Resumo: Este artigo busca verificar a existência da subordinação nas relações de trabalho entre a empresa Uber[1] e os motoristas que prestam serviços de transporte de passageiros através da indicação de clientes pela referida corporação, trazendo o argumento se há eventual vinculação subordinativa indicadora de uma atividade irregular de trabalho ou não.
Abstract: This article seeks to verify the existence of subordination in the labor relations between the Uber company and the drivers that provide passenger transport services through the indication of clients by said corporation, bringing the argument if there is any possible subordinate linkage indicating an irregular work activity or not.
Sumário: Introdução. 1. Princípio da Continuidade da Relação de Emprego. 2. Subordinação. 3. Trabalho autônomo. 4 Direito comparado. 5. Conclusões. 6. Referências.
Introdução
Com a expansão de novas tecnologias e formas de prestação de serviço, as relações de trabalho ganharam contornos cada vez mais complexos, o que pode culminar em eventuais mitigações a direitos indisponíveis consagrados pela Constituição Federal e por leis que regulamentam envolvimentos empregatícios formais.
A criação de diversos aplicativos expandiu as fontes de renda da população. A Uber, que será o foco deste artigo, utiliza-se destes meios eletrônicos para captar a informação de usuários que desejam se locomover a determinado local, e a enviam para outros usuários que estão dispostos em realizar a referida prestação de serviço, colhendo dinheiro de um, e dividindo com o outro. Ou seja, trata-se de uma legítima configuração de relação de trabalho entre o motorista e a referida empresa, eis que um disponibiliza a oportunidade ao serviço, e o outro recebe proventos financeiros decorrentes de sua concretização.
Contudo, soa estranho aceitar, sem qualquer tipo de embargo, que os referidos motoristas são meros prestadores de serviço, eis que, em muitas ocasiões, o indivíduo acaba adentrando em uma rotina onde necessita realizar o trabalho, para receber a sua remuneração, com o intuito de garantir a sua subsistência pessoal.
A atenção é redobrada principalmente quando se observa, nos próprios termos e condições disponibilizados pela Uber, que a empresa poderá encerrar, a qualquer momento e por qualquer motivo, a disponibilização de serviços, tanto ao consumidor, quanto ao motorista[2]. Ora, sendo assim, mesmo que não haja legislação expressa regulamentando este tipo de atividade, é oportuno debruçar a atenção para o fato que, se a empresa disponibiliza serviços ao motorista mediante a sua própria liberdade, remunerando-o pela quantidade de serviço prestado, e, pelo fato de que a empresa pode rescindir unilateralmente o contrato a qualquer momento e por qualquer motivo, observa-se que as partes não estão em pé de igualdade, situação esta que deveria se verificar nas prestações de serviço em geral.
Sendo assim, a relação que há entre os motoristas e a empresa Uber é totalmente diferente de, por exemplo, uma empresa que contrata um pintor para pintar a sua sede. No caso do pintor, a rescisão imotivada causaria no máximo a condenação por perdas e danos, isso se fosse verificada a culpa por uma das partes, eis que o pintor não estará vinculado de forma contínua e subordinada à empresa. Já no caso do motorista Uber, o indivíduo teria sérias consequências na rescisão imotivada do contrato, eis que, normalmente, se verifica que os referidos serviços são prestados de forma pessoal, habitual e onerosa, o que acaba gerando uma certa relação de dependência entre o referido prestador de serviço e a empresa. Logo, o cancelamento imotivado causaria um impacto econômico substancial na vida do motorista, tendo em vista que perderia a sua estabilidade financeira, que é uma das principais funções de todo o ordenamento justrabalhista.
Se é assim, justifica-se a análise de institutos tão profundos quanto a subordinação e eventuais princípios na seara trabalhista para verificar se o motorista da Uber deve receber amparo da legislação e da justiça trabalhista.
1. Princípio da Continuidade da Relação de Emprego
Um dos princípios mais importantes na seara justrabalhista é justamente o Princípio da Continuidade da Relação do Emprego, que busca garantir a permanência do vínculo empregatício entre o trabalhador e a empresa.
