Direito do Consumidor

A Proteção Do Consumidor E A Indispensabilidade Da Tutela Jurídica Contra O Superendividamento

Thiago Pacheco Reis – Graduado pela Universidade Católica de Pernambuco. Pós-graduado em Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá. Servidor público. Assessor de Juiz. Thiago.p3000@gmail.com.

Resumo: O presente artigo científico tem como alvo enveredar no âmbito da problemática do superendividamento do consumidor, adentrando no exame da necessidade de tratamento jurídico a tal fenômeno e delinear a identificação dos consumidores que estariam aptos a preencher os pressupostos necessários para merecer aludida proteção jurídica. A depeito disso, urge que seja lembrado que o crédito fácil (que está em alta na atualidade) possui uma face oculta e perigosa, culminando por ocasionar problemas sociais, econômicos e jurídicos aos consumidores, inclusive, acabando por terem sua dignidade abalada e prejudicando o exercício de sua cidadania. É notório o sistema financeiro nacional tem sido alvo do monopólio de algumas instituições financeiras, que tem obtido recordes de lucros bilionários em seus balanços trimestrais; e, em contrapartida, existe a população brasileira de boa-fé, estimulada pelas fortes e invasivas publicidades (geralmente  enganosas e abusivas), vindo a ser dominada pela compulsão aos gastos/compras ou até mesmo em decorrência de necessidades da vida, culminando por utilizar-se de crédito a juros exorbitantes, aptos a triplicar a dívida em pouco espaço de tempo, o que, muitas vezes, acaba por privar o consumidor de condições dignas de vida. Suplantada essa abordagem premabular, acrescenta-se que o presente estudo teve o intento de apresentar, portanto, a proteção legal como uma necessidade do consumidor superendividado, tanto de forma preventiva, buscando diminuir a quantidade de consumidores com impossibilidade de pagar suas contas, quanto de forma remediadora, objetivando cuidar dos casos concretos, visando promover o exercicio pleno da cidadania daqueles superendividados, que acabam sendo privados do mínimo necessário para sua subsistência. Ademais, a análise os projetos de Lei nº 283/2012 e nº  3.515/2015 constituiram substanciais fontes para a conclusão deste estudo.

Palavras-chave: Direito do Consumidor. Relação de Consumo. Superendividamento. Política Pública. Positivação.

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Abstract: The aim of this scientific article is to enter into the scope of the problem of consumer over-indebtedness, by examining the need for legal treatment of this phenomenon and delineating the identification of consumers who would be able to fulfill the necessary assumptions to deserve the said legal protection. In spite of this, it is urgent to remember that easy credit (which is currently in high demand) has a hidden and dangerous face, culminating in causing social, economic and legal problems to consumers, including ending up having their dignity shaken and damaging the exercise of their citizenship. It is notorious that the national financial system has been the target of the monopoly of some financial institutions, which have achieved record profits of billionaires in their quarterly balance sheets; and, on the other hand, there is the Brazilian population in good faith, stimulated by the strong and invasive advertising (generally misleading and abusive), coming to be dominated by the compulsion to spend / buy or even due to life’s needs, culminating in using credit at exorbitant interest, able to triple the debt in a short period of time, which often ends up depriving the consumer of decent living conditions. Having superseded this premabular approach, it is added that the present study was intended to present, therefore, legal protection as a need for the over-indebted consumer, both in a preventive way, seeking to reduce the number of consumers unable to pay their bills, as well as remedial way, aiming to take care of the concrete cases, aiming to promote the full exercise of citizenship of those over-indebted, who end up being deprived of the minimum necessary for their subsistence. In addition, the analysis of draft Laws No. 283/2012 and No. 3,515 / 2015 constituted substantial sources for the conclusion of this study.

Keywords: Consumer Law. Consumer relationship. Over-indebtedness. Public policy. Positivation.

 

Sumário: Introdução. 1.  Conceito de consumidor superendividado.  2. A classificação de consumidor superendividado e o princípio da boa-fé objetiva nessas relações consumeristas. 3. A vulnerabilidade dos consumidores superendividados e o dever do estado de protegê-los através da positivação. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata do assunto inerente aos consumidores superendividados no Brasil e a indispensabilidade de tutela no ordenamento jurídico nacional acerca desse fenômeno.

Entrementes, a abordagem aqui apresentada não tem o objetivo de esgotar todos os aspectos intrínsecos ao assunto em foco e tampouco indicar as soluções para todos os casos que envolvem superendividamento; porém, visa-se trazer à baila essa circunstância, tentando destacar os principais pontos dessa problemática e, com isso, incurcionar novas pesquisas inerentes a isso, sobretudo em face de constituir uma forma de poder ser implementado o crescimento e aprimoramento do direito consumerista brasileiro.

Um dos propósitos desse estudo é demonstrar o quanto é necessária a regulamentação jurídico-legal específica que trate dos consumidores superendividados e indicar providências que possam ser realizadas através de políticas do Poder Público Estatal, como meio de livrar os consumidores do superendividamento.

Nesse compasso, em razão da relevância na realidade sócio-econômica atual, optou-se por discorrer sobre os fenômenos do consumismo e do superendividamento, utilizando, para tanto, a técnica de avaliação histórica, que procura respostas através da compreensão de acontecimentos pretéritos e investiga as repercussões nas sociedades subsequentes, bem como, a técnica bibliográfica, através de pesquisas em doutrinas e conteúdos já publicados sobre o assunto.

