Resumo: A relação da religião com a Constituição do Império é muito íntima, aquela era oficializada nessa, o catolicismo nesse período era constitucionalizado. Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa é elencar e explicar o conteúdo religioso da Carta. Utilizou-se como metodologia a pesquisa em fontes bibliográficas doutrinárias, legais, normativas e uma multidisciplinar. Conclui-se, portanto, que o fato de o credo católico ser oficial, não retirava as prerrogativas do poder político, que deveria garantir a ordem e a soberania nacional, e, por isso, esse sistema religioso sofria ingerências do Estado. Fora as intervenções, a crença compunha as juras oficiais, e tinham proteção estatal, tanto para a mantença de sua oficialidade constitucional, quanto para impedir a perseguição religiosa aos que respeitassem a religião do Estado.
Palavras-chave: Constituição do Império; Religião oficial; Poder político.
Abstract: The relationship of religion with the Constitution of the Empire is very intimate, that was officialized in that, Catholicism in that period was constitutionalized. In this sense, the objective of this research is to list and explain the religious content of the Charter. The methodology used was research in doctrinal, legal, normative and multidisciplinary bibliographic sources. It is concluded, therefore, that the fact that the Catholic creed is official, did not remove the prerogatives of political power, which should guarantee national order and sovereignty, and, therefore, this religious system suffered interference from the State. Apart from the interventions, the belief was part of the official vows, and they had state protection, both to maintain their constitutional authority, and to prevent religious persecution of those who respected the state religion.
Keywords: Constitution of the Empire; Official religion; Political power.
Sumário: Introdução. 1. Características da Constituição de 1824. 2. Das Citações Diretas à Religião Católica. 2.1 Na Apresentação e na Introdução do Texto Constitucional. 2.2 No Artigo em que Oficializa o Catolicismo. 2.3 Na Dispensa da Religião para a Naturalização Brasileira. 2.4 No Procedimento para a Promulgação das Leis. 2.5 Na Exclusão do Direito de Votar. 2.6 No Impedimento para ser Nomeado Deputado. 2.7 No Rol das Atribuições do Imperador. 2.8 Nas Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos. 2.9 Nos Juramentos. 3. Das Citações Indiretas à Religião Católica. 3.1 Nos Juramentos dos Membros das Câmaras. 3.1.1 Juramento dos Deputados. 3.1.2 Juramento dos Senadores. 3.2 Nos Crimes de Responsabilidade dos Ministros de Estado. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Segundo levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisas Datafolha, neste ano, o número de católicos entre os brasileiros é representado por 50% da população, evangélicos são 31% e os que não têm religião representam 10% dessa sociedade. Utilizando-se esses contrastes ideológicos do país, quando se trata de vincular religião a determinado Estado, essa união causa divergência de opiniões, a ponto de se fomentar um debate “polêmico” acerca da laicidade. Muito se fala sobre a evolução do Estado brasileiro e sua relação com o catolicismo, e nesse contexto surgem muitas colocações errôneas sobre o tema, o que induz a construção de um cenário polarizado, ignorante, e, por vezes radical.
Partindo dessa ideia, o objetivo deste trabalho é auxiliar na busca da verdade, por uma perspectiva positivista em torno da Carta Imperial e sua expressa confessionalidade. O ponto inicial dessa pesquisa é a Constituição Brasileira de 1824, o autor preferiu começar pelo documento maior, haja vista ele dever ser o mais respeitado, e como nele também estava alocado o Poder Moderador, considerado a “chave de toda a organização política”, há segurança jurídica para basear-se na Magna Carta.
A metodologia jurídica empregada nesse trabalho teve enfoque em fontes bibliográficas doutrinárias, legais, normativas e uma multidisciplinar. A procura dos escritos foi incessante, mas deu-se por meio de doutrinas constitucionais mestras, Uadi Lammêgo Bulos e José Afonso da Silva, ambos traziam em suas referências a base necessária, se não a principal, para a realização dessa pesquisa.
