Direito Civil

A Responsabilização Civil Nos Casos de Não Vacinação Obrigatória Dos Filhos

Marina Debastiani Imhoff
Alexandra Vanessa Klein Perico

Resumo: O artigo, realizado pelo método indutivo, apresenta as formas de responsabilização civil nos casos de não vacinação obrigatória dos filhos. Traz informações a respeito da violação do direito à saúde, classificando-o como um direito fundamental social, cuja garantia deve ser assegurada pelo Estado. Apresenta as formas de responsabilidade civil, com ênfase para a responsabilidade dos pais pelos filhos menores de idade. Não obstante, faz uma análise à aplicação da tutela inibitória nos casos de inobservância do calendário de vacinações, assim como aborda o conflito entre a autonomia individual e a proteção coletiva à saúde, atinente à escolha de vacinar ou não os filhos. Os resultados da pesquisa apontam que, apesar de haver várias formas de responsabilização pela negligência dos pais e responsáveis quando da não vacinação infantil, há necessidade da aplicação da tutela inibitória, a fim de que esta impeça a prática do ato ilícito e, em consequência disso, a ocorrência do dano.
Palavras-chave: Direito à saúde. Direitos sociais. Responsabilidade civil. Tutela inibitória. Vacinação infantil.

Abstract: The article, conducted by the inductive method, presents the forms of civil liability in cases of non-vaccination of mandatory vaccination of children. It provides information about the violation of the right to health, classifying it as a fundamental social right, the guarantee of which must be guaranteed by the State. It presents the forms of civil liability, with emphasis on the responsibility of parents for their underage children. Nevertheless, an analysis is made of the application of injunctive relief in cases of non-compliance with the vaccination schedule, as well as the conflict between individual self-defense and collective health protection, regarding the choice of vaccinating children or not. The results of the research indicate that although there are various forms of accountability for the negligence of parents and guardians, when the child is not vaccinated, there is a need to apply inhibitory guardianship, in order to prevent the practice of unlawful act and, as a result, the occurrence of the damage.
Keywords: Right to health. Social rights. Civil responsibility. Inhibitory guardianship. Child vaccination.

Sumário: Introdução. 1. A saúde como direito fundamental social. 1.1. Conceito de direitos sociais. 1.2. O papel do Estado na garantia do direito à saúde. 1.3. O conflito entre a autonomia individual e a proteção coletiva à saúde. 2. A responsabilidade civil e sua aplicabilidade no direito brasileiro. 2.1. Espécies da responsabilidade civil. 2.1.1. Responsabilidade civil subjetiva e objetiva. 2.1.2. Responsabilidade civil contratual e extracontratual. 2.2. Pressupostos da responsabilidade civil. 2.3. Responsabilidade civil dos pais pelos filhos menores de idade. 3. A obrigatoriedade das vacinações infantis no Brasil e as consequências pelo não cumprimento. 3.1. A incidência da tutela inibitória nos casos de não vacinação obrigatória dos filhos. 3.2. Órgão competente para manejar ação judicial. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

O presente estudo analisará a possibilidade de responsabilização civil dos responsáveis nos casos de não vacinação obrigatória dos filhos.
No Brasil, a obrigatoriedade das vacinações está prevista especificamente no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), sem prejuízo do disposto em legislações esparsas e, o seu não cumprimento acarreta na violação do direito fundamental à saúde, previsto na Constituição Federal como direito de todos.
No entanto, verifica-se que, em que pese haver previsão legal, a realização da vacinação infantil obrigatória está sofrendo uma grande influência dos movimentos antivacinas onde os grupos responsáveis pelos movimentos dissipam informações, muitas vezes, sem fundamentos, para inibir os pais e responsáveis do cumprimento dos seus deveres de vacinar os filhos.
Dentre as falsas informações percebe-se a comunicação de que as substâncias presentes nas vacinas obrigatórias são motivadoras para o surgimento de novas doenças no organismo da criança ou do adolescente, com status mais gravosos do que as doenças que estão sendo prevenidas.
Diante disso, vem sendo travada uma imensa discussão onde tem-se, de um lado, o direito individual dos pais e responsáveis em decidir acerca da vida de seus filhos e, de outro, a proteção coletiva à saúde.
Nesse viés, o assunto, além de pertinente e atual tem extrema importância já que busca a realização de um estudo minucioso acerca de uma possível responsabilização civil dos pais e responsáveis, quando da não vacinação obrigatória dos filhos, através da aplicação da tutela inibitória, bem como, busca esclarecer o conflito entre o direito coletivo à saúde e a autonomia individual dos pais perante seus filhos menores de idade.
Para isso, o presente trabalho foi realizado com a utilização do método cientifico indutivo, através de uma pesquisa bibliográfica, desenvolvida através dos meios de pesquisa disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro, na doutrina e em documentos digitais.
Ademais, para entendimento e assimilação da matéria proposta, este estudo está organizado em três partes. Inicialmente é apresentado o direito fundamental à saúde, como um direito social, com destaque para o papel do Estado na garantia deste direito, bem como para o conflito entre a autonomia individual e a proteção coletiva à saúde.
No segundo capítulo, define-se as formas de responsabilidade civil e a sua aplicabilidade no direito brasileiro, com uma abordagem para a responsabilidade civil dos pais pelos filhos menores de idade.
Por fim, na terceira parte, é descrito o objeto do estudo, ao tratar acerca da obrigatoriedade das vacinações infantis no Brasil e as consequências pelo não cumprimento. Além de fazer uma breve análise sobre a incidência da tutela inibitória nos casos da não vacinação obrigatória dos filhos e a quem compete manejar a ação judicial. Após, são apresentadas as considerações finais e as referências que deram suporte à pesquisa.

