Aluska Gomes da COSTA[1], Dhávila Beatriz VITORINO[2], Luana Sabrina Xavier Tomaz[3], Maria Gabriela Botelho SILVA[4], Sandra Mylena Andrade de ARAÚJO[5], Thais Silva CABRAL[6]
Orientador: Prof. Marcelo Alves Pereira EUFRÁSIO[7]
RESUMO
O presente artigo tem como tema “A RESPONSABILIDADE CIVIL NA INDÚSTRIA TABAGISTA PELOS DANOS CAUSADOS AO FUMANTE” e como propósito a resolução da seguinte problemática: As empresas tabagistas podem ser responsabilizadas e obrigadas a reparar os danos causados aos fumantes pelo uso do cigarro? Para tanto, constituiu-se como objetivo geral da pesquisa, a investigação acerca da responsabilidade legal da empresa tabagista pelos danos causados aos consumidores, haja vista que a saúde é um dever constitucional do Estado Brasileiro. Especificamente, do cabimento ou não de indenização por danos provocados pelo uso do cigarro. Além, da fundamentação da tendência de negativa de indenização por parte do julgador. E, por último, mas não menos importe, a análise de julgados do Superior Tribunal Federal. Para a consecução do estudo foram analisadas, através de uma pesquisa teórica e qualitativa, diversas obras doutrinárias, entre elas livros, artigos e jurisprudências que apresentavam diferentes linhas de raciocínio sobre a matéria abordada e que foram contrapostas e ponderadas através do método hipotético-dedutivo.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Civil. Dano. Industria Tabagista. Código de Defesa do Consumidor.
ABSTRACT
This article has as its theme “THE CIVIL LIABILITY IN THE TOBACCO INDUSTRY FOR THE DAMAGE CAUSED TO THE SMOKER” and as a purpose the resolution of the following problem: Can smoking companies be held responsible and obliged to repair the damages caused to smokers by the use of cigarettes? Therefore, the general objective of the research was to investigate the legal responsibility of the tobacco company for damages caused to consumers, since health is a constitutional duty of the Brazilian State. Specifically, whether or not compensation for damages caused by the use of the cigarette. In addition, the grounds for the trend of denial of compensation by the judge. And, last but not least, the analysis of judgments of the Superior Federal Court. In order to achieve this study, a number of doctrinal works were analyzed through theoretical and qualitative research, including books, articles and jurisprudence that presented different lines of reasoning about the subject matter and which were counterposed and weighted by the hypothetical-deductive method.
KEYWORDS: Civil responsability. Damage. Smoking Industry. Code of Consumer Protection.
SUMÁRIO: Introdução. 1. A proteção à Saúde e à Segurança no Código de Defesa do Consumidor. 2. Quanto Cabimento ou não de Indenização por Danos por Parte das Empresas Tabagistas. 2.1 Fundamentação da tendência de negativa de indenização por parte do julgador. 3. Análise de Julgados. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Houve uma época em que os anúncios de cigarro eram permitidos e espalhados por toda parte. As campanhas apresentavam conteúdos de gosto duvidoso, por vezes preconceituoso e indicavam que fumar fazia bem à saúde. O hábito de fumar era associado a qualidades como charme, elegância, poder, prazer, sofisticação e felicidade. Ou seja, criou uma falsa concepção em torno desse produto e consequentemente mascarando os danos que podem ser causados pelo seu uso.
Com o decorrer dos anos a população como um todo passou a descobrir que o cigarro não era exatamente aquilo que a indústria tabagista passava, e sim, bastante danoso para saúde humana. Dessa forma, esse ramo que antes era tão lucrativo, passou a perder espaço, visto que, além das descobertas sobre a realidade do produto, também se teve a inovação vinda com a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor (1990), no qual expôs todos os direitos básicos que os consumidores brasileiros fazem jus.
Nos moldes da legislação consumerista, os direitos à saúde e à segurança devem ser assegurados em relação aos riscos proporcionados pelos produtos e serviços colocados no mercado de consumo. É o que dispõe o art. 6º, I, do CDC (1990):
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I – A proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
O direito básico à saúde e à segurança do consumidor é dos mais relevantes. É perceptível tal relevância ao pensarmos nas consequências que advém do seu descumprimento: um mercado em que produtos e serviços não se submetem a rigorosos controles de qualidade é fator de causação de danos ao consumidor em potencial. A ocorrência desses danos, que podem ser materiais, morais e até mesmo estéticos, por sua vez, ensejará a responsabilização do seu causador. É o que a lei denomina de responsabilidade pelo fato (ou defeito) do produto ou do serviço.
