A Responsabilidade Civil em decorrência das Fake News

Michael de Brito Corrêa: Acadêmico de Direito na Universidade de Gurupi UnirG. E-mail: michaelkbsa@hotmail.com.

Fernando Palma Pimenta Furlan: Professor Especialista em Supervisão e Orientação Educacional pela Faculdade de Educação e Ciências Humanas de Anicuns – GO e em Direito e Processo Civil pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Marabá, E-mail: furlanadvocacia@hotmail.com.

Resumo: A Constituição Federal de 1988 enumera uma série de direitos fundamentais de todo ser humano, e dentre eles está o direito à honra e a imagem do cidadão, que não devem ser objeto de falsas acusações que atentem contra a verdade ou lhes cause consequências negativas perante a sociedade. É com base nessa proteção legal que surgiu os questionamentos acerca da possibilidade de responsabilização pela criação de fake news, conduta esta que não está expressamente regulamentada em Lei e tem ganhado proporções enormes em razão da propagação na internet. Nesse contexto, a pesquisa objetivou discutir, com base no Código Civil e Código de Processo Civil, a possibilidade jurídica de responsabilização civil do agente pela criação ou propagação de fake news. O trabalho científico, que foi elaborado através de pesquisa bibliográfica e exploratória, com análise qualitativa dos materiais coletados, comprovou que a responsabilização civil pela disseminação de fake news é perfeitamente possível quando comprovada a presença dos requisitos gerais de responsabilização previstos nas normas cíveis em vigor.

Palavras-chave: Fake news. Responsabilização civil. Interpretação jurisprudencial.

 

Abstract: The Federal Constitution of 1988 lists a series of fundamental rights of every human being, and among them is the right to honor and the image of the citizen, which should not be the object of false accusations that violate the truth or cause them negative consequences before the society. It is based on this legal protection that questions arose about the possibility of accountability for the creation of fake news, conduct that is not expressly regulated by law and has gained enormous proportions due to the spread on the internet. In this context, the research aimed to discuss, based on the Civil Code and Code of Civil Procedure, the legal possibility of civil liability of the agent for the creation or propagation of fake News. The scientific work, which was elaborated through bibliographical and exploratory research, with qualitative analysis of the collected materials, proved that civil liability for the dissemination of fake News is perfectly possible when proven the presence of the general accountability requirements foreseen in the current civil rules.

Keywords: Fake news. Civil responsibility. Jurisprudential interpretation.

 

Sumário: Introdução. Materiais e Métodos. 1. Os direitos fundamentais à honra e imagem.  2. Fake News: definição e configuração. 3. A Responsabilização Civil no Brasil. 4. A configuração da responsabilidade civil em decorrência de fake news. 5. Interpretação jurisprudencial majoritária. Considerações finais. Referências.

 

Introdução

Existe uma crescente preocupação com a propagação de fake news, isto é, notícias falsas que ofendem a honra das pessoas e podem causar danos a longo prazo em razão da dificuldade em desfazer suas consequências.

Verifica-se que essa prática tem atingido a cada dia um maior número de pessoas em razão da utilização de redes sociais e internet, que permite que um fato ocorrido de uma pequena cidade torne-se notícia em todo o país em questão de minutos.

É comum o compartilhamento de informações sem verificar sua origem e veracidade, situação que pode ensejar a responsabilização dos envolvidos. Por isso se faz essencial a discussão acerca do tema proposto. Nessa linha de pensamento, é necessário conhecer as consequências que a criação de fake news causa à vítima da notícia falsa e também ao agente, que pode ser responsabilizado pela Lei.

O fato é que não existe expressa previsão legal cível acerca das fake news no ordenamento em vigor, do modo que é importante conhecer qual tem sido o posicionamento adotado pela doutrina e jurisprudência para solucionar essa lacuna, ante o princípio da inafastabilidade jurisdicional.

Nesse contexto, a pesquisa objetiva discutir a possibilidade jurídica de responsabilização do indivíduo por propagação de fake News, tendo como base as leis cíveis em vigor.

Para que tal objetivo fosse alcançado, o estudo foi elaborado por meio de pesquisa bibliográfica, através de doutrinas e jurisprudências; com a análise dos conteúdos coletados recentemente que tratem da matéria e que tenham sido publicadas no Brasil.