1 A SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL

A Constituição Federal Brasileira de 1988 possui, em seu texto legal, inúmeros direitos assegurados a todos os cidadãos, para a garantia de uma vida digna, apta a proporcionar ao ser humano tudo o que ele precisa para sobreviver.
Dentre as garantias direcionadas às pessoas, titulares desses direitos, encontra-se como um dos principais, o direito à vida e, não menos importante, o direito à saúde. Além destes, há uma proteção específica para a educação, segurança, liberdade, bem estar, entre outros meios de interesse tanto individual, como coletivo.
Referidos direitos são chamados de direitos fundamentais, os quais são definidos como:
“O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.” (MORAES, 2011, p.20).
Os direitos ora mencionados estão previstos no Título II, “Dos direitos e garantias fundamentais”, e são subdivididos em Capítulo I e II, denominados “Dos direitos e deveres individuais e coletivos” e, “Dos direitos sociais”, o que correspondem aos artigos 5º, caput e seus incisos, bem como aos artigos 6º a 11 da Constituição Federal.
O presente trabalho, entretanto, busca fazer um estudo minucioso acerca da responsabilização civil nos casos de não vacinação obrigatória dos filhos. Assim, faz-se necessária uma análise do direito à saúde, em especial, visto que se trata de um direito violado quando não respeitado o calendário de vacinações.
O direito à saúde é assegurado a todas as pessoas e dever do Estado, sendo um direito fundamental social de segunda dimensão, que visa a redução do risco de doenças e de outros agravos, bem como o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação, conforme estabelece o artigo 196, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Tal garantia é, senão o primeiro, um dos principais componentes da vida, seja como pressuposto de existência, seja como respaldo para qualidade de vida. Assim, dada a sua importância, o direito à saúde possui a proteção constitucional no direito brasileiro como um direito fundamental, integrante dos direitos sociais, cuja aplicação deve ser garantida pelo Estado.

1.1 CONCEITO DE DIREITOS SOCIAIS

Os direitos sociais são os direitos que buscam a redução das desigualdades sociais, através da disponibilização de condições materiais tidas como imprescindíveis para o pleno gozo das garantias previstas na Constituição Federal.
As condições materiais, supracitadas, compreendem a uma vida digna com o mínimo de educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social e proteção à maternidade e à infância, consoante dispõe o artigo 6º da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Conforme preleciona a doutrina, os direitos sociais nasceram abraçados ao princípio da igualdade, tendo em vista que buscam a garantia de direitos para aqueles que não os tem condições de adquiri-los na sua plenitude, sem o auxílio da atuação estatal.
Para Moraes (2011), os direitos sociais caracterizam-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, cuja finalidade é a concretização da igualdade social, através da melhoria das condições de vida dos hipossuficientes.
Silva (2017) vai mais além ao classificar os direitos sociais como prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos e tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais.
Os direitos sociais consideram o homem para além de sua condição individualista e guardam íntima relação com o cidadão e a sociedade, porquanto abrangem a pessoa humana na perspectiva de que ela necessita de condições mínimas de subsistência.
Agra (2010, p. 515), da mesma forma, afirma que “os direitos sociais tencionam incrementar a qualidade de vida dos cidadãos, munindo-os das condições necessárias para que eles possam livremente desenvolver suas potencialidades”.
Nesse viés, percebe-se que, com os direitos sociais, o legislador buscou a garantia da igualdade e a efetiva aplicação dos direitos fundamentais por parte do Estado, de forma que restasse assegurada a todos uma vida digna, por meio da proteção e garantias dadas pela Constituição Federal.

