A utilização da lei do fac-símile para o e-mail

Estamos vivenciando uma verdadeira revolução de
conceitos e procedimentos ocasionada pela invasão da informática em quase todas
as atividades. Não seria diferente com a administração da justiça que é
diretamente influenciada pelos costumes provenientes do seio de nossa
sociedade.

Passamos por diversas transformações. A máquina de
escrever, por exemplo, utilizada para a elaboração de sentenças e petições foi
totalmente substituída pelo computador. Verdadeiros tribunais virtuais foram
disponibilizados na Internet com informações institucionais, consultas
processuais e de jurisprudência. Caminhamos assim para a informatização dos
atos judiciais e processo.

O desencadeamento destas inovações teve como
importante marco a lei nº.9.800 de 26 de maio de 1999 que em seu artigo
possibilitou às partes “a utilização de
sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro
similar, para a prática de atos processuais que dependam de petição escrita.”

Em um futuro próximo visualizamos um processo
virtual onde todos os atos sejam executados e transmitidos pela via eletrônica.
Alguns tribunais já deram impulso a idéia de tornar o processo tradicional em virtual. Um dos
maiores exemplos disso é o chamado peticionamento eletrônico.

Algumas Cortes de Justiça já disponibilizam este
serviço em seus sites oficiais
proporcionando ao advogado a faculdade de enviar petições pela Internet. A
nível de Tribunais Estaduais de Justiça exemplificamos o do Rio de Janeiro que
através de seu presidente Desembargador Marcus Antônio de Souza Faver e
Corregedor- Geral Desembargador Paulo Gomes da Silva Filho no uso de suas
atribuições expediram o Ato Executivo Conjunto nº. 07/2001 que entrou em vigor
no dia 02 de maio de 2001 permitindo em seu artigo 1º. “a utilização do sistema
de transmissão de dados por meios eletrônicos para a prática de atos
processuais que dependam de petição escrita, em primeiro e segundo graus de
jurisdição, através da página do Tribunal de Justiça – por e-mail.” e em seu
artigo 3º. dispondo especificamente sobre o peticionamento eletrônico que “só
poderá ser utilizado por advogados e unidades judiciárias previamente
cadastrados e credenciados através do preenchimento de formulário disponível no
“site” do Tribunal de Justiça, aos quais será fornecida senha de acesso”.
Os demais artigos especificam as normas procedimentais pertinentes.

Na esfera trabalhista encontramos no Tribunal
Regional do Trabalho de São Paulo o Provimento 05/2002 expedido pelo então
Presidente Dr. Francisco Antônio Oliveira que criou e regulamentou o chamado
PET – Processo Eletrônico Trabalhista que começou a vigorar em setembro de
2002. Nele podemos verificar a possibilidade de transmissão de petições e atos
processuais pela Internet.

Curioso é que um dos tribunais considerados por nós
como um dos mais jovens do país em matérias de teses e inovações jurídicas o
STJ Superior Tribunal de Justiça não disponibilize aos advogados o serviço de
peticionamento eletrônico. Porém essa indisponibilidade foi quebrada pela boa
vontade do Ministro Humberto Gomes de Barros que através do voto proferido em
exame de embargos de declaração proveniente do agravo de instrumento 389.941
extraiu-se  a seguinte Ementa:

“EMENTA PROCESSUAL CIVIL – RECURSO – APRESENTAÇÃO –
CORREIO ELETRÔNICO – INTERNET – POSSIBILIDADE – LEI 9.800/99. I – O art. 1º, da
Lei 9.800/99, outorga às partes a faculdade de utilizar sistema de transmissão
de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar, para a prática de atos
processuais que dependam de petição escrita. II – É plenamente eficaz, como ato
processual, a petição remetida por correio eletrônico (Internet), quando os
originais, devidamente assinados, são entregues até cinco dias da data do
término do prazo recursal. Inteligência da Lei n.º 9.800/99. III – Ausência de
omissão. Preclusão das questões levantadas, que deveriam ter sido discutidas na
instância a quo. IV – Embargos conhecidos, mas rejeitados”.

Assim mesmo sem o serviço apropriado de recebimento
de petições via internet o Ministro permitiu o regular desenvolvimento da peça
demonstrando um imenso profissionalismo no sentido de efetivar a prestação
jurisdicional.