Após discutida a proteção legal aos direitos fundamentais do cidadão e a caracterização de conduta ofensiva, a pesquisa irá demonstrar como as normas materiais (Código Civil) e processuais (CPC) em vigor são suficientes para a responsabilização cível do agente em decorrência de fake news, a qual pode ser tanto material como moral.

 

Materiais e métodos

Esta pesquisa foi elaborada no município de Gurupi-TO, no primeiro semestre do ano de 2021 e teve como objeto de estudo as pessoas físicas e jurídicas envolvidas na propagação de falsas notícias.

A pesquisa é classificada como bibliográfica, ao passo que ela é desenvolvida tendo como base materiais elaborados por outros autores que já foram publicados, seja em livros ou trabalhos científicos que tenham sido publicados no Brasil nos últimos anos, adquiridos e coletados de forma não onerosa.

Quanto ao seu objetivo, a pesquisa é exploratória, uma vez que ela tem como propósito levar ao conhecimento do leitor as disposições legais sobre a caracterização das fake news e as consequências cíveis que ela enseja para quem dissemina falsas notícias (GIL, 2002). Os dados coletados foram analisados através da técnica de analise qualitativa do texto, com apresentação do resultado de forma textual.

Não houve prévia submissão e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade conforme determina a resolução CNS 466/2012 ante a sua natureza bibliográfica, com a exposição de informações coletas em material já publicado e disponibilizado na literatura.

 

1 Os direitos fundamentais à honra e imagem

A Constituição Federal de 1988, promulgada após a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos, tem como característica a ampla proteção legal aos direitos fundamentais de todo ser humano, que “são os direitos considerados indispensáveis à manutenção da dignidade da pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual” (PADILHA, 2018, p.237).

O caput artigo 5º da Carta Magna, que versa sobre os direitos e deveres individuais e coletivos, dispõe que:

 

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;[…] (BRASIL, 1988)”.

 

O Código Civil Brasileiro os denominam direitos da personalidade, que são intransmissíveis e irrenunciáveis em razão de sua essencialidade para a dignidade humana (BRASIL, 2002). A personalidade é definida por Carlos Roberto Gonçalves como “aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações ou deveres na ordem civil” (GONÇALVES, 2016, p.125).

Nesta linha do raciocínio, Flávio Tartuce define os direitos da personalidade nos seguintes termos:

 

“os direitos da personalidade são, em suma, aquelas qualidades que se agregam ao homem, sendo intransmissíveis, irrenunciáveis, extrapatrimoniais e vitalícios, comuns da própria existência da pessoa e cuja norma jurídica permite sua defesa contra qualquer ameaça. O direito objetivo autoriza a defesa dos direitos da personalidade, que, por sua vez, são direitos subjetivos da pessoa de usar e dispor daquilo que lhe é próprio, ou seja, um poder da vontade do sujeito somado ao dever jurídico de respeitar aquele poder por parte de outrem” (TARTUCE, 2017, p.144).

 

Nesse contexto, o direito personalíssimo à honra é assim definido e classificado por Pablo Solze:

 

“Consiste em um conceito valorativo, que pode se manifestar sob duas formas: honra objetiva (correspondente à reputação da pessoa, compreendendo o seu bom nome e a fama de que desfruta no seio da sociedade); e honra subjetiva (correspondente ao sentimento pessoal de estima ou à consciência da própria dignidade)” (STOLZE, 2018, p. 70).

 

Por sua vez o direito à imagem se refere ao “elo que junge a pessoa à sua expressão externa, tanto no seu conjunto quanto em componentes desmembrados, como olhos, rosto, pernas, boca, nádegas, etc.; é o direito que incide sobre a conformação física da pessoa” (AMARANTE apud PEREIRA, 2010, p. 5).

São esses os principais direitos fundamentais atingidos com a propagação de fake news, já que a sua disseminação ofendem tanto o intimo do indivíduo quanto a sua postura social, isto é, a percepção que os demais fazem acerca do ofendido.

 

2 Fake News: definição e configuração

Antes de adentrar a discussão acerca de seus efeitos no âmbito jurídico, é fundamental conhecer o significado da expressão inglesa “fake news”, pois só assim será possível discutir a sua caracterização e responsabilização segundo as normas jurídicas em vigor.