De acordo com Maurício Godinho Delgado[3] o referido princípio traz três benefícios ao obreiro. O primeiro é justamente o fato de que o empregado possui a tendência de incrementar os seus direitos trabalhistas com o passar do tempo, eis que, se é representado por um sindicato, a categoria, em regra, buscará continuamente a implementação de benefícios e direitos aos vinculados a classe. O segundo reside no aperfeiçoamento profissional que o empresário investirá no obreiro, tendo em vista que, se a relação é longínqua e duradoura, o mesmo não medirá esforços para extrair o que há de melhor em seus colaboradores, o que potencializa de forma individual e social o ser humano que realiza o trabalho. Por fim, a última benesse em relações contínuas de emprego reside no fato de que o obreiro terá cada vez mais lastro econômico e jurídico para se impor no plano das demais relações sociais, o que fomenta de forma direta a economia e impulsiona a sua qualidade de vida através da aquisição de bens oferecidos pelo mercado.
A relevância deste princípio é cada vez mais acentuada quando se verifica o crescimento do número de pessoas que vivem exclusivamente de seu trabalho, o que não pode ser relativizado, sob pena de afrontar princípios constitucionais que são legítimas balizas para a estrutura do Estado Democrático de Direito Brasileiro.
Tais apontamentos influenciaram a legislação trabalhista na criação de normas que protegessem a relação contínua de emprego e punissem atitudes que contrariassem este determinado preceito.
Desta forma, a CLT[4], em seu artigo 492, estabeleceu a chamada estabilidade decenal, que garantia ao obreiro com mais de dez anos de serviço a vedação a dispensa imotivada, com o claro intuito de condicionar as relações empregatícias da época a obediência deste princípio.
Com o tempo, houve a instituição do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS –, através da Lei n.º 5.107/66, que, em seu artigo 1º, estabelecia a opção ao empregado para optar ao regime da estabilidade decenal ou pelo FGTS. O que ocorreu na prática, após a instituição do FGTS, foi uma direta afronta ao princípio estudado, eis que o empregador literalmente condicionava as vagas de emprego da época à escolha pelo regime do FGTS, revogando, de forma social e cultural, a garantia legal ao trabalho contínuo, tendo em vista que ao empregador, a partir deste momento, era garantido o literal direito potestativo de dispensar sem justa causa todo aquele que melhor lhe conviesse, eis que, a punição para tal atitude era uma mera multa de 10%[5] sobre os valores depositados a título de FGTS na conta do obreiro.
Preocupada com este cenário catastrófico de mitigação de direitos sociais oriundos da relação de emprego, a Constituição Cidadã de 1988 trouxe diversos dispositivos com o intuito de ressuscitar o já então falecido Princípio da Continuidade da Relação de Emprego, através dos incisos contidos em seu art. 7º[6].
O inciso I buscou a proteção do obreiro contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa, determinando que lei complementar preveja indenização compensatória e outros direitos para evitar tal represália. No mesmo sentido, o inciso III garantiu o sistema de FGTS a todos os empregados (exceto os domésticos), com isso, houve a desincompatibilização deste sistema com outros que prevejam estabilidade ao empregado, eis que, a opção por um ou por outro não está mais condicionada a escolha do obreiro. Logo, caso o trabalhador já estivesse em gozo da estabilidade decenal após a promulgação da Constituição Federal, também haveria direito em cumular com o recebimento do FGTS. No mesmo sentido, o inciso XXI trouxe a estipulação do aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço de no mínimo 30 dias, com o intuito de gerar, mesmo após a manifestação de vontade por parte do empregador em demitir o empregado, uma certa continuidade do contrato de trabalho para que lhe seja garantido o direito de procurar outra atividade sem que sofra extensos prejuízos.
Além do mais, com o advento da lei 8.036/90, que busca regulamentar o FGTS levando em consideração os preceitos constitucionais promulgados, o seu artigo 18, §1º[7] prevê o aumento da multa de 10% que anteriormente existia, para 40% de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, em caso de dispensa imotivada.
Pelo reflexo deste princípio é possível extrair que a CLT, em seu artigo 443, previu como regra-geral a estipulação do contrato por prazo indeterminado entabulado entre as partes, tendo em vista que o contrato por prazo determinado deve seguir certas formalidades legais.
Diante desta exposição, é possível aferir, com segurança, que, inicialmente, havia um sistema de proteção à continuidade empregatícia que fora quebrado e, futuramente, referendado através da promulgação de uma Constituição Federal. Ora, se houve o nascimento, extinção e renascimento do referido instituto, oportuno pontuar que a ausência do mesmo não é benéfica aos empregados, tendo em vista que, se fosse, ainda continuaria sem aplicabilidade nos dias de hoje, conforme previam as legislações revogadas que condicionavam a escolha de determinado regime ao empregado.