 

1.   CONCEITO DE CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO

Primeiramente, se faz necessário definir o endividado, que é aquela pessoa que realiza compras utilizando crédito ou através de empréstimos de dinheiro por instituições financeiras, mas, apesar de estar com sua renda comprometida, ainda possui condições de honrar com os pagamentos, ou seja, continua com o poder de pagar, desta forma, está adimplente com seus compromissos.

Por segundo, observa-se o superendividamento, que é o passo seguinte ao endividamento, quando por excesso do endivamento o consumidor não consegue mais honrar suas dívidas. O superendividado, ao contrário daquele que está apenas endividado, não tem condições de saldar suas dívidas, mesmo desfazendo-se de bens de seu patrimônio.

Nesse ínterim, tem-se a definição assentada pela Ilustre doutrinadora Cláudia Lima Marques, que caracteriza o superendividamento pela “impossibilidade de o devedor pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos)”, em um espaço razoável de tempo, com seu potencial corrente de rendimentos e bens.

A situação de superendividamento tem sido considerada um fenômeno global integrante do cenário sociológico das sociedades ocidentalizadas. Nesse cenário, é considerado um consumidor superendividado aquela pessoa que, de boa-fé, contratou empréstimos, contraindo um endividamento além de sua capacidade econômico-financeira e acima do “normal”, restando impossibilitado de honrar o pagamento de todos os seus débitos e criando, destarte, novas dívidas na esperança de honrar com o pagamento daquelas primeiras.

Conforme entendimento de André Schmidr, o superendividamento acontece quando o devedor fica sem capacidade, de forma estrutural e duradoura, de honrar o pagamento de um ou mais débitos, não caracterizando, então, uma simples ausência temporária de condições financeiras (liquidez).

Dessa forma, é razoável entender que consumidor superendividado é aquele devedor que, na sua condição de pessoa física e no exercício de boa-fé, adquiriu dívidas de consumo além da sua condição econômico-financeira, restando impossibilitado de liquidar um ou mais de seus débitos, vencidos e vincendos.

Outrossim, salienta-se que o consumidor nessa qualidade não se encontra numa fase apenas de ausência de possibilidade de honrar com os pagamentos de seus débitos, mas também tem ameaçada a sua dignidade e moral como ser humano, em razão da falta de recursos financeiros para fazer frente às suas necessidades cotidianas e básicas, justificando, portanto, a existência da necessária proteção jurídica aos consumidores atingidos por esse fenômeno.

Nessa perspectiva, faz-se oportuno acentuar que o evento (fenômeno) do superendividamento pode se efetivar de duas formas, quais sejam: superendividamento passivo e superendividamento ativo.

A primeira forma (passivo), acontece em razão da incapacidade do consumidor de ficar adimplente com suas dívidas e obrigações assumidas, em consequência de circunstâncias e fatos alheios à sua ingerência/vontade, como, por exemplo, uma separação conjugal, doença familiar, morte, desemprego ou outro infortúnio.

Já a segunda forma de superendividamento (ativo), advém da má gestão/administração do orçamento pessoal, ou seja, de um conglomerado de dívidas decorrentes do consumismo compulsivo que leva ao superendividamento.

Nesse horizonte, constata-se que tal separação envolve apenas o modo pelo qual o consumidor contraiu dívida demasiada, se em razão da má gestão das suas finanças ou se em consequência de algum imprevisto da vida.

Destarte, esse tipo de consumidor (que age de boa-fé) merece ser tutelado e protegido juridicamente nas duas situações, vez que não há margens a questionamentos e eventuais dúvidas de que vários prejuízos são causados à moral e à honra do consumidor como ser humano pelo superendividamento.

Sem qualquer resquício a dúvidas, essa proteção jurídica não deve ser apenas preventiva, mas também remediadora, ou seja, a busca não é somente pela elaboração de políticas estatais (públicas) visando defender o direito do consumidor nas relações pré-contratuais, mas, além disso, deve ocorrer também a proteção e tutela do direito do consumidor que já se encontra na situação de superendividado.

 

2.   A CLASSIFICAÇÃO DE CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO E O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NESSAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS

Conceituado o consumidor superendividado como o devedor (pessoa física) que, agindo de boa-fé, adquiriu dívidas de consumo além da sua condição econômico-financeira, restando, então,  impossibilitado de liquidar todos os seus débitos oriundos de consumo, vencidos e vincendos, segue-se à classificação desses consumidores.

Nesta perspectiva, é possível e razoável que pondere acerca da existência de dois tipos de pessoas superendividadas, quais sejam: o superendividado passivo, que é aquela pessoa que por questões alheias ao seu controle, como a perda do emprego, se tornou superendividado, e o ativo, que é a pessoa que tornou-se superendividada “voluntariamente”, por falta de controle e estimulado pelas estratégias de publicidade/marketing das instituições que fornecem crédito, de forma consciente ou inconsciente.