No entanto, este caso isolado não deverá ser
precedente para os advogados que pretendam encaminhar suas peças pelo meio
eletrônico, pois não seria viável que petições e recursos fossem encaminhados
para o e-mail do Tribunal ou dos
próprios Ministros aleatoriamente.

Mais interessante ainda foi a foi a decisão prolatada em 27 de maio de 2003 pelo ministro Ives Gandra Martins
Filho, da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais
do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que em recurso de agravo de
instrumento, entendeu que a Lei nº 9.800/99 diz respeito apenas a utilização do
fac-símile diferenciando para efeito legal do e-mail.

Tomamos conhecimento da decisão através do site www.conjur.com.br que transcreveu a ementa
que assim determina:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – TRANSMISSÃO DO APELO POR
E-MAIL – NECESSIDADE DE CERTIFICAÇÃO DIGITAL ACEITA PELA ICP-BRASIL –
INAPLICABILIDADE DA LEI 9.800/99 – INTEMPESTIVIDADE – PROTOCOLO APÓS O
ENCERRAMENTO DO EXPEDIENTE FORENSE – ORIGINAL NÃO APRESENTADO. A Lei n°
9.800/99 aplica-se unicamente ao fac-símile, mecanismo díspar do e-mail. O
envio de recurso por correio eletrônico é juridicamente aceitável apenas se
houver certificação digital reconhecida pela ICP-Brasil, nos termos da MP
2.200-2/01. Logo, é juridicamente inexistente petição apresentada por
intermédio de e-mail sem qualquer tipo de certificação digital. Ademais, se o
envio tivesse se dado por fac-símile, o que não foi o caso, ainda assim o
recurso seria inaceitável, pois este só deve ser considerado interposto quanto
protocolado na repartição judiciária. In casu, o agravo de instrumento foi
recebido pelo 2° TRT, por e-mail, no último dia do octídio recursal, às
18h52min, após encerrado o expediente forense, tendo sido protocolado somente
no dia seguinte. Ora, os atos a cargo das partes devem ser realizados até o
fechamento normal do expediente forense. Por fim, se fosse o caso de aplicação
da legislação sobre fac-símile, seria necessária a apresentação do original do
agravo de instrumento, visando à convalidação do ato processual, o que não
ocorreu na hipótese dos autos. Agravo não conhecido.” (Proc. nº
TST-AIRO-76787/2003-900-02-00.4)

As ementas transcritas acima trazem consigo uma
velha reinvidicação feita por nós em matéria de peticionamento eletrônico que é
a de elaborar e promulgar lei específica criando e regulamentando a questão do
procedimento, assinatura digital e cadastramento de forma unificada para todos
os tribunais dando maior segurança aqueles que se utilizam deste importante
serviço pois normas claras e unificadas evitarão em parte discussões e
interpretações que venham a causar perda de prazos por falhas técnicas e outras
que venham a ser causadas pela diversidade de procedimentos.

Aplaudimos a atitude inovadora e compromissada com
os ditames da Justiça proporcionada pelo voto proferido por Ministro do STJ e
desconsideramos totalmente a interpretação feita pelo Ministro do TST pois vai
de encontro frontalmente com a lei que refere-se claramente a transmissão de
dados além de representar tal decisão um retrocesso para a modernização do
processo do trabalho que tem como um de seus princípios o da celeridade.

Para que se tenha idéia a lei fala “utilizar sistema
de transmissão de dados”. Ora a própria natureza jurídica do e-mail reconhecida em diversos países é
a de que o mesmo é uma espécie de conjunto de dados pessoais do usuário que é
transmitido através de mensagens de dados por intermédio do computador. Assim,
a lei abarca literalmente o e-mail e,
portanto, não pode o intérprete negar a letra da lei e desconsiderar que o e-mail não seja um meio de transmissão
de dados.

Salientamos por fim e, mais uma vez, que os operadores
do direito e, em geral, todos os usuários das novas tecnologias preocupam-se
apenas com os benefícios e utilidades que o aparato tecnológico proporciona ao
seu trabalho ou lazer, dando pouca importância para os problemas que podem
advir desta utilização a nível jurídico que se não forem previstas com cautela
por regulamentos legais poderão ensejar debates intermináveis em doutrina e
interpretações ao sabor do julgador ou do advogado trazendo com isso grande
instabilidade nas instituições e insegurança nas relações jurídicas e
processuais estabelecidas pela via eletrônica.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Mário Antônio Lobato de Paiva

 

Advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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