Toda essa explicação histórica se faz necessária para justificar que não é possível aceitar passivamente que a empresa Uber encerre a qualquer momento e por qualquer motivo, a disponibilização de serviços a determinado motorista sem que ônus algum lhe seja imposto[8]. A própria história social demonstrou o quão prejudicial é a ausência de proteção a estabilidade empregatícia, tanto que, hoje, existem punições severas caso ocorra o descumprimento do referido princípio consubstanciado através de uma dispensa imotivada por parte da empresa.
Se os requisitos básicos para a validade de uma relação empregatícia são a pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação jurídica[9], no caso da empresa Uber com os seus motoristas, o que causa mais estranheza é, justamente, este último, eis que, ao passo que os trabalhadores possuem autonomia para organizar as suas atividades, no mesmo tempo verifica-se uma relação desigual entre as partes, justamente pelo motivo da rescisão imotivada e não-onerosa por parte da empresa. Logo, se faz necessária a análise do instituto da subordinação jurídica e do trabalho autônomo, distinguindo ambos os institutos e verificando o impacto e a necessidade imediata de se haver determinada regulamentação para este tipo de atividade.
2. Subordinação
A subordinação é a principal característica que se verifica em uma relação de emprego regular ou irregular.
O art. 3º da CLT[10] apenas menciona que a subordinação faz parte da caracterização do empregador.
Nas palavras de Amauri Mascaro Nascimento, a subordinação se define por:
“Uma situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia da sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará”[11].
Já Maurício Godinho Delgado assim explica:
“a) Conceito e Caracterização – Subordinação deriva de sub (baixo) e ordinare (ordenar), traduzindo a noção etimológica de estado de dependência ou obediência em relação a uma hierarquia de posição ou de valores. Nessa mesma linha etimológica, transparece na subordinação uma idéia básica de “submetimento, sujeição ao poder de outros, às ordens de terceiros, uma posição de dependência”[12].
Ou seja, não havendo conceituação legal sobre a definição desta característica, a doutrina se incumbiu em explica-la. Inferindo-se o conhecimento de ambos, é possível defini-la, de forma sintética, como uma condição de dependência do empregado ao empregador na definição das suas atribuições.
No passado, foram identificadas três formas de subordinação: dependência econômica, técnica e jurídica.
A subordinação por dependência econômica traduz a ideia de que o empregado é subordinado ao empregador, pois, entre ambos, há uma disparidade destoante de poderio de capital, onde este último, por ser financeiramente mais poderoso, poderia subjugar o obreiro às suas ordens. Contudo, tal espécie de subordinação carece de fundamentação no tocante ao poder e obrigações que o empregador possui, sendo inviável utilizar-se desta condição para regulamentar a relação empregatícia. Até por que, existem casos em que o empregado possui melhores condições financeiras do que o seu próprio empregador.
A subordinação por dependência técnica aponta que, como o empregador detém o monopólio do conhecimento sobre determinada atividade, somente ele poderia possuir prerrogativas para ordenar atividades a outra pessoa. Contudo, tal conceituação é demasiadamente frágil, pois o empregado pode muito bem se especializar em tal atividade e até mesmo superar as qualidades do empregador.
Por fim, a espécie de subordinação aceita pelo ordenamento jurídico é justamente a por dependência jurídica, que garante as prerrogativas do empregador através da lei.
Em se tratando do motorista da empresa Uber, verifica-se que o mesmo recebe ordens para a prestação de serviços a usuários indeterminados e deve realiza-los com perfeição, sob pena de ser descredenciado do sistema e perder a fonte de subsídios que possui. Não se pode olvidar que o mero fato de o motorista possuir certas prerrogativas como o controle de sua própria jornada de trabalho, possa servir de fundamentação bastante para descaracterizar o vínculo da subordinação.
Ora, a própria legislação estabelece que existem três modalidades básicas de salário: salário por unidade de tempo, produção e tarefa. A modalidade de salário mediante unidade de tempo, justifica-se pelo tempo à disposição do empregador, ou seja, basta a mera disposição ao chamado do empregador para constituir a percepção do salário. A modalidade por unidade de produção se observa pelo resultado do trabalho do empregado, ou seja, quanto mais ele produzir, mais receberá. Por fim, a modalidade por unidade de tarefa é justamente o temperamento das duas, onde o empregado receberá tanto pela produção efetivamente realizada, quanto pelo tempo que estiver à disposição do trabalhador.
