Direito Processual Civil

A Relevância Dos Precedentes Vinculantes na Garantia da Tutela Jurisdicional, Conforme o Novo Código de Processo Civil

Nardilane Vieira Mamede [1]

Igor de Andrade Barbosa [2]

 

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RESUMO: Esta pesquisa tem por escopo discorrer sobre a relevância dos precedentes vinculantes na garantia da tutela jurisdicional, de acordo com o novo Código de Processo Civil. Para empreendermos nesta análise, se faz necessário referir-se aos sistemas Common Law e Civil Law e como a doutrina do stare decisis influencia no novo código positivado. O problema de pesquisa indaga sobre quais as influências dos precedentes vinculantes na garantia da tutela jurisdicional e como a utilização dos precedentes trazem a eficiência, eficácia e segurança jurídica aos jurisdicionados. Para isso, foi utilizada a metodologia qualitativa dedutiva explicativa consistente em pesquisas bibliográficas, artigos científicos, leis, com fito de corroborar com a pesquisa. Trataremos quanto aos conceitos, de modo que, serão abordados princípios constitucionais, bem como o princípio da segurança jurídica e do livre convencimento motivado do juiz. Sendo assim, pode-se concluir que a alteração legislativa com o novo Código de Processo civil ocorreu a adoção da doutrina do stare decisis e a utilização dos precedentes judiciais, instrumentos utilizados pelo sistema common law, foram incorporados no sistema jurídico pátrio como forma de buscar a segurança jurídica, estabilidade nas decisões e eficiência e eficácia na duração do processo.

Palavras-chave: Precedentes vinculantes; Common Law; Civil Law; Stare decisis; Segurança Jurídica.

 

ABSTRACT: This research has as scope to discuss the relevance of binding precedents in guaranteeing judicial protection, according to the new  Civil Procedure Code. To undertake this analysis, it is necessary to refer to the Common Law and Civil Law systems and how the stare decisis doctrine influences the new positived code. The research problem investigates what influences of binding precedents in guaranteeing judicial protection and how the use of precedents bring efficiency, effectiveness and legal certainty to the courts. For that, the qualitative deductive methodology was used as explanatory consisting of bibliographical research, scientific articles, laws, in order to corroborate with the research. We will deal with concepts, so that constitutional principles will be addressed, as well as the principle of legal certainty and free convincing of the judge. Thus, it can be concluded that the legislative amendment with the new Civil Procedure Code took place the adoption of the doctrine of stare decisis and the use of judicial precedents, instruments used by the common law system, were incorporated into the legal system as a search form legal certainty, stability in decisions and efficiency and effectiveness in the duration of the process.

Keywords: Judicial Precedents; Common Law; Civil Law; Stare decisis; Judicial Security

 

Sumário: Introdução – 1 Considerações acerca dos sistemas Common Law e Civil Law e a doutrina do Stare Decisis – 2 Precedentes no Código de Processo Civil: uma análise das técnicas de distinção e superação dos casos-precedentes – 3 Os precedentes judiciais como obtenção de segurança jurídica – Considerações finais

Summary: Introduction – 1 Considerations on Common Law and Civil Law systems and the doctrine of Stare Decisis – 2 Precedents in the Code of Civil Procedure: an analysis of the techniques of distinction and overcoming of precedent cases – 3 Legal precedents such as obtaining judicial security  – Final considerations.

 

INTRODUÇÃO

Inicialmente, cumpre destacar que o Código de Processo Civil de 1973 não disciplinava, em sua publicação original, a obrigatoriedade das decisões judiciais se basearem em jurisprudências dos tribunais superiores. Tal fenômeno surgiu com as reformas no extinto CPC/73, cujo efeito obstativo nas revisões das decisões começava a despontar. Sendo assim, já se vislumbrava uma ascensão dos precedentes com tais modificações no CPC/73.

Uma importante alteração trazida pela reforma no extinto CPC/73, veio com a edição da Lei nº 10.352/2001, que criou o parágrafo 3º do artigo 475, cuja alteração dispensava o reexame necessário quando a sentença estivesse fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em Súmula deste tribunal ou tribunal superior.