1.2 O PAPEL DO ESTADO NA GARANTIA DO DIREITO À SAÚDE

A partir da Constituição Federal de 1988, o Estado encontra-se juridicamente obrigado a exercer as ações e serviços de saúde, visando assegurar os direitos constitucionais inerentes aos cidadãos.
O Estado tem o dever de garantir à população uma vida digna, com a aplicação dos direitos tutelados pela Constituição, na medida em que possa proporcionar aos que detém menores condições, a efetiva utilização destes direitos.
O direito à saúde possui duas vertentes, sendo uma de natureza negativa, que compreende o direito de exigir que o Estado se recuse a praticar qualquer ato que prejudique a saúde; e outra, de natureza positiva, que consiste no direito às medidas e prestações do Estado para a prevenção e o tratamento de doenças (CANOTILHO; MOREIRA in SILVA, 2017).
Sarlet (2015), da mesma forma, faz uma distinção entre a dimensão negativa e positiva dos direitos fundamentais sociais, atrelando-as aos direitos de defesa e aos direitos prestacionais, respectivamente. Sobre o assunto, afirma que, enquanto os direitos de defesa se identificam por sua natureza preponderantemente negativa, tendo por objeto as abstenções do Estado, no sentido de proteger o indivíduo contra ingerências na sua autonomia pessoal, os direitos sociais prestacionais, têm por objeto precípuo conduta positiva do Estado, consistente numa prestação de natureza fática.
No que concerne a não realização das vacinações obrigatórias, o Estado deve agir de forma positiva, promovendo a execução de políticas econômicas e sociais que visem o respeito ao calendário de vacinações e, consequentemente, a redução de riscos de doenças, de forma que esteja garantida a proteção de todos os indivíduos.
Assim, conclui-se que o direito à saúde é compreendido como um direito positivo que exige prestações do Estado e impõe aos entes públicos a realização de tarefas, cujo cumprimento implica na própria realização do direito (SILVA, 2017).
O dever do Estado para com a saúde é de realizar implementos e acessos significativos que garantam às pessoas o seu direito efetivado. Além disso, o Estado tem a imposição constitucional de promover a saúde, não somente curando e prevenindo doenças, mas também modificando o sistema social, através de uma construção permanente, que eleve cada vez mais a qualidade de vida e iguale as condições sociais, como expressa o artigo 3 º, da Lei nº 8.080/90 (BRASIL, 1990).
Destarte, observa-se que os direitos sociais, aqui, com enfoque ao direito à saúde, exigem a intermediação dos entes estatais para sua concretização, de modo que a garantia constitucional somente será efetivada com a atuação positiva do Estado.

1.3 O CONFLITO ENTRE A AUTONOMIA INDIVIDUAL E A PROTEÇÃO COLETIVA À SAÚDE

A autonomia individual e a proteção coletiva possuem particularidades específicas e causam divergências quanto à sua prevalência em determinadas situações conflitantes.
De um lado, a autonomia individual dos brasileiros em decidir acerca da sua vida particular garante o direito à liberdade de escolha e a não intervenção do Estado na vida privada. De outro lado, no entanto, existe o direito coletivo, que busca a garantia dos direitos de um grande número de pessoas, levando em conta a sociedade num todo, e não o indivíduo em sua esfera particular.
O direito à saúde, se observado como direito individual, privilegia a liberdade em sua mais ampla acepção. As pessoas devem ser livres para escolher o tipo de vida que pretendem ter, o trabalho, o tratamento médico, quando estiverem doentes, bem como se realizarão as vacinas previstas como obrigatórias, ou não, entre outros.
Silva (2017) defende a ideia de que os direitos sociais valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao alcance da igualdade real, fazendo com que sejam mais compatíveis com o exercício efetivo da liberdade individual.
Todavia, se analisado em seus aspectos sociais, o direito à saúde privilegia a igualdade, de modo que, para preservar-se a saúde de todos é necessário que ninguém possa impedir outrem de procurar seu bem-estar ou induzi-lo a adoecer. Essa é a razão das normas jurídicas que obrigam à vacinação, haja vista que uma pessoa que opta por não ser imunizada poderá contrair a doença e transmiti-la a todas as pessoas que estiverem ao seu redor.
Sobre o assunto, Ledur (in Sarlet, 2015), afirma que no caso dos direitos sociais, embora em causa esteja a preocupação com o indivíduo como pessoa, assume relevo a condição da pessoa na sua relação com a comunidade, ao passo que, nos direitos coletivos, o que sobressai é o conceito de grupo social ou entidade, sendo que a coletividade em si é quem assume a posição de titular, ou seja, a posição de sujeito do direito fundamental.
Diferente disso, Sarlet (2015, p. 223) discorre que “os direitos fundamentais sociais referem-se, inicialmente, à pessoa individualmente considerada e é a pessoa, embora socialmente vinculada e responsiva, o titular desse direito”.
Cabe destacar, entretanto que, apesar de atenderem às necessidades individuais do ser humano, tais direitos têm nítido caráter social, pois, uma vez não atendidas as necessidades de cada um, seus efeitos recaem sobre toda a sociedade.
“A proteção social se preocupa sobretudo com os problemas individuais de natureza social, assim entendidos aqueles que, não solucionados, têm reflexos diretos sobre os demais indivíduos e, em última análise sobre a sociedade. A sociedade então, por intermédio de seu agente natural, o Estado, se antecipa a esses problemas, adotando para resolvê-los principalmente medidas de proteção social.” (LEITE, 1972, p. 21).
Dessa forma, verifica-se que o Estado tem a obrigação de proteger a coletividade de pessoas e, não somente, o ser humano de forma isolada, visto que a não efetivação dos direitos fundamentais na esfera individual pode restringir e, até mesmo impedir, a aplicação destes direitos à sociedade.