Fato ou defeito do produto ou do serviço são termos técnicos que remetem ao acidente de consumo. E acidente pressupõe estrago, avaria, prejuízo. No contexto, o prejudicado é o consumidor, que vê muita vez seus direitos básicos à vida, à saúde e à segurança (CDC, art. 6º, I) desrespeitados pelos fornecedores.
Por conseguinte, com a regulamentação legal de seus direitos como consumidor, inúmeras pessoas que sofreram ou sofrem danos causados pelo uso do cigarro passaram a entrar com ações judiciais contra as empresas tabagistas com intuito de reparação do tal dano que lhe foi causado, seja ele material, moral ou até mesmo estético, tendo como fundamento legal o art. 6º, inciso I, da lei 8.078/90 (CDC, 1990).
A questão que envolve o consumo de tabaco é, de fato, das mais intrincadas no estudo do Direito. Existem análises detalhadas feitas pela doutrina e jurisprudência brasileira à cerca do tema. O sentindo da responsabilidade ou não da indústria tabagista e o dano causado é relevante e precisa ser discutido.
A proteção à saúde e à segurança está prevista na Constituição Federal (1988) e encontra uma intensa repercussão no Código de Defesa do Consumidor. Tal previsão ocorre com o intuito de proteger a sociedade de eventuais riscos que possam ser causados por determinados produtos e serviços. Dessa maneira, a pretensão principal é que se evite no mercado, a circulação de produtos e serviços que possam ser nocivos para os consumidores, quando utilizados. Assim, é necessário observar que a saúde e a segurança são direitos básicos dos consumidores, e que os diversos mecanismos legais previstos buscam não apenas a simples proteção, mas tratam, principalmente, da qualidade dos produtos e serviços colocados no mercado de consumo, da prevenção e da reparação dos danos que estes possam vir a causar nos consumidores.
Dessa forma, diante da breve análise feita anteriormente, percebe-se a importância do papel dos fornecedores na proteção da qualidade dos seus produtos e serviços, e sob este aspecto, podemos destacar o Art. 8º do CDC (1990), que dispõe:
Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.
Portanto, percebe-se com o artigo acima citado, que o legislador além de obrigar o fornecedor a zelar pela saúde e segurança dos seus consumidores, determina que estes sejam submetidos a seguir determinados padrões de controle de qualidade de seus produtos. Concluindo-se assim, que o mercado não possui uma maneira absolutamente livre de operar. Ou seja, uma vez existente a chance de causar quaisquer ameaça aos consumidores, é dever do fabricante a prestação de informações adequadas de uso e de alerta a seu respeito.
Diante do exposto, vale ressaltar como se dá a responsabilidade dos fornecedores, e como estes respondem por possíveis problemas nos seus produtos e serviços. Assim, destacam-se os Arts. 12 e 14 do CDC (1990), que determinam, respectivamente:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Portanto, presume-se que para a responsabilização dos fornecedores por possíveis acidentes, é suficiente a comprovação do nexo causal entre o defeito do produto ou do serviço e o dano causado, independentemente da verificação do dolo ou da culpa (elemento subjetivo). Tal determinação é uma clara consequência da Teoria do Risco adotada pelo CDC (1990), uma vez que, conclui que como a colocação de produtos ou serviços no mercado de consumo podem criar riscos a terceiros, é primordial que os fornecedores se preocupem em assegurar os direitos básicos dos consumidores.
Entretanto, vale dizer que existem exceções à matéria exposta pelo Art. 8º, e estas dizem respeito aos produtos ou serviços que possuem a chamada periculosidade inerente. Ou seja, são casos que o próprio uso do bem implica, por si só, algum tipo de risco, mas que por serem normais e previsíveis, não são impedidos de circular no mercado. Porém, o CDC (1990) impõe que sejam prestadas informações necessárias sobre tais riscos. Um exemplo desta situação exposta diz respeito a utensílios de cozinhas (como facas e garfos), que por seu próprio uso, podem ocasionar cortes ou furações, mas que, por serem previsíveis não são impedidos de circular, bastando que contenha a devida instrução de uso e os alertas necessários.
