Direitos Humanos

A Realidade e os Desafios para a Inserção de Transgêneros, Transexuais e Travestis no Mercado de Trabalho

Vanessa Andriani Maria – Advogada, pós-graduanda em Advocacia Cível e Direito do Trabalho. Membro da Comissão de Direitos Humanos e do Grupo de Violência de Gênero da OAB Santa Maria-RS. vanessamariaadvs@gmail.com

Resumo: Embora o mercado de trabalho tenha sofrido mudanças com o passar dos anos, e por mais que existam leis trabalhistas que protejam o trabalhador, os travestis, transexuais e transgêneros encaram muitas dificuldades, tanto para entrar no mercado de trabalho formal quanto para manter-se nele, e grande parcela de culpa se deve ao preconceito e intolerância enraizada frente à sociedade. Apesar da criação de políticas voltadas à inclusão de minorias, é comum atualmente, a dificuldade de inserção destas pessoas profissionalmente, bem como a permanência no emprego. Os métodos utilizados foram o dialético e o observacional. Através da pesquisa bibliográfica e documental, o presente artigo buscou informações pertinentes a estas minorias e incentivar as empresas a incluírem a diversidade de orientação sexual e de gênero na identidade e estratégia da instituição, com a finalidade de promover a diversidade e a responsabilidade social. O estudo evidenciou a existência de preconceito e discriminação com travestis, transexuais e transgêneros no mercado de trabalho, propondo mudanças nas políticas de diversidade das empresas contratantes, já que o problema em questão não se trata apenas de contratar funcionários de diferentes gêneros, mas de criar um ambiente onde essas pessoas se sintam seguras, respeitadas e principalmente incluídas.

Palavras-chave: Mercado de trabalho. Transexual. Travesti. inclusão.

 

Abstract: Although the labor market has changed over the years, and even though there are labor laws that protect workers, transvestites, transsexuals and transgender people face many difficulties, both to enter the formal labor market and to maintain themselves. if in it, and a great deal of guilt is due to the prejudice and intolerance rooted towards society. Despite the creation of policies aimed at the inclusion of minorities, it is common today, the difficulty of insertion of these people professionally, as well as the permanence in the job. The methods used were dialectic and observational. Through bibliographic and documentary research, this article sought information relevant to these minorities and to encourage companies to include the diversity of sexual and gender orientation in the identity and strategy of the institution, with the purpose of promoting diversity and social responsibility. The study showed the existence of prejudice and discrimination against transvestites, transsexuals and transgender people in the labor market, proposing changes in the diversity policies of the contracting companies, since the problem in question is not only about hiring employees of different genders, but creating an environment where these people feel safe, respected and mainly included.

Keywords: Labor market. Shemale. Transvestite. inclusion.

 

Sumário: Introdução. 1. Travestis e Transexuais. 2. Mercado de Trabalho e Gênero. 3. Aspectos relacionados à inclusão das pessoas transexuais e travestis no mercado de trabalho e na sociedade. Conclusão. Referências.

 