Com o intuito de melhor compreensão do exposto, inicialmente tratar-se-á das características da Constituição Imperial, com enfoque no Poder Moderador. Em seguida, será abordado as citações diretas à religião, todo e qualquer conteúdo religioso previsto no texto constitucional será exposto nesse tópico. Por fim, as citações indiretas à religião, não expressas na Constituição o teor religioso, mas, com o aval dela puderam ser desenvolvidas.
Conforme discorre Pedro Lenza (2019, p. 194):
Após ter declarado a Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, Dom Pedro I convoca, em 1823, uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, com ideais marcadamente liberais, que, contudo, vem a ser dissolvida, arbitrariamente, tendo em vista a existência de divergências com os seus ideais e pretensões autoritários.
Em substituição (da Assembleia Constituinte), D. Pedro I cria um Conselho de Estado para tratar dos “negócios de maior monta” e elaborar um novo projeto em total consonância com a sua vontade de “Majestade Imperial”.
Um trecho inicial da Constituição Política do Império do Brasil diz “Manda observar a Constituição Politica do Imperio, offerecida e jurada por Sua Magestade o Imperador” (BRASIL, 1824). Uadi Lammêgo (2014, p. 491) explicitava que a Constituição Imperial teria sido jurada em 25 de março de 1824, e que foi influenciada pelas ideias de Clemont Tonerre e Benjamin Constant, principalmente com a instituição do Poder Moderador, que surgiu para o Imperador manter-se no trono.
Ainda de acordo com Uadi (2014, p. 491):
As ideias de Benjamin Constant deram azo à concepção de um poder moderador entre os poderes estatais. Daí a sua frase: “la chef de toute organisation politique”. Essa máxima fixou-se na Carta Imperial: “O Poder Moderador é a chave de toda a organização política” (art. 98).
A Constituição do Império foi outorgada, “e foi, dentre todas, a que durou mais tempo, tendo sofrido considerável influência da francesa de 1814. Foi marcada por forte centralismo administrativo e político, tendo em vista a figura do Poder Moderador, constitucionalizado, e também por unitarismo e absolutismo” (LENZA, 2019, p. 194).
Em relação à posição da Igreja, José Afonso disserta(2015, p. 250):
Quanto à relação Estado-Igreja, três sistemas são observados: a confusão, a união e a separação, cada qual com gradações. Mal nos cabe dar notícias desses sistemas aqui. Na confusão, o Estado se confunde com determinada religião; é o Estado teocrático, como o Vaticanoe os Estados islâmicos. Na hipótese de união, verificam-se relações jurídicas entre o Estado e determinada Igreja no concernente à sua organização e funcionamento, como, por exemplo, a participação daquele na designação de ministros religiosos e sua remuneração.Foi o sistema do Brasil Império.
Não obstante, Marco Aurélio comenta (2010, p. 3):
A Carta de 1824 institui o catolicismo como religião oficial do Estado brasileiro recém-independente. Durante todo o período imperial, a união entre o Estado e a Igreja Católica seria determinante para a legitimidade do Regime monárquico, repercutindo diretamente na cidadania e na vida cotidiana dos brasileiros. Ao lado do regime escravista, a religião católica colocava-se como um dos grandes sustentáculos da cultura e das estruturas política, social, econômica e jurídica da sociedade brasileira do século XIX. Uma eventual crise da religião católica implicaria, por conseguinte, o abalo dos próprios alicerces daquela sociedade.
A Constituição do Império demonstra de forma explícita seu viés religioso, desde a apresentação da Carta não há critérios para a introdução cristã no texto, a ordem era de pouca importância, mais valia a referência que a organização, mais o conteúdo que a forma. Malgrado o desprezo estético, foi marcadamente claro seu objetivo, ter uma religião oficial no documento maior, maior era a importância dessa crença, maior era a sua liberdade, e maior também era a ingerência estatal. Nesse primeiro momento tratar-se-á das aparições expressas referentes à religiosidade, ao passo que, em segundo momento, serão tratadas as referências implícitas.