Dessa maneira, é possível destacar a importância dos mecanismos legais supracitados na preservação dos direitos dos consumidores, que além de evitar a livre operação dos fornecedores, passam a impor regras de segurança e um padrão de qualidade elevado aos produtos e serviços que circulam diariamente na sociedade.
Portanto, é primordial que se evite no mercado a colocação de produtos ou serviços que venham a causar danos aos consumidores, além de destacar o dever dos fabricantes na prestação de informações adequadas sobre a possibilidade de ocorrência de tais perigos. Ademais, ressalta-se que a responsabilização dos fabricantes por acidentes de consumo, deve ser apurada independentemente de culpa, uma vez que, basta a comprovação do defeito existente e do dano causado. Sendo assim, pretende-se que a qualidade dos produtos e dos serviços seja concretizada, e que estes ofereçam a segurança que legitimamente deles se espera.
A corrente minoritária é apresentada doutrinariamente pelo jurista Flávio Tartuce e nela, há a defesa ao cabimento de indenização por parte da indústria tabagista aos consumidores.
Tal corrente fundamenta-se, principalmente, na Teoria do Risco Concorrente, ou seja, o consumidor assume os riscos sobre sua saúde a partir do momento em que ele opta por adquirir e utilizar o cigarro. Mas, ao mesmo tempo, as empresas de tabaco também assumem um risco quando passam a desenvolver atividades e/ou produtos que, por sua natureza, implicam em riscos a outrem.
Como já mencionado em pontos anteriores, antigamente não havia propagandas de alerta em relação ao fumo e por isso, para aquelas pessoas que começaram a fumar antes delas, o fator de assunção de risco era diminuído ou até mesmo excluído, pois não havia o conhecimento por parte dos consumidores dos males que aquilo trazia (TARTUCE, 2014). Assim, havia uma responsabilização integral por parte das empresas.
Todavia, com o avanço da medicina e o entendimento do mal que o cigarro acarreta, surgiram as publicidades de alerta e conscientização e com elas um questionamento: quem será responsabilizado nas demandas judiciais propostas após a existência das propagandas? Para Flávio Tartuce, a resposta se encontra exatamente na Teoria do Risco Concorrente, pois por mais que possamos falar em uma maior carga de risco assumida pelo fumante, ainda assim, não há exclusão do risco assumido pelas indústrias e consequentemente de indenização. Nesse sentido afirma Tartuce:
“(…) a indenização deve ser fixada de acordo com os riscos assumidos pelas partes, aplicando-se a equidade e buscando-se o critério máximo de justiça. Um sistema justo, equânime e ponderado de responsabilidade civil é aquele que procura dividir os custos do dever de indenizar de acordo com os seus participantes e na medida dos riscos assumidos por cada um deles. ” (Tartuce, 2014, p.183)
Ainda em relação ao cabimento da indenização temos a questão do nexo de causalidade entre o cigarro e o dano causado e em relação a isso é aplicado a responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor, o fato de produto perigoso ser produto defeituoso sendo o cigarro, então, um produto defeituoso. Além disso, pode-se trazer os laudos médicos e testemunhas para testificarem sobre as marcas utilizadas pelos consumidores e pelas doenças advindas do uso do cigarro, como por exemplo a Buerguer (TARTUCE, 2014).
Tem-se, também, a questão da licitude e do exercício regular da empresa, em que o art.927, parágrafo único, do Código Civil reitera a responsabilidade por atos lícitos. Aliado a tal, aparece o livre-arbítrio que na realidade pós-moderna não existe em totalidade, existindo, na verdade, uma tendência a intervenção estatal com vistas a proteção dos vulneráveis e dos valores fundamentais. A respeito disso, vale ressaltar, que a boa-fé objetiva não supera esses valores, como a tutela da saúde, constante do art.6º da CF/1988 (TARTUCE, 2014).
Por fim, sobre a culpa exclusiva da vítima, o argumento é inócuo quanto aos fumantes passivos que são consumidores equiparados, ou seja, não há como responsabilizar por algo que nem indiretamente eles quiseram (TARTUCE, 2014).
Dessa maneira, com vistas ao que foi mencionado, percebe-se que a culpa não pode ficar toda sobre o fumante, pois a empresa tabagista tem um risco proveito, devendo ambos serem analisados caso a caso na realidade fática, sendo a indenização fixada de acordo com os riscos assumidos por cada um e dependendo da ciência ou não e da assunção dos riscos, de acordo com a informação e a época vivida.