Introdução

Atualmente, discussões compreendendo questões de gênero têm ganhado cada vez mais espaço nos ambientes empregatícios. Este assunto torna-se relevante por evidenciar uma nova prática realizada pelas organizações que não visam somente a diversidade, mas também, a inclusão de gêneros dentro desse espaço. A sociedade e as organizações passaram gradativamente por mudança de valores, crenças e atitudes. Transformações no mundo do trabalho também ocorreram, entretanto de forma segregacionista e excludente, não havendo espaço para todos. Algumas empresas mais atentas às minorias passaram a adotar uma política de inclusão de pessoas trans, que é um tema recente e nem sempre fácil de lidar, podendo suscitar dúvidas e conflitos. Nessa seara, verifica-se que essa população tem grande dificuldade de acesso ao mercado de trabalho formal.  O objetivo do presente artigo consiste em investigar as principais dificuldades enfrentadas por travestis e transexuais quando da inserção dos mesmos no mercado formal de trabalho. A hipótese é que isso ocorro devido a processos discriminatórios e situações de violência presentes, não apenas no trabalho, mas difundidos e normalizados no contexto sociocultural, que atinge todos os setores da sociedade, até as organizações. A luta dessa parcela da sociedade que não se encaixa no corpo em que nasceu, tem ganhado espaço nas discussões de diversidade sexual e social, além de conseguir, ainda que pequena, uma visibilidade na mídia. Defendemos que se faz necessária uma ampliação na discussão voltada à heterossexualidade e trabalho, de modo a despertar discussões que possam, direta ou indiretamente, contribuir para o reconhecimento das dificuldades enfrentadas por esta população. A escolha do tema foi identificada como importante para o movimento, na busca pela igualdade de direitos a fim de propor soluções que deixem de prejudicar uma parte da população e sejam favoráveis a todas as partes. Além do objetivo geral, o trabalho pretende também analisar o preparo das empresas para lidar com o não convencional e ponderar sobre os requisitos de mercado exigidos em termos de capacitação ou em nível de exigência, que não viabiliza a contratação de um transgênero. A metodologia utilizada é o método dialético, que analisa a realidade social, também o método observacional, que analisa o problema social em questão e sobre o qual busca informações. Através da pesquisa bibliográfica e documental, buscamos informar e incentivar as organizações a incluírem a diversidade de orientação sexual e de gênero na identidade e estratégia das empresas. Acreditamos que uma organização realmente responsável é aquela que promove a diversidade humana e a inclui como responsabilidade social.

  1. Transgêneros, Travestis e Transexuais

Devido à conjuntura histórica e cultural, não é fácil definir as diferenças entre travestis e transexuais. Importante logo no início deste trabalho definir quem são os sujeitos transexuais e travestis. Travestis são indivíduos do sexo masculino que se vestem de mulher, intergêneros são os popularmente denominados de hermafroditas; transexuais, aquelas que se submeteram à cirurgia de transgenitalização e drag queens, homens que se vestem de mulher, geralmente de forma, caricaturesca para espetáculos (IRIGARAY, 2010).

 

Os transgêneros são as experiências trans em latu sensu, as quais podem ser separadas em várias categorias. Uma delas é a dos travestis que são as pessoas dotadas de uma identidade de gênero diferente daquela que lhes foi atribuída biologicamente ao nascer. Estas pessoas não possuem um desejo de alterar os seus órgãos sexuais, mas modificam outros aspectos, como as suas vestimentas e maquiagens, e também realizam outros tipos de cirurgia, a exemplo de implantes de silicone. Por fim, ainda inserido na categoria dos transgêneros, estão os transexuais. Eles são compreendidos como indivíduos que não se identificam com o seu sexo e se incomodam ao ponto de almejarem a cirurgia de redesignação sexual, também chamada de cirurgia de trans- 6 genitalização. (SEPÚLVEDA, 2019).

 

As travestis são, nos dizeres de Borba e Ostermann (2008, p. 410), compreendem “indivíduos biologicamente masculinos que, através da utilização de um complexo sistema de techniques du corps, moldam seus corpos com características ideologicamente associadas ao feminino”.

 

Segundo Barbosa (2013), no Brasil as travestis na década de 1940 eram vistas como transformistas, associando o termo travesti à performance artística. Já a categoria travesti, enquanto identidade de gênero, vem sendo utilizada desde a década de 1980. Atualmente, o termo travesti está relacionado à prostituição, à criminalidade e à marginalidade, devido à grande maioria das travestis se prostituírem. A categoria transexual vem sendo utilizada desde a década de 1980 após a primeira cirurgia de transgenitalização divulgada no Brasil – cirurgia que até então não era legalizada no país.

Por vezes, as pessoas transgêneras e as transexuais são enquadradas na mesma condição. No entanto, existe uma diferença: as pessoas transgêneras são pessoas que não se identificam com o sexo biológico, já os transexuais além de não se identificarem com o sexo biológico, passam por uma cirurgia de redesignação sexual, a cirurgia é feita para adequar o gênero ao sexo biológico.