Parte inicial da Constituição Imperial (BRASIL, 1824):
DOM PEDRO PRIMEIRO, POR GRAÇA DE DEOS, e Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brazil : Fazemos saber a todos os Nossos Subditos, que tendo-Nos requeridos o Povos deste Imperio, juntos em Camaras, que Nós quanto antes jurassemos e fizessemos jurar o Projecto de Constituição, que haviamos offerecido ás suas observações para serem depois presentes á nova Assembléa Constituinte mostrando o grande desejo, que tinham, de que elle se observasse já como Constituição do Imperio, por lhes merecer a mais plena approvação, e delle esperarem a sua individual, e geral felicidade Politica : Nós Jurámos o sobredito Projecto para o observarmos e fazermos observar, como Constituição, que dora em diante fica sendo deste Imperio a qual é do theor seguinte:
EM NOME DA SANTISSIMA TRINDADE.
Explica bem essa disposição inicial Marco Aurélio (2010, p.2), ao dissertar que:
De acordo com o texto preambular, Dom Pedro I é apresentado como Imperador pela “graça de Deus e unânime aclamação dos povos”. Observe-se que, no caso, a ordem dos fatores é indicativo claro de uma hierarquia legitimadora: a legitimação do poder político vem, primeiramente, de Deus. Acresce-se ao preâmbulo, na parte introdutória da Constituição, o dístico que a anuncia, em caixa alta: “EM NOME DA SANTÍSSIMA TRINDADE”. A menção de frase tão grandiosa, à guisa de intróito, tem o efeito de uma verdadeira pedra angular: é a partir daquele ponto que será erguida a sociedade política. Os seus fundamentos reduzem-se a um só: à Vontade Divina.
A Constituição do Império, em seu artigo 5º, caput, diz que “A Religião CatholicaApostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo” (BRASIL, 1824).
Partindo da análise de José Scampini (1974, p. 79):
Quando as aspirações da independência começaram a alentar a alma dos nossos antepassados, já o Brasil era católico; tão católico que a Constituição Política de 1824, o Pacto Fundamental do Império, não fez senão reconhecer esse fato, prescrevendo no artigo 5º: “A religião católica, apostólica, romana, continuará a ser a religião do Império.
Ainda, José Afonso (apud Pontes de Miranda, 2015, p. 249), expõe que a liberdade de culto consiste em manifestar-se em casa ou em público. De acordo com Afonso, a religião não é(2015, p. 249):
Simples contemplação do ente sagrado, não é simples adoração a Deus. Ao contrário, ao lado de um corpo de doutrina, sua característica básica se exterioriza na prática de ritos, no culto, com suas cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidades aos hábitos, às tradições, na forma indicada pela religião escolhida.
E continua (2015, p. 249):
A Constituição do Império não reconhecia a liberdade de culto com essa extensão para todas as religiões, mas somente para a católica, que era a religião oficial do Império. As outras eram toleradas apenas “com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo” (art. 5º).
Segundo Pimenta Bueno (1857, p. 455), “A naturalisação é um acto, um contractopolitico, pelo qual o estrangeiro deixa sua nacionalidade anterior e adquire uma nova, passa a ser membro da sociedade que prefere e que o adopta”.
A Carta Imperial em seu artigo 6º, parágrafo V, não impõe como condição para ser cidadão brasileiro a religião, para tanto, deixa expressamente claro que, “São Cidadãos Brazileiros: Os estrangeiros naturalisados, qualquer que seja a sua Religião. A Lei determinará as qualidades precisas, para se obter Carta de naturalisação” (BRASIL, 1824).
