Direito Administrativo

A violação do princípio da moralidade como fundamento para condenação na ação de improbidade administrativa na Teoria dos Princípios de Humberto Ávila x Neoconstitucionalismo

Autora: Acácia Regina Soares de Sá – Juíza de Direito Substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, Mestranda em Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB, Professora de Direito Constitucional e Administrativo da Escola de Magistratura do Distrito Federal – ESMA. E-mail: acaciars@gmail.com

Resumo: O presente artigo se propõe a analisar o fundamento teórico das condenações por ato de improbidade administrativa por violação a princípio da moralidade administrativa, nos termos do art. 11, “caput”, da Lei n.º 8.429/92, através utilizando a sistematização para a interpretação dos princípios proposta por Humberto Ávila e, após buscará se verificar se a proposta do professor Humberto Ávila consegue assegurar uma interpretação objetiva ao princípio da moralidade que garanta a observância da segurança jurídica, bem como dos princípios do contraditório e ampla defesa e, após, confrontar com as posições trazidas pelos neoconstitucionalismo sobre o tema. Para tanto, serão analisadas posições de doutrinadores que tratam dos temas abordados, além de artigos científicos e dissertações que tratam do mesmo tema, utilizando-se do método dedutivo para se chegar a uma conclusão.

Palavras-chave: Moralidade. Improbidade. Princípios. Interpretação. Neoconstitucionalismo.

 

Abstract: This article aims to analyze the theoretical basis of convictions for an act of administrative improbity for violation of the principle of administrative morality, under the terms of art. 11, “caput”, of Law No. 8,429 / 92, using the systematization for the interpretation of the principles proposed by Humberto Ávila and, after trying to verify if the proposal of Professor Humberto Ávila manages to ensure an objective interpretation of the principle of morality that guarantees the observance of the legal security, as well as the principles of the adversary and wide defense and, after, confront with the positions brought by the neoconstitutionalism on the subject. To this end, positions of doctrines that deal with the topics covered will be analyzed, in addition to scientific articles and dissertations that deal with the same topic, using the deductive method to reach a conclusion.

Keywords: Morality. Improbity. Principles. Interpretation. Neoconstitutionalism.

 

Sumário: Introdução. 1. O princípio constitucional da moralidade 2. Ato de improbidade administrativa por violação de princípios (art. 11, “caput”, da Lei n.º 8.429/92) 3. A violação do princípio da moralidade como fundamento para condenação na ação de improbidade administrativa. 3.1. A teoria dos princípios de Humberto Ávila. 3.2. A interpretação neoconstitucionalista dos princípios. Conclusão. Referências Bibliográficas

 

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 trouxe um leque de direitos e garantias ao cidadão, além do conceder uma maior autonomia e poder às instituições responsáveis pela consolidação e defesa do regime democrático, a exemplo do que ocorreu com Ministério Público.

Nesse contexto, com a mudança do paradigma do Estado de Direito para o Estado Democrático do Direito, a sanção mais efetiva pela prática de atos de improbidade administrativa surge como uma imposição da sociedade, isso porque o princípio da moralidade passou a ocupar uma posição de relevância na defesa da honestidade no exercício da função pública como forma de reaver a credibilidade da sociedade nas instituições, razão pela qual a probidade administrativa passou a ser pressuposto da boa gestão pública, respeitando os direitos fundamentais e o zelo pelo bem-estar coletivo.

No entanto, em razão das condenações pela prática de atos de improbidade administrativa elencadas no “caput” do art. 11 da Lei n.º 8.429/92 ter como um dos seus pilares o princípio da moralidade, princípio com uma carga extremamente subjetiva, é necessária a atuação do intérprete a fim de buscar a delimitação objetiva e clara do referido princípio.

Dessa forma, é fundamental analisar a interpretação do princípio da moralidade de acordo com a sintetização para a interpretação dos princípios construída por Humberto Ávila a fim de verificar se assegura uma interpretação mais objetiva ao princípio da moralidade.

 

  1. O princípio constitucional da moralidade

O princípio da moralidade, no direito administrativo, foi concebido na França quando Maurice Hauriou desenvolveu deu os princípios passos no desenvolvimento do princípio da moralidade como desvio de poder com a finalidade de possibilitar que o Conselho de Estado realizasse o controle dos atos administrativos discricionários.

Desde então o princípio da moralidade passou por diversas construções e interpretações de acordo com o sistema jurídico adotado em cada país.