Além dessas alterações, uma novidade implantada foi o incidente de recursos repetitivos, que consistia em um incidente processual surgido diante de vários recursos especiais que se fundamentavam em uma mesma controvérsia ou recursos extraordinários que tratavam sobre o mesmo tema em sede de repercussão geral. Tais recursos sobrestavam os julgamentos individuais até que fosse decidido uma mesma solução para todos1.

Sendo assim, conforme Zaneti Jr (2017),

a teoria dos precedentes procura conferir racionalidade ao sistema, garantindo a aplicação da constituição e das leis, mesmo quando interpretações ativistas dos juízes procurem negar vigência e validade aos direitos nela previstos.

Cumpre ressaltar que essas modificações traziam em seu bojo uma valorização dos precedentes que buscavam a otimização do processo de trabalho dos julgadores diante do aumento do número de processos.

Diante de um quadro de incertezas e falta de uniformização dos julgados, o legislador preocupou-se em incorporar no novo Código de Processo Civil elementos do sistema Common Law com vistas a uniformização das jurisprudências, reafirmando, assim, os princípios do contraditório e da fundamentação das decisões judiciais, visando a obtenção de segurança jurídica.

Para a elaboração dessa pesquisa, a metodologia empregada foi a qualitativa dedutiva descritiva consistente nas pesquisas bibliográficas utilizando livros, artigos e leis acerca dos assuntos abordados para que se possa analisar, contudo, a segurança jurídica que se pretende com a implantação dos precedentes vinculantes no novo Código de Processo Civil.

 

  1. CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS SISTEMAS COMMON LAW E CIVIL LAW E A DOUTRINA DO STARE DECISIS

Não se pretende realizar um estudo de direito comparado para demonstrar o surgimento de ambos os sistemas e as particularidades de cada e nem demonstrar de forma aprofundada de que maneira influenciou o sistema jurídico pátrio. O que se pretende com a pesquisa é caracterizar a influência dos precedentes nas decisões judiciais e como afetam diretamente a segurança jurídica.

O sistema jurídico pátrio é baseado no sistema Civil Law, de tradição romano-germânico, sistema este que possui a lei como principal fonte do direito, sendo o juiz considerado como “BOUCHE DE LA LOI”, ou seja, em uma tradução literal, a boca da lei, aquele que diz a lei. Sendo assim, o processo de interpretação da lei, não é muito utilizado no sistema Civil Law, cabendo ao judiciário aplicar o que a legislação define, consequentemente, não há o surgimento de muitos precedentes.

Já no sistema Common Law, de tradição anglo-saxã, o direito se apresenta utilizando os costumes, usos e precedentes, ou seja, os juízes afirmam o direito como costumeiro, e as decisões produzidas servem como fontes para novos casos1. O julgador cria uma norma que é construída com base na tese jurídica daquele caso em concreto e que servirá para orientar os futuros casos semelhantes. Para Marinoni (2009, p.30),

O que realmente varia do civil law para o common law é o significado que se atribui aos Códigos e à função que o juiz exerce ao considerá-los. No common law, os Códigos não tem a pretensão de fechar os espaços para o juiz pensar; portanto, não se preocupam em ter todas as regras capazes de solucionar os casos conflitivos.

Cumpre ressaltar que, em 1803, no direito norte americano ocorreu o caso Marbury vs. Madison trazendo uma revolução no sistema jurídico dos Estados Unidos da América, pois foi com esse julgamento que a Suprema Corte trouxe o controle judicial da constitucionalidade, “dando ao poder judiciário daquele país uma relevância ainda maior que a originária do common Law inglês”. (ZANETI JÚNIOR, 2017)

Insta salientar que o sistema Common Law possuía como fonte do direito, primeiramente, somente os costumes gerais, sendo que os precedentes judiciais tomaram corpo e começaram a ser considerados como fontes com eficácia vinculante apenas no século XIX, por meio do stare decisis.