2 A RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA APLICABILIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

Os direitos fundamentais, como citado anteriormente, trazem normas destinadas a assegurar uma vida e convivência humana digna, justa e pacífica. Devido a sua importância, os direitos fundamentais demandaram uma proteção especial pelo ordenamento jurídico, exigindo a vedação de atos que afrontem a aplicação e garantia de tais direitos.
Neste contexto, a responsabilidade civil se apresenta como um dos instrumentos que o Estado colocou à disposição das pessoas para fazer com que toda e qualquer lesão, ocasionada por afronta aos direitos fundamentais, seja objeto de resposta estatal, para restabelecimento da ordem social (SOARES, 2009).
Conforme se extrai da doutrina, a responsabilidade civil consiste na reparação de um dano, pelo agente causador ou terceiro que esteja sob a guarda do agente, para ressarcir os danos provocados em razão de um fato ou conduta realizado em desfavor de outrem.
Venosa (2015) afirma que o termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual uma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso.
Dessa forma, para que se tenha uma responsabilização é necessário que estejam presentes alguns requisitos, como a ação ou omissão do agente, o dano, o nexo de causalidade e, em alguns casos, a culpa.
Nos casos da não vacinação obrigatória, a conduta dos pais é perfeitamente identificável, assim como a ligação entre esta conduta e o dano causado à saúde da criança ou adolescente, bem como a toda sociedade, sendo caracterizada, portanto, a responsabilidade civil.
Outrossim, por este ramo do Direito possuir inúmeras espécies e classificações doutrinarias e jurisprudenciais, aqui, no âmbito da responsabilização civil diante da não vacinação obrigatória, convêm destacar as espécies da responsabilidade civil, os pressupostos para a sua existência e a responsabilidade dos pais pelos filhos menores.

2.1 ESPÉCIES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil, por se tratar de um assunto bastante complexo, divide-se em espécies, a depender de onde provém o dever jurídico e qual o elemento subjetivo da conduta violadora.
Há, no Direito, de um lado, uma classificação que divide a responsabilidade civil em subjetiva e objetiva e, de outro, em responsabilidade civil contratual e extracontratual, de modo que a primeira classificação é centrada na existência ou não do elemento culpa e, a segunda, na natureza da norma jurídica violada.

2.1.1 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

A classificação doutrinária da responsabilidade civil com base na existência da culpa é denominada responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva. Tais espécies definem se a culpa será ou não considerada elemento da obrigação de reparar o dano.
A responsabilidade civil subjetiva é aquela decorrente de dano causado em função de ato doloso ou culposo. Nela, faz-se necessária a presença do elemento culpa, aqui citado em sentido lato, para configurar o dever de reparação.
A ideia de culpa está intimamente ligada à responsabilidade, de modo que, com base na responsabilidade civil subjetiva, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de cautela em seu agir (CAVALIERI FILHO, 2015).
O Código Civil de 2002 adota a teoria subjetiva, ao exigir o dolo e a culpa como fundamentos para a obrigação de reparar o dano. Conforme estabelece o artigo 186, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002).
Todavia, há hipóteses em que não é necessária a caracterização da culpa. Nesses casos, verifica-se o que se convencionou chamar de responsabilidade civil objetiva.
Segundo tal espécie de responsabilidade, o dolo ou culpa na conduta do agente causador do dano é irrelevante juridicamente, haja vista que somente será necessária a existência do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável para que surja o dever de indenizar (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2009).
Na responsabilidade civil objetiva, ao ser afastado o elemento culpa, a causalidade passa a ser o principal ponto a ser observado, de modo que irá justificar, ou mesmo descartar, a transferência do prejuízo da vítima a outrem, e o dever de reparação será baseado especialmente na teoria do risco.
O que se observa é que o ordenamento jurídico brasileiro adota ambas as espécies de responsabilidade civil, no entanto, a responsabilidade subjetiva possui maior aplicação, sendo adotada como regra a existência de culpa para a garantia da reparação do dano ao ofendido.

2.1.2 Responsabilidade civil contratual e extracontratual

Outra classificação da responsabilidade civil presente no direito brasileiro diz respeito à forma como se deu o vínculo entre o agente causador do dano e o ofendido. Trata-se, nesse caso, da responsabilidade civil contratual e responsabilidade civil extracontratual.
Na responsabilidade contratual, existe uma relação jurídica preexistente que decorre da manifestação das partes, na celebração de um negócio jurídico, mais comumente o contrato.
Nesta modalidade, o dever de indenizar surge quando uma das partes resta inadimplente por não cumprir a obrigação avençada e cabe ao credor demonstrar que a prestação foi descumprida. Aqui, o devedor só não será condenado a reparar o dano se provar a ocorrência de alguma das excludentes admitidas na lei, quais sejam, a culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior.
Por sua vez, a responsabilidade extracontratual refere-se ao vínculo decorrente da lei, na qual o agente infringe um mandamento legal, deixando de observar o dever genérico de não lesar e não causar dano a ninguém.
Conforme tal classificação, não existe nenhum vínculo jurídico entre a vítima e o causador do dano, quando este pratica o ato ilícito. Ademais, a responsabilidade civil extracontratual compreende a violação dos deveres gerais de abstenção ou omissão, como os que correspondem aos direitos da personalidade (GONÇALVES, 2015).
Cavalieri Filho (2015) diferencia ambas as classificações, definindo a responsabilidade contratual como aquela decorrente de um vínculo obrigacional preexistente, onde o dever de indenizar é consequência do inadimplemento. Já a responsabilidade extracontratual é aquela na qual o dever de indenizar surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que preexista qualquer relação jurídica entre o ofensor e a vítima.
Nesse sentido, para caracterizar a responsabilidade civil contratual, faz-se necessário que a vítima e o autor do dano já tenham se aproximado anteriormente e se vinculado para o cumprimento de uma ou mais prestações, sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir, ao passo que, na responsabilidade extracontratual, viola-se um dever necessariamente negativo, ou seja, a obrigação de não causar dano a ninguém (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2009).
Dessa forma, trazendo essa classificação para o tema responsabilidade civil diante da não vacinação obrigatória dos filhos, verifica-se que o assunto é abarcado pela responsabilidade civil extracontratual, tendo em vista que o dever dos pais de guarda e proteção da saúde dos filhos é expressamente previsto na legislação brasileira, havendo, portanto, o descumprimento de um dever legal.