A expressão “Fake news” é originária da língua inglesa, que na tradução livre para o idioma português significa notícias falsas.

Em uma definição mais completa, Cristiano Sobral ensina que “são notícias falsas em que são utilizados artifícios que lhe conferem aparência de verdade. São geradas pelos meios de comunicação em massa, publicadas com o intuito de enganar, obter ganhos financeiros ou políticos (SOBRAL, 2018, p.1)”.

A divulgação de notícias falsas é um tema que ganhou uma maior visibilidade na atualidade, principalmente durante os períodos eleitorais, com a propagação de fake news de candidatos, que tem grande repercussão em razão da facilidade de propagação na internet, principal ferramenta de divulgação de falsas notícias, justamente pela velocidade em que são divulgadas.

Todavia, estudos apontam que as fake News surgiram Estados Unidos ainda no século XIX, quando começaram a utilizar mentiras com o intuito de atingir finalidades diversas.

 

“Compreendia, naquele contexto como uma deliberada “desinformação” ou imprecisão jornalística mediante jornal impresso, rádio, e televisão com o objetivo de enganar, persuadir ou confundir determinadas pessoas, a fim de alcançar ganhos financeiros ou políticos. Diversas vezes, vinham acompanhadas de títulos sensacionalistas, excessivos ou claramente falsos para atrair a atenção, e se tornam singularmente perigosas quando empregadas com o propósito de manipular a opinião pública, especialmente em anos eleitorais (CORREA, 2019, p.1)”.

 

Atualmente, as fake news exigem para a sua configuração a disseminação de fatos que não condizem com a realidade, isto é, a distorção da realidade com o intuito de prejudicar a vítima da notícia e, com isso, favorecer o criador da mentira.

Ela pode ocorrer com a criação da mentira ou com a ausência do zelo em verificar se os fatos são de fato condizentes com a realidade, conforme explica Glayder Guimarães e Michael Silva:

 

“Fake News representam informações falsas, normalmente sensacionalistas, disseminadas sob o disfarce de reportagens de notícias. Deduz-se, portanto, que a dissimulação realizada quanto a veracidade da informação, isto é, o falseamento do conteúdo propagado, qualifica-se como culpa lato sensu. Outrossim, é possível vislumbrar a culpa stricto sensu, na modalidade imprudência, no que se refere à propagação das Fake News, no caso de replicação das mesmas, isto é, inobservância do dever de verificação da notícia (GUIMARÃES; SILVA, 2019, p. 10)”.[

 

Essas notícias falsas se desdobram em danos às vítimas, que são julgadas por condutas e ideais que não compactuam, motivo pelo qual surgiram discussões legislativas quanto à necessidade de sua previsão legal no ordenamento brasileiro.

Diante da proteção constitucional citada anteriormente, questiona-se a possibilidade jurídica de frear a transmissão de falsas notícias, mesmo que não exista até o momento a expressa regulamentação das fake News no direito brasileiro, já que o princípio da inafastabilidade jurisdicional impede que a afronta a direitos permaneçam sem a apreciação do Judiciário.

 

3 A Responsabilização Civil no Brasil

Para que alguma pessoa, física ou jurídica, seja responsabilizada civilmente por causar dano à outra pessoa é necessário que sua conduta se encaixe dentro as disposições legais em vigor no Brasil.

A responsabilidade civil pode surgir de vários fatores, tal qual ensina Flávio Tartuce:

 

“A responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida. Neste sentido, fala-se, respectivamente, em responsabilidade civil contratual ou negocial e em responsabilidade civil extracontratual, também denominada responsabilidade civil aquiliana, diante da Lex Aquilia de Damno, do final do século III a.C., e que fixou os parâmetros da responsabilidade civil extracontratual (TARTUCE, 2018, p. 594)”.

 

No ordenamento jurídico nacional, a responsabilidade civil está disciplinada no Código Civil em seu artigo 927, que tem a seguinte redação:

 

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL, 2002)”.

 

O ato ilícito de que trata o artigo supramencionado está definido pelo artigo 186 do Código Civil que determina que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002).