Contudo, ainda assim, não há consenso sobre a utilização dos termos transgêneros e transexuais. Salienta-se que independentemente da cirurgia de redesignação sexual e tratamento hormonais, as pessoas trans devem ter seus direitos garantidos e respeitados.

Costuma-se simplificar a situação dizendo que a pessoa nasceu com a “cabeça de mulher em um corpo masculino” (ou vice-versa). Por isso, muitas e muitos transexuais necessitam de acompanhamento de saúde para a realização de modificações corporais por meio de terapias hormonais e intervenções cirúrgicas, com o intuito de adequar o físico à identidade de gênero. É importante ressaltar, porém, que não é obrigatório e nem todas as transexuais desejam se submeter a procedimentos médicos, sobretudo àqueles de natureza invasiva ou mutiladora, não havendo nenhum tipo de condição específica ou forma corporal exigida para o reconhecimento jurídico da identidade transexual.

 

Cada pessoa transexual age de acordo com o que reconhece como próprio de seu gênero: mulheres transexuais adotam nome, aparência e comportamentos femininos, querem e precisam ser tratadas como quaisquer outras mulheres. Homens transexuais adotam nome, aparência e comportamentos masculinos, querem e precisam ser tratados como quaisquer outros homens. Para a pessoa transexual, é imprescindível viver integralmente, exteriormente, como ela é por dentro, seja na aceitação social e profissional do nome pelo qual ela se identifica ou no uso do banheiro correspondente à sua identidade de gênero, entre outros aspectos. (JESUS, 2012)

 

Por mais que seja assegurado formalmente o direito ao nome civil no artigo 16 do Código Civil Brasileiro, o que acontece é que a prática não condiz com a letra de lei. Sendo assim, na maioria dos casos, observa-se que o grupo dos transgêneros acaba por recorrer ao reconhecimento de um nome social, não obstante o nome civil continue inalterado. (SEPÚLVEDA, 2019).

 

Comumente, classificam-se os transexuais como pessoas que possuem a esperança de modificar as características físicas do sexo (JOHNSON, 2010). Integralizando esta reflexão, transexuais correspondem a indivíduos cuja identidade de gênero é diferente da qual foi estabelecida biologicamente, no nascimento, independente da sua orientação sexual. Desta forma, um transexual feminino começa a vida com o corpo masculino, porém com uma identidade de gênero feminino, enquanto um homem transexual começa a vida com um corpo feminino, mas tem identidade de gênero masculino (JOBSON et al, 2012).

 

Na vida em sociedade, geralmente transexuais sofrem preconceitos principalmente durante o início do tratamento, aos quais alguns se submetem, com o intuito de adequarem o físico ao psicológico, ao tomarem hormônios do sexo oposto, podem apresentar diferenciações fisiológicas, na voz e consequentemente culturais, como a troca de vestimenta e na iniciativa de começar a utilizar o banheiro do sexo oposto.

 

As principais técnicas de cuidado na transexualização são: tratamento hormonal; cirurgias de redesignação sexual; tratamento psicológico e psiquiátrico. Segundo Arán e Murta (2009, p. 25 e 26), é na conjuntura de “revolução tecnológica da biomedicina e de uma maior liberdade sexual que se dá o reconhecimento da possibilidade de mudança de sexo”. Os autores citam que a condição transexual é entendida pelos manuais psiquiátricos como “a insatisfação decorrente da discordância entre o sexo biológico e a identidade sexual de um indivíduo” e, por isso, há a necessidade de cirurgias e utilização de hormônios.

 

O que existe em termos de apoio é ainda precário para buscar adequação dos corpos às vivências dos sujeitos, O atendimento gratuito, pelo SUS, é demorado e necessariamente patologizado. Os demais meios são caros e nem sempre acessíveis nos locais de moradia. Homens e mulheres transgênero precisam de apoio psicológico e financeiro, já que os procedimentos são longos e custosos. Não há quem se responsabilize pelo seu bem-estar e, ao final, mesmo que todo o processo tenha transcorrido, ainda estão privados de diversos direitos básicos, como até mesmo do nome social.