Parte-se primariamente do conceito de promulgação, que de acordo com a Agência Senado (2019): “É o instrumento que declara a existência da lei e ordena sua execução”. Ou seja, para declarar a existência da lei, deve-se seguir a fórmuladada no artigo 69, caput, (BRASIL, 1824):
Art. 69. A formula da Promulgação da Lei será concebida nos seguintes termos – Dom (N.) por Graça de Deos, e Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brazil: Fazemos saber a todos os Nossos Subditos, que a Assembléa Geral decretou, e Nós Queremos a Lei seguinte (a integra da Lei nas suas disposições sómente): Mandamos por tanto a todas as Autoridades, a quem o conhecimento, e execução do referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir, e guardar tão inteiramente, como nella se contém. O Secretario de Estado dos Nogocios d…. (o da Repartição competente) a faça imprimir, publicar, e correr.
A Constituição Imperial inclui o rol dos que não podem votar nas Assembleias Paroquiais em seu artigo 92, entre os excluídos nos períodos de votação, especificamente no parágrafo 4º estão “Os Religiosos, e quaesquer, que vivam em Communidade claustral” (BRASIL, 1824), mas como já ressaltado, essa Carta inclui a referência religiosa sem preocupação com a forma, neste caso, mero destaque, visto que a causa “da suspensão dos direitos políticos” é viver em um claustro, independente do vínculo religioso (ANTÔNIO, JOSÉ, 1857, p. 484).
No artigo 95, diz-se que “Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se”, como dito, existe algumas exceções para não ser hábil à tornar-se Deputado, dentre as quais destaca-se a do parágrafo 3º, que exclui “Os que não professarem a Religião do Estado” à nomeação. (BRASIL, 1824). Professar a religião oficial tornou-se essencial para compor o quadro dos deputados à época, de acordo com Pimenta Bueno (1857, p. 54):
As condições de nacionalidade por nascimento e da profissão da religião do Estado são fundadas em razões politicas attendiveis. Um estrangeiro naturalisado, que, aliás póde ser senador, ver-se hia por ventura em maior conflicto na câmara dos deputados entre a sua pátria actual e a anterior; uma maioria que professasse outra religião pelo menos desejaria a reforma do art. 5º da constituição.
Vê-se, porém, que a ideia de professar a religião do Estado está ligada ao fato de permanecer com a redação do art. 5º da Carta Imperial, sem modificá-la, exigiu-se esse critério para que não houvesse a possibilidade de mudança constitucional.
Em referência ao juramento prestado pelo Imperador, ele compromete-se por meio da declaração à “proteger a religião do Estado, sua crença, sua moral, seu culto, zelar da sua pureza e não consentir que seja ofendida”. Desta atribuição derivam-se outras três, nesse trabalho apenas duas serão abordadas (SCAMPINI, JOSE, 1954, p. 84).
A primeira é a nomeação dos bispos, queé uma das “principaes attribuições” do Imperador, de acordo com o artigo 102, parágrafo 2º da Carta Imperial (BRASIL, 1824). Ocorre “independente do direito do padroado imperial e de concordata com a Santa Sé, esta atribuição é conferida ao Poder Executivo pela Constituição”, esse direito do padroado é “o conjunto de privilégios com certas incumbências que, por concessão da Igreja, correspondem aos fundadores católicos de uma igreja, capela ou beneficio ou também a seus sucessores”. Entre os privilégios dessa instituição destaca-se o direito de apresentação de arcebispos e bispos” (SCAMPINI, JOSÉ, 1974, p. 84).Scampini ainda afirma que (1974, p. 85-86):
Os comentários à Constituição do Império são concordes em afirmar que os direitos e as regalias inerentes ao padroado, passaram ao Estado como pertencentes à soberania nacional, como função majestática própria do governo civil em defesa de suas prerrogativas e da liberdade dos cidadãos.