Logo, a justificativa de “ser administrador do próprio tempo”, não se verifica sólida suficiente para descaracterizar de forma absoluta a subordinação entre a empresa Uber e seus motoristas. Verifica-se, in casu, que a modalidade de salário que mais se adequa ao motorista é justamente o recebimento da contraprestação por unidade de produção, tendo em vista que o mesmo, ao receber o chamado da empresa, realiza a tarefa e recebe semanalmente pelo conjunto das diligência realizadas, ao passo que não necessita ficar incumbido de permanecer em uma espécie de sobreaviso à referida empresa.
Mesmo assim, os problemas para a verificação da subordinação continuam extensos, devendo ser verificados na prática diária. A doutrina recomenda que além do fato de serviços externos terem o condão possuir a característica subordinativa do empregado ao empregador, a soma da quantidade de ordens ao obreiro pode revelar uma situação de subordinação, conforme explica Amauri Mascaro Nascimento:
“Serviços externos também podem ser subordinados, como o é o motorista de empresa de ônibus para a qual presta a sua atividade laboral continuadamente e mediante fiscalização do fiscal de ponto. Não é o local, portanto, um dado decisivo.
A soma da quantidade de ordens pode revelar uma situação de subordinação, porque quanto maior o se número e a irrefutabilidade jurídica das ordens de serviço, mais clara estará a subordinação, e quanto menor o número de ordens, mais obscura a subordinação será, não sendo impossível a existência de uma zona cinzenta de difícil diagnóstico e que poderá ser interpretada por juízes diferentes de modos diversos.
Não param aí as dificuldades. Quando, em cada caso concreto, é preciso resolver as dúvidas, muitas vezes existentes, sobre se alguém é mesmo autônomo ou subordinado, inúmeros problemas surgem pela falta de elementos precisos. É recomendável, num processo judicial, seguir uma diretriz para se concluir se há ou não subordinação: a verificação da quantidade e intensidade de ordens permanentes de serviço a cujo cumprimento está sujeito o trabalhador, uma vez que, quanto mais numerosas, mais estará caracterizada a subordinação. Os casos mais comuns na Justiça do Trabalho referem-se a vendedores externos, muito considerados, pelas empresas para as quais vendem, autônomos. Porém, se estão sujeitos a ordens seguidas de serviço, não têm autonomia, são subordinados, portanto empregados.
Pode-se, ainda, tendo em vista o desenvolvimento da tecnologia e as novas formas de trabalho impostas pela reformulação dos processos produtivos, falar em telesubordinação, quando a subordinação se dá por meios mecânicos e à distância, ou teletrabalho.
Finaliza-se dizendo que a subordinação não é exclusiva do contrato de emprego, porque há situações, no direito civil, nas quais alguém é subordinado, porque outra pessoa tem a titularidade de um poder jurídico sobre si.”[13]
Ao retornar a atenção para o motorista Uber, verifica-se que o mesmo recebe solicitações para prestar o serviço de transporte assim que conecta o seu aparelho celular no aplicativo da empresa, e continua recebendo novos comandos ao passo que permanece concluindo as tarefas que lhe forem solicitadas. Ora, a definição da doutrina coube perfeitamente neste caso, tendo em vista que além de estar subordinado ao atendimento dos pedidos, sob pena de descredenciamento, o mesmo recebe salário por tarefa, não havendo em se falar em liberdade para a condução de sua própria jornada de trabalho, posto que, a mesma, é inexistente neste tipo de relação de trabalho.
Logo, perfeitamente possível verificar que o motorista do Uber é subordinado à empresa. Sendo assim, há a presença de todos os requisitos caracterizadores da relação empregatícia, quais sejam: pessoalidade, habitualidade, subordinação jurídica e onerosidade.
Tem-se, portanto, que o não pagamento decorrente das verbas que lhes são devidas culmina em frontal hostilização à legislação trabalhista, desrespeitando toda a construção histórica de direitos à estabilidade empregatícia do obreiro, conforme explicado anteriormente.
3. Trabalho autônomo
Para melhor esclarecer o ponto de vista sobre a existência de subordinação jurídica entre o motorista e a empresa Uber, faz-se necessária a explanação de forma pormenorizada do trabalho autônomo, ausente de subordinação e, em determinados casos, até mesmo de pessoalidade.