No Brasil, o princípio da moralidade administrativa foi incorporado legalmente como forma de combate ao desvio de poder nos moldes acima mencionados em 1965 com a sanção da Lei n. 4.7617/65 – Ação Popular.

Nesse diapasão, têm-se que a moralidade administrativa, segundo José Guilherme Giacomazzi (GIACOMAZZI, 2002, p. 293) possui dois aspectos: o aspecto objetivo, representado pela boa-fé e o aspecto subjetivo, traduzido através do dever de probidade que não tem conteúdo.

Segundo Márcio Cammarosano em artigo intitulado “Moralidade Administrativa” (DALLARI, 29013, p. 257), publicado em uma coletânea de direito administrativo, além da sua previsão no “caput” do art. 37, da Constituição Federal, o princípio da moralidade também foi reforçado no art. 5º, LXXIII, o qual prevê a possibilidade de qualquer cidadão ingressar com ação popular em caso da prática de ato administrativo que ofensa à moralidade administrativa.

Nesse sentido, é possível verificar a importância que a moralidade administrativa alcançou em nosso sistema jurídico, quer seja, como conteúdo da boa-fé, quer seja como forma de auferir a probidade administrativa e limitar eventuais abusos dos agentes públicos.

No entanto, alguns autores, a exemplo de Carlos Ari Sundfeld (SUNDFELD, 2017, p. 214), sustentem a existência de um alto grau de subjetividade e indeterminação do conceito de moralidade administrativa na atualidade e, em consequência, a dificuldade de sancionar as condutas tidas como imorais, pois se trata de um conceito jurídico indeterminado.

 

  1. Ato de improbidade administrativa por violação de princípios (art. 11, “caput”, da Lei n.º 8.429/92)

Conforma anteriormente mencionado, os atos de improbidade administrativa em razão da violação a princípios, previstos no art. 11, “caput”, da Lei n.º 8.429/92 são classificados como atos de improbidade em sentido estrito, isso porque não trazem em seu bojo consequência patrimonial lesiva direta ao erário.

Assim, para que se concretize é necessário apenas que a conduta praticada pelo agente deixe de observar princípio constitucional administrativo, intencionalmente, ou seja, que o referido agente aja impulsionado pela má-fé, consciente do descumprimento do dever insculpido no art. 4º, da Lei n.º 8.429/92.

No mesmo sentido, ocorre nos casos em que o agente deixa de observar quaisquer dos demais princípios administrativos constitucionais, agindo de má-fé e conscientemente, uma vez que tais princípios se consubstanciam como pilares da Administração Pública, motivo pelo qual deixar de cumpri-lo causa desequilíbrio no seu funcionamento e, em consequência, prejuízo, ainda que somente moral, à coletividade.

Dessa forma, em razão destes motivos o legislador penalizou a prática de condutas dos agentes que atentem contra os princípios constitucionais administrativos, caracterizando-as como atos de improbidade administrativa, no entanto de forma aberta e subjetiva sem trazê-las de forma mais detalhada e discriminada, fazendo menção de forma genérica aos princípios constitucionais administrativos, elencando apenas algumas condutas de forma exemplificativa.

 

  1. A violação do princípio da moralidade como fundamento para condenação na ação de improbidade administrativa

3.1. A teoria dos princípios de Humberto Ávila

Humberto Ávila define princípios como “normas finalísticas que exigem a delimitação de um estado ideal de coisas a ser buscado por meio de comportamentos necessários a essa realização” (ÁVILA, 2018, p. 52), razão pela qual defende a necessidade de se realizar a delimitação da sua finalidade tomando-se como ponto de partida a  leitura da Constituição Federal, relacionando, em seguida, seus dispositivos em função dos princípios fundamentais, para então, em um último momento, analisar as normas constitucionais a fim de buscar diminuir a vagueza dos seus fins e, com isso, delimitar seu âmbito de atuação de uma forma mais precisa.