E continua (SCAMPINI, JOSÉ, 1974, p. 86):
Além das funções espirituais, os bispos, os párocos e mais empregados eclesiásticos exercem também funções civis de alta importância; eles influem sobre a moral do povo, sobre a instrução religiosa, sobre a direção social.
Era, pois, necessário que o poder público, que deve manter os bons costumes, a segurança e a tranqüilidade nacional, tivesse o impreterível direito de reconhecer e preferir os sacerdotes que por suas virtudes e conhecimentos oferecessem as garantias necessárias, que não viessem a perturbar a ordem pública, levantando conflitos ou dificuldades. O Poder Executivo nomeava os bispos, e o papa dava-lhes a confirmação.
E conclui afirmando que essa atribuição do Imperador, dada pela Constituição, “foi causa de conflitos permanentes entre a Igreja e o Estado durante o Império” (SCAMPINI, JOSÉ, 1974, p. 86).
Já a segunda atribuição trata-se de “Conceder, ou negar o Beneplacito aos Decretos dos Concilios, e Letras Apostolicas, e quaesquer outras Constituições Ecclesiasticas que se não oppozerem á Constituição; e precedendo approvação da Assembléa, se contiverem disposição geral” (BRASIL, 1824).
O beneplácito “supõe a necessidade do assentimento estatal para que possam vigorar ao menos no foro externo, os atos da autoridade eclesiástica”, em outras palavras, cabia ao governo denegar ou autorizar o que a Igreja queria praticar. “Os decretos dos concílios, letras apostólicas e quaisquer outras constituições eclesiásticas, pois, não podiam ter execução no Império, quando contivessem disposição geral, sem prévia aprovação da Assembléia”, e tratando-se das “disposições particulares não contrárias à Constituição, os citados documentos eram submetidos tão-somente ao beneplácito do Poder Executivo”.Ainda aduz o autor que, a aprovação ou beneplácitoé “atribuição inauferível do poder político, de sua inspeção e responsabilidade pela ordem e bem-estar social. Portanto, é mister que o poder eclesiástico não invada e não usurpe os direitos da soberania nacional” (SCAMPINI, JOSÉ, 1974, p. 87-88).
José Afonso brilhantemente explana que (2015, p. 251):
Em verdade, não houve no Império liberdade religiosa, pois, se o culto católico gozava de certo privilégio e podia realizar-se livremente, muitas restrições existiam quanto à organização e funcionamento da religião oficial, a ponto de se reconhecer, hoje, que ela era uma religião “manietada e escravizada pelo Estado, através da sua intervenção abusiva na esfera da Igreja”.
Em suas “Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos”, do Título 8º, no artigo 179, parágrafo 5º, garante que “Ninguem póde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Publica” (BRASIL, 1824). Como expressamente garante a Carta, “ninguém pode ser perseguido”, constituindo crime a perseguição religiosa, de acordo com o Código Criminal do Império, com tipificação no artigo 191,“Perseguir por motivo de religião ao que respeitar a do Estado, e não offender a moral publica” (IMPÉRIO, 1830).
Os artigos em que se encontram os juramentos na Carta são o 103, 106, 127 e 141, conforme se expõe (BRASIL, 1824):
Art. 103. 0 Imperador antes do ser acclamado prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento – Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, a integridade, e indivisibilidade do Imperio; observar, e fazer observar a Constituição Politica da Nação Brazileira, e mais Leis do Imperio, e prover ao bem geral do Brazil, quanto em mim couber.
Art. 106.0 Herdeiro presumptivo, em completando quatorze annos de idade, prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento – Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, observar a Constituição Politica da Nação Brazileira, e ser obediente ás Leis, e ao Imperador.
Art. 127. Tanto o Regente, como a Regencia prestará o Juramento mencionado no Art. 103, accrescentando a clausula de fidelidade na Imperador, e de lhe entregar o Governo, logo que elle chegue á maioridade, ou cessar o seu impedimento.