Sendo assim, no Common Law as decisões dos juízes partem de um precedente relacionado ao caso, e com isso, presume-se que haja uma coerência e equidade e, sobretudo, segurança jurídica em tais decisões visto que deve ser seguido a doutrina do stare decisis.

Dessa forma, o termo stare decisis é uma forma simplificada da expressão stare decisis et non quieta movere, que significa “respeitar as coisas decididas e não mexer no que foi estabelecido”, ou seja, com a utilização da doutrina do stare decisis busca-se uma igualdade nas decisões judiciais, por meio da utilização do efeito vinculante dos precedentes.

Para Marinoni (2009),

Esta relação entre a natureza constitutiva da decisão judicial e o stare decisis conduziu a três mitos: i) o common law não existe sem o stare decisis; ii) o juiz do common law, por criar o direito, realiza uma função absolutamente diversa da do seu colega do civil law; e o iii) o stare decisis é incompatível com o civil law.

Ressalta-se ainda que não se deve confundir common law e stare decisis, sendo que o esse é entendido como os costumes gerais e existiu sem stare decisis e rules of precedent e o stare decisis é um elemento do moderno common law. (Marinoni, 2009)

Com a adoção do stare decisis determinou-se a vinculação horizontal, traduzindo-se em manutenção pelo próprio tribunal das decisões passadas e, consequentemente, a vinculação vertical, onde os juízes e tribunais inferiores devem obediência às decisões proferidas pelos tribunais superiores.

No Brasil, segundo Zanetti Jr (2017), ocorreu a recepção constitucional da tradição anglo-saxã por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, “no qual se deu a recepção mitigada do stare decisis como regra de previsibilidade das decisões dos tribunais brasileiros, conferindo maior igualdade”.

Não há o que se falar que com a adoção do stare decisis o juiz tenha se tornado um legislador, há diferenças primordiais no trabalho de ambos, pois cabe ao juiz e/ou tribunal decidir e tal decisão deve vir acompanhada de uma justificativa, o que não ocorre para o legislador. Ademais, há o sistema check and balances (pesos e contrapesos) que traduz-se em um controle recíproco entre os poderes.

A sedimentação dos direitos fundamentais como normas positivadas na Constituição foi possível dada a trajetória histórica na luta por esses direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, e culminou para a existência do Estado Constitucional Social.

 

  1. PRECEDENTES NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: UMA ANÁLISE DAS TÉCNICAS DE DISTINÇÃO E SUPERAÇÃO DOS CASOS-PRECEDENTES.

Conceitualmente, precedente é a decisão judicial efetuada diante de um caso concreto, que poderá servir como direcionamento para futuros julgamentos de casos semelhantes. E não se confunde com jurisprudência, visto que direito jurisprudencial se refere à repetição de decisões reiteradas. Outrossim, os precedentes judiciais são percebidos como o resultado das normas estabelecidas oriundas de um caso e suas circunstâncias e jurídicas (ZANETI JÚNIOR, 2017). Conforme Didier (2017, p.505):

O precedente é composto pelas: a) circunstâncias de fato que embasam a controvérsia; b) tese ou princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi) do provimento decisório; c) argumentação jurídica em torno da decisão.

Faz-se necessário esclarecer que apesar de fazer referência à obrigatoriedade do precedente, o que tem caráter persuasivo é a ratio decidendi, ou seja, os fundamentos jurídicos que embasam a decisão (DIDIER JÚNIOR, 2016). Segundo Didier (2017, p.506):

Ao decidir um caso, o magistrado cria (reconstrói), necessariamente, duas normas jurídicas. A primeira, de caráter geral, é fruto da sua interpretação; compreensão dos fatos envolvidos na causa e da sua conformação ao Direito positivo: constituição, leis, etc. A segunda, de caráter individual, constitui a sua decisão para aquela situação específica que se lhe põe para a análise.

Sendo assim, pode-se afirmar que o CPC/2015, em seu artigo 489, §1º, inciso V, aponta que para se extrair a ratio decidendi deve-se identificar os fundamentos determinantes, que compreendem os fatos e a solução obtida que foram estabelecidos pelo caso-precedente. Salienta-se que constitui vício na motivação judicial aquela decisão que se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos.