Essa última categoria, superendividado ativo, pode ser subdividida em 02 (duas): o consciente e o inconsciente. O consumidor consciente age de má-fé e de forma voluntária contrai dívidas que sabe que não terá condições de pagar/honrar, no intuito de se beneficiar as custas do credor, enganando-o, sabendo que não cumprirá sua obrigação de pagar a dívida e que o credor não terá a possibilidade de executá-lo. Nessa situação, é crível que o superendividado não culmine por auferir o apoio do Poder Público para restaurar-se, pois inexistente o requisito elementar da boa-fé.

De outro plano e em contrapartida, o superendividado ativo inconsciente (“sem consciência”) é aquele indivíduo que agiu de forma impulsiva e imprudentemente  deixou de controlar seus gastos. É aquele consumidor que não agiu com dolo, não agiu com má-fé e nem com intenção de ludibriar. Nesta circunstância, o superendividamento ocorre em razão do consumismo e dos deslumbramentos da sociedade moderna, pela simples impulsão da aquisição para se “encaixar” em determinados padrões sociais.

Neste sentido, se faz necessário definir quem é o consumidor de boa-fé, para que possa ser verificado se o superendividado é ativo consciente (com má fé) ou inconsciente (com boa fé). Portanto, define-se o consumidor de boa-fé como aquela pessoa que não teve o intento de prejudicar o fornecedor, e nem a pretensão de não honrar com suas dívidas.

À vista disso, Judith Martins Costa conceitua a boa-fé como uma norma de conduta com fundamento na “honestidade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração para com os interesses do ‘alter’,” entendido como um integrante do grupo social que é juridicamente tutelado.

Outrossim, no viés do superendividamento, o instituto da boa-fé recebe um entendimento peculiar, em que se sinaliza pertinente e adequado  averiguar, na relação consumerista, a motivação do superendividamento e a intenção desse consumidor de solucionar a totalidade de seus débitos, cujo montante se apresenta exorbitante e excessivo, isso levando em consideração os recursos financeiros do mesmo.

De outra banda, no que pertine à perquirição acerca da boa-fé do consumidor, entende Giancoli que, na realidade, “a noção de boa-fé em matéria de superendividamento implica que seja procurado em relação ao superendividado, através de dados da causa, o elemento intencional que evidencia seu conhecimento deste processo”, assim como o seu desejo de solver o total de suas dívidas cujo conjunto é descomedido, levando-se em consideração os recursos do obrigado.

Deste modo, a boa-fé do consumidor se verifica através de sua postura de, restrito às suas limitações financeiras, querer liquidar a totalidade de suas dívidas. Contudo, em razão da vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor, bem como da extrema dificuldade de comprovação dos elementos necessários, culmina-se por ter a presença da presunção da boa-fé, competindo ao credor provar o contrário.

Relevante acentuar, nessa oportunidade, que a acumulação de numerosas dívidas, por si só, não gera a desconstituição da boa-fé do consumidor, posto que o fenômeno/evento do superendividamento já prognostica a existência de um aglomerado de dívidas.

Oportuno destacar, outrossim, que as práticas que utilizam o abuso de direito nas relações consumeristas são bastante comuns, especialmente quando envolvem práticas comerciais e matéria contratual, o que, por si só, fundamenta a positivação no ordenamento jurídico Brasileiro do princípio da boa-fé. Tal abuso além de se caracterizar pelo desígnio de produzir dano, também se caracteriza no desvio da função social desse direito legal, inclusive, comprometendo a sua própria finalidade.

A tese do abuso de direito estabelece limitações éticas à prática dos direitos individuais/subjetivos. Essas limitações são determinadas com fundamento no instituto da boa-fé objetiva, no papel social dos direitos e nos bons costumes em geral.

Suplantado isso, invoca-se o artigo 4º, inciso III, do CDC – Código de Defesa do Consumidor que assim preconiza:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios

III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

Em relação aos contratos de provimento de crédito, é manifesto que aquele que fornece o crédito para quem não possui condições de cumprir com o ajustado, está ultrapassando os limites do direito de oferecer e fornecer crédito, ainda que o contrato culmine por atender aos pressupostos formais de legalidade e validade, ferindo, dessa forma, o instituto da boa-fé objetiva.

O provedor de crédito deve exigir uma pregressa análise da condição econômico-financeira do tomador do crédito, de maneira a celebrar contratos somente em limites compatíveis com a realidade pessoal de cada consumidor/contratando, objetivando assegurar que o mesmo possa honrar com o contratado e ainda assim permanecer com o pleno exercício da dignidade e moral do ser humano. Ao praticar conduta distinta, o fornecedor do crédito escolhe por avocar para si (exclusivamente) os riscos inerentes ao negócio celebrado, que já não poderão mais ser transferidos ao consumidor.

Dessa forma, as instituições financeiras são norteadas através das normas do Banco Central a procederem de forma preventiva. Conforme prevê o artigo 8º da Resolução CMN nº 4.327, de 25 de abril de 2014:

 

Art. 8º As instituições mencionadas no art. 1º devem estabelecer critérios e mecanismos específicos de avaliação de risco quando da realização de operações relacionadas a atividades econômicas com maior potencial de causar danos socioambientais.238

 

Constata-se que, apesar da referida norma versar sobre os atos de prevenção a serem praticados pelas instituições financeiras quanto ao risco socioambiental de suas operações e atividades, na prática tal disposição não é cumprida. Assim, acredita-se que as instituições que fornecem crédito julgam que o alargamento desse cuidado acarretará o risco de diminuir o volume de operações de crédito concretizadas, que, verdade seja dita, são evidentes armadilhas em detrimento do consumidor, cujos recursos à sua disposição geralmente são poucos e é iludido com o crédito fácil e desconexo de sua realidade econômica.