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho destacam que a responsabilidade civil nos remete à ideia de atribuição das consequências danosas da conduta ao agente, sendo lógico que, para a sua configuração, a referida atuação lesiva deva ser contrária ao direito, ilícita ou antijurídica (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2018).

Os dispositivos legais admitem, portanto, que um indivíduo seja responsabilizado por qualquer conduta que causar o dano a outra pessoa, quando comprovada a sua ocorrência.

De acordo com a doutrina majoritária, essa responsabilização somente é admitida quando comprovada a existência dos seguintes elementos: a conduta (comissiva ou omissiva); a culpa; o nexo causal e o prejuízo suportado pela parte ofendida (TARTUCE, 2017).

Esses elementos são indispensáveis para que um indivíduo seja responsabilizado pelo fato e arque com a reparação pelo dano causado, seja ele moral ou material. Assim decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Amapá:

 

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – OFENSA À HONRA E À IMAGEM – NOTÍCIAS VEICULADAS EM MEIOS DE COMUNICAÇÃO ÔNUS DA PROVA – AUTOR – FATO CONSTITUTIVO – ART; 373, INCISO I, DO NCPC – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS ENSEJADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL – IMPROCEDÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1) A teor do disposto no art. 373, inciso I, do NCPC, incumbe ao autor fazer prova dos fatos consecutivos do seu direito, com a demonstração dos requisitos indispensáveis à configuração da responsabilidade civil, inexistindo, no caso, prova da conduta do agente, suficiente para excluir o nexo de causalidade. 2) Apelo conhecido e desprovido. (TJ-AP – APL: 00311444320148030001 AP, Relator: Desembargador AGOSTINHO SILVÉRIO, Data de Julgamento: 18/17/2017, Tribunal)”.

 

As disposições legais e jurisprudenciais apontam os fundamentos que ensejam a discussão sobre a possibilidade de se responsabilizar o agente que cria falsas notícias, por isso a relevância do tema, que pretende demonstrar quais as condições legais para que responsabilização civil em decorrência de fake news.

 

4 A configuração da responsabilidade civil em decorrência de fake news

Conforme já dito, a utilização de fake news consiste na disseminação de notícias inverídicas sobre determinado indivíduo. Assim, a partir do que se tem previsto acerca da responsabilização civil no Brasil, tal conduta também pode ser passível de condenação.

Diante dessas situações, houve significativo crescimento de demandas dessa natureza.

 

“No âmbito legal e jurídico, observa-se uma crescente demanda referente aos problemas oriundos deste livre acesso e geração dessas informações nas quais os atores sociais ora se apresentam com emissores, ora receptores, ou vice-versa, e cujo conteúdo não se tem controle tendo em vista que pode ser alterado inúmeras vezes pelos usuários devido à velocidade de sua propagação, ensejando não apenas insegurança sobre sua a veracidade, bem como o seu uso indevido com cometimento de abusos que podem violar e atingir os direitos da personalidade gerando responsabilidade para aquele que comete o ilícito (SOBRAL, 2018, p.1)”.

 

Sobre o dano nessas situações, o destaque advém da proporção que tais fatos podem alcançar no dia a dia da vítima das notícias, haja vista a facilidade do seu acesso por qualquer usuário das redes sociais e sites de notícias responsáveis pela divulgação (SOBRAL, 2018).

Cíntia Lima ressalta que “o sistema jurídico da responsabilidade civil está fundado na ideia de dano local ou dano regional mas, tendo em vista a comunicação em massa transfronteiriça das redes sociais, a extensão do dano é muito maior” nas fake News (LIMA, 2015, p. 157).

Além do dano, é preciso analisar também a conduta do agente causador do mencionado dano, que se modifica quando há um propagador de notícias falsas e aquele que expõe em seu provedor tais informações.

 

“Ademais, a disseminação de Fake News, evidencia uma conduta, via de regra comissiva. De modo que, a publicação de uma notícia falsa ou que contenha elementos falsos é uma conduta humana comissiva. Vislumbra-se, também, a hipótese de conduta omissiva no caso de responsabilidade civil jornalística pelo descumprimento do dever de verificação das Fake News, quando veículos jornalísticos replicam Fake News de outras mídias. (GUIMARAES e SILVA, 2019, p. 1)”.