2. 2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil, como citado anteriormente, possui alguns elementos imprescindíveis para a sua caracterização, de modo que a ausência de um dos requisitos afasta o dever de indenizar. Tais pressupostos são classificados como a ação ou omissão do agente, o dano, o nexo causal e, em alguns casos, a culpa.
O Código Civil Brasileiro, em seus artigos 186 e 927, tratou de especificar os quatro elementos essenciais da responsabilidade civil.
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” (BRASIL, 2002).
Com base nos artigos supracitados, verifica-se que a conduta culposa do agente fica determinada pela expressão “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia”. O nexo causal, por sua vez, vem expresso no verbo “causar”. Por fim, o dano é revelado nas expressões “violar direito ou causar dano a outrem” (CAVALIERI FILHO, 2015).
Analisando separadamente os elementos da reponsabilidade civil, verifica-se que a conduta humana, caracterizada por uma ação ou omissão, é a manifestação voluntária do agente, seja ela positiva ou negativa, que produz consequências jurídicas. Diz-se que o agente agiu voluntariamente quando ele pratica atos que podem lesar outrem, diferente da omissão voluntária, na qual o agente deixa de realizar uma conduta juridicamente devida.
O dano, por sua vez, refere-se à “lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não – causado por ação ou omissão do sujeito infrator”. Em síntese, trata-se do prejuízo sofrido pela vítima, seja ele individual ou coletivo, moral ou material, o qual irá determinar se haverá o dever de indenizar. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2009, p. 36).
O terceiro elemento da responsabilidade civil refere-se ao nexo de causalidade, que nada mais é que a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado. Este elemento é determinante para identificar o dever de reparação civil, de modo que, se houver o dano, mas, sua causa não estiver relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação de causalidade e, consequentemente, a obrigação de indenizar (GONÇALVES, 2015).
Por fim, a culpa, é a inobservância de um dever que o agente devia conhecer e observar. A culpa, no âmbito da responsabilidade civil, abrange não somente o ato ou conduta intencional, o dolo, mas também os atos ou condutas eivados de negligência, imprudência ou imperícia, qual seja, a culpa em sentido estrito.
Este elemento é imprescindível para a configuração da responsabilidade civil subjetiva, podendo, no entanto, ser dispensada nos casos previstos na legislação, classificados como responsabilidade civil objetiva.

2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS PELOS FILHOS MENORES DE IDADE

Como regra, a responsabilidade civil no Brasil recai sobre o agente que praticou o ato danoso em desfavor de outrem. No entanto, existem hipóteses em que um terceiro, pode ser responsabilizado por expressa previsão legal.
O Código Civil Brasileiro estabelece, em seu artigo 932, os casos em que uma pessoa pode ser responsabilizada sem ter causado o dano de forma direta.
“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.” (BRASIL, 2002).
No presente estudo, entretanto, a responsabilidade dos pais pelos filhos menores de idade merece um destaque especial. Isso porque, nos casos em que as vacinações obrigatórias não são realizadas da maneira correta, é este sujeito quem entrou em ação ou deveria ter entrado.
Quando o calendário de vacinações não é respeitado, as crianças e adolescentes ficam vulneráveis às doenças que seriam imunizáveis e, em consequência disso, ficam extremamente abertas a causar danos às outras pessoas que convivem ao seu redor.
Nesse contexto, a responsabilidade civil entra em ação, exigindo uma reparação pelos prejuízos causados em razão desta conduta e são os pais, como responsáveis pelos filhos menores de idade, que detém o dever de ressarcir tais prejuízos.
Essa espécie de responsabilidade tem por fundamento o vínculo jurídico legal existente entre pais e filhos menores, qual seja, o poder familiar, que impõe aos pais várias obrigações, entre as quais a de assistência material e moral e de vigilância, sendo este nada mais que um comportamento da obra educativa. Dessa forma, a inobservância dessas obrigações justifica a responsabilização dos pais, uma vez que um filho criado por quem observa à risca esses deveres não será autor de fato danoso a outrem (CAVALIERI FILHO, 2015).
Conforme estabelece o artigo 933, do Código Civil, a responsabilidade paterna independe de culpa, bastando que haja o dano e o nexo entre o prejuízo e a conduta do menor. Assim, ”responde pelo ressarcimento do dano causado pelo filho, o pai que não o educa bem ou não exerce vigilância sobre ele” (GONÇALVES, 2015, p. 145).
Dessa forma, infere-se que o dever de reparar o dano causado pelo menor de idade está na culpa direta dos pais, consistente na omissão do dever de vigilância (GONÇALVES, 2015). Os pais que não observarem o calendário obrigatório de vacinações dos filhos responderão de forma direta, por ausência da observância de seu dever legal, pelos danos causados em razão dessa conduta.

