A razoabilidade na utilização de Armas não letais por Agentes de Segurança Pública

"Para mudar esse estado de coisas, precisamos passar a limpo o Brasil, tirá-lo do lamaçal corrosivo da abjeta e nojenta corrupção e dos desvios de recursos públicos. Precisamos de homens com espírito público e comprometidos para cumprirem aquilo que vem estabelecido logo no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, ou seja, assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias".

 Resumo: Este ensaio não pretende esgotar o assunto sobre a utilização de armas não letais por agentes de Segurança Pública no Brasil, conforme determinação da novel Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014. Apenas tem por objetivo apresentar uma breve e sucinta leitura do assunto, permitindo analisar todo o arcabouço legal em torno da pertinência temática.

Palavras-Chave: Armas não letais, utilização, agentes de Segurança Pública, princípios da legalidade, necessidade, razoabilidade, Lei nº 13.060/14.

Resumen: este ensayo no pretende agotar el tema con respecto al uso de armas no letales por agentes de seguridad pública en Brasil, como determinación de la nueva ley nº 13. 060, de 22 de diciembre de 2014. Sólo tiene como objetivo presentar una lectura breve y concisa sobre el tema, lo que permite analizar todo el marco legal alrededor de la pertinencia temática.

Palabras clave: armas no letales, uso, oficiales de seguridad pública, principios de legalidad, necesidad, razonabilidad, Ley nº 13. 06014.

A presidenta Dilma Rousseff sancionou na segunda-feira, dia 22 de dezembro de 2014,  a lei nº 13.060/14, que disciplina o uso de armas letais e não letais por agentes de segurança pública.

Conforme informações, o projeto que deu origem à lei, do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), tramitou serenamente no Congresso Nacional por nove anos.

O texto determina que os agentes de segurança pública "deverão priorizar a utilização dos instrumentos de menor potencial ofensivo" nas ações.

Trata-se de uma lei que entrou em vigor na data de sua publicação, ou seja, dia 23 de dezembro de 2014.

Segundo o texto, os órgãos de segurança pública deverão priorizar a utilização dos instrumentos de menor potencial ofensivo, desde que o seu uso não coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais, e deverão obedecer aos seguintes princípios: 

I – legalidade; 

II – necessidade; 

III – razoabilidade e proporcionalidade.

A Lei em vigor elenca 04(quatro) princípios de grande construção doutrinária e acirradas discussões no mundo jurídico.

Permite-se, ainda que perfunctoriamente, discorrer sobre eles.

Do latim principĭum, o princípio é o primeiro instante de algo. Trata-se, portanto, do começo ou início.

Ensinando com extrema autoridade, o professor Celso Antonio Bandeira de Mello confere a importância de um princípio ao preconizar que "violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma jurídica. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremessível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra".

O Ministro do STF, Luís Roberto Barroso assevera que os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos.

O princípio da legalidade é previsto no artigo 5º, inciso II, da Constituição da República, com rótulo de direito fundamental, segundo o qual "ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

É o mais importante instrumento constitucional de proteção individual no Estado Democrático de Direito, com origem no fim do século XVIII e cujo significado político se traduz no paradoxo entre regra/exceção que se instaura.

No Direito administrativo, esse princípio determina que a Administração Pública, em qualquer atividade, está estritamente vinculada à lei.

Assim, se não houver previsão legal, nada pode ser feito. No princípio genérico, a pessoa pode fazer de tudo, exceto o que a lei proíbe. No princípio específico, a Administração Pública só pode fazer o que a lei autoriza, estando engessada, na ausência de tal previsão. Seus atos têm que estar sempre pautados na legislação.

O princípio da necessidade, como tal tratado na lei, na verdade não se trata de um princípio autônomo e independente, mas de um subprincípio da razoabilidade, que se junta a mais dois subprincípios, o da adequação e o da proporcionalidade em sentido estrito.

Costuma-se afirmar que pela necessidade, deve a Administração Pública, nas suas relações, adotar os meios menos onerosos para os particulares.

Os princípios da razoabilidade ou proporcionalidade são utulizados pela doutrina pátria como termos sinônimos, não havendo diferenças marcantes e substanciais. São exigidos dos agentes públicos ao realizar atos discricionários. Assim, nesses atos pautados pela conveniência e oportunidade, o agente público deve utlizar-se da devida prudência, do equilíbrio e da sensatez, além do bom senso, evitando condutas absurdas e incoerentes. São chamados ainda por adequação dos meios aos fins.

Há quem distingue os termos, apontando diferenças na origem, na estrutura e na sua abrangência na aplicação.

Quanto ao princípio da proporcionalidade a doutrina majoritária ensina que sua origem pode ser encontrada na passagem do Estado absolutista, onde o governante estava legalmente incondicionado, sem limites de atuação, para o Estado liberal, onde a lei passou a ser limitadora das próprias ações do governante. 

Seria formado pelos seguintes sub-princípios: princípio da adequação do meio ao fim; princípio da necessidade; e princípio da proporcionalidade em sentido estrito.

A adequação seria a conformidade ou a validade do fim. O segundo é o da necessidade, pelo qual a medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja. O terceiro consiste na proporcionalidade mesma, tomada "stricto sensu", segundo a qual a escolha deve recair sobre o meio que considere o conjunto de interesses em jogo.