Destarte, a exorbitância no uso do poder de liberar crédito desenfreadamente e sem o devido exame da condição econômico-financeira e de endividamento do consumidor, é conflitante com a boa-fé objetiva, não devendo obter a aprovação do Poder Judiciário, especialmente nas ocasiões em que as obrigações contratadas pelo consumidor apresentem-se desproporcionais e prejudiciais ao seu interesse, resultando, inclusive, em lucro demasiado para o fornecedor do crédito.

Outrossim, sobre a imperativa necessidade de existência de informação nos contratos em real e principalmente naqueles que envolvem o fornecimento de crédito, vale apontar o ensinamento de Heloísa Carpena e Rosângela Lunardelli Cavallazzi, que entenden que é manifesto que a adesão ao contrato de crédito ao consumo, constituindo relação contínua, de duração frequentemente duradoura, e compreendendo cálculos e taxas constantemente “incompreensíveis para o consumidor, impõe maior carga de informação a ser prestada pelo fornecedor”.

 

Dessa maneira, percebe-se que o fornecedor de crédito além de obedecer ao principio da boa-fé objetiva, deve também respeitar os demais príncipios inerentes a relação de consumo, bem como aos da informação e da transparência nas relações consumeristas.

O princípio/instituto da transparência é entendido como um dos pilares da boa-fé objetiva, vez que determina que o fornecedor tem a obrigação de ser transparente com a parte consumidora em relação a todas as informações tidas como essenciais ao negócio jurídico, aperfeiçoando a relação de consumo e certificando que o consumidor está contratando por livre escolha e verdadeiramente ciente do que contrata.

Na mesma perspectiva segue o princípio da informação, que é o direito do consumidor de obter informações eficientes, adequadas, claras e precisas sobre o negócio jurídico em questão (seja serviço, seja produto), bem como as suas especificações e riscos a ele inerentes.

O nosso CDC – Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), prevê em seu artigo 6º, III:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

No mesmo sentido, foi concebida pela doutrina francesa a obrigação de aconselhamento, que importa na obrigação de indicar ao consumidor as possíveis contrariedades das operações de crédito a curto prazo e a longo prazo, advertindo-o e sugerindo as soluções possíveis.

Em tal situação, compete ao fornecedor individualizar as informações e considerar as caracteristicas pessoais de cada consumidor individualmente, revelando ao mesmo, de maneira simples, descomplicada e compreensível, as variáveis e os riscos que compreendem a operação de fornecimento de  crédito que está sendo oferecida naquele momento.

 

3.   A VULNERABILIDADE DOS CONSUMIDORES SUPERENDIVIDADOS E O DEVER DO ESTADO DE PROTEGÊ-LOS ATRAVÉS DA POSITIVAÇÃO

O conjunto de leis/normas que integram o ordenamento jurídico brasileiro não dispõe de regras específicas inerentes ao fenômeno do superendividamento, mas, retrata em sua conjuntura as bases iniciais para o amparo do consumidor superendividado.

O alicerce legal para a defesa/proteção dos consumidores superendividados encontra-se na Constituição Federal Brasileira e no Código de Defesa do Consumidor, sustentado pelos princípios da dignidade moral da pessoa humana, da vulnerabilidade, boa-fé , equilíbrio contratual, informação e transparência.

Resulta evidente que a falta de uma normatização própria sobre o superenvidamento não impede ou afasta a defesa e proteção dos consumidores superendividados, visto que tanto a Constituição da República Federativa do Brasil quanto o Código de Proteção e Defesa do Consumidor contam com normas/regras gerais que viabilizam a fruição dessa tutela.

Sem sombra de dúvidas, o princípio maior de defesa e tutela do consumidor  superendividado tem sido a sua própria dignidade e moral, haja vista que as consequências advindas dessa situação/condição violam diretamente a dignidade do mesmo. Isso em razão do crédito possibilitar que a pessoa satisfaça necessidades consideradas primordiais para a generalidade da população nacional, evidenciando que no vínculo obrigacional de crédito encontram-se consideráveis particularidades da vida humana que, se desprezadas, podem vulnerar a própria dignidade do ser humano.

Nessa exegese, o instituto da dignidade da pessoa humana assegura ao consumidor superendividado a preservação de um meio básico e mínimo de consumo que lhe viabilize ao menos uma aquisição mínima de linha de crédito para consumo que possa suprir as suas carências básicas e essenciais, permitindo-lhe ter uma vida digna.

Outrossim, percebe-se que, com o artigo 4° do Código de Defesa do Consumidor, o legislador objetivou satisfazer as necessidades primordiais e básicas dos consumidores, assegurar o respeito à sua saúde, dignidade e segurança, a progressão de sua qualidade de vida, a salvaguarda de seus interesses econômico-financeiros, bem como a transparência e harmonia das relações de consumeristas, atendidos os demais princípios da Política Nacional de Relações de Consumo.

