A recente inovação legislativa nos crimes tributários e contra a Previdência Social introduzida pela Lei n° 12.382/11

Resumo: Trata-se de abordagem crítica acerca da repercussão das alterações do artigo 83 da Lei n° 9.430/96, inseridas no bojo da Lei do Salário Mínimo (Lei n° 12.382/11), tendo em vista o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do parcelamento e extinção da punibilidade dos crimes tributários ante o pagamento, seja ela anterior ou posterior ao recebimento da denúncia.


Palavras-chave: Crimes tributários, parcelamento, pagamento e extinção da punibilidade.


Abstract: It’s critical approach about the impact of changes in the article 83 of Law number 9.430/96, set in the midst of the Minimum Wage Law (Law number 12.382/11), in view of the doctrinal and jurisprudential understanding about the fragmentation and extinction of criminal liability for crimes against the tax payment, be it before or after the receipt of the complaint.


Sumário: 1. Parcelamento. 2. Pagamento Integral dos Débitos. 3. Intertemporalidade. 4. Caso específico da apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A). Referências Bibliográficas


Introdução


A inclusão dos parágrafos primeiro a sexto no art. 83 da Lei n° 9.430/96, inserida no bojo da nova lei do salário mínimo (Lei n° 12.382/11), repercute em diferentes searas do procedimento dos crimes tributários e dos delitos contra a Previdência Social, no que se refere ao parcelamento dos débitos, a saber, (a) no inquérito policial; (b) na representação fiscal para fins penais; (c) no oferecimento da denúncia; e (d) no processamento da ação penal.


1. Parcelamento


A representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento (Lei n° 9.430/96, art. 83, § 1°). Note-se o avanço na legislação, embora já resolvido pela jurisprudência, ao possibilitar expressamente à pessoa física a inclusão no regime de parcelamento.


Com efeito, embora haja o entendimento de que a representação fiscal para fins penais não se trata de peça indispensável ao oferecimento da denúncia, na prática, denota-se tratar-se de peça essencial à ação penal, em decorrência da riqueza de detalhes e notório conhecimento técnico dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil em matéria tributária. Tal fato praticamente inviabiliza a instauração da ação penal, pois, para que haja recebimento da denúncia, necessária a comprovação de prova da materialidade e de indícios de autoria, a primeira, por sua vez, resta prejudicada sem o envio ao MPF da representação fiscal para fins penais. Assim, enquanto não rescindido o parcelamento, não deverá tramitar inquérito policial, bem como restará inviabilizado o oferecimento da denúncia, pois não será remetido ao MPF a referida representação fiscal, obstaculizando, dessa forma, a instauração da ação penal. Nesses casos, a pretensão punitiva do Estado, bem como a prescrição penal restarão suspensas, tanto em relação aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137/90, quanto em relação e aos delitos contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal, nos termos dos §§ 2° e 3° do art. 83 da Lei n° 9.430/96.


Todavia, caso o pedido de parcelamento venha a ser formalizado após o recebimento da denúncia, não há que se falar em suspensão da pretensão punitiva do Estado, consoante a exegese do § 2° do art. 83 da Lei n° 9.430/96. O intuito do legislador em não suspender o andamento da ação penal após o recebimento da denúncia, mesmo tendo sido formalizado e concedido o parcelamento, fica evidenciado no referido § 2°. Contudo, em que pese haja vedação legal, como visto na interpretação jurisprudencial dada às legislações pretéritas no que toca ao parcelamento de débitos tributários, é possível que os Tribunais Superiores concedam interpretação benéfica aos réus para suspender o andamento da ação penal, bem como a prescrição da pretensão punitiva, enquanto não rescindido o parcelamento, mesmo que o pedido venha a ser formalizado após o recebimento da denúncia.


A propósito, o Ministro Marco Aurélio Mello, no julgamento do HC 85.661/DF, proferido em 18/12/2007, sintetizou o entendimento do STF em relação à matéria:


“Assim, a mais alta Corte deste país, harmonizando as diversas disposições legislativas sobre o tema, firmou entendimento no sentido de que o parcelamento do débito fiscal possui os seguintes efeitos penais: a) suspensão da pretensão punitiva do Estado e da prescrição, na sua vigência, e b) extinção da punibilidade do agente, após o adimplemento integral da dívida. Tal se verifica, por exemplo, no julgamento do HC 90591/SP, em 27/02/2007; do RHC 89.618/RJ, em 06/02/2007; do AI-AgR 607906/SC, em 26/09/06, e do RHC 89.152/SC, em 29/08/2006.”


