Atualmente, muito se discute sobre as medidas atípicas adotadas pelo Poder Judiciário com o objetivo de dar maior efetividade ao processo de execução por meio do alcance efetivo da satisfação do crédito pecuniário. As decisões proferidas pelos Tribunais seguem sem convergência até o momento, resultando num cenário de insegurança jurídica e de grande relevância e significado para a ordem social.
Com o advento do Novo CPC em 2015 e a previsão contida no seu artigo 139, inciso IV, diversas medidas coercitivas passaram a ser aplicadas de forma indiscriminada no intuito de coibir o devedor ao adimplemento, motivo pelo qual a discussão sobre seus limites se fez necessária no âmbito jurídico-processual. Dentre as principais ordens restritivas, a retenção do passaporte e/ou da Carteira Nacional de Habilitação – CNH ganhou evidência no debate acerca da constitucionalidade e efetividade de tais medidas.
Quando se trata especificamente das ordens restritivas acima destacadas, se mostra até desnecessária uma vasta pesquisa jurisprudencial acerca do tema para que seja possível destacar as mais variadas decisões e entendimentos permeando o assunto.
Além dos aspectos já destacados anteriormente, quais sejam, constitucionalidade e efetividade da medida, mais um vem ganhando destaque no bojo das discussões sobre o tema, qual seja, o tempo de duração da medida coercitiva.
A norma processual, em sua natureza infraconstitucional, deve ter como lastro a Carta Maior, seja no que toca aos princípios processuais nela previstos, seja em relação aos direitos fundamentais por ela resguardados. Neste particular é que as ordens de retenção de passaportes e CNHs se viram em confronto com o direito pessoal de ir e vir do pretenso devedor, direito este garantido constitucionalmente pelo artigo 5º, inciso XV, da CF/88.
Do mesmo modo, a aplicação do inciso IV do art. 139 do NCPC deve ser orientada pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, do contraditório e da ampla defesa, e da adequada fundamentação das decisões judiciais.
Foi a partir da discussão da constitucionalidade da norma que a matéria chegou ao Supremo Tribunal Federal em maio de 2018, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5.941, a qual questiona os citados dispositivos do NCPC que autorizam a adoção de medidas indutivas e coercitivas “necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial”, ainda que em caráter subsidiário.
É possível destacar duas decisões recentemente proferidas que ratificam o quão divergente vem se mostrando o entendimento acerca do tema.
Em junho de 2022, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça debateu a questão ao julgar o HABEAS CORPUS Nº 711.194 – SP (2021/0392045-2), autorizando o bloqueio do passaporte de uma senhora até o pagamento da dívida, em razão de um débito de honorários advocatícios sucumbenciais, prevalecendo o voto da Ministra Nacy Andrighi (Julgado 21/06/2022, Relator
Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relatora para Acórdão Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI – https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2185508&num_registro=202103920452&data=20220627&formato=PDF)
Válidos os destaques abaixo do voto da Ministra Nancy Andrighi nos quais podemos vislumbrar os aspectos da efetividade e duração da medida:
“39) Isso porque ou bem o devedor realmente se encontra em situação de penúria financeira e não reúne condições de satisfazer a dívida (e, nessa hipótese, a suspensão do passaporte será duplamente inócua, como técnica coercitiva e porque o documento apenas ficará sob a posse do devedor no Brasil, diante da impossibilidade de custear viagens internacionais) ou o devedor está realmente ocultando patrimônio e terá revogada a suspensão tão logo quite as suas dívidas.
40) Sublinhe-se que, na hipótese, não há nenhuma circunstância fática justificadora do desbloqueio de passaporte da paciente e que autorize, antes da quitação da dívida, a retomada de suas viagens internacionais que, ao que tudo indica, eram bastante corriqueiras.”
Já na seara trabalhista, a controvérsia ainda recai sobre a natureza alimentar do crédito executado, trazendo à baila o embate entre os direitos ligados à liberdade do cidadão e o direito alimentar do trabalhador de forma equilibrar o direito do credor e a dignidade do devedor.
E foi nessa esfera, com entendimento divergente àquele adotado pela 3ª Turma do STJ, que o nosso escritório obteve, em recente decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) em sede de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, a cassação da medida executiva consistente na retenção do passaporte de um acionista da empresa executada. O TRT da 5ª Região havia denegado a segurança pretendida, sendo a decisão reformada após interposição de recurso ao TST. O fundamento basilar consistiu na ausência de qualquer garantia de que a medida imposta resultaria no adimplemento da dívida, não obstante a natureza alimentar do crédito trabalhista executado. Segundo o Ministro Relator, “não há relação de causa e efeito entre a aplicação da medida coercitiva deferida pelo ato coator e as verbas trabalhistas e o pagamento da dívida” (D.O. Publicação em: 24/05/2022. Processo Nº ROT-0001490-33.2019.5.05.0000. Relator Min. Alberto Bastos Balazeiro – https://consultadocumento.tst.jus.br/consultaDocumento/despacho.do?anoProcInt=2021&numProcInt=11136&dtaPublicacaoStr=23/05/2022%2019:00:00&nia=0), entendendo pela abusividade da ordem exarada. A referida decisão transitou em julgado no último dia 21.06.2022.
Indo além da constitucionalidade do dispositivo, não se pode perder de vista a análise acerca da efetividade das medidas coercitivas a serem aplicadas ao devedor, sob pena de serem legitimadas penas restritivas de direitos sem prévia cominação legal (artigo 5º, II, da CF) ou sem a efetividade esperada. A retenção de um passaporte e/ou da CNH atinge a pessoa do devedor e não seu patrimônio, sendo este último o real objeto da execução nos termos previstos no art. 789 do NCPC.
Em que pese seja incontroverso o direito do exequente de ver satisfeito o seu crédito, o princípio da efetividade da execução deve ser, ainda, balizador das medidas adotadas à satisfação do respectivo crédito. Tal circunstância nos leva ao questionamento sobre a restrição de uma garantia individual, não patrimonial, conduzir à efetiva satisfação do crédito patrimonial executado ou não.
Até ulterior posicionamento do STF, certo é que o art. 139, IV, do CPC de 2015 faculta ao juiz determinar as medidas necessárias para o cumprimento do comando judicial, tal como a suspensão de CNH e passaportes. Todavia, também é certo que a medida não deveria ser utilizada como sucedâneo punitivo, mas sim para que, comprovadamente, objetive alcançar a satisfação do título executivo.
Como visto, o tema leva a muitos vieses de discussão, motivo pelo qual muito se aguarda pelo julgamento do STF em prol de uma maior segurança jurídica na efetividade das execuções. A citada ADI 5.941 tem como relator o Ministro Luiz Fux, o qual foi um dos elaboradores do Novo CPC, sendo grande a expectativa sobre como enfrentará o tema. Os autos estão em pauta para julgamento em 25/08/2022.
Fabiana Galdino Cotias, advogada da SiqueiraCastro– fgcotias@siqueiracastro.com.br
Graduou-se pela Universidade Salvador (UNIFACS), em 2005
Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pelo Jus Podivm/Unyahna (SSA/BA)
Paula Araújo Bastos, advogada da SiqueiraCastro – pbastos@siqueiracastro.com.br
Graduada pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL, 2004
Especialização em Direito Processual pelo Centro de Cultura Jurídica Bahia – Prof. Calmon de Passos, 2008
LL M em Direito Empresarial pela FGV – 2018.
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