 

Por envolver, não raras vezes, a atuação jornalística, é indispensável a análise da conduta também sob a ótica da liberdade de manifestação dos indivíduos.

Quando se trata do direito constitucional de liberdade de expressão, há que se analisar o limite de utilização dessa prerrogativa legal, posto que, por outro lado, tem-se a dignidade humana da vitima das condutas. No caso das fake news, a caracterização do ilício também se enquadra nas situações de abuso de direito.

 

“Logo, atrelada a questão da internet e das redes sociais, depreende-se que os sujeitos têm o direito de expressar suas opiniões no ambiente digital e de realizar publicações em tal ambiente uma vez que não extrapolem os limites impostos pela lei. Nesse sentido, na hipótese que o façam surgirá a responsabilidade pelos danos causados advindos das ações que pratiquem, de forma a reparar o dano sofrido e restaurar a normalidade das relações sociais. […] Nessa esteira, a lei civil estabelece que para além do ato ilícito constate no art. 186, uma nova modalidade é elencada no art. 187, a figura do abuso de direito. Tal hipótese é verificada quando determinado sujeito, titular de um direito subjetivo ou potestativo, o exerce para além dos limites impostos pela lei, os bons costumes, fins econômico-sociais para a qual aquela situação jurídica lhe fora concedida e especialmente, a boa-fé. (GUIMARAES e SILVA, 2019, p. 1)”.

 

A partir de tais entendimentos doutrinários, o manejo de demandas judicias com fins de reparação civil por divulgação das fake news se tornou realidade perante o Poder Judiciário brasileiro, cujas mais relevantes decisões passam a ser analisadas.

 

5 Interpretação jurisprudencial majoritária

A partir das ideias expressadas por doutrinadores, bem como a ocorrência de situações fáticas com significativo abalo emocional e impacto social, o protocolo de ações indenizatórias em decorrência das notícias falsas ocasionaram uma série de entendimentos jurisprudenciais relevantes.

As notícias falsas passíveis de responsabilização não se limitam àquelas cujo teor são divulgados por sites de forma indiscriminada, mas compreendem também as situações em que as fontes possam ter levado a conclusões inverídicas. No caso a seguir, fora reconhecida a responsabilidade civil por informação de prisão jamais ocorrida, notícia esta que ofendeu significativamente a honra e imagem da vítima, se sobrepondo ao direito à informação.

 

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. DIREITO À INFORMAÇÃO VERSUS DIREITO À IMAGEM. CONCORDÂNCIA PRÁTICA DE DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS. NOTÍCIA FALSA. FAKE NEWS. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE CIVIL RECONHECIDA. QUANTUM INDENIZATÓRIO CONSENTÂNEO À GRAVIDADE DA LESÃO. RECURSO IMPROVIDO. Como é sabido, dentre os princípios que orientam a interpretação constitucional inclui-se o princípio da Concordância Prática, que afirma que a aplicação de uma norma constitucional deve realizar-se em harmonia com a totalidade do ordenamento constitucional. É justamente com base neste entendimento que o Poder Judiciário pátrio vem enfrentando a problemática das notícias falsas, ou fake News, como popularmente vêm-se a estas se referindo. A Constituição Federal assegura o direito à informação sem, contudo, descurar do, tão importante quanto, direito à informação. Justamente por isto traz disposição expressa no sentido de ser devida a indenização por danos morais pela veiculação falsa, em proteção aos direitos da personalidade. Muito embora da reportagem aqui discutida não se vislumbre juízo de valor acerca do apelado, não existem dúvidas de que se trata de uma notícia falsa o que poderia ter sido evitado por um pouco mais de cautela por parte da apelante. É que, conforme se extrai do termo de interrogatório de fls. 25/26, documento público, o apelado nunca foi preso, mas conduzido para prestar esclarecimentos acerca da sua comercialização de distintivos da corporação. Muito embora sustente o apelante que a informação acerca da prisão lhe tenha sido passada por policiais civis e que a captação das imagens tivesse se dado com autorização do delegado, tais razões são pouco fidedignas uma vez que, além de o demandado não trazer aos autos mínima prova das suas afirmações, dificilmente se crê que um delegado de polícia reputaria por preso uma pessoa que acabara de ser ouvido por si na condição de conduzido. Na hipótese dos autos restou clara a extensão do dano sofrido, a permitir a fixação do quantum indenizatório no patamar de R$ 25.000,00. Como afirmado pelo próprio preposto da empresa ré ouvido como testemunha, a notícia falsa foi veiculada não somente na cidade de Itabuna, mas também nas cidades do entorno. Ademais, o vídeo da matéria discutida nos autos revela que o apresentador, além da exibição da imagem do apelado, divulga o seu nome completo e hipocorístico, bem como mostra a sua loja, de modo que todos que assistissem a reportagem pudessem identificar o autor, potencializando o dano por si sofrido, de modo que todos assistissem a reportagem pudesse identificar o autor, potencializando o dano por si sofrido, de modo que tenho que não há razões para redução da indenização. Recurso improvido. (TJ-BA – APL: 00124778028050113, Relator: Mário Augusto Albiane Alves Júnior, Primeira Camara Cível, Data de Publicação: 18/08/2020)”.