Humberto Ávila sustenta ainda que é necessário analisar casos paradigmáticos a fim de chegar a uma maior clareza na delimitação dos princípios, a qual deve ser realizada de forma minuciosa e comparativa para se obter resultados mais precisos, explicando então o conceito de casos paradigmáticos.¹

Compreendidos os critérios acima definidos, podemos verificar que para a aplicação de um princípio é necessário definir seus objetivos e a partir de então, após a observação de casos práticos, delimitar, seu âmbito de atuação, o que, por conseguinte, diminui seu grau de abstração ou, nas palavras de Humberto Ávila, seu grau de vagueza, trazendo exemplo nesse sentido.²

Em continuidade ao seu raciocínio, o autor demonstra a necessidade de se delimitar os bens jurídicos que integram o estado ideal das coisas que caracterizam o conceito de princípio e os respectivos comportamentos a serem adotados para sua efetivação concluindo que, concretamente, tais etapas significam analisar a existência de critérios que permitam estabelecer as condutas necessárias para a efetivação do princípio e, em seguida, expor e fundamentar os referidos critérios.

Delimitado o campo de atuação dos princípios, o próximo passo seria analisar o âmbito de alcance de sua eficácia, tendo em vista que sua função integrativa autoriza a agregação de decisões não previstas, inicialmente, em subprincípios ou normas.

Assim, o autor conclui que a “defectibilidade” não é o elemento que define o princípio, mas apenas um dos seus elementos contingentes, uma vez os princípios, ao contrário do defendido por doutrinadores neoconstitucionalistas, como veremos adiante, após a realização de sua delimitação criteriosa, passam a ter um sentido mais restrito que possibilita sua aplicação mais objetiva.

Explanadas as diretrizes gerais sobre o conceito, caracterização e aplicação dos princípios, Humberto Ávila traz um exemplo acerca desta sistematização utilizando o princípio da moralidade.³

A análise da metodologia acima explicitada busca definir um âmbito de aplicação mais objetivo de um princípio e se mostra importante para evitar que sua aplicação ocorra de forma subjetiva e demasiadamente ampliada, pois conforme comenta o próprio Humberto Ávila a doutrina constitucional vive, hoje, a euforia do que se convencionou chamara de Estado Principiológico”, (ÁVILA, 2018, p. 85) o que traz “exageros e problemas ” (ÁVILA, 2018, p. 85), razão pela qual a atividade do intérprete é complexa e deve ser minuciosa, pois “não consiste em meramente descrever o significado previamente existente dos dispositivos”, mas sua atividade consiste em “construir esses significados (ÁVILA, 2018, p. 85)¹³.

Concluída a exposição acima, passamos então a analisar a interpretação que deve ser dispensada ao princípio da moralidade no momento da sua aplicação como base para condenações por ato de improbidade administrativa com fundamento do art. 11, “caput”, da Lei n.º 8.429/92 (violação a princípios).

O “caput” do art. 11 da Lei n.º 8.429/92 estabelece que é considerado ato de improbidade administrativa a conduta que atente contra os princípios da Administração Pública e venha a ocasionar violação dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, entre outros.

Nesse sentido, podemos então verificar que para a configuração dessa modalidade de ato de improbidade administrativa é necessária a caracterização da violação do princípio, observando critérios objetivos que afastem, ou pelo menos diminuam, sua vagueza e permitam a individualização das condutas praticadas e, por conseguinte, o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa.

Dentro do rol de princípios explícitos da Administração Pública enumerados no art. 37 da Constituição Federal podemos observar que um dos princípios que traz uma grande carga de subjetividade é o princípio da moralidade, isso porque engloba a análise e ponderação de valores, motivo pelo qual se mostra ainda maior a necessidade de delimitação de sua atuação, seu alcance e sua eficácia a fim de evitar o alargamento excessivo de seu conceito e, em consequência, da sua utilização, imputando-se a condutas meramente irregulares a classificação de ímprobas.

Isso porque a moralidade administrativa não é apenas um princípio, mas também um valor socialmente definido, pertencente à coletividade de forma indivisível e indeterminada, sendo considerada como um dos efeitos da aplicação da boa-fé, pois pune o agente público que age com desonestidade, violando o princípio da boa-fé.

Em razão dos motivos acima explicitados, faz-se necessária analisar se a utilização dos métodos para delimitação e significação dos princípios trazida por Humberto Ávila contribuem para uma maior objetivação do princípio da moralidade quando utilizado como fundamento para condenações por atos de improbidade administrativa.

Para tanto, o autor acima mencionado primeiramente estabelece os valores fundamentais a serem considerados como deveres que devem ser observados no exercício da atividade administrativa, os quais somente podem ser restringidos em caso de existência de justificativa, a exemplo dos princípios da igualdade e dignidade. Em sequência, procura estabelecer um modo objetivo e impessoal de atuação administrativa fundado nos princípios do Estado de Direito, Separação dos Poderes, Legalidade e Impessoalidade, o qual privilegia a prática de atos juridicamente fundamentados, afastando o exercício da arbitrariedade.