Por conseguinte, não restam dúvidas que o mencionado programa garante, nas relações de consumo, a dignidade da pessoa humana, posto que o legislador ordinário procurou defender o consumidor de qualquer circunstância conflitante com o respeito à dignidade.

Nesse panorama, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, apesar de não tratar especificamente do superendividamento, prevê inúmeras normas e princípios que são aplicáveis em diversas situações, de maneira a reforçar a defesa e a proteção do consumidor, estendendo sua ação, ademais, à circunstância do superendividamento.

Assim, é elementar que sejam implementadas e respeitadas as normas consumeristas, visto que além do viés remediador, elas também têm o viés preventivo, e podem, inclusive, evitar que o consumidor chegue a situação do superendividamento, sempre devendo se sobressair a transparência e harmonia, bem como o consentimento e a confiança para o negócio jurídico.

Deste modo, atualmente o ordenamento jurídico carece de uma regulamentação específica que possa servir para proteger o consumidor em situação de superendividamento, competindo-lhe introduzir novas normas, específicas para o consumidor superendividado, no Código de Defesa do Consumidor, haja vista que a proteção atualmente prevista nessa Codificação, apesar de efetiva, revela-se deficiente para tutelar tal situação.

Como ponto de vista inicial na análise desta lacuna do ordenamento jurídic nacional, adentra-se na abordagem de uma solução adotada pelo direito comparado, notadamente, o direito francês.

No que diz respeito ao superendividamento, o ordenamento jurídico francês conta com uma legislação especial instituída no fim do ano de 1989, na qual retrata a condição do superendividamento como aquela “caracterizada pela impossibilidade manifesta pelo devedor de boa-fé de fazer face ao conjunto de suas dívidas não profissionais exigíveis e não pagas”.

A organização francesa conduziu um “sistema de alívio do consumidor”, com o objetivo de simplificar o adimplemento das dívidas e ofertar privilégios para os endividados, dando abertura com a simplória citação dos projetos/planos de negociamento entre devedores e credores, sem, no entanto, oferecer nenhum tipo de licença de crédito.

Apenas em 1999 as Cortes Julgadoras começaram a determinar a extinção de determinadas parcelas de dívidas inadimplidas pelo consumidor. Mas, somente depois do ano de 2004, uma exígua fração de pessoas que continha problemas financeiros chegou a ser liberada/libertada de imediato da integralidade de seus débitos.

Essa nova sistemática utilizada para a condução desse fenômeno tem por propósito resgatar o consumidor superendividado em seu ambiente social, bem como, prosperar a sua situação econômico-financeira.

Ocorre que no sistema francês, tal tratamento legislativo específico do superendividamento detém três condições a serem implementadas/aplicadas, sendo que a primeira concerne à situação do consumidor-devedor, que deve encontrar-se de boa-fé e possuir um dívida que não seja de ordem profissional.

Assentado o primeiro pressuposto, adentra-se na segunda condição, onde se estipula uma data limite para que o consumidor de boa-fé consiga restabelecer-se extrajudicialmente, ofertando-lhe alternativas administrativas e um planejamento estratégico de pagamento. Contudo, estão excluídas as dívidas de âmbito fiscal, bem como as de alimentos e as oriundas de delitos.

Já a terceira condição analisa de que forma o fornecimento do crédito resultou provido ao consumidor, se isso foi de maneira sensata ou arbitrária, se foram concedidas as informações fundamentais, dentro dos ditames legais, ou se foi omitido do consumidor a forma econômica, assim como a percepção de juros deliberada nos contratos.

Destarte, o processo tem início com a solicitação do devedor diante das Comissões de Superendividamento, onde será debatido o estado do superendividamento do deste consumidor. Essas comissões examinam se o devedor possui os pressupostos legais para acionar dito mecanismo e, caso entedam que sim, a comissão buscará uma conciliação viável entre os envolvidos, concedendo-lhes uma moderna forma de quitação do saldo devedor, que poderá prescrever a diminuição dos juros, determinar a remissão dos débitos, e, ainda, instituir métodos que tenham como objetivo o não agravamento da sua situação do devedor em concordância com tal acordo.

Assim, embora o superendividamento seja uma matéria muito discorrida no Brasil, tanto na na jurisprudência quando na doutrina, é um assunto que até então não está especificamente regulamentado, ou seja, não é tratado, de forma específica, no Ordenamento Jurídico Nacional vigente.

Desta forma, apesar de Claúdia Lima Marques ter advertido, desde 1995, que o fenômeno dos consumidores superendividados vinha se acomodando nos países em desenvolvimento, e que o direito brasileiro estava sendo convidado a se manifestar de forma justa e eficaz a respeito de tal fenômeno, o consumidor continua, atualmente, não possuindo mecanismos legais concretos e específicos, preventivos ou remediadores, para enfrentar essa situação.

A oferta excessiva de crédito, a concessão irresponsável por parte das entidades financeiras, a publicidade conativa e a falta de lei específica para cuidar do superendividamento, resultaram em muitos problemas sociais e na propositura de várias ações judiciais para sobrecarregar o judiciário.

Percebe-se que o consumidor enxerga o Poder Judiciário como a única saída para a proteção de seus direitos, porém, mais favorável e adequado seria se já estivessem (os direitos do consumidor) protegidos por norma intrínseca, com o viés de impedir, inclusive, que o superendividamento aconcetecesse.