Uma vez que foi identificada a ratio decidendi, ou seja, os fundamentos determinantes, aqueles argumentos que não forem fundamentos determinantes são considerados argumentos sem efeitos vinculantes, chamados obiter dictum. Conforme Didier (2017, p. 508):

É o argumento jurídico, consideração, comentário exposto apenas de passagem na motivação da decisão, que se convola em juízo normativo acessório, provisório, secundário, impressão ou qualquer outro elemento jurídico-hermenêutico que não tenha influência relevante e substancial para a decisão.

Dessa forma, o obiter dictum é considerado um argumento acessório, podendo ser mencionado de forma incidental, mas que não seja totalmente irrelevante, pois pode se tornar, futuramente, uma orientação (NEVES, 2016).

O sistema de precedentes brasileiro é, de certa maneira, sui generis, visto que quando é aplicado de forma reiterada, acaba se transformando em jurisprudência, e caso haja uma predominância desta no tribunal, pode ocorrer a criação de um enunciado na súmula da jurisprudência. Para Didier (2017, p.555) “há, pois, uma evolução: precedente – jurisprudência – súmula. São noções distintas, embora umbilicalmente ligadas”.

Como o Código de Processo Civil adotou a teoria dos precedentes judiciais, fez-se necessário a consagração de dois fenômenos, quais sejam, o distinguishing, que se trata da distinção, e o overruling, que busca a superação. Apesar de fenômenos necessários para a correta aplicação dos precedentes, apenas o overruling foi positivado com o CPC/15, em seu artigo 927, §§2º a 4º. Conforme Neves (2016, p. 1317):

Ainda que a regulamentação não tenha restado consagrada no Novo Código de Processo Civil, é importante a análise do dispositivo legal não consagrado que ainda poderá doutrinariamente auxiliar na compreensão do fenômeno.

O distinguishing é uma técnica que ocorre quando o órgão julgador distingue o caso que está sob julgamento, dessa forma, o uso do precedente judicial não seria aplicado, pois haveria uma demonstração fundamentada que se trata de hipótese, que poderá ser fática ou questão jurídica, distinta daquela do precedente.

O uso de tal técnica é um dever do órgão julgador, amparado no princípio da igualdade. Segundo o Enunciado nº 306 do Fórum Permanente de Processualistas Civil, “a distinção se impõe na aplicação de qualquer precedente, inclusive os vinculantes”. Dessa forma, pode-se concluir que o juiz diante de um determinado caso, cabe a ele a interpretação também do precedente para analisar a sua adequação ao caso concreto.

Sendo assim, conclui-se, conforme Didier (2017, p. 561):

O distinguishing é (…) exatamente o método pelo qual se faz essa comparação/interpretação (distinguish – método). Se, feita a comparação, o magistrado observar que a situação concreta se amolda àquela que deu ensejo ao precedente, é o caso então de aplicá-lo ou de superá-lo, mediante sério esforço argumentativo.

Não menos importante do que a técnica de distinção, temos ainda as técnicas de superação, que são basicamente duas, quais sejam, o overruling e o overriding. Há de se considerar que a técnica de superação é mais extrema do que a distinção, pois com a referida técnica o precedente não mais se apresenta como fonte vinculante (NEVES, 2016).

O overruling é uma técnica onde o tribunal deixa de utilizar o precedente, ou seja, o mesmo perde o caráter vinculante, e é substituído (overruled) por outro precedente. Insta salientar que não se confunde com o overriding, pois nesse, segundo Neves (2016, p. 1318) “o tribunal apenas limita o âmbito de incidência de um precedente em função de superveniência de regra ou de princípio legal”.

O sistema jurídico brasileiro admite que a superação (overruling) de um precedente aconteça de forma difusa ou concentrada. A superação de forma difusa ocorre em qualquer processo que caiba a superação do processo anterior, e tem como vantagem que qualquer um possa cooperar para a revisão de tal entendimento.