Em um terceiro momento cria procedimentos de defesa dos direitos do cidadão, os quais têm como finalidade possibilitar a anulação de atos administrativos que não observem os padrões de conduta mencionados no parágrafo anterior, podendo citarmos como alguns desses procedimentos a proibição de utilização de provas ilícitas, a utilização de ações constitucionais como forma de controle da atividade administrativa, a exemplo do mandado de segurança e da ação popular, entre outras.

Uma quarta etapa da sistematização trazida por Humberto Ávila diz respeito ao estabelecimento de requisitos para o ingresso em órgãos públicos, a exemplo do concurso público, critérios para ocupação de vagas em tribunais, as restrições trazidas pela lei eleitoral para se concorrer a cargos eletivos, configurando-se como medidas que demonstram a necessidade de idoneidade moral para o exercício de funções públicas, além de privilegiar o princípio da igualdade.

Por fim, em uma última etapa, dentro da sistematização proposta, a Constituição Federal prevê ainda a existência de mecanismos de controle da atividade administrativa, a exemplo da atividade do Tribunal de Contas.

Após a sistematização acima descrita, Humberto Ávila conclui no sentido de que a Constituição Federal estabeleceu padrões de conduta objetivos e rigorosos para o ingresso na Administração Pública e para o exercício na função pública, razão pela qual, observados os passos acima explicitados, os atos praticados poderão ser revistos por meio de mecanismos de controle interno e externo, a exemplo da atuação dos Tribunais de Contas e do manejo de ações constitucionais.

Estabelecidos e seguidos os padrões de conduta delimitados por Humberto Ávila, através da análise de dispositivos constitucionais que estabelecem os referidos padrões de conduta, é possível então delimitar mais objetivamente as hipóteses de sua violação, como concluiu o autor.5

Finalizada a análise acerca da sistematização proposta por Humberto Ávila para a delimitação dos princípios, podemos então constatar que há formas de se buscar verificar a ofensa ao princípio da moralidade como ato de improbidade administrativa de forma mais objetiva, extraindo-se a vagueza do seu significado, viabilizando, dessa forma, que os processos observem, substancialmente, o devido processo legal, uma vez que garantirá o efetivo exercício do contraditório e ampla defesa.

Nesse diapasão, utilizando a sistematização acima mencionada, é possível concluir que no momento de imputação de um ato de improbidade administrativa a um agente público por violação ao princípio da moralidade se ser observado se foram analisados os padrões de conduta estabelecidos na Constituição Federal de forma objetiva a fim de evitar que tais imputações derivem de valores subjetivos do seu intérprete.

 

Isso porque o princípio da moralidade embora não esteja subordinado ao princípio da legalidade, deve observância ao princípio da juridicidade, os limites jurídicos da razoabilidade, finalidade e boa-fé, ou seja, para que reste caracterizada a violação ao princípio da moralidade se faz necessário que ocorra também uma efetiva lesão àquele princípio.

Assim, cabe ao autor da ação civil pública por ato de improbidade administrativa pela prática de ato que viole o princípio da moralidade administrativa realizar a individualização das condutas de modo objetivo procurando extrair o máximo possível da vagueza do princípio em comento buscando trazer critérios mais objetivos para sua delimitação a partir da leitura dos dispositivos constitucionais que servem como parâmetros e fundamento para sua caracterização.

Nesse sentido, a utilização dos critérios de sistematização trazidos por Humberto Ávila já explicitados se mostra muito importante e útil à realização da tarefa do jurista acima mencionada, posto que possibilita, de forma mais objetiva, a delimitação do princípio.

 

3.2. A interpretação neoconstitucionalista dos princípios

Os defensores do neoconstitucionalismo buscam seu fundamento no pensamento de juristas de posições diversas, a exemplo de Ronald Dworkin, Robert Alexy, Peter Häberle, Luigi Ferrajoli, entre outros.

No entanto, da análise da obra dos autores acima referidos é possível observar que o neoconstitucionalismo se vale de posições jusfilosóficas de pensamentos diferentes, às vezes até opostos, uma vez que existem positivistas e não positivistas defensores da necessidade da utilização das técnicas trazidas pelo neoconstitucionalismo na interpretação e aplicação do Direito, razão pela qual sua definição é complexa, tanto que Miguel Carbonell defende que não exista um único conceito de neoconstitucionalismo.6

Ainda nesse sentido o neoconstitucionalismo apenas reflete o desenvolvimento do constitucionalismo a partir do fim do século XVIII, sem que tenha ocorrido de fato uma inovação na teoria do constitucionalismo.