Ao passo que o tema já é discutido a muitos anos na América do Norte e na Europa, no Brasil o tema só veio a ganhar importância após muita persistência de grandes juristas, o que veio a evidenciar a seriedade e importância do problema e a urgência em solucionar tal situação. Com isso, o Congresso Nacional ao perceber essa a carência legislativa sobre o tema, resolveu legislar sobre as formas remediadoras e de prevenção desta “disfunção social”.

Dessa maneira, teve início no Congresso Nacional em 2012 a tramitação da proposta legislativa de inovação do Código de Defesa do Consumidor, para acrescentar dispositivos inerentes ao superendividamento, momento em que a maioria dos países europeus já havia editado leis para proteger o consumidor desse fenômeno.

A comprovação de que o tratamento do superendividamento seria capaz de resolver problemas financeiros dos consumidores, assegurando-lhes o pleno exercício da cidadania, teve origem nas conclusões de um projeto-piloto elaborado no estado do Rio Grande do Sul que deu origem a uma proposta de anteprojeto de lei.

Assim, conforme leciona Marques, o desenvolvimento desse Projeto Piloto serviu para levar o tema a ser escolhido como um dos prioritários na modernização do Código de Defesa do Consumidor e para a concepção do PLS 283/2012”.

Instigados pela necessidade urgente de mudança, estudiosos do direito do consumidor não repousaram enquanto não ficou pronta a proposta de atualização do CDC.

Dessa forma, em 15 de dezembro de 2010 foi criada uma comissão de juristas, que ficou responsável pela criação de anteprojetos de lei que abordem, tanto o superendividamento, quanto outras questões relativas ao comércio eletrônico e as ações coletivas.

Como resultado dos trabalhos da referida comissão, além dos PLS relativos ao comércio eletrônico e aos ritos processuais das ações coletivas, finalmente foi elaborado o PLS 283/2012, este específico sobre o fenômeno do superendividamento.

O intuito principal, conforme destacado pelo Ministro Herman Benjamim no momento de instalação da comissão de juristas, é, acima de tudo, encorajar o crédito responsável.

Assim, o PLS 283/2012 foi apresentado no Senado Federal e,  após aprovado pelo plenário daquela casa, em 04 de novembro de 2015 foi encaminhado à Câmara dos Deputados. De imediato, o projeto foi recebido e passou a tramitar como PL 3515/2015, mas, até o presente momento, apesar da grande importância do tema, ainda não foi proferido parecer, havendo, inclusive, decisão pela criação de uma comissão especial para tanto, datada de 12 de junho de 2019 (última movimentação constante no site da câmara dos deputados do Brasil).

A proposição de modernização do código de defesa do consumidor com a inclusão do tema superendividamento possui apoio firme da comunidade jurídica, especialmente dos magistrados e juristas especialistas na matéria do direito do consumidor.

Face a relevância do tema e a crescente necessidade da aprovação desse PL para a sociedade no geral, faz-se fundamental o apoio político e da população, com uma cautela política única, objetivando que não seja perdida essa oportunidade de favorecer a qualidade de vida dos consumidores e mantê-los com sua dignidade íntegra.

Conforme entendimento de Antônio Carlos Efing, existe uma necessidade/imprescindibilidade de modificações no tocante ao tratamento conferido ao consumidor superendividado no Brasil, e que a modernização do Código de Defesa do Consumidor em relação a matéria executa “o papel de contemplar todos os consumidores, com exceção dos consumidores pessoa jurídica”.

Dessa maneira, mostra-se comprovada a carência das normas vigentes do Código de Defesa do Consumidor, havendo, portanto, a necessidade real de tal atualização normativa, a fim de possibilitar ao consumidor pessoa física e de boa fé, a prevenção e o tratamento do superendividamento.

No mesmo sentido, Agathe Elsa Schmidt da Silva compreendeu a aprovação do PLS 283/2012 como urgente, levando em consideração que a  falta de um instrumento normativo próprio que trate da prevenção e do tratamento do superendividamento do consumidor, no Brasil que é um país que utiliza o sistema jurídico civil law traz conseqüências excessivamente negativas.

Logo, finalmente, o PLS 283/2012 de autoria do Senador José Sarney foi devidamente aprovado pelo plenário e assim foi remetido, em novembro do ano de 2015, o PL 3515/2015 à câmara dos Deputados para votação, onde encontra-se até o presente momento pendente de aprovação.

Não obstante o Projeto de Lei 3515/2015 ainda estar em tramitação, ou seja, apesar de ainda não ter sido aprovado, e não haver, portanto, uma legislação específica que trate sobre o tema do superendividamento, o consumidor não encontra-se desamparado, visto que este pode buscar as soluções por via jurisprudencial, uma vez que o posicionamento majoritário é, implicitamente, em favor da aprovação de atualização do CDC, com intuito de garantir ao consumidor superendividado o pleno exercício da dignidade da pessoa humana.

A proposta de modernização do PL 3515/2015 traz alterações nos artigos 4º, 5º, 6º, 37 e 51, bem como insere os artigos 54-A, 54-B, 54-C, 54-D, 54-E, 54-F, 54-G, 104-A, 104-B e 104-C ao Código de Defesa do Consumidor e inclui, ainda, o § 3º ao artigo 96 da Lei nº 10.741/2003.