Já a forma concentrada ocorre quando um procedimento autônomo é instaurado para a revisão de entendimento já firmado, e temos como exemplo, o pedido de revisão ou cancelamento de súmula vinculante e também o pedido de revisão de tese consolidada em incidente de resolução de demandas repetitivas. Conforme Didier (2017, p.566):

A decisão que implicar overruling exige como pressuposto uma carga de motivação maior, que traga argumentos até então não suscitados e a justificação complementar da necessidade de superação do precedente.

Contudo, o novo Código de Processo Civil, apesar de exigir que a superação do precedente seja fundamentada e considere o princípio da segurança jurídica, não estampou qualquer regra para a justificativa do entendimento superado. Sendo assim, entendemos que qual seja o motivo da superação, apenas o tribunal que o fixou tem a competência para superar o seu entendimento. (NEVES, 2016)

 

  1. 3. OS PRECEDENTES JUDICIAIS COMO OBTENÇÃO DE SEGURANÇA JURÍDICA

Há uma constante busca pela segurança por parte do ser humano, seja financeira, trabalho, afetiva, etc, e a segurança jurídica faz parte dessa busca incessante. No sistema Civil Law, a segurança jurídica é efetivada por meio de leis positivadas no ordenamento jurídico, sendo que o juiz se limita a aplicar o que está codificado.

Já no Common Law, a segurança jurídica é invocada por meio dos precedentes judiciais, que por meio de interpretações e racionalidade chega-se à coerência das decisões de acordo com o caso concreto. No Brasil, com o novo Código de Processo Civil, há um sistema híbrido, abrangendo características de ambos sistemas. Segundo Zaneti Júnior. (2017, p.395):

A eliminação do “livre” convencimento judicial (art. 371), a fundamentação adequada (489, §1º), a justificação interna e externa, fática e jurídica, com exigências para utilização da ponderação como método de solução da colisão entre normas (at. 489, §2º) e os deveres de estabilidade, coerência e integridade (art. 926), são exemplos de exigências interpretativas do novo diploma que vão muito além do modelo legalista e da interpretação-formalista.

Ressalta-se ainda que, com a evolução do direito, a função da jurisdição desempenha uma importante missão de caráter público com o intuito de pacificação social. Dessa forma, o intuito ao se instaurar uma lide é obter uma solução para o conflito demandado, onde o juiz, atuando em nome da sociedade, garante o Estado Democrático do Direito. (THEODORO JUNIOR, 2017)

A Constituição Federal traz estampado no artigo 5º, inciso LV que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa como os meios e recursos a ela inerentes”, consagrando, assim, o Princípio do Contraditório e Ampla Defesa. Tal princípio é de suma importância visto que é por meio dele que a parte tem o conhecimento dos atos judiciais para que possa se posicionar diante dos acontecimentos processuais.

Atrelado ao princípio supracitado e de igual importância temos a motivação das decisões, exposto no artigo 489 do Código de Processo Civil, que se materializa com a demonstração do raciocínio que foi desenvolvido para se chegar àquela conclusão exposta na decisão. O novo CPC ainda prevê que “não será considerada fundamentada a decisão que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou de superação de entendimento”. (NEVES, 2016).

Sendo assim, o legislador preocupou-se, sobretudo, com a uniformidade e a segurança que a decisão judicial traz a quem procura a resolução de uma lide, principalmente, em casos semelhantes. Dessa forma, o artigo 489, inciso V, § 1º, traz a exigência de se identificar que o caso-precedente utilizado para justificar a decisão judicial se amolda àquele caso especificamente.