3 A OBRIGATORIEDADE DAS VACINAÇÕES INFANTIS NO BRASIL E AS CONSEQUÊNCIAS PELO NÃO CUMPRIMENTO

No Brasil, desde o início do século XIX, as vacinas são utilizadas como medida de controle de doenças, sendo as principais responsáveis pela erradicação de várias epidemias. Atualmente, entretanto, surgiram grupos antivacinas em vários locais do mundo, que utilizam como argumento para a não vacinação, falsas informações que associaram a vacina contra o sarampo ao surgimento do autismo, entre outros motivos, sem qualquer fundamentação precisa.
Em razão dessas falsas informações, as doenças que até então encontravam-se na lista das doenças erradicadas, voltaram a aparecer como uma ameaça à saúde da população. As crianças e adolescentes passaram a ficar vulneráveis aos vírus e, com isso, passaram a ter o direito fundamental prejudicado, o que merece um cuidado especial pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Significativamente, vários institutos protegem os direitos das crianças e adolescentes. A Constituição Federal, o próprio Código Civil e ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente, fortalecidos por leis complementares, afirmam a necessidade de amparo, assistência e suporte, responsabilizando os responsáveis quando da negligência, do descuido e do abandono.
Os pais e responsáveis, juntamente com a sociedade e o Estado, devem garantir às crianças e adolescentes todos os meios necessários para a sua subsistência, seja no âmbito material ou afetivo, devendo ser assegurados os direitos e garantias a eles inerentes, inclusive propiciando saúde, educação, lazer, alimentação, vestuário e todas as demais necessidades para uma vida digna, conforme preceitua o artigo 227, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
No mesmo sentido, o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que faz parte dos deveres da família, da sociedade e do Estado, assegurar, entre outros, o direito à saúde das crianças e adolescentes (BRASIL, 1990).
Dessa forma, para garantir o direito fundamental à saúde dessa faixa etária, o Estatuto estabeleceu, em seu artigo 14, § 1º, a obrigatoriedade das vacinações, nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.
“Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos. § 1º É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.” (BRASIL, 1990).
Por sua vez, havendo o descumprimento ou violação dos direitos da criança ou adolescente, ou ainda, se os responsáveis abusarem dos seus poderes, o Poder Público tem a incumbência de penalizar os responsáveis, podendo adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha, conforme estabelecem os artigos 1.637 e 1.638 do Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002).
Tal previsão legal está disposta, ainda, no Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual estabelece em seus artigos 22 e 24 que, quando constatado o descumprimento pelos pais dos deveres que tem com a prole, ser-lhes-á passível a perda ou suspensão do poder familiar (BRASIL, 1990).
Não obstante, o artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente, prevê multa de três a vinte salários mínimos, àqueles que descumprirem os deveres inerentes ao poder familiar, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
“Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar: Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.” (BRASIL, 1990).
Assim, o descumprimento do calendário de imunização, que é parte dos deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, sujeita o infrator à multa de três a 20 salários mínimos, sendo o dobro em caso de reincidência.
Tais condutas, além das consequências supracitadas, poderão ser reprováveis com aplicação de penalidades e nos casos mais graves, até mesmo com a perda do poder familiar da criança não imunizada, bem como dos demais filhos que estejam sob o poder familiar daquele genitor.
Ainda, atinente ao assunto, a Lei n. 6.259/75 e o Decreto n. 78.231/76, dispõem sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica, sobre o Programa Nacional de Imunizações e estabelecem as normas relativas à notificação compulsória de doenças.
O artigo 29 do referido Decreto determina que é dever de todo cidadão submeter-se às vacinações obrigatórias, bem como submeter os menores dos quais tenha a guarda ou responsabilidade (BRASIL, 1976).
Ademais, o artigo 43 do mesmo Diploma Legal, estabelece que a inobservância das obrigações estabelecidas na Lei 6.259/75 configura infração da legislação referente à saúde pública, sujeitando o infrator às penalidades previstas.
“Art. 43. A inobservância das obrigações estabelecidas na Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975, neste Regulamento e em suas normas complementares, configura infração da legislação referente à Saúde Pública, sujeitando o infrator às penalidades previstas no Decreto-lei nº 785 de 25 de agosto de 1969, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.” (BRASIL, 1976).
A inobservância no calendário de vacinações obrigatórias, conforme supracitado, possui as formas de responsabilização elencadas no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, nas legislações esparsas que versam sobre os programas de vacinações e as ações da vigilância epidemiológica, bem como, no Código Civil Brasileiro, sendo totalmente reprovável a conduta dos responsáveis que optarem por não vacinar.