 

Em caso semelhante, o Estado fora responsabilizado subjetivamente pela ausência de cuidado na guarda de dados, que levou à divulgação de fake news no Facebook, exigindo-se do Autor a comprovação de dolo ou culpa da entidade estatal:

 

“APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS – DIVULGAÇÃO DE FAKE NEWS EM FACEBOOK – FOTOGRAFIA TIRADA DE DELEGACIA DE POLÍCIA – RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO – OMISSÃO OU NEGLIGÊNCIA NA GUARDA DE DADOS – NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE DOLO OU CULPA – DESATENDIMENTO DO DEVER LEGAL – ÔNUS DO AUTOR – PUBLICAÇÃO COM IMPUTAÇÃO FALSA DE CRIME – DANO MORAL IN RE IPSA – INDENIZAÇÃO MANTIDA – JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA – VEDAÇÃO À REFORMATIO IN PEJUS E JULGAMENTO EXTRA PETITA – RECURSO DO ESTADO PROVIDO – RECURSO DO CORRÉU DESPROVIDO – RECURSO DO AUTOR DESPROVIDO. 1. Tratando-se de ato omissivo do Estado, a responsabilidade civil por tal evento é subjetiva, exigindo a demonstração de dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la. 2. Na responsabilidade por omissão, subjetiva por natureza, cabe ao autor demonstrar qual dever legal foi desobedecido ou desatendido pelo requerido, que conduza ao dever de indenizar. Dessa forma, não havendo, no caso concreto, nexo entre a conduta dita omissiva do Poder Público, que justifique sua condenação, haja vista que a publicação foi realizada por terceiro, mostra-se incabível sua condenação à reparação por dano moral. 3. Quanto ao corréu, evidente o ato ilícito pela divulgação de fake news em post público de seu perfil no Facebook, com a atribuição ao autor de grave crime de assassinato acompanhado de fotografia. 4. A liberdade de expressão, invocada pelo réu em seu apelo, não constitui direito absoluto e encontra limites em outros direitos também constitucionais, como honra, vida privada e imagem das pessoas. 5. Tratam-se de condutas independentes, de modo que não há que se falar em condenação solidária do Estado e do corréu, a qual não se presume, mas depende da lei ou do contrato, que não regulam o presente caso especificamente. 6. Mantém-se o valor da indenização ao qual foi condenado o corréu, pessoa física, quantia capaz de compensar os efeitos do prejuízo sofrido pelo autor e de evitar reincidência do requerido a praticar ações que possam causar grave lesão a direitos fundamentais de outrem. 7. Em relação ao corréu, pessoa física, não se aplica o disposto na Lei n. 9.494/97, porém deixa-se de alterar a sentença por não ter sido interposto recurso a respeito, devendo ser evitado o julgamento extra petita e reformatio in pejus. (TJ-MS – AC: 08003632720178120008 MS 0800363-27.2017.8.12.0008, Relator: Des. Vladimir Abreu da Silva, Data de Julgamento: 07/10/2020, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 13/10/2020)”.