 

[…] o processo transexualizador é bioeticamente incorreto. […] Mas isso quer dizer, então, que não era para esse processo ser executado nas unidades de saúde? Não é nada disso. Ele é bioeticamente incorreto porque você submete as pessoas a mudanças corporais intensas, a mudanças sociais e subjetivas extremamente densas e, ao final, o Estado diz: ‘Te vira aí, vê como a Justiça resolve teu caso’. Portanto, é bioeticamente incorreto porque é bioeticamente incompleto (ALMEIDA, 2013, p.114).

 

Observamos que, se a pessoa transexual busca um emprego depois de iniciada a transição, encontra a ignorância em relação ao que significa ser transexual, rejeição e preconceito. No entanto, se a pessoa já tinha um emprego e, então, realiza sua transição, pode ser demitida. Por esse motivo, inclusive, muitas travestis, mulheres transexuais e homens trans adiam sua transição, com medo de perder seus empregos (REIDEL, 2013, p. 96).

 

Um dos elementos que dificulta o acesso da população trans ao mercado de trabalho é sua baixa escolaridade. O problema não é de acesso à educação, mas de dificuldades de permanência na escola, especialmente quando a pessoa começa a despertar sua identidade de gênero. A escola é um ambiente hostil para quem é trans. As piadas, as perseguições, a falta do uso do nome social, o preconceito, tudo isso contribui.

 

De acordo com Bazargan e Galvan, (2012, p.2) “travestis são mais propensos a experimentarem a discriminação, estigmatização e vitimização em comparação com homens gays, lésbicas e bissexuais.”

 

O Brasil lidera o ranking dos países que mais matam pessoas trans. Certamente este fato vem pela ausência de inclusão social. Mesmo havendo leis promulgadas em relação aos direitos LGBT, essa visibilidade fica só no papel, mas perante a sociedade que vivemos a situação é mais complicada. A pessoa trans tem dificuldade de acesso ao sistema educacional e também a vagas de emprego, e para mudar essa realidade é fundamental que haja políticas públicas efetivas de inclusão.

 

  1. Mercado de Trabalho e Gênero

Respeitar as diferenças humanas gera conexão entre as pessoas e crescimento em todos os setores da sociedade. Ao respeitar e incluir a pessoa que nos é diferente nós mostramos que somos cidadãos conscientes. Segundo Puente-Palacios, Seidl e Silva:

 

A vivência da diversidade deve ser percebida tanto na condição de diferencial competitivo, como também enquanto oportunidade de convivência interpessoal. A cada dia estamos mais inseridos em um cenário onde pessoas diferentes se encontram, logo, a capacidade de aproveitar as vantagens dessa diversidade é uma necessidade. (2008, p. 87).

 

Travestis e transexuais são tão capazes e competentes quanto as outras pessoas, mas o fato de assumirem suas identidades de gênero perante a sociedade promove a intolerância. Assumir a diversidade é se apresentar como responsável diante da realidade social. É demonstrar que respeitar as diferenças humanas gera integração entre as pessoas e crescimento em todos os setores da sociedade. O que não pode haver em nossa sociedade é o julgamento de pessoas apenas pelas características físicas exteriores, reprimindo uma série de direitos e servindo de entrave inclusive para sua mantença, para sua contratação profissional.

Nascimento faz a seguinte afirmação:

 

“As possibilidades de inserção no mercado de trabalho para as transgêneros são mínimas; mesmo nas situações em que estas executem atividades tidas como femininas, não são consideradas mulheres e pela ambiguidade são alvos de preconceitos por parte da sociedade. Considera-se que a questão da diversidade é colocada a dupla dificuldade enfrentada pelas transgêneros, pois é difícil para a mulher entrar no mercado de trabalho, e ter as mesmas condições trabalhistas e salariais do homem, o desafio aumenta para a travesti.” (NASCIMENTO, 2003, p.37).

 

De acordo com Almeida e Vasconcellos (2018), a utilização do nome social tem significado uma grande barreira para o acesso ao mercado de trabalho formal e também da permanência em um emprego, já que o desrespeito ao nome social ocorre tanto na fase de seleção pelo confronto com dados contidos em registro civil quanto no próprio ambiente de trabalho pela discriminação por conta do nome social, sendo o desrespeito a ele uma das manifestações mais comuns de preconceito contra a população transgênero.