O jurista Jellinek, após intensa discussão sobre o uso legal do poder de polícia no simpósio sobre Direito de Polícia em 1791 na França, utilizou a seguinte expressão para simbolizar o princípio da proporcionalidade:  “Não se abatem pardais disparando tiros de canhões".

Assim, a nosso juízo, o legislador deveria prevê tão somente os princípios da legalidade e razoabilidade. E assim, tudo seria resolvido.

A lei ainda define "instrumentos de menor potencial ofensivo aqueles projetados especificamente para, com baixa probabilidade de causar mortes ou lesões permanentes, conter, debilitar ou incapacitar temporariamente pessoas".

A norma não menciona armas específicas, mas o conceito abrangeria armas como de choque (como a taser), spray de pimenta, gas lacrimogêneo e bala de borracha, "desde que seu uso não coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais". Ainda será publicado um regulamento nacional para classificar e disciplinar "a utilização dos instrumentos não letais", diz a lei.

A norma também chama a atenção quando afirma não ser legítimo o uso de arma de fogo, contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros e  contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros. 

Cursos de formação e de capacitação dos policiais e agentes de segurança deverão incluir no conteúdo aulas que os habilitem a usar este tipo de armas.

Os estados e municípios também deverão garantir que todo agente tenha à disposição "instrumentos de menor potencial ofensivo".

O poder público tem o dever de fornecer a todo agente de segurança pública instrumentos de menor potencial ofensivo para o uso racional da força.

O Poder Executivo editará regulamento classificando e disciplinando a utilização dos instrumentos não letais. 

Por fim, sabe-se que toda norma jurídica para a sua efetiva existência, deve ter eficácia social e presteza normativa.

O profissional de Segurança Pública não precisa de nenhum comando normativo para instruí-lo daquilo que precisa ser feito durante as beligerantes ações conflituosas nas comunidades subnormais ou em qualquer lugar onde a defesa do Estado se faz necessária.

Os treinamentos e habilidades adquiridos durante o seu curso de formação lhe dão o discernimento necessário para o legítimo exercício de sua defesa individual e da sociedade.  

Nesse sentido, acreditamos que todas as Instituições de Segurança Pública no Brasil já trabalham com os critérios de legalidade estrita e razoabilidade em suas atividades laborais, fruto de ensinamentos nos cursos de formação e capacitação, tudo devidamente previsto em matrizes curriculares das Academias de Polícia.

Importante ressaltar que a Constituição de Minas Gerais, de 1989, prevê como objetivo prioritário do Estado, a garantia da efetividade dos direitos públicos subjetivos e a preservação dos valores éticos.

E ainda, merece destacar que o artigo 13 da Carta Magna Mineira estatui que a atividade de administração pública dos Poderes do Estado e a de entidade descentralizada se sujeitarão aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e razoabilidade.

Percebe-se que em Minas Gerais, por muito tempo, a razoabilidade é princípio expresso, cogente e de aplicabilidade imperativa, sendo certo que a razoabilidade dos atos do Poder Público será apurada, para efeito de controle e invalidação, em face dos dados objetivos de cada caso.

Conclui-se que o legislador brasileiro demorou quase uma década para editar uma lei imperfeita e vazia, afirmando aplicabilidade dos princípios da legalidade e proporcionalidade dos atos administrativos em matéria de Segurança Pública.

Acredito, piamente, que o Brasil precisa de tomar um banho de civilização, de cultura e educação para diminuir os índices exorbitantes da sociedade delinquente. Mesmo diante de leis frágeis, obsoletas e de um processo moroso e ineficaz, ferindo com pena de morte um direito fundamental previsto no artigo 5º , LXXVIII, da Constituição da República, o Brasil ainda ocupa o terceiro lugar no número de encarcerados no mundo, mesmo sendo signatário das Regras de Tóquio que estimulam a aplicação das penas restritivas de direito em substituição às penas de prisão. Além disso, são assassinadas 56 mil pessoas por ano, uma verdadeira guerra civil. Vários policiais morrem no Brasil nos conflitos armados. Em Minas Gerais existem perto de 60 mil presos recolhidos no sistema prisional, além de 63.797 mil pessoas com mandados de prisões em aberto. São dados assustadores e que preocupam toda a sociedade brasileira. 

Para mudar esse estado de coisas, precisamos passar a limpo o Brasil, tirá-lo do lamaçal corrosivo da abjeta e nojenta corrupção e dos desvios de recursos públicos. Precisamos de homens com espírito público e comprometidos para cumprirem aquilo que vem estabelecido logo no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, ou seja, assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

Referências:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. http://www2.planalto.gov.br, acesso em 24/12/2014, às 17h55min;
BRASIL. Constituição (1989). Constituição do Estado de Minas Gerais, http://www2.planalto.gov.br/, acesso em 24/12/2014, às 18h00min.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. "Curso de Direito Administrativo". 26ª Ed, São Paulo: Malheiros, 2009.

Informações Sobre o Autor

Jeferson Botelho Pereira

Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Direito Penal Avançado, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina


Equipe Âmbito Jurídico

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