Art. 141. Os Conselheiros de Estado, antes de tomarem posse, prestarão juramento nas mãos do Imperador de – manter a Religião Catholica Apostolica Romana; observar a Constituição, e às Leis; ser fieis ao Imperador; aconselhal-o segundo suas consciencias, attendendo sómente ao bem da Nação.
O imperador, o herdeiro presuntivo, o regente, a regência e os conselheiros de Estado deveriam jurar, em seu tempo e na devida ocasião, manter a religião católica, e como já ressaltado, atribuição essa do poder executivo, a mantença significava a proteção, o zelo, e a garantia de que não fosse ofendida.
Nessa linha, explana Marco Aurélio (2010, p.2):
O art. 103 dispõe que a aclamação do Imperador deverá ser precedida por um juramento seu perante as Câmaras do Senado e dos Deputados, comprometendo-se a manter a religião católica romana e a integridade do Império e, ainda, a fazer respeitar a Constituição e demais leis da nação brasileira. Neste artigo, o elenco de bens a serem protegidos também sugere uma ordem hierárquica: primeiro a Igreja Católica, depois o Império, e, finalmente, a Constituição e as demais leis. Ou seja, Deus, o poder político e o direito.
Em se tratando do imperador, herdeiro presuntivo (conforme artigo 105, caput, também chamado de “Principe Imperial”), regente e regência, o juramento é recebido pela Assembleia Geral, conforme consta no artigo 15, parágrafo 1º, que é de sua atribuição “Tomar Juramento ao Imperador, ao Principe Imperial, ao Regente, ou Regencia” (BRASIL, 1824). Ratifica Pimenta Bueno que o juramento é (1857, p. 60-61):
E deve ser inseparável de tão alto poder, da mais elevada delegação nacional, da sua majestade. A assembléia geral, representando pois a nação, recebe a consagração do pacto, da promessa solemne e religiosa, que o imperante ante Deos e os homens faz de cumprir tão grandes deveres.
E’ uma renovação do pacto social, uma garantia recíproca sancionada pela invocação do testemunho da Divindade, uma condição sem a qual não haveria direitos, nem obrigações entre a nação e o throno, pois que seu implemento deve preceder á acclamação; é ao mesmo tempo uma augusta identificação do monarca com seu povo.
Visto que nem sempre a Constituição deixará expresso o aspecto religioso, fazem-se necessários os complementos aos quais compõem o objetivo deste trabalho, e por isso, serão apresentados os conteúdos que auxiliarão na clarificação da dimensão religiosa desse Estado confessional.
3.1. Nos Juramentos dos Membros das Câmaras
Tanto os deputados como os senadores prestam juramentos, ocorre que a Constituição de 1824 não delimita sua estrutura, como faz com o juramento do imperador, do herdeiro presuntivo, do regente, da regência e dos conselheiros de Estado. Não obstante, deixa expresso em seu artigo 21 que “A nomeação dos respectivos Presidentes, Vice Presidentes, e Secretarios das Camaras, verificação dos poderes dos seus Membros, Juramento, e sua policia interior, se executará na fórma dos seus Regimentos” (BRASIL, 1824).
Diante do exposto, faz-se necessária a publicidade das juras, visto que nelas contém teor religioso. Conforme expõe Pimenta Bueno (1857, p. 128) que “O juramento exigido dos membros das camaras é mais um vinculo de honra e de religião, que contribue para o inteiro cumprimento de seus importantes deveres”.
3.1.1 Juramento dos Deputados
De acordo com o Regimento interno da Câmara dos Deputados, artigo 17 (1832, p. 8):
Art. 17. Antes da Sessão Imperial da abertura, concorreráõ os Deputados no dia designado pelo Governo á Capella Imperial para assistirem á Missa do Espirito Santo; e depois della (sendo no 1.º anno da Legislatura) prestaráõ nas mãos da Dignidade Ecclesiastica Officiante o juramento seguinte: “Juro aos Santos Evangelhos manter a Religião Catholica, Apostolica, Romana, observar a Constituição, sustentar a indivisibilidade do Imperio, a actual Dinastia Imperante, ser leal ao Imperador, zelar os Direitos dos Povos, e promover quanto em mim couber a prosperidade geral da Nação”.