3.1 A INCIDÊNCIA DA TUTELA INIBITÓRIA NOS CASOS DE NÃO VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA DOS FILHOS

São várias as formas de responsabilização civil dos pais que não realizam a vacinação dos filhos, de modo que a negligência é punida com a aplicação de multas, ou mesmo com a suspensão ou perda do poder familiar, nos casos mais graves. Todavia, em razão do imenso impacto que o ato poderá implicar para toda a população, faz-se necessária a aplicação de uma responsabilização mais eficaz.
Nos casos de não vacinação obrigatória dos filhos há a violação do direito à saúde da criança ou do adolescente, que passa a ficar desprotegido em relação às doenças imunizáveis. Ainda, referido ato gera consequências irreparáveis para vários setores da sociedade, ao colocar em risco a saúde de todas as pessoas que vivem no mesmo meio.
Nesse caso faz-se necessária a aplicação de uma responsabilização que impeça a ocorrência do dano, de forma que iniba a prática do ato ilícito, responsabilizando os indivíduos que violarem determinada norma antes mesmo da ocorrência do dano.
Trata-se da chamada tutela inibitória, a qual, segundo Marinoni (2006), tem como fito a prevenção da prática, da continuação ou da repetição do ilícito, não tendo para tanto caráter punitivo e, sim, preventivo. Assim, caberá o uso da inibitória em face de alguém que, mesmo sem culpa, estiver na iminência de praticar um ilícito.
No ordenamento jurídico brasileiro, a tutela inibitória encontra-se no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988). Além disso, está prevista no artigo 497 do Código de Processo Civil, onde determina que o juiz concederá tutela específica ou determinará providências para assegurar o direito nas ações que tenham por objeto a prestação de fazer ou não fazer, sendo irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo (BRASIL, 2015).
Essa espécie de tutela, diferente do que ocorre nas formas de responsabilidade civil tratadas anteriormente, possui como pressuposto apenas a ameaça a um direito inviolável, sendo desnecessária a ocorrência do dano. Para que haja a aplicação da tutela inibitória basta demonstrar a probabilidade de dano que referido ato poderá causar para a sociedade.
Atualmente, a tutela inibitória é aplicada no direito brasileiro mais comumente para garantir os direitos ambientais e consumeristas, em razão dos danos causados pela violação dos referidos direitos. No entanto, referida tutela merece importante destaque na garantia do direito à saúde da população, no que concerne às imunizações regulares, decorrentes da realização das vacinas obrigatórias.
Diz-se isso porque, quando o calendário de vacinações não é respeitado, as crianças e adolescentes e demais pessoas que convivem no mesmo espaço, ficam vulneráveis às doenças que seriam imunizáveis pelas vacinas determinadas pelas autoridades sanitárias.
Além do mais, os impactos causados pelas pessoas que não realizam as vacinas obrigatórias não são compensados com pecúnia, haja vista o estrago que podem gerar para toda sociedade. Estragos estes, do mesmo nível, se não mais graves, que os danos ambientais e os decorrentes das relações de consumo.
Dessa forma, infere-se que a tutela inibitória apresenta-se como uma prevenção à prática do ato ilícito, de modo que a aplicação de referida tutela garante a aplicação efetiva do direito que está na iminência de ser violado. Ademais, se analisada com ênfase nos casos de vacinação obrigatória, verifica-se que a aplicação desta proteção reserva à população o direito fundamental à saúde, garantindo a todos uma vida digna.