2. Pagamento integral dos débitos


Por outro lado, questão igualmente complexa surge com a redação do parágrafo sexto do art. 83 da Lei n° 9.430/96 no que se refere especificamente ao pagamento. Se por um lado o legislador deixa claro que será extinta a punibilidade do agente caso efetue o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia (fazendo referência expressa ao art. 34 da Lei n° 9.249/95), por outro o legislador nada refere acerca da extinção da punibilidade caso o tributo e seus acessórios sejam pagos após o recebimento da peça inicial acusatória no permissivo legal do § 4° do art. 83 da Lei n° 9.430/96. O legislador corrigiu a redação confusa do referido art. 34 que trazia a expressão que causou celeuma na jurisprudência “promover o pagamento” e inseriu no § 6° do art. 83 da Lei n° 9.430/96 “efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento” não deixando dúvidas acerca da necessidade de se pagar integralmente o débito parcelado, inclusive acessórios, para que seja extinta a punibilidade do agente.


Com efeito, o § 4° do art. 83 da Lei n° 9.430/96 praticamente reproduz o disposto no art. 69 da Lei n° 11.941/09, todavia refere-se apenas a débitos oriundos de tributos, mas não se refere às contribuições sociais. Impende ressaltar que o citado art. 69 é o diploma legal atualmente vigente no que se refere ao pagamento de débitos tributários. Portanto, como a ADI n° 3.002, que questionava a constitucionalidade do art. 9° da Lei nº 10.684/2003, perdeu o objeto, pois o referido artigo foi tacitamente revogado ante a superveniência do art. 69 da Lei n° 11.941/09, o mesmo deve ocorrer com a ADI n° 4.273, que foi ajuizada em 21/07/2009, pelo Procurador Geral da República (CF, art. 103, VI) e, por sua vez, questiona a constitucionalidade dos art. 67, 68 e 69 da Lei n° 11.941/09, extensível aos §§ 1° e 2° do art. 9° da Lei n° 10.684/03. Contudo, a ação direta de inconstitucionalidade, que foi distribuída ao Ministro Celso de Mello, pende de julgamento.

Quanto ao pagamento integral ocorrido após o recebimento da denúncia, seja ele por meio de parcelamento seja em uma única parcela, o STF possui o entendimento de que o § 2º do art. 9º da Lei 10.684/03 criou uma causa extintiva da punibilidade ao pagamento do débito tributário a qualquer tempo, independentemente de ser antes ou depois do recebimento da denúncia, podendo ser, inclusive, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Como o referido diploma legal foi tacitamente revogado pelo § 2° do art. 69 da Lei n° 11.941/09, e este pelo § 4° do art. 83 da Lei n° 9.430/96, os quais também prevêem a extinção da punibilidade frente ao pagamento sem conter restrição alguma de que o pagamento ocorra antes do recebimento da denúncia, o entendimento da Suprema Corte não deve sofrer alterações frente à inovação legislativa.


Além disso, em todas as recentes leis acerca do parcelamento de tributos, há previsão expressa de que a extinção da punibilidade ocorrerá com o pagamento integral dos débitos tributários inscritos no programa de parcelamento (Lei nº 9.964/00, art. 15, § 3º; 10.684/03, art. 9º, § 2º; Lei nº 11.941/09, art. 69, caput e agora com o § 4° do art. 83 da Lei n°9.430/96).


A suspensão do andamento da ação penal ante ao parcelamento, assim como a extinção da punibilidade frente ao pagamento integral a qualquer tempo, evidenciam o intuito estatal no sentido de que: “em matéria de crime contra a ordem tributária, verifica-se que, na essência, o Estado não quer a punição do infrator, mas almeja receber o valor do tributo, mantendo o padrão satisfatório da arrecadação” Nucci (2007, p. 868).


3. Intertemporalidade


Todavia, por se tratar de lei mais gravosa (lex gravior ou novatio legis in pejus), somente terá aplicação a inovação legislativa aos crimes cometidos após 01/03/2011 (data do início da vigência da Lei n° 12.382/11, nos termos do art. 7°), em respeito ao disposto no inciso XL do artigo 5° da Carta Magna. Dessa forma, aos crimes cometidos até 28/02/2011, terá o acusado direito à suspensão do andamento do feito, caso concedido o parcelamento, independentemente de ter havido ou não o recebimento da denúncia na ação penal, assim como será declarada extinta a sua punibilidade caso efetue o pagamento integral do tributo, independentemente de ocorrer antes ou depois do recebimento da peça inicial acusatória.


