando desconfiança e ambição exagerada. As aflições que os seus clientes talvez enfrentem recebem pouca ou nenhuma consideração, ao passo que o dinheiro que podem pagar torna-se o foco principal. As faculdades poderão ajudar os estudantes a prezarem uma boa reputação para que não ajam desta maneira. A advocacia só poderá ser plenamente vista como prazerosa quando mantida contrabalançada com uma boa reputação.
Mas será que uma boa reputação realmente é tão importante assim? Certamente que sim. Manter uma boa reputação atrairá mais pessoas ao escritório. Naturalmente, quanto mais complexo o caso maior será a cobrança, a pressão moral e emocional, por outro lado, maior reconhecimento trará. Cada dia temos de fazer muitas escolhas que determinarão a nossa reputação, e especialmente aquelas que envolvem a profissão. Exercer a advocacia de modo a satisfazer a todos é provavelmente impossível. Assim, é essencial considerar todas as possibilidades ao aceitar um caso para que faça a escolha certa dentro dos padrões éticos esperados. O Código de Ética exorta a todos os advogados a “aprimorar-se no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica, de modo a tornar-se merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo, pelos atributos intelectuais e pela probidade pessoal.”
A queda na qualidade do ensino é apenas um dos efeitos imediatos da proliferação assustadora de cursos de Direito. Impende considerar que as conseqüências da criação indiscriminada de cursos jurídicos atingem também os interesses da cidadania, são suscetíveis de comprometer a formação ética dos novos bacharéis e repercutem, em última análise, na atuação jurídica do Estado e na vida das instituições. Além disso, a decadência dos valores morais e a avalanche de propagandas que visam a busca pelo dinheiro a todo custo também têm contribuído para uma influência perniciosa não só nos estudantes de Direito como nos advogados.
É importante observar que nem toda busca de prazer ou de sucesso é uma perda de tempo ou considerada como nociva ao bom desempenho profissional. Pelo contrário, o próprio rei Salomão reconheceu que obteve certa medida de contentamento do que fez ao se alegrar por causa de todo o seu trabalho árduo. Com todo seu esforço, Salomão conseguiu ajuntar uma enorme quantidade de bens materiais, além de prestígio. Calcula-se que só no templo que construiu havia cerca de 100.000 talentos de ouro (ou 3.420.000 kg) o equivalente a aproximadamente 40 bilhões de reais. No entanto, Salomão não atribui tais conquistas como o único objetivo de sua vida, como um sucesso atingido, devendo ser também o objetivo de todo ser humano. Diante de sua fortuna, analisou de maneira perspicaz a sua vida, chegando à seguinte conclusão: “e tudo o que os meus olhos pediram, eu não retive deles. Não neguei ao meu coração nenhuma espécie de alegria, pois meu coração se alegrava por causa de todo o meu trabalho árduo, e isto veio a ser meu quinhão de todo o meu trabalho árduo. E eu, sim, eu me virei para todos os meus trabalhos que minhas mãos tinham feito e para a labuta em que eu tinha trabalhado arduamente para a realizar, e eis que tudo era vaidade (“compreendi que tudo aquilo era ilusão”) e um esforço para alcançar o vento.”
É tolice julgar que o exercício da advocacia só será gratificante à base do prestígio, sucesso ou dinheiro que conseguir. O importante é a realização. Para ilustrar: Um arquiteto que perdeu sua facilidade de desenhar tem menos razão imediata de satisfação, apesar de seu possível prestígio, do que o zelador que consegue manter seu edifício imaculadamente limpo. Um trabalho deve ser visto na estrutura daquilo que realiza para os outros, não apenas à luz daquilo que faz por nós em matéria de salário ou prestígio. Um problema bem resolvido e um trabalho bem executado promovem um sentimento gratificante de realização e é motivo de orgulho despretensioso, o que não pode ser medido por qualquer retribuição financeira.
A solução para tais mazelas advindas da proliferação dos cursos de Direito dependerá definitivamente da melhoria da qualidade do ensino e, conseqüentemente, de uma grande mudança de atitude. Métodos inovadores de ensino, que valorizem o respeito mútuo independentemente de quaisquer diferenças, que propiciem ao aluno uma formação ética e profissional sólida, comprometidos com a sociedade e sem o emprego de meios duvidosos ou fraudulentos, contribuirão para reforçar a idéia de que antes de tudo o advogado tem sempre um compromisso com a justiça. O apoio das faculdades na formação de boas intenções e valores morais, buscando sempre proteger uma boa reputação, será essencial para o surgimento de novos profissionais preocupados com a ética e com a função social, enfim, se sobressaindo no meio de uma enorme e crescente massa de recém-formados advogados.
Acadêmico do Curso de Direito das Faculdades Integradas do Oeste de Minas – FADOM/Divinópolis/MG
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