O projeto de lei em comento apresenta alterações para o CDC tanto para inclusão de medidas preventivas quanto para inclusão de medidas remediadoras. Assim, quanto a proposição preventiva, o PL 3515/2015 tem como finalidade modernizar o CDC, reforçando a importância da prática de condutas preventivas, buscando assim evitar que ocorra o superendividamento do consumidor pessoa natural e de boa-fé (artigo 54-A do PL).

O referido Projeto de Lei tem por intenção acrescentar ao CDC dispositivos indispensaveis para tratar da prevenção ao superendividamento, como por exemplo o inciso IX ao artigo 4º, estabelecendo o estímulo de ações que visem a educação financeira e ambiental, dando vida, dessa forma, a mais um princípio do consumidor, o da educação financeira, assim como o inciso X ao mesmo artigo, que pretende trazer mais um princípio para a legislação consumerista, qual seja, a prevenção do superendividamento, que tem como objetivo evitar que o consumidor chegue a ser excluído da sociedade.

Outrossim, além de diversas outras adições trazidas  pelo Projeto de Lei 3515/2015, um acréscimo de grande importância é o § 3º ao artigo 96 da Lei nº 10.741/2003, pormenorizando que a negativa de crédito em razão de superendividamento da pessoa idosa não constitui crime. Tal modificação legislativa pretende refrear as condutas das instituições financeiras de conceder crédito a idosos de maneira irresponsável, utilizando-se do pretexto de que se o negarem correrão o risco de sofrer acusações de discriminação.

Ademais, Bauer e Efing fazem algumas críticas ao projeto de lei, principalmente ao inciso III do artigo 54-B, vez que consideram o prazo de dois dias curto para análise consciente do consumidor, e ao parágrafo 3º do artigo 54-E, que por sua burocracia é capaz de desincentivar a desistência prevista no parágrafo 2º do referido artigo.

À vista disso, evidenciam-se o aconselhamento, a informação clara, o princípio da educação financeira e o princípio do crédito responsável como os pontos mais significativos na precaução do superendividamento.

As providências preventivas, além de tolher o superendividamento e as repercussões nocivas ao consumidor, poderão evitar uma adição exacerbada no número de processos judiciais em tramitação no País e, desse modo, por consequencia, representar uma maior economia do dinheiro público em razão da diminuição de movimentação da máquina pública.

A presente pesquisa reconheceu um cenário global do fenômeno do superendividamento da sociedade de consumo, bem como confirmou que apenas por meio da aprovação do Projeto de Lei 3515/2015, que está dependendo de votação no Congresso Nacional, o qual estipula a utilização de medidas preventivas eficientes e o tratamento distinto ao consumidor superendividado, será possível proteger os consumidores que se encontram na eminência do superendividamento, e remediar a situação dos que já se encontram superendividados.

Inclusive, em razão da lacuna no ordenamento jurídico Brasileiro quanto a este fenômeno, o consumidor superendividado tem encontrado resistência dos nobres julgadores quando buscam pelo reconhecimento de seu direito à revisão dos contratos excessivamente onerosos, o que só reforça a necessidade de um preenchimento urgente dessa lacuna legal com a aprovação do referido Projeto de Lei.

Outrossim, à exceção das instituições financeiras, medidas como as propostas no PL 3515/2015, trariam benefícios não só aos consumidores, mas também ao poder público e a sociedade como um todo, e a grande possibilidade de sua aprovação é como um sopro de esperança aos consumidores superendividados.

Assim, com o consistente emprego dos princípios da boa-fé contratual, dignidade da pessoa humana, informação e transparência, o consumidor poderá ser previamente orientado, de forma adequada, a pegar empréstimo apenas quando for realmente necessário, e, além disso, a obter conhecimento verdadeiro dos pontos do contrato e das implicações que tal concessão de crédito resultará em sua vida e de sua família.

Cuidar do consumidor superendividado de boa-fé é cuidar da sociedade, do sistema econômico financeiro, da cidadania e da dignidade da pessoa humana, é o motivo pelo qual o direito desempenha o papel fundamental na regulamentação dessas relações sociais, na exigência de certas condutas em busca de uma interação social equilibrada.

Dessa forma, o ofício do direito, bosquejado no PL 3515/2015, é preservar a dignidade e a cidadania do consumidor superendividado pessoa física e de boa-fé, reabilitando-o de maneira que voltará rapidamente a ser um cidadão ativo, tanto para produzir como para consumir de forma compativel com a dignidade do consumidor.

Portanto, com essa pesquisa conclui-se que a lacuna no ordenamento jurídico em relação ao fenômeno do superendividamento só potencializa a situação de vuldenarabilidade do consumidor que acaba por se tornar superendividado diante das necessidades cotidianas e da cultura social moderna e não possui nem mesmo um auxílio jurídico para se livrar da situação indigna.

Assim, compreende-se que a aprovação do Projeto de Lei 3515/2015 trará beneficios para a sociedade como um todo, não só prevenindo o superendividamento, mas também remediando a situação dos que já se encontram em tal situação.