Os neoconstitucionalistas admitem a diferenciação entre normas e princípios, ainda que entre eles haja divergência entre a modalidade de distinção, fraca (para a maioria deles) ou forte, para Robert Alexy.

Para este, os princípios são valores positivados, integrando, dessa forma, o sistema normativo, diferenciando-se dos valores apenas pelo plano no qual se encontram, estando os valores no plano axiológico e os princípios no plano dêontico, razão pela qual as características dos valores podem ser estendidas aos princípios, pois ambos são relativos.

Assim, para os neoconstitucionalistas existem normas constitucionais que determinam que os valores sejam cumpridos na maior medida possível, razão pela qual, segundo eles, as disposições normativas não se fundamentam somente na vontade do intérprete do direito, mas no intuito de buscar realizar ao máximo esses valores.

Dessa forma, o neoconstitucionalismo defende uma interpretação mais alargada dos princípios através da utilização de valores. Nesse sentido Luís Roberto Barroso (BARROSO, 2019, p. 305) defende que a característica da flexibilidade dos princípios possibilita que seja realizada a justiça no caso concreto.

Na mesma linha de raciocínio, os neoconstitucionalistas sustentam ainda que os princípios constitucionais fundamentais possuem uma maior importância e um maior grau de abstração, razão pela qual há uma maior flexibilidade na sua interpretação, o que permite abranger um número maior de situações concretas.

Para tanto, na interpretação dos princípios devem ser levados em consideração os valores, a fim de otimizar a utilização dos princípios nos casos concretos, cabendo ao intérprete, nas palavras de Luís Roberto Barroso (BARROSO, 2019, p. 307), sua valoração subjetiva.

Pelas ideias acima expostas, podemos observar que as técnicas utilizadas pelos neoconstitucionalistas para a interpretação dos princípios traz uma grande carga subjetiva, tendo em vista que é fortemente influenciada por valores, os quais são relativos, já que variam de intérprete para intérprete e, ainda que defendam que o referido intérprete não teria liberdade já deve buscar maximizar a efetivação dos valores e princípios, não há como refutar a constatação de que tal análise é subjetiva.

Nesse sentido, a interpretação dada, na teoria neoconstitucionalista aos princípios, possui um maior grau de subjetividade e, por conseguinte, uma maior insegurança na sua aplicação, já que não traz critérios claros e objetivos para sua caracterização e delimitação.

Assim, quando os neoconstitucionalistas interpretam o princípio da moralidade não tomam como parâmetros apenas os dispositivos constitucionais que o fundamentam, a exemplo do princípio da igualdade, ingresso no serviço público mediante concurso público, consequência dos princípios da impessoalidade e da eficiência, entre outros, como forma de se chegar a uma delimitação mais objetiva, mas acrescentam à referida interpretação os valores, os quais variam de acordo com cada intérprete.

Nesse sentido, é possível observar que a delimitação do princípio da moralidade conforme a interpretação proposta pelos neoconstitucionalistas embute um alto grau de vagueza e indefinição ao seu conceito e, em consequência, na própria caracterização e individualização do ato de improbidade administrativa por violação do referido princípio, isso porque não usa como parâmetros unicamente critérios objetivos, mas acrescenta um juízo de valor, o qual vem acompanhado de uma carga de subjetividade e discricionariedade, pois será influenciado pela formação do intérprete.

Dessa forma, a partir da análise do método de interpretação dos princípios proposta pelos neoconstitucionalistas podemos observar que os critérios por eles criados não se mostram suficientes a proporcionar uma interpretação clara e objetiva dos princípios, na qual possa se delimitar claramente seu âmbito de abrangência, uma vez que os valores utilizados na interpretação são relativos.

 

CONCLUSÃO

A interpretação dada ao princípio da moralidade para caracterização da prática de ato de improbidade administrativa por sua violação exige a delimitação clara de critérios objetivos fundamentos em dispositivos constitucionais a fim de possibilitar aos réus sobre os quais recai a referida imputação o exercício efetivo do contraditório e da ampla defesa.