Outro elemento que existe como desafio para a inserção das travestis, mulheres transexuais e homens transexuais no mercado de trabalho é seu próprio corpo. Muitas são imediatamente reconhecidas  fazendo com que as pessoas transexuais encontrem empecilhos no acesso ao mercado de trabalho.

Frisamos sempre que a melhor forma de combater intolerância e preconceito é com conhecimento, e a falta de contratação de pessoas transexuais é pura desinformação.

 

Para se harmonizar com a sociedade o indivíduo visto como fora da norma é pressionado a se adequar ao padrão de gênero hegemônico. O preço dessa adequação é altíssimo, pois envolve custos significativos de privação do exercício de direitos. Assumir a diferença é estar condenado aos espaços marginais da sociedade, é considerar a marginalidade como normalidade (Saraiva, 2012).

 

É possível dizer que os corpos são moldados através da “imitação prestigiosa” (GOLDENBERG, 2011). O corpo, em diversas medidas, é a matéria prima a ser moldada para a expressão de si. Larissa Pelúcio (2005, p.98) cita o caso das travestis, que podem passar por etapas que envolvem maquiagem, remoção de pelos, ingestão de hormônios, uso de vestuário entendido como feminino e injeção de silicone.

 

No Brasil não existem dados estatísticos sobre verdadeiro número de travestis, transexuais e transgêneros com vínculo empregatício, que poderiam nos dar uma visão do quão cruel é o mercado de trabalho com transgêneros, levando muitos à informalidade

Ainda de acordo com Abrahão:

 

“De um modo geral, em nossa sociedade, há a promoção de um único padrão, eleito como o normal, o bom, o belo, o correto e, em torno deste padrão único são planejadas todas as coisas, dos espaços arquitetônicos aos benefícios oferecidos aos empregados, da comunicação aos produtos, serviços e atendimento oferecidos aos clientes. Por várias razões, em nosso país, esse padrão de normalidade tem sido masculino, heterossexual, branco, sem deficiência, adulto, magro, católico, entre outros atributos que se confundem com os de normalidade, moralidade, beleza e capacidade para decidir e liderar as organizações. Com base nesse padrão único se formam os estereótipos, surgem preconceitos e práticas de discriminação que nem mesmo são reconhecidas como tais, uma vez que o correto é ter o perfil deste padrão.” (ABRAHÃO, 2014).

 

Ao questionarmos algumas empresas sobre a presença de profissionais transgêneros, o departamento de pessoal afirmou que não existe na folha a separação de transexuais e travestis. Nas fichas cadastrais de empregados, existe a limitação aos campos de preenchimento para as opções Feminino e Masculino, ainda não possuindo espaço para cadastro de informações relativas à identidade de gênero.

Deveria haver maior capacitação das pessoas responsáveis pela área de Recursos Humanos das empresas, para que aprendam a lidar com pessoas transexuais. Tal atenção deve ocorrer tanto no momento da contratação e das entrevistas quanto ao longo do tempo, com a permanência dessas pessoas em seus empregos. A tomada de decisão em relação à contratação é tarefa que se reveste de grande responsabilidade, onde os gestores devem ser altamente profissionais, deixando de lado seus preconceitos e juízo de valor.

Vale (2007, p. 55) é claro em mencionar que:

 

“a injúria em relação a travestis e transgêneros aproxima-se da injúria racista”.

 

Trata-se de uma questão de identidade de pessoas associada às suas vivências sociais e culturais de um gênero diferente daquele que lhes foi atribuído quando nasceram e que requer aceitação social.

Limitar o trabalho das travestis e transexuais às categorias profissionais convencionadas como apropriadas a elas, faz com que estas pessoas se sintam à mercê da marginalização, deixando de inseri-las na sociedade e fazendo com que a coletividade fique livre da obrigação de ocupar-se com esse grupo de modo diferente do admitido pela tradição. O local onde elas podem trabalhar então, é definido não por elas, travestis e transexuais, mas pelos padrões dominantes; ficando restritas às áreas de atuação profissional em que são aceitas ou menos rejeitadas pela sociedade.