Contudo, o viés da insegurança jurídica se materializa no momento em que os Tribunais brasileiros não se preocupam em manterem a integralidade e coerência em suas decisões, nem ao menos a manutenção de seu próprio entendimento jurisprudencial. Sendo assim, diante desse cenário o legislador preocupou-se em alterá-lo e com o CPC/15, artigo 926, instituiu que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

Insta salientar que com o Código de Processo Civil de 2015 instituiu-se também, com o artigo 927, os entendimentos que deverão ser adotados pelas demais instâncias, são eles: (a) as decisões do Supremo Tribunal Federal – STF em controle concentrado de constitucionalidade, (b) os enunciados de súmula vinculante, (c) os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, (d) os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça – STJ em matéria infraconstitucional e (e) orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

A segurança jurídica é um princípio estampado na própria Constituição Federal de 1988, e constitui-se em um direito fundamental ao cidadão, ou seja, a certeza jurídica é o que move o cidadão ao buscar a tutela do seu direito frente ao judiciário. Segundo Theodoro Jr. (2002, p. 127):

A incerteza jurídica provocada pelo litígio é um mal não apenas para as partes em conflito, mas para toda a sociedade, que se sente afetada pelo risco de não prevalecerem no convívio social as regras estatuídas pela ordem jurídica como garantia de preservação do relacionamento civilizado.

Há de se considerar ainda que o princípio da segurança jurídica está umbilicalmente ligado ao princípio da igualdade, pois para demandas que versem sobre o mesmo assunto e fato (treat like cases alike), necessário se faz que haja identidade nas decisões. Dessa forma, pode-se concluir que a igualdade é a base da segurança jurídica, particularmente em relação ao respeito aos precedentes (BARBOZA, 2011).

O Estado Constitucional de Direito tem por fundamento o tratamento igualitário e isonômico das pessoas em face à lei, seja essa formal ou material. Dessa forma, conforme Barboza (2011, p. 207):

Não é admissível que o direito seja interpretado de maneiras diferentes em casos similares, isso é uma afronta não só ao princípio da segurança jurídica, mas também ao princípio da igualdade garantido na Constituição. Veja-se que a uniformidade do direito nas decisões judiciais é parte essencial da igualdade de tratamento em casos essencialmente similares, e que, portanto, devem ser julgados de acordo com uma interpretação similar e estável do direito.

A utilização dos precedentes judiciais não traz somente segurança jurídica aos casos analisados, mas também a eficácia nos julgamentos, pois há a redução do tempo de duração dos processos e diminuição da sobrecarga na análise processual.

Ressalta-se que a utilização dos precedentes não implica, necessariamente, em uma atuação mecânica e irracional do juiz, visto que cada precedente necessita ser meticulosamente analisado e interpretado para que seja extraído a sua ratio decidendi, tanto quanto o confronto com a demanda em questão. Segundo Barboza (2011, p.207),

Não se defende aqui que o princípio da igualdade exija que haja uma adesão estrita ou cega aos precedentes, mas deve-se ter em vista que as pessoas, segundo o princípio da equidade, têm direito a ser tratadas com igual consideração e respeito, devendo, portanto, se decidir aplicando-se não necessariamente a decisão anterior ou sua ratio, mas os princípios que a fundamentaram.

No Brasil, o sistema de Controle de Constitucionalidade pode ser exercido por via difusa ou também chamada de via incidental, ou seja, aquele exercido por vários órgãos, e que foi originado nos Estados Unidos da América no notável caso de Marbury vs. Madison, e também tem-se o controle por via concentrada, aquele exercido por um único órgão.

Insta salientar que no controle difuso a intenção primordial do processo é a proteção dos direitos subjetivos suprimindo, assim, a controvérsia jurídica trazida com a lide e a norma que se deseja impugnar. Para tanto, deve-se observar a cláusula de reserva de plenário, conforme disposto no artigo 97 da Constituição Federal de 1988.

Com a publicação da Lei nº 9.756/1998 houve uma mitigação da cláusula de reserva de plenário, pois ocorreu um acréscimo do parágrafo único no artigo 481 do extinto CPC/73. Conforme Masson (2017, p. 1182)

Mitigando a regra da reserva de plenário ao estabelecer que depois que o plenário (ou órgão especial) do Tribunal ou plenário do STF já tiver decidido o incidente de inconstitucionalidade, não será mais necessário que os órgãos fracionários, nos casos subsequentes, submetam a mesma questão ao pleno ou ao órgão especial. Bastará que eles apliquem a decisão anteriormente prolatada pelo órgão pleno ou especial do Tribunal, ou pelo plenário do STF.