Dessa forma, após a análise da sistematização do método de interpretação dos princípios proposta por Humberto Ávila, bem como dos métodos de interpretação defendidos pelos neoconstitucionalistas, podemos chegar a uma primeira conclusão no sentido de que a sistematização proposta por Humberto Ávila traz uma maior segurança no momento da configuração de uma violação ao princípio da moralidade como ato de improbidade administrativa fundamentado no art. 11, “caput” da Lei n.º 8.429/92, uma vez que estabelece critérios mais objetivos e claros, conforme se verifica pela análise do conceito de princípio trazido por Humberto Ávila.7

Tal constatação pode ser verificada pelo fato de que para a caracterização da violação ao princípio da moralidade é necessária a utilização de parâmetros objetivos, fundamentados em dispositivos constitucionais, sem que que incluem valores, como propõem os neoconstitucionalistas, uma vez que a inclusão da referida variável retira a objetividade da interpretação, já que a configuração da sua violação ficará condicionada à interpretação valorativa realizada pelo respectivo intérprete e poderá variar de acordo com o intérprete, uma vez que os valores são relativos, conforme lembra Humberto Ávila em trecho da sua obra Teoria dos Princípios.8

A afirmação de Humberto Ávila quanto à relatividade dos valores demonstra que a análise dos princípios à luz dos métodos propostos pelos neoconstitucionalistas, além de não realizarem uma delimitação objetiva, ao incluir o sopesamento dos valores nessa atividade, torna sua definição subjetiva, uma vez que tais valores, como já mencionado, são relativos, acarretando, em consequência, insegurança jurídica, pois abrirá um campo demasiadamente grande para a configuração do que pode vir a ser qualificado como um ato de improbidade administrativa em razão da violação de um princípio.

Nesse sentido, é importante relembrar uma outra afirmação de Humberto Ávila acerca da utilização da técnica de ponderação no sentido de que devemos ter cautela com sua utilização excessiva a fim de evitar que os princípios sejam indiscriminadamente afastados.9

Assim, verificamos então que o método de intepretação proposto pelos neoconstitucionalistas é despido de cientificidade, tendo em vista que a decisão jurídica é  pautada de acordo com a vontade do intérprete, tanto que Jürgen Habermas defende que a teoria neoconstitucionalista carece da racionalidade exigida pelo Direito, a qual deve ser obtida por meio do processo legislativo, sustentando que existem várias diferenças entre as normas e os valores, motivo pelo qual devem ser aplicadas de formas diversas.

Dessa forma, uma outra conclusão a que podemos chegar é no sentido de que a utilização, pelo intérprete, das técnicas de interpretação neoconstitucionalistas para a conceituação e limites de abrangência de um princípio, em especial do princípio da moralidade, em razão de sua alta carga de subjetividade, torna a análise à sua ofensa muito vaga, o que permite ao acusador, incluir diversas condutas, ainda que somente irregulares, no espectro das condutas configuradas como ímprobas por ofensa ao princípio da moralidade. Isso porque, conforme defende Humberto Ávila, o problema no momento da interpretação não se resume em separar espécies das normas mas, principalmente, em aplicar dos critérios de interpretação de modo a tornar a norma aplicável de modo objetivo.        

Assim, podemos, ao final, concluir que a utilização da sistematização realizada por Humberto Ávila para a delimitação e âmbito de abrangência dos princípios, a qual elenca critérios objetivos fundamentados em dispositivos constitucionais, traz um maior respaldo jurídico para as imputações da prática de atos de improbidade administrativa em razão da violação de princípios (art. 11, “caput”, da Lei n.º 8.429/92), uma vez que possibilita a subsunção exata da conduta praticada ao suposto ato de improbidade administrativa praticado, garantido ao réu o efetivo exercício do seu direito constitucional ao contraditório e ampla defesa, diferentemente do que ocorre nos caso de utilização das técnicas defendidas pelos neoconstitucionalistas para a definição e delimitação do âmbito de abrangência dos princípios, isso porque em razão de se valerem de uma interpretação baseada em valores, os quais são relativos, resultam em um conceito subjetivo e extremamente vago, violando, por via reflexa, o princípio da legalidade e da segurança jurídica.

 

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OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública: corrupção: ineficiência. 3ª ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2013.

 

SANTOS, Bruno Aguiar. Neoconstitucionalismo: Ideologia fada ao fracasso do arbítrio. 1º ed. Salvador. Editora Jus Podivm.2018.