3.2 ÓRGÃO COMPETENTE PARA MANEJAR AÇÃO JUDICIAL

As crianças e adolescentes, como seres em desenvolvimento, possuem uma proteção especial pelo ordenamento jurídico brasileiro. A eles são garantidos todos os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, além de outros direitos, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como em legislação esparsa.
Para a garantia desses direitos, entretanto, o Poder Público e a sociedade têm o dever de criar modos de proteção e amparo ao sadio desenvolvimento de crianças e adolescentes, através de políticas públicas e sociais, a fim de reparar eventuais desigualdades (FONSECA, 2015).
Contudo, quando essas medidas não são tomadas, ou mesmo quando há a violação dos direitos reservados às crianças e adolescentes, como nos casos em que o calendário obrigatório de vacinações infantis não for respeitado, há que se observar que órgão possui legitimidade para ingressar com ação judicial, para a defesa dos titulares desses direitos.
Nesse ponto, o Ministério Público assume importante papel na tutela dos direitos e garantias das crianças e adolescentes. Isso porque, conforme dispõe o artigo 201, do Estatuto da Criança e do Adolescente, cabe ao Ministério Público, dentre outras atribuições, promover as medidas judiciais cabíveis para o efetivo respeito dos direitos e garantias legais assegurados aos menores de idade (BRASIL, 1990).
Além disso, este Órgão Ministerial é o responsável por trabalhar pelos direitos da sociedade, pela preservação do bem comum e igualmente pela proteção dos direitos de crianças e adolescentes, sejam individuais, coletivos ou difusos, em razão de ser o principal defensor dos interesses sociais e individuais indisponíveis (FONSECA, 2015).
Não obstante, merece destaque a atuação do Conselho Tutelar, nos casos de negligência dos pais, como responsável por zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes, consoante estabelece o artigo 131 do Estatuto (BRASIL, 1990).
Ademais, cabe ao Conselho Tutelar, a aplicação de medidas específicas de proteção, de modo que sejam tomadas providências em nome da Constituição e do Estatuto, a fim de que cessem a ameaça ou violação dos direitos das crianças e adolescentes (MACIEL, 2009).
Outrossim, “as normas jurídicas impõem a todos da sociedade não só abstenção de atitudes que agridam ou ponham em risco os direitos da criança e do adolescente, mas dá a cada um o poder-dever de vigilância daqueles direitos” (FIRMO, 1999, p. 175).
Destarte, para que os direitos das crianças e adolescentes sejam assegurados na esfera judicial, é necessário que, qualquer pessoa que presenciar ou tomar conhecimento da falta de imunização, decorrente da negligência dos pais ou responsáveis, informe o caso ao Conselho Tutelar, ou mesmo a uma Promotoria de Justiça, a fim de que sejam tomadas as medidas cabíveis, para a proteção à saúde dos titulares desses direitos e de toda a população.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A vacinação infantil está passando por um grande movimento impulsionado por grupos antivacinas, que dissipam informações inverídicas, por meio das redes sociais, acerca das consequências que as vacinas obrigatórias podem gerar para as crianças e adolescentes e, em consequência disso, acerca do direito de escolher vacinar os filhos ou não.
A respeito do assunto, o ordenamento jurídico brasileiro estabeleceu formas de responsabilização civil para os pais e responsáveis que não respeitam o calendário de vacinações dos filhos, as quais estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Constituição Federal e em legislações complementares.
Tal previsão está especificada no artigo 14, § 1º, do Estatuto, ao tratar como obrigatória as vacinações determinadas como tal pelas autoridades sanitárias, o que torna a decisão de não vacinar uma prática ilegal. Como consequências, os responsáveis poderão ser submetidos ao pagamento de multa, a suspensão ou até mesmo a perda do poder familiar.
Além do mais, quando o calendário de vacinações não é respeitado, há a violação do direito fundamental à saúde da própria criança e de toda a população que convive no mesmo espaço. Referido direito é classificado como um direito social e deve ser assegurado pelo Estado por meio da aplicação de políticas públicas.
Outrossim, referido ato gera uma contradição entre o direito das famílias ou individual dos pais de decidirem sobre a vida das crianças, por um lado; e o direito coletivo à saúde da população, por outro.
Todavia, como visto no decorrer do trabalho, merece destaque a proteção à saúde coletiva em detrimento do direito individual, uma vez que a não vacinação obrigatória pode por em risco uma nação inteira, fazendo surgir doenças que seriam facilmente evitadas caso as vacinações fossem feitas conforme determinação dos setores de imunizações, além de por em risco a vida da própria criança e adolescente que estão sob a guarda daquele responsável.
Não obstante, o direito brasileiro prevê, no âmbito da responsabilização civil, que os pais são os responsáveis pelos atos praticados pelos filhos menores de idade que estejam sob sua guarda e, quando o calendário de vacinações é desrespeitado, são esses sujeitos que não observaram o dever de cautela que lhes é atribuído pela legislação.
Ademais, verifica-se que a tutela inibitória apresenta-se como um importante instrumento processual para a garantia dos direitos extrapatrimoniais, tendo em vista que sua atuação destina-se a prevenção do dano. A inobservância do calendário de vacinações gera consequências irreparáveis, de modo que a negligência dos pais dever ser evitada antes mesmo da ocorrência do dano, ou seja, deve-se aplicar a tutela inibitória.
Por sua vez, caso não haja a satisfação espontânea do direito à saúde, está-se diante de uma lesão aos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes. Assim, nasce para os titulares do direito a pretensão e, por via de consequência, estes poderão utilizar-se do direito constitucional de ação para obter a reparação da lesão causada.
Dessa forma, o Ministério Público, por expressa previsão legal, apresenta-se como o responsável por manejar a ação judicial para a garantia do direito à saúde das crianças e adolescentes, haja vista ser o defensor dos direitos desta classe.
Infere-se, portanto, que a responsabilização civil dos responsáveis que não respeitarem o calendário obrigatório de vacinações infantis deve ser aplicada com um olhar especial para a tutela inibitória. Destaca-se, nesse ponto, a necessidade de uma regulamentação específica que garanta o direito à saúde de toda a população, especialmente das crianças e adolescentes, de modo que o ato de não vacinar seja inibido pela aplicação da referida tutela, evitando-se, assim, o surgimento das doenças imunizáveis pelas vacinas obrigatórias.

REFERÊNCIAS

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___. Lei n. 6.259/75, de 30 de outubro de 1975. Dispõe sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica, sobre o Programa Nacional de Imunizações, estabelece normas relativas à notificação compulsória de doenças, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 out. 1975. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccIVIL_03/leis/L6259.htm>. Acesso em: 18 mar. 2019.

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