3.1.2 Juramento dos Senadores
De acordo com o Regimento interno do Senado, artigo 18 (1883, p.7):
Art. 18. Quando o Senador entrar, estarão todos de pé. Dará o juramento de joelhos, findo o qual todos se assentarão. O juramento é do theor seguinte: — Juro aos Santos Evangelhos manter a Religião Catholica Apostolica Romana, observar, e fazer observar a Constituição, sustentar a indivisibilidade do Imperio, a actual Dynastia Imperante, ser leao ao Imperador, zelar os direitos dos povos, e promover quanto em mim couber a prosperidade geral da Nação.
É nítida a necessidade de proteção do sistema religioso, haja vista os membros da Assembleia terem necessidade de jurar sua mantença, e como já exposto, os Deputados tinham de professar tal religião, e com os votos: mantê-la. Tudo para que não houvesse alteração no texto constitucional que afetasse o credo.
3.2. Nos Crimes de Responsabilidade dos Ministros de Estado
De acordo com Pimenta Bueno, a responsabilidade (1857, p. 261-262):
É mesmo um grande refugio contra qualquer equivoco da corôa, um meio de fazer com que ella renuncia a esse desejo; é tambem uma grande defesa da corôa contra o ministro, contra suas seducções ou sua usurpação, ou abusos que ella não autorisou ou que pudera ignorar.
Assim, todas as vezes que um ministro violar a constituição ou as leis, ou seja contra o Estado ou contra os particulares, póde ou deve ser chamado á responsabilidade.
Dentre as responsabilidades ministeriais, a que ocorre por traição está delimitada no artigo 133, parágrafo 1º da Constituição Imperial, inclui a traição contra a religião, conforme explana Pimenta (1857, p. 262):
Posto que a lei regulamentar tivesse o direito de enumerar os casos de responsabilidade ministerial, a constituição julgou conveniente determinar desde logo as classes de crimes pelos quaes os ministros devem ser accusados.
A primeira de suas responsabilidades é a de traição, crime que commettemattentando contra a fórma estabelecida do governo, contra o livre exercicio dos poderes politicos, contra a independencia, integridade, da imperatriz ou de algum dos principes ou princezas da familia imperial, contra a religião nos termos do art. 1º da lei de 15 de Outubro de 1827.
CONCLUSÃO
Ao analisar o aspecto religioso com supedâneo na Constituição Brasileira de 1824, pode-se notar uma clara diferença entre o catolicismo e as outras religiões, aquela gozava de maior prestígio, seus adeptos podiam expressar sua fé em qualquer lugar, quem a respeitasse tinha a possibilidade de proteção do Estado em casos de perseguição religiosa. Era necessário citá-la para assumir o cargo mais alto daquela época, o de imperador, jurar mantê-la só demonstra o quanto importava essa crença naquele período.
Entretanto, nem sempre o catolicismo era prioridade, a nomeação dos bispos e a autorização de beneplácitos são a prova maior de que o bem geral da nação prevalecia ante doutrina cristã, a manutenção da ordem e da segurança importava mais que a liberdade escancarada da Igreja, e nesses pontos, ela era limitada e tinha de aceitar as ordens políticas, tanto que por meio deste trabalho, chegou-se à conclusão de que haviam conflitos por causa dessa conjuntura política direcionada à controlar a organização religiosa. Enfim, concluiu-se com a análise que a religião à época, por mais forte que fosse, estava hierarquicamente abaixo do Poder Moderador, explanando-se ponto a ponto, suas aparições expressas ou não, na Constituição do Império.
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