4. Caso específico da apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A)


Por outro lado, segundo BALTAZAR, pp. 31-32, ”o STF, em uma decisão um tanto confusa, na qual a leitura dos debates revela que a questão de fundo foi apenas tangenciada, acabou por publicar acórdão no qual se afirmou na ementa, que o crime em questão é material, o que pode conduzir a equívoco, mas não traduz, salvo melhor juízo, mudança na orientação anterior, no sentido de que se trata de crime omissivo puro (Inq-AgR 2537/GO, Marco Aurélio, PI, u. 10.03.08). Todavia, em que pese a prudente ressalva, o aludido precedente fez com que o STJ alterasse seu entendimento anterior no qual entendia que o crime de apropriação indébita providenciaria trata-se de crime formal e não exige à sua caracterização, ou como condição objetiva de punibilidade, o exaurimento de procedimento na via administrativa para instauração da ação penal (STJ, Quinta Turma, HC 200802591259, Relator Jorge Mussi, DJE 25/05/2009) para o recente entendimento no sentido de que “o crime de apropriação indébita previdenciária é espécie de delito omissivo material, exigindo, portanto, para sua consumação, efetivo dano, já que o objeto jurídico tutelado é o patrimônio da previdência social, razão porque a constituição definitiva do crédito tributário é condição objetiva de punibilidade, tal como previsto no art. 83 da Lei 9.430/96, aplicável à espécie (HC 102.596/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe 12/04/2010). Nesse sentido: (STJ, HC 137.761/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 07/12/2010, DJe 14/02/2011).

Desse modo, em que pese o atual entendimento dos Tribunais Superiores no qual reputam a necessidade de aguardar-se a decisão final em esfera administrativa para que haja justa causa para instauração da ação penal, no caso específico do parcelamento, há vedação legal para sua concessão em relação ao crime de apropriação indébita previdenciária (Lei n° 10.666/03, art. 7°), o que é corroborado pela exegese do novo § 5° do art. 83 da Lei n° 9.430/96, incluído pela Lei n° 12.382/11. Todavia, é firme o entendimento dos Tribunais Superiores no sentido de que, caso concedido o parcelamento, mesmo que haja vedação legal, faz jus o investigado/réu ao trancamento do inquérito policial ou à suspensão do andamento da ação penal, com a consequente extinção da punibilidade caso efetue o pagamento integral do débito, nos termos do § 2° do art. 9° da Lei n° 10.684/03 (STF, HC 85452/SP, Grau 1ª T., u., 17/05/05; STJ, Resp, 700082/RS, Arnaldo Lima, 6ª T., m., 20/10/05; STJ, RHC 16218/SP, Naves, 6ª T., u., 27/10/05).


Nesse sentido, é o entendimento de José Paulo Baltazar Junior, na obra Crimes Federais, 6ª Ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2010, p.59:


“Sendo considerado, de outro lado, revogado o art. 34 da Lei n° 9.249/95 e superada a interpretação jurisprudencial que emprestava ao parcelamento, com base em tal dispositivo o efeito de extinção da punibilidade imediata, tem-se que, para o delito do art. 168-A do CP somente o pagamento integral tem o efeito de determinar a extinção da punibilidade. Quer dizer, na literalidade da lei, ao contrário do que se dá com os crimes tributários objeto da Lei 8.137/90 e do art. 337-A do CP, o parcelamento não teria o efeito de determinar a suspensão da puniblidade em caso de apropriação indébita previdenciária, o que somente seria alcançado com o pagamento integral, a qualquer tempo, por força do § 2° do art. 9° da Lei 10.684/03. Sendo assim, o regime da extinção da punibilidade do crime de apropriação indébita é mais severo do que aquele previsto para a sonegação previdenciária (CP, art. 337-A) e para os crimes contra a ordem tributária previstos na Lei 8.137/90.”


 


Referências bibliográficas:

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 2 ed, São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007.

BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 6ª Ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2010.

Informações Sobre o Autor

Ricardo Brun Souza

Técnico Judiciário/Oficial de Gabinete da Vara de Execuções Fiscais e Criminal da Justiça Federal do Rio Grande do Sul; Pós Graduando em Direito Tributário pelo Instituto Anhanguera – LFG.


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