 

Diante da coexistência de direitos da personalidade, de um lado o da livre manifestação e expressão e de outro a honra e imagem, entende o Supremo Tribunal Federal (STF) que ambos devem ser assegurados, um em cada momento. Em síntese, é assegurada a divulgação de informações, mas também é devida  a responsabilização em caso de excesso.

Para exemplificar esse entendimento, um trecho do julgado proferido pelo STF a seguir:

 

“[…] MECANISMO CONSTITUCIONAL DE CALIBRAÇÃO DE PRINCÍPIOS. O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgãos de comunicação social. Isto sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da mesma Constituição Federal: vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada à honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV). Lógica diretamente constitucional de calibração temporal ou cronológica na empírica incidência desses dois blocos de dispositivos constitucionais (o art. 220 e os mencionados incisos do art. 5º). Noutros termos, primeiramente, assegura-se o gozo dos sobredireitos de personalidade em que se traduz a ‘livre’ e ‘plena’ manifestação do pensamento, da criação e da informação. Somente depois é que se passa a cobrar do titular de tais situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também densificadores da personalidade humana. Determinação constitucional de momentânea paralisia à inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos fundamentais, porquanto a cabeça do art. 220 da Constituição veda qualquer cerceio ou restrição à concreta manifestação de pensamento (vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a informação, seja qual for a forma, o processo ou o veículo de comunicação social. Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis. Penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos o desfrute da plenitude de liberdade de imprensa. […] (ADPF nº 130/DF, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJe 5/11/09) […] ( STF – Rcl: 43110 PE 0101922-97.2020.1.00.0000, Relator: Dias Toffoli, Data de Julgamento: 28/10/2020, Data de Publicação: 03/11/2020)”.

 

Portando, não há como impedir que qualquer indivíduo ou noticiário se expresse sobre determinado assunto ou divulgue notícias sobre fatos; todavia, havendo comprovação de inveracidade ou excesso, poderá haver a sua responsabilização civil, desde que devidamente comprovada.

 

Considerações Finais

A honra e imagem são direitos da personalidade protegidos pelo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que correspondem a um grupo de direitos subjetivos entendidos como fundamentais para que todo ser humano viva em plenitude.

Atualmente, a internet e a utilização de redes sociais fazem parte do dia a dia de grande parte da população e, por isso, tem sido uma importante ferramenta de propagação das fake news, permitindo que um fato mentiroso se espalhe em poucos minutos e cause danos, muitas vezes irreparáveis. Portanto, as fake news são falácias mentirosas que podem causar danos à honra e a imagem daquele que é vítima dessa notícia.

De acordo com o disposto no inciso X do artigo 5º da Constituição que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988).

Para garantia destes direitos, os artigos 186 e 927 do Código Civil permitem a responsabilização moral e material decorrente de qualquer conduta que causar comprovado dano a outra pessoa.

Deste modo, se estiverem presentes os quatro requisitos da responsabilidade civil (conduta, culpa, nexo causal e dano) estará o autor obrigado a reparar civilmente a vítima de fake news.

Conforme demonstrado na pesquisa, essa responsabilidade pode alcançar tanto o criador da falsa notícia quanto o responsável por sua propagação sem prévia verificação da realidade, interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal.

Contudo, é necessário respeito também à liberdade de expressão garantida pela Constituição, de modo que não será toda a conduta passível de responsabilização civil.

O fator essencial para a caracterização da responsabilidade civil em decorrência de fake News é a constatação dos requisitos legais somado à má-fé, imprudência ou excesso na conduta do agente.

 

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 fev. 2021.

 

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 15 fev. 2021.

 

_______. Supremo Tribunal Federal. STF – Rcl: 43110 PE 0101922-97.2020.1.00.0000, Relator: Dias Toffoli, Data de Julgamento: 28/10/2020, Data de Publicação: 03/11/2020.

 

_______. Tribunal de Justiça do Amapá. TJ-AP – APL: 00311444320148030001 AP, Relator: Desembargador AGOSTINHO SILVÉRIO, Data de Julgamento: 18/17/2017, Tribunal.

 

_______, Tribunal de Justiça da Bahia. TJ-BA – APL: 00124778028050113, Relator: Mário Augusto Albiane Alves Júnior, Primeira Camara Cível, Data de Publicação: 18/08/2020.

 

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