É possível dizer que o trabalho autônomo é a antítese do trabalho subordinado, eis que o primeiro indivíduo presta as suas atividades com liberdade de organização, com autonomia e assume os riscos pelas suas atividades. Já o trabalho subordinado é caracterizado como uma atividade realizada de forma pessoal (ou seja, intransferível à terceiros), habitual[14], onerosa (caso contrário, seria trabalho voluntário, que também não se enquadra nas relações empregatícias formais) e subordinada (que deve prestar contas ao empregador, sob pena de ser sancionado com advertência[15], suspensão e demissão por justa causa), contudo, o empregado não poderá ser responsabilizado diretamente por algum dano que a empresa venha sofrer e não assume os riscos do empreendimento. Diga-se de passagem, a alteridade[16], é uma característica que vivifica as qualidades do empregador e do trabalhador autônomo, pois são justamente estes que colhem os frutos de seu empreendimento, através do esforço em conjunto de seus sócios e de seus empregados.
Existem duas espécies de trabalhos autônomos: os que prestam serviços em profissões não-regulamentadas, e os que prestam serviços em funções regulamentadas. A distinção entre ambos está, justamente, na regulamentação ou não da profissão. O prestador de serviços não-regulamentados pode ser exemplificado pelo pintor, encanador, pedreiro, etc. Já o prestador de serviços regulamentados pode ser exemplificado pelo advogado, contador, psicólogo, e todos os outros inscritos em seus devidos conselhos regionais e federais de controle e fiscalização profissional.
Contudo, não se pode transformar essas espécies em excludentes de relação empregatícia, tendo em vista que um advogado pode, por exemplo, abrir o seu escritório e contratar outros advogados para lhe servirem como empregados, constituindo-se legítima relação de emprego.
Frise-se que, a tênue linha que distingue um prestador de serviços de um empregado está, justamente, na subordinação, e menos na pessoalidade, tendo em vista que se um empregado devidamente formalizado dentro de uma empresa faltar com a pessoalidade, receberá sanções do empregador, culminando até mesmo em sua demissão por justa causa. Ou seja, a ausência de pessoalidade de um empregado pode ser vista como ausência de subordinação do mesmo, pois, se não há compenetração para que o serviço seja realizado pelo obreiro, há um desrespeito direto às autonomias do empregador, o que basta para fundamentar o seu desligamento.
Outra diferenciação entre um prestador de serviço regulamentado e não-regulamentado se verifica em questões tributárias e previdenciárias, que não é o foco deste artigo.
Inserindo esses aspectos ao motorista da empresa Uber, a análise que se verifica é que o mesmo não é um prestador de serviços, até por que, não assumirá de forma direta os danos causados aos consumidores que se utilizarem do serviço de transporte. Verifica-se que o nexo causal em eventual dano que ocorra nesta relação está ligado entre o consumidor destinatário do serviço e a empresa Uber. Conforme o art. 12 e 20 do Código de Defesa do Consumidor[17] a responsabilidade pelos danos causados ao consumidor (diga-se, usuário de serviço de transporte), serão repassados, justamente, ao fornecedor de serviços. Ora, não é o motorista que oferece os serviços de transporte, mas sim a referida empresa, devendo ser responsabilizada por isto, eis que o motorista apenas realiza a tarefa cobrada pela empresa. O que caberá a empresa Uber, será justamente ação de regresso, situação esta que ocorre em relações empregatícias formais, desde que se comprove a culpa do obreiro.
Além do mais, não é possível afirmar que o motorista tenha plena liberdade para organizar as suas tarefas. De igual modo, não é possível sequer o motorista escolher qual cliente deseja atender, pois o mesmo não sabe o destino dos clientes até que os mesmos entrem no carro. Como se falar em autonomia? Caso o motorista exerça esta “autonomia” será descredenciado pela empresa, que não necessita justificar motivos para a tomada de tal decisão[18].
4. Direito Comparado
Houve uma decisão da Corte Trabalhista Britânica que efetivamente reconheceu o vínculo empregatício entre os motoristas e a Uber B.V, Uber London Ltd e Uber Britannia Ltd que integram o grupo econômico da referida empresa.
Trata-se do Case Nos 2202550/2015 & Others[19], onde, dos fatos, o Poder Judiciário Britânico explica que a empresa Uber recebe o chamado de um consumidor e o envia para um condutor que não sabe qual será o destino deste indivíduo, e é fortemente desencorajado pela empresa a fazer este tipo de pergunta.
“(…) Once a driver accepts, ULL confirms the booking to the passenger and allocates the trip to the driver. At this point the driver and passenger are put into direct telefone contact tought the App, but this is done in such a way that neither has access to the telefone number of the other. The purpose is to enable them to communicate, for example to agree the precise location for pick-up, to advise of problems such as traffic delay and so forth. Drivers are strongly discouraged from asking passengers for the destination before pick-up.