No atual Código de Processo Civil houve uma modificação discreta em relação ao supracitado e o mesmo nos traz no artigo 949,

CPC, art. 949. Se a arguição for:

I – rejeitada, prosseguirá o julgamento;

II – acolhida, a questão será submetida ao plenário do tribunal ou ao seu órgão especial, onde houver.

Parágrafo único.  Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.

Corroborando com o exposto, o Supremo Tribunal Federal, em um dos julgados mais relevantes, decidiu que mesmo se declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma lei, essa decisão também terá efeito vinculante e erga omnes. A fim de evitar anomias e fragmentação da unidade, o Supremo entendeu que se deve atribuir à decisão proferida em sede de controle incidental (difuso) a mesma eficácia da decisão tomada em sede de controle abstrato, aplicando, assim a tese da abstrativização do controle de constitucionalidade na via incidental.

Dessa forma, conforme o artigo 535, parágrafo 5º do novo Código de Processo Civil reforça o tratamento uniforme supracitado:

Art. 535.  A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir:

III – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

  • 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

Sendo assim, com a utilização da doutrina do stare decisis, além de garantir estabilidade e segurança, há uma promoção da estabilidade, previsibilidade e eficiência no ordenamento jurídico brasileiro. Seguir tal doutrina não significa um engessamento dos precedentes, pelo contrário, mesmo pelas possibilidades de distinção e superação ainda se garante a segurança jurídica.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise depreendida por meio dessa pesquisa, percebe-se uma reconstrução a partir da apreciação dos sistemas common law e civil law e como o sistema jurídico pátrio ao fundir os dois sistemas supracitados pode ser considerado um país com um sistema jurídico híbrido e que preocupa-se com a garantia dos direitos fundamentais.

Sendo assim, a utilização dos precedentes fundamenta-se em técnicas de interpretação e  não subtrai, de forma alguma, o trabalho de julgamento e interpretação do juiz diante do caso-concreto e caso-paradigma, visto que há a justificação de todas as decisões judiciais, em conformidade com o princípio do livre convencimento motivado.

Ademais, ao se procurar o judiciário busca-se uma resolução de uma lide, e para lides com situações similares faz-se necessário um tratamento isonômico, com vistas a garantir o Estado Constitucional de Direito, mantendo a isonomia e uniformidade para tais casos.

O legislador ao incorporar no artigo 927 do novo Código de Processo Civil o uso dos precedentes preocupou-se com a uniformidade e a segurança que a decisão judicial traz a quem procura a resolução de uma lide, principalmente, em casos semelhantes, eliminando, assim, o viés da insegurança jurídica  que se materializa na não preocupação dos Tribunais em manterem a integralidade e coerência em suas decisões, nem ao menos a manutenção de seu próprio entendimento jurisprudencial.

Percebe-se uma clara evolução do sistema jurídico pátrio que preocupa-se em manter uma uniformidade nos julgamentos e, sobretudo, uma segurança jurídica por meio da utilização dos precedentes vinculantes.

Contudo, por ser uma inovação trazida com a publicação do novo Código de Processo Civil faz-se necessário aguardar a construção que será estabelecida com a utilização dos precedentes pelos Tribunais, utilizando-se da doutrina trazida pelo stare decisis, para que  interprete e aplique o Direito de forma igualitária e equivalente para casos semelhantes e garanta, assim, a segurança jurídica, eficiência e eficácia no sistema jurídico brasileiro.

 

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[1] Acadêmica do curso de Direito pela Faculdade Católica do Tocantins. E-mail: nardimamede@hotmail.com.

[2]     Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo Programa de Mestrado em Direito pela Universidade Cândido Mendes – UCAM. Defensor Público Federal de 1ª categoria na Defensoria Pública da União no Estado do Tocantins. Professor de Direito da Faculdade Católica do Tocantins.

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