 

CONCLUSÃO

É inegável que a simplificação da aquisição de crédito tem seu lado positivo, em face do estimulo que resulta na economia do país. Mas por outro lado, existe também o lado negativo, uma vez que tal simplificação pode ser utilizada pelas instituições financeiras e pelo comércio em geral para proveito próprio de forma abusiva e prejudicial ao consumidor vulnerável.

Assim,  na realidade, o aumento na facilitação da obtenção de crédito está diretamente relacionado com a majoração no número de consumidores  na situação de superendividamento.

Nesse panorama, se faz necessária a analise das condutas realizadas na sociedade contemporânea de consumo por parte dos provedores de crédito, que concorrem, diversas vezes, de forma imediata e direta para a obtenção, pelo consumidor, do status de superendividado.

Evidentemente, a condição de superendividado não é uma situação qualquer de simples inadimplemento do consumidor, o superendividamento é um instituto que tem as suas particularidades. Dessa forma, o consumidor, para se enquadrar no conceito de superendividado, tem que ser uma pessoa física que de boa-fé contrata crédito com a finalidade de adquirir produtos e serviços de necessidade pessoal (não profissional), de maneira que ao contrair essas obrigações fica em um estado de endividamento que não é capaz de, por si só, reverter, o que atinge diretamente a sua dignidade.

Neste sentido, o superendividamento é um fenômeno social muito preocupante que precisa da devida proteção e tutela jurídica. Com isso, apesar de se tratar de um instituto que ainda não recebeu uma legislação específica, não é um assunto esquecido pelos legisladores, visto que já existe um Projeto de Lei para tratar do assunto, o PL 3515/2015 (ainda pendente de aprovação) que tem por finalidade o aperfeiçoamento da disciplina do crédito ao consumidor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.

Destaca-se, outrossim, que o Brasil detém um notável Código de Proteção e Defesa do Consumidor, onde existem princípios e dispositivos hábeis a tutelar os direitos dos consumidores, no entanto, na prática o referido Código não tem sido eficiente para tutelar os direitos nomeadamente dos superendividados.

Assim, tratar do consumidor superendividado de boa-fé é tratar da sociedade, do sistema financeiro, da dignidade humana e da cidadania, razão pela qual o direito exerce papel fundamental na regulação dessas relações sociais, na imposição de deliberadas condutas buscando uma interação harmônica.

O ofício do direito, traçado no PL 3515/2015, é salvaguardar a cidadania e a dignidade do consumidor pessoa física superendividado de boa-fé, regenerando-o de tal forma, que, prontamente, retomará o seu status de cidadão ativo, tanto para produzir como para consumir, com sua dignidade recobrada.

É indubitável que o aumento da proteção do consumidor causa bastante avanço no combate à exclusão social, isso porque é manifesta a exclusão social dos consumidores classificados como superendividados, que, inclusive, perdem a sua dignidade perante a sociedade. Trata-se, portanto, de um episódio social preocupante e, havendo a extensão dessa proteção, forçosamente haverá maior inserção no mercado de consumo, o que viabiliza uma convivência social pacífica e uma efetiva redução das desigualdades.

Portanto, constata-se que o superendividamente é uma preocupação social que merece um tratamento jurídico adequado, e que a aprovação do Projeto de Lei 3515/2015 trará vantagens para toda a sociedade, não só prevenindo o superendividamento, mas também remediando a situação dos que já se encontram superendividados.

 

REFERÊNCIAS

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Acesso em: 27 jun. 2019.

 

          . Câmara dos Deputados., Projeto de Lei – PL 3515/2015.

Disponível em <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2052490> Acesso em 26 jun. 2019.

 

          . Câmara dos Deputados., Projeto de Lei – PL 3515/2015.

Disponível em <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=64D85C3CB3617C3E372CFFDA7414C9FF.proposicoesWeb1?codteor=1413777&filename=Avulso+-PL+3515/2015> Acesso em: 27 jun. 2019.

 

CARPENA, Heloísa; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. Superendividamento: proposta para um estudo empírico e perspectiva de regulação. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do Consumidor Endividado: Superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

 

COSTA, Geraldo de Faria Martins. Superendividamento: a proteção do consumidor de crédito em direito comparado brasileiro e francês. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, v. 20.

 

COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

 

EFING, Antônio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

 

GIANCOLI, Bruno Pandori. O superendividamento do consumidor como hipótese de revisão dos contratos de crédito. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2008.

 

MARQUES, Cláudia Lima. Sugestões para Uma Lei Sobre o Tratamento do Superendividamento de Pessoas Físicas em Contratos de Crédito ao Consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul: Revista dos Tribunais, 2006.

 

MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli; LIMA, Clarissa Costa de. Direitos do Consumidor Endividado II – Vulnerabilidade e Inclusão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

 

OLIVEIRA, Andressa Jarletti Gonçalves de. Defesa judicial do consumidor bancário. Curitiba: Rede do Consumidor, 2014. p. 105.

 

SCHMIDT NETO, André Perin. Superendividamento do Consumidor: conceito, pressupostos e classificação. Revista de Direito do Consumidor, v. 18, n. 71: São Paulo, jul./set. 2009.

 

SILVA, Agathe E. Schmidt da. Cláusula geral de boa-fé nos contratos de consumo. MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno (Org.). Direito do consumidor: vulnerabilidade do consumidor e modelos de proteção. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. v. 2.

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