16. The driver is not made aware of the destination until he has collected the passenger.(…)”
Outra evidência que chamou atenção da Corte Britânica foi o fato de que os motoristas não podem trabalhar de forma autônoma, tendo em vista não poderem adquirir os contatos telefônicos do cliente para atendimentos futuros, logo, corrobora-se com o argumento supracitado, conforme se verifica:
“(…)50 Drivers are not at liberty to Exchange contact details with passengers. An email of 6 June 2014 to Mr Aslam from the “Uber London team”, which clearly incorporated material circulated more widely, included a section in Q & A format:
Can I ask for the phone number directly?
Asking for riders phone number directly may be seen as violation of privacy and lead to uncomfortable rider experience. Such experiences often lead to low rating and can be reported to Uber.
Can I give them my direct phone number?
Providing na Uber user with your phone number during a trip may be seen as solicitation which is a violation of the partner agreement(…)”
Além do mais, entre diversos outros pontos, a decisão proferida aborda quesitos como: a empresa Uber realiza a entrevista para a contratação do motorista, exige que o mesmo possua veículos nas especificações acordadas, define a taxa que melhor lhe convém (impedindo a negociação de outro valor por parte do motorista), controla as informações dos clientes (evitando o contato entre ambos), e exige, por fim, que o motorista realize os trabalhos sob pena de descredenciamento. Tudo isto fundamentou a decisão estrangeira.
Em outro caso, a Comissão do Trabalho do Estado da Califórnia considerou que os motoristas do Uber são empregados, e não prestadores de serviço autônomo[20].
5. Conclusões
Pontua-se, inicialmente, que o avanço dos direitos trabalhistas decorre de amplo clamor social. Experiências que tentaram mitigar os referidos direitos sucumbiram com o passar do tempo, como é o caso da forma em que o FGTS se apresentou pela primeira vez.
Há, na legislação e na doutrina brasileira, embasamento suficiente para se fundamentar a existência do vínculo empregatício entre o motorista e a empresa Uber, o que deve ser assegurado pela justiça trabalhista.
A tendência mundial caminha no sentido de que os motoristas da empresa Uber são empregados, devendo receber os direitos provenientes desta modalidade de relação, conforme se verificou com a análise do Case Nos 2202550/2015 & Others do Poder Judiciário Britânico, e do reconhecimento dado pela Comissão do Trabalho do Estado da Califórnia.
Conforme explicado, não se trata de hipótese de parassubordinação[21], mas sim de efetiva subordinação, eis que o motorista não possui liberdade alguma para a prestação das suas atividades, nem para firmar contato com os clientes que lhe são oferecidos, nem para organizar o modo de prestação das tarefas. A argumentação de que o mesmo não necessita cumprir horário fixo não é suficiente para servir como excludente da vinculação empregatícia, eis que, conforme explicado, o tipo de recebimento proposto pela empresa se afeiçoa como salário por unidade de produção, e não por tempo ou tarefa (pois o motorista recebe semanalmente pelo número de clientes atendidos, levando em consideração a distância e outros fatores).
Em se tratando de uma empresa que a cada dia capta mais colaboradores, é importante que o Ministério Público do Trabalho atue no sentido de garantir modificações na forma que os funcionários são tratados, eis que, sendo reconhecidamente visível a existência do vínculo empregatício, todos os direitos adquiridos com o passar dos anos em prol dos trabalhadores devem ser respeitados e impostos pelo Estado, não podendo se admitir que a uma série de obreiros sejam prejudicados em seu labor diário.
A atuação efetiva da sociedade civil, através da criação de sindicatos, serviria de impulso para que os representados pela categoria pleiteassem benesses futuras mediante os dissídios coletivos de trabalho.
Por fim, é importante que, na seara individual, os motoristas não sejam amedrontados e que pleiteiem até a última instância do Poder Judiciário Trabalhista pelos direitos violados desta relação empregatícia, pois, esta é a primeira atitude a ser tomada para que o devido respeito seja dado ao obreiro que atua nesta área. O indivíduo não necessita aguardar iniciativas por parte do Estado para regulamentar esta situação, eis que, as mudanças mais significativas em prol dos trabalhadores vieram, justamente, desta classe difusa, que decidiu se unir e pleitear através de greves e movimentos sociais, por melhorias.
Advogado especialista em direito previdenciário tributário e empresarial pela PUC-SP graduando em ciências contábeis e economia
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