 

SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos. 2º ed. 2º tiragem. Ed. Malheiros. São Paulo, 2017.

 

  1. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da Definição à aplicação dos princípios jurídicos. “São aqueles cuja solução pode ser havida como exemplar, considerando-se exemplar aquela solução que serve de modelo para a solução de outros tantos casos, em virtude da capacidade de generalização do seu conteúdo valorativo.”

2.Ao invés de meramente afirmar que a Administração deve pautar sua atividade segundo os padrões de moralidade, é preciso indicar que, em determinados casos, o dever de moralidade foi especificado como o dever de realizar expectativas criadas por meio do cumprimento das promessas antes feitas ou como o dever de realizar os objetivos legais por meio da adoção de comportamentos sérios e fundamentados. ”

3. “O dispositivo que serve de ponto de partida para a construção do princípio da moralidade está contido no art. 37 da Constituição Federal, que põe a moralidade como sendo um dos princípios fundamentais da atividade administrativa. A Constituição Federal, longe de conceder uma palavra isolada à moralidade, atribui-lhe grande importância em vários dos seus dispositivos. A sumária sistematização do significado preliminar desses dispositivos demonstrou que a Constituição Federal preocupou-se com os padrões de conduta de vários modos.”

  1. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da Definição à aplicação dos princípios jurídicos A sistematização dos significado preliminar desses dispositivos termina por demonstrar que a Constituição Federal estabeleceu um rigoroso padrão de conduta para o ingresso e para o exercício da função pública, de tal sorte que, inexistindo seriedade, motivação e objetividade, os atos podem ser revistos por mecanismos internos e externos de controle.”

5. “Como se pode perceber, o princípio da moralidade exige condutas sérias, leais, motivadas e esclarecedoras, mesmo que não previstas em lei. Constituem, pois, violação ao princípio da moralidade a conduta adotada sem parâmetros objetivos e baseada na vontade individual do agente e o ato praticado sem a consideração da expectativa criada pela Administração. ”

  1. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da Definição à aplicação dos princípios jurídicos. “normas que atribuem fundamento a outras normas, por indicarem fins a serem promovidos, sem, no entanto, preverem o meio para a sua realização. Eles apresentam, em razão disso, alto grau de indeterminação, não no sentido de mera vagueza, presente em qualquer norma, mas no sentido específico de não enumerarem exaustivamente os fatos em presença dos quais produzem a consequência jurídica ou demandarem a concretização por outra norma, de modos diversos e alternativos.”
  2. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da Definição à aplicação dos princípios jurídicos. Um valor é algo que estabelece qual comportamento é mais aconselhável ou mais atrativo conforme determinado sistema de valores em cuja aplicação demanda uma operação de prevalência diante de outros valores contrapostos, como sustenta Habermas. Daí dizer que os valores são relativos, no sentido de dependerem de possibilidades valorativas e contextuais. Quando se afirma que um princípio é uma norma carecedora de ponderação se inclui a possibilidade de afastamento completo por meio de regras concretas de prevalência, estás, também s esse dar conta, sustentando que os princípios não são normas que estabelecem aquilo que é permitido ou proibido e vinculam, igualmente e, sem exceção, os seus destinatários.”
  3. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da Definição à aplicação dos princípios jurídicos. “normas que atribuem fundamento a outras normas, por indicarem fins a serem promovidos, sem, no entanto, preverem o meio para a sua realização. Eles apresentam, em razão disso, alto grau de indeterminação, não no sentido de mera vagueza, presente em qualquer norma, mas no sentido específico de não enumerarem exaustivamente os fatos em presença dos quais produzem a consequência jurídica ou demandarem a concretização por outra norma, de modos diversos e alternativos.”
  4. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da Definição à aplicação dos princípios jurídicos. Um valor é algo que estabelece qual comportamento é mais aconselhável ou mais atrativo conforme determinado sistema de valores em cuja aplicação demanda uma operação de prevalência diante de outros valores contrapostos, como sustenta Habermas. Daí dizer que os valores são relativos, no sentido de dependerem de possibilidades valorativas e contextuais. Quando se afirma que um princípio é uma norma carecedora de ponderação se inclui a possibilidade de afastamento completo por meio de regras concretas de prevalência, estás, também s esse dar conta, sustentando que os princípios não são normas que estabelecem aquilo que é permitido ou proibido e vinculam, igualmente e, sem exceção, os