A corrente majoritária em relação a responsabilidade civil da indústria tabagista no Brasil diz que esta não é responsável de fato no que diz respeito aos pedidos reparatórios. Diversos pontos compõem essa interpretação e influenciam as decisões dos tribunais brasileiros.
O primeiro ponto é a questão do livre arbítrio, que condiciona as escolhas, no caso, de forma consciente. O homem médio tem a capacidade de escolha em vários âmbitos, sendo capaz de considerar as consequências de suas ações. Dessa forma, a ação de iniciar e continuar o fumo, apesar das substâncias presentes no mesmo, é pela vontade do consumidor, já que o ato de parar só depende da iniciativa dele. Assim, o livre arbítrio se torna uma excludente de responsabilidade.
Outra questão vem do Artigo 12 do Código do Consumidor (1990) que considera o cigarro um produto defeituoso, já que se espera um risco decorrente do uso. No entanto, não pode ser considerado defeito pois é de conhecimento geral que o produto causa riscos à saúde. É um produto de periculosidade inerente, e como já foi dito anteriormente, o usuário antes mesmo do uso escolhe utilizar o produto mesmo sabendo das prováveis consequências.
Há também o fato de que o fabricante de cigarros exerce atividade licita, e apesar do que diz o artigo 967 do CC (2002), a atitude do usuário também é uma excludente de responsabilidade e rompe o nexo de causalidade entre a indústria tabagista e o dano em si, já que faz uma escolha entre “o risco e o prazer”. E, é impossível definir que foi o cigarro exclusivamente que trouxe a doença, que pode ser originada pela soma de diversos fatores ligados ao estilo de vida da pessoa.
Por conseguinte, entende-se que os consumidores dos produtos da indústria tabagista devem arcar “sozinhos” com os males advindos do consumo, sem direito a procedência de pedidos reparatórios já que não se pode atribuir culpa exclusiva, e os efeitos nocivos da prática não podem ser imputados aos fabricantes.
Acerca do não cabimento de indenização por danos provocados pelo uso de cigarro, a corrente majoritária em seus argumentos contrários a isso, baseia-se em cinco critérios mais recorrentes sobre o caso em estudo e estes são: o cigarro é um produto de periculosidade inerente; não há nexo causal entre o consumo de cigarro e o dano à saúde do fumante; o fabricante de cigarros exerce atividade lícita e cujo processo produtivo é até mesmo fiscalizado pelo Poder Público; culpa exclusiva da vítima e o consumidor tem livre-arbítrio quanto à decisão de fumar.
Desse modo, para melhor entendimento sobre o assunto e ao pesquisar sobre cada item mencionado acima, vimos que a periculosidade inerente do cigarro é um risco intrínseco a sua própria qualidade ou modo de funcionamento. Isto ocorre quando tem normalidade em relação ao produto e previsibilidade em relação ao consumidor (alertar os possíveis danos).
Assim, é o caso do cigarro que o consumidor ao utilizar, assume os riscos. O mesmo ocorre, por exemplo, ao adquirir uma faca (é um produto de periculosidade inerente, e o fabricante não está obrigado a reparar os danos sofridos). Sobre o fato de não haver nexo causal entre o consumo de cigarro e o dano à saúde do fumante ocorre pelo fato da doença ou morte poderiam ter ocorrido por outras causas, não sendo possível comprovar que o consumo de tabaco por si só é a causa determinante do fato, levando em conta a teoria adotada pelo Código Civil (2002) é a da causalidade direta e imediata.
Acerca dos fabricantes de cigarros exercerem atividade lícita e cujo processo produtivo é até mesmo fiscalizado pelo Poder Público, está licitude advém desde cultivo do fumo, passando pela preparação do cigarro até chegar a sua comercialização, é tanto que são tributadas e fiscalizadas pelo Poder Público, e incluídas no rol de interesses governamentais de natureza econômica, tributária e social. Ainda assim, falando da culpa exclusiva da vítima, vimos que no contexto atual, há diversas propagandas, campanhas e relatos sobre os danos causados pelo uso do cigarro. A partir do momento que o indivíduo opta em iniciar ou dar continuidade ao vício, ele assume a responsabilidade e os possíveis danos à saúde que possam surgir.
Por fim, o consumidor tem livre-arbítrio quanto à decisão de fumar, pois, o indivíduo é dotado de raciocínio, inteligência e livre arbítrio para assumir, na vida, as consequências de suas condutas, que não devem ser transferidas aos outros. Se punir a empresa fabricante de cigarros, terá que punir, também, as fabricantes de bebidas alcoólica, para quem sofre de cirrose, e de outros produtos que podem causar prejuízo à saúde de pessoas que não conseguem dominar a vontade e o prazer do consumo.