 

  1. Aspectos relacionados à inclusão das pessoas transexuais e travestis no mercado de trabalho e na sociedade

Mesmo com a implantação de politicas voltadas a inclusão e valorização da diversidade nas organizações, o preconceito velado se faz presente no ambiente de trabalho em forma de humor. Isso demonstra o quanto é difícil para as organizações efetivarem essas politicas em ambientes onde colegas de trabalho agem de forma preconceituosa por meio de piadas e comentários jocosos. Assim, a valorização da diversidade passa fazer parte do discurso, mas não na prática das organizações. (IRIGARAY, 2010)

 

A necessidade de políticas públicas e de conscientização da sociedade é imprescindível, pois o Brasil não possui uma legislação própria para a inclusão desse grupo.

Segundo o escritor Sergio Suiama (2012):

 

Uma estratégia jurídica de caráter inclusivo deveria, em primeiro lugar, garantir soluções jurídicas a todas as pessoas que se encontram sob o chamado “guarda-chuva transgênero”: transexuais pré e pós-operados, transexuais que escolheram não se submeter a procedimentos cirúrgicos, cross dressers, travestis.

 

O termo guarda-chuva transgênero citado pelo escritor demonstra que não é há apenas uma definição de pessoa transgênero, pois engloba as pessoas que já realizaram a cirurgia, as que estão em processo de mudança ou que optaram por não realizá-la.

Adelmam faz a seguinte argumentação acerca da absorção dos transgêneros no mercado de trabalho:

 

“Basta uma rápida olhada nos anúncios de emprego para deixar claro que o mercado de trabalho possui uma estrutura segmentada pelo gênero-definido pela dicotomia convencional homem/ mulher. Muitos valores subjetivos e avaliações estão embutidos nesta divisão- sobre aquilo que um homem ou uma mulher pode ou deve fazer. Pessoas com uma ambiguidade de gênero poderiam causar confusão e sentir rejeição, por não se encaixarem facilmente nos nichos que existem no mercado de trabalho. A mesma ambiguidade pode ser vista como algo capaz de perturbar o desempenho da função, principalmente num mundo onde muitas ocupações se exercem vinculadas à apresentação e conservação da imagem.” (ADELMAN, 2003, p. 83-84)

 

Em se tratando de estabelecer a igualdade para as pessoas transgêneros é necessário se remontar a Constituição Cidadã, especialmente no artigo 1º, inciso II e III que apresenta a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos do Estado Democrático de Direito; o artigo 3º que traça os objetivos da República, dentre eles o inciso IV que busca “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, bem como o artigo 5º, I que assegura a igualdade formal de todas e todos perante a lei. Esses artigos constitucionais interpretados junto a outros dispositivos internacionais e infraconstitucionais constituem uma base jurídica que veda a distinção odiosa de qualquer natureza.

O princípio da não discriminação no trabalho está previsto em vários documentos legais, como no artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH):

 

Artigo 7º. Todos são iguais perante a lei e, sem qualquer discriminação, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

 

São necessárias políticas públicas que visem a efetivação dos direitos civis, políticos e sociais das travestis e transexuais. O preconceito e a discriminação persistem inviabilizando a inserção destas pessoas no mercado de trabalho.

 

Adelman (2003) observa que o mercado já possui uma segregação ocupacional de gêneros, ou seja, profissões específicas para cada gênero, porém, além dessa segregação existe uma outra, mesmo que de forma velada, quando o assunto é transgênero, pois segundo a autora os empregadores encaram os transgêneros como ambíguos, não possuindo assim, espaço nesse mercado segregado.

 

Para uma parte das empresas, ser trans é uma barreira para o ingresso e permanência na instituição. Muitos ambientes profissionais aceitam funcionários transgêneros com a premissa que estes não “se revelem” trans, ou seja, podem permanecer no cargo caso continuem a adotar seus nomes antigos e os banheiros que sempre utilizaram.

As empresas dependem das pessoas e suas respectivas habilidades para atingir o sucesso organizacional. Porém, identidade de gênero, orientação sexual e aparência estão arraigadas na cultura trabalhista,  criando enorme discriminação às travestis e aos transexuais frente às vagas de emprego.

Mesmo enfrentando resistências, as travestis e transexuais alcançaram grandes conquistas no Brasil, pois têm o direito à mudança de nome e gênero sem necessidade de processo judicial, à cirurgia de redesignação sexual pelo Sistema Único de Saúde, à aplicação da lei Maria da Penha e do feminicídio para as mulheres transgêneras, e a utilização do banheiro de acordo com a identidade de gênero.

O mais importante nesta temática abordada é ter consciência de que pessoas que se identificam com alguma das expressões da transgeneralidade encaram um primeiro desafio: reconhecer a si mesmas e ter muita coragem para se apresentar aos outros da forma como se identificam. Independente do gênero, cada pessoa tem seu tempo. Essa atitude não é simples de se tomar, nem fácil de pôr em prática, porém é necessária, para que elas possam ser quem são por inteiro, e viver integralmente, exteriormente, como ela é por dentro, seja na aceitação social e/ou profissional.

 

Conclusão

No presente artigo, buscou-se investigar as principais dificuldades enfrentadas pelas travestis e transexuais, para buscar emprego e serem inseridas no mercado de trabalho formal. O estudo constatou que, apesar da luta e da evolução no sentido de se construir uma sociedade mais justa e igualitária, ainda são muitos os casos de discriminação e preconceito para com estas pessoas também no mercado de trabalho, o que impede o processo de entrada das mesmas no mercado de trabalho formal. Valorizar a diversidade, especificamente, a diversidade sexual, significa reconhecer que há pessoas, que desqualificam, ridicularizam, intimidam e atacam a moral e a sua autoestima, até promover modificações no planejamento estratégico do negócio.

Constatamos que a construção da identidade das travestis e transexuais têm uma relação maior com questões sociais, com as experiências culturalmente construídas, bem como com relação aos reconhecimentos sociais.

As empresas que se engajarem nesse assunto estarão colaborando para um futuro melhor no Brasil. Onde há espaço para o diferente, há a troca produtiva entre as pessoas e o trabalho é um direito garantido a todos os cidadãos brasileiros. Uma consequência dessa abertura dos negócios à diversidade é ter mais opções para recrutamento, e também pode favorecer a empresa em termos de reputação pois a diversidade e inclusão são favoráveis para os negócios; já que há pessoas que veem esse tipo de política como indicador do compromisso da empresa de ser um lugar acolhedor para se trabalhar. Quanto aos recrutadores e responsáveis pelo processo de seleção nas empresas, estes devem se ater somente a dados relevantes e inerentes ao cargo desejado pelo candidato potencial, deixando de lado perguntas que visem identificar sua sexualidade ou características de sua vida particular.

Por ser um tema polêmico, não é possível uma solução estritamente jurídica sobre o assunto tendo em vista que se trata de uma questão cultural. Entretanto, as ações promovidas como a elaboração de cartilhas, palestras, projetos de lei e de organizações assistenciais promovem ações capazes de transformar, ainda que de forma incipiente, a realidade enfrentada por esse grupo.

Dar espaço para trans, travestis e pessoas diversas é possibilitar que estas ocupem o recinto, que é delas dentro da sociedade; criando cada vez mais oportunidades para pessoas na mesma situação.

Deve-se destacar que muito se tem evoluído acerca dessas discussões, no entanto, a sociedade e o Estado em seus discursos pregam o fim desse preconceito, mas nem sempre estimulam ações em prol dessa minoria. Políticas públicas de educação voltadas para princípios de igualdade de gênero, políticas de profissionalização dessas minorias, alterações legais quanto ao uso do nome social e revisões na lista de patologias psíquicas também poderiam se mostrar como possibilidades de atenuação dos problemas aqui apresentados.

 

Referências

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Âmbito Jurídico

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