Portanto, conclui-se que fumar pode ser um suicídio em longo prazo. De tal forma que a culpa é exclusiva do falecido que fumou durante longos anos, na máxima da autonomia da vontade, ciente e consciente de que o tabagismo é prejudicial à saúde. É a questão do risco e prazer que deve ser refletida pelo individuo, até porque o vício do cigarro não é permanente e irreversível.
A questão que envolve o consumo de tabaco é, de fato, das mais intrincadas no estudo do Direito. A doutrina civilista é dividida, mas a jurisprudência do STJ é majoritária no sentido da não responsabilização da indústria do tabaco pelos danos ocasionados pelos efeitos do fumo. O Tribunal Superior de Justiça (STJ), amparado em precedentes, analisou a questão dos danos provocados pelo fumo em três oportunidades selecionas para compor este e, por ora, serão analisados: no REsp 1.009.591-RS, no REsp. 1.113.804 e no REsp 886.347-RS.
Os argumentos despendidos no julgamento do REsp 886.347-RS estão disponíveis no Informativo nº 430, abaixo transcritos:
RESPONSABILIDADE. CIGARRO.
Cuidava-se de ação de indenização por dano material e moral decorrente das sequelas causadas pelo uso de cigarro ajuizada em 2004, já sob a égide do CDC. Nesse contexto, de acidente de consumo perfeitamente tipificado no art. 12 daquele código, tal qual entendeu o Min. Luis Felipe Salomão (convocado da Quarta Turma para desempatar a votação), não se mostra razoável conceder ao autor a disponibilidade sobre o diploma legal que deve ser aplicado à sua pretensão. Prevaleceu o entendimento, antes esposado pelo Min. Massami Uyeda, de que deve incidir, no caso, a prescrição quinquenal do art. 27 do CDC, que não é afastada pelo disposto no art. 7º desse mesmo codex. Apesar de esse artigo prever a abertura do microssistema para outras normas que possam dispor sobre a defesa de consumidores, ainda que insertas em diplomas que não cuidam especificamente da proteção do consumidor, a prescrição vintenária do art. 177 do CC/1916, que se pretendia fazer incidir, caracteriza-se pela generalidade e vai de encontro ao regido especificamente na legislação consumerista. Anotou-se que o disposto no art. 2º, § 2º, da LICC também determina a aplicação do art. 27 do CDC ao caso. Isso posto, mediante a reconsideração dos votos vencidos, com a ressalva da Min. Nancy Andrighi quanto a seu entendimento, a Turma, por unanimidade, acolheu esse entendimento, recentemente consolidado pela Segunda Seção, e extinguiu o feito com a resolução do mérito; pois, afirmado pelo autor que ele tomou conhecimento do dano em meados de 1997, o ajuizamento da ação estaria restrito até 2002 por força da aplicação da prescrição quinquenal. (Precedentes citados: REsp 489.895-SP; REsp 304.724-RJ, DJ 22/8/2005; REsp 1.036.230-SP, DJe 12/8/2009, e REsp 810.353-ES, DJe 11/5/2009. REsp 1.009.591-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/4/2010.)
Por conseguinte, Confira-se os argumentos articulados no REsp. 1.113.804, ao analisar uma ação ajuizada pelos sucessores de um ex-fumante que morreu em decorrência de câncer de pulmão provocado pelo uso do cigarro. O STJ levou em consideração diversos fatores para afastar a responsabilidade da indústria tabagista, sendo que o julgado encontrasse no informativo nº 432 do STJ, cuja suma se transcreve:
RESPONSABILIDADE CIVIL. CIGARRO.
O falecido, tabagista desde a adolescência (meados de 1950), foi diagnosticado como portador de doença bronco pulmonar obstrutiva crônica e de enfisema pulmonar em 1998. Após anos de tratamento, faleceu em decorrência de adenocarcinoma pulmonar no ano de 2001. Então, seus familiares (a esposa, filhos e netos) ajuizaram ação de reparação dos danos morais contra o fabricante de cigarros, com lastro na suposta informação inadequada prestada por ele durante décadas, que omitia os males possivelmente decorrentes do fumo, e no incentivo a seu consumo mediante a prática de propaganda tida por enganosa, além de enxergar a existência de nexo de causalidade entre a morte decorrente do câncer e os vícios do produto, que alegam ser de conhecimento do fabricante desde muitas décadas. Nesse contexto, há que se esclarecer que a pretensão de ressarcimento dos autores da ação em razão dos danos morais, diferentemente da pretensão do próprio fumante, surgiu com a morte dele, momento a partir do qual eles tinham ação exercitável a ajuizar (actio nata) com o objetivo de compensar o dano que lhes é próprio, daí não se pode falar em prescrição, porque foi respeitado o prazo prescricional de cinco anos do art. 27 do CDC. Note-se que o cigarro classifica-se como produto de periculosidade inerente (art. 9º do CDC) de ser, tal como o álcool, fator de risco de diversas enfermidades. Não se revela como produto defeituoso (art. 12, § 1º, do mesmo código) ou de alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança, esse último de comercialização proibida (art. 10 do mesmo diploma). O art. 220, § 4º, da CF/1988 chancela a comercialização do cigarro, apenas lhe restringe a propaganda, ciente o legislador constituinte dos riscos de seu consumo. Já o CDC considera defeito a falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar frustração no consumidor, que passa a não experimentar a segurança que se espera do produto ou serviço. Dessarte, diz respeito a algo que escapa do razoável, que discrepa do padrão do produto ou de congêneres, e não à capacidade inerente a todas as unidades produzidas de o produto gerar danos, tal como no caso do cigarro. Frise-se que, antes da CF/1988 (gênese das limitações impostas ao tabaco) e das legislações restritivas do consumo e publicidade que a seguiram (notadamente, o CDC e a Lei n. 9.294/1996), não existia o dever jurídico de informação que determinasse à indústria do fumo conduta diversa daquela que, por décadas, praticou. Não há como aceitar a tese da existência de anterior dever de informação, mesmo a partir de um ângulo principiológico, visto que a boa-fé (inerente à criação desse dever acessório) não possui conteúdo per se, mas, necessariamente, insere-se em um conteúdo contextual, afeito à carga histórico-social. Ao se considerarem os fatores legais, históricos e culturais vigentes nas décadas de cinquenta a oitenta do século anterior, não há como cogitar o princípio da boa-fé de forma fluida, sem conteúdo substancial e contrário aos usos e costumes por séculos preexistentes, para concluir que era exigível, àquela época, o dever jurídico de informação. De fato, não havia norma advinda de lei, princípio geral de direito ou costume que impusesse tal comportamento. Esses fundamentos, por si sós, seriam suficientes para negar a indenização pleiteada, mas se soma a eles o fato de que, ao considerar a teoria do dano direto e imediato acolhida no direito civil brasileiro (art. 403 do CC/2002 e art. 1.060 do CC/1916), constata-se que ainda não está comprovada pela Medicina a causalidade necessária, direta e exclusiva entre o tabaco e câncer, pois ela se limita a afirmar a existência de fator de risco entre eles, tal como outros fatores, como a alimentação, o álcool e o modo de vida sedentário ou estressante. Se fosse possível, na hipótese, determinar o quanto foi relevante o cigarro para o falecimento (a proporção causal existente entre eles), poder-se-ia cogitar o nexo causal juridicamente satisfatório. Apesar de reconhecidamente robustas, somente as estatísticas não podem dar lastro à responsabilidade civil em casos concretos de morte supostamente associada ao tabagismo, sem que se investigue, episodicamente, o preenchimento dos requisitos legais. (Precedentes citados do STF: RE 130.764-PR, DJ 19/5/1995; do STJ: REsp 489.895-SP, DJe 23/4/2010; REsp 967.623-RJ, DJe 29/6/2009; REsp 1.112.796-PR, DJ 5/12/2007, e REsp 719.738-RS, DJe 22/9/2008. REsp. 1.113.804-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/4/2010.)
Finalmente, no REsp 886.347-RS, julgado em 25/05/2010, foi afastada a responsabilidade da empresa demandada por ausência de nexo de causalidade entre sua conduta e o dano experimentado pelo autor da ação – portador de tromboangeíte obliterante – TAO ou doença de Buerger, um mal causado quase exclusivamente pelo fumo. Além de considerar ausente o nexo causal, foi levado em conta que o fumante já conhecia os riscos causados pelo consumo de cigarros, uma vez que começou a fumar em 1988, ou seja, no ano em que as advertências sobre os males causados pelo fumo começaram a ser estampadas explicitamente nos maços de cigarros, tendo o consumidor se valido de seu livre-arbítrio. Confira-se a síntese do acórdão, contida no informativo nº 436 do STJ:
DANO MORAL. FUMANTE.
Mostra-se incontroverso, nos autos, que o recorrido, autor da ação de indenização ajuizada contra a fabricante de cigarros, começou a fumar no mesmo ano em que as advertências sobre os malefícios provocados pelo fumo passaram a ser estampadas, de forma explícita, nos maços de cigarro (1988). Isso, por si só, é suficiente para afastar suas alegações acerca do desconhecimento dos males atribuídos ao fumo; pois, mesmo diante dessas advertências, optou, ao valer-se de seu livre-arbítrio, por adquirir, espontaneamente, o hábito de fumar. Outrossim, nos autos, há laudo pericial conclusivo de que não se pode, no caso, comprovar a relação entre o tabagismo desenvolvido pelo recorrido e o surgimento de sua enfermidade (tromboangeíte obliterante – TAO ou doença de Buerger). Assim, não há falar em direito à indenização por danos morais, pois ausente o nexo de causalidade da obrigação de indenizar. Precedentes citados: REsp 325.622-RJ, DJe 10/11/2008; REsp 719.738-RS, DJe 22/9/2008, e REsp 737.797-RJ, DJ 28/8/2006. REsp 886.347-RS, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJAP), julgado em 25/5/2010 (ver informativo n. 432).
Até o momento, essa é a posição do STJ em relação à matéria, ou seja, os fabricantes de cigarros não devem ser responsabilizados pelos danos advindos do consumo das substâncias presentes no tabaco, na medida em que não se lhe pode atribuir culpa exclusiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao examinar o mérito das demandas que envolvem a responsabilidade civil da indústria tabagista, a jurisprudência do STJ ancora-se, principalmente, nos argumentos que vão na contramão da doutrina. Pois, aponta peculiaridades exclusivas da coisa julgada.
Dessa forma, como exposto o cigarro é um produto de periculosidade inerente; A indústria tabagista não deve ser responsabilizada, uma vez que milhares de fumantes adquiriram o hábito de fumar numa época em que os fabricantes não conheciam os efeitos deletérios do tabaco para a saúde humana; A comercialização do cigarro é lícita, somente sendo restringida a propaganda.
É entendido, também que, por conseguinte, não há ofensa à boa-fé objetiva, na medida em que há que se considerar o contexto legal, histórico e cultural vigentes até antes de se conhecer os riscos do consumo de tabaco. Além de que, a medicina não comprovou a causalidade necessária, direta e exclusiva entre o consumo de tabaco e o câncer, pois o estilo de vida do fumante deve ser analisado globalmente, uma vez que fatores como stress, sedentarismo, má alimentação, consumo de álcool etc. também contribuem para o desenvolvimento da doença. Portanto, há que se considerar o livre arbítrio do indivíduo, que, dentre as opções de não fumar e fumar, escolheu a última, havendo, portanto, sua culpa exclusiva.
À vista dos precedentes analisados, é possível afirmar que hoje a jurisprudência do STJ já está consolidada, no sentido de que a empresa fabricante de cigarros não é responsável pelos danos causados aos fumantes. Nesse sentido, as empresas fabricantes de cigarro não podem ser responsabilizadas, nos termos do que preconiza o art. 12 do CDC, pelos danos morais ou materiais que tenham sido experimentados pelos fumantes ou seus familiares, haja vista a não caracterização, na espécie, do acidente de consumo que acarreta dano indenizável.
REFERÊNCIAS
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[1] Bacharelanda em Direito – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas. Campina Grande-PB. Email: aluskagc08@gmail.com
[2] Bacharelanda em Direito – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas. Campina Grande-PB. Email: dhavilabeatriz@gmail.com
[3] Bacharelanda em Direito – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas. Campina Grande-PB. Email: luana.sabrina6@gmail.com
[4] Bacharelanda em Direito – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas. Campina Grande-PB. Email: gabibotellhosilva@hotmail.com
[5] Bacharelanda em Direito – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas. Campina Grande-PB. Email: mylena_000@hotmail.com
[6] Bacharelanda em Direito – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas. Campina Grande-PB. Email: thati_cabral@hotmail.com
[7] Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande. Professor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas. Email: marcelo.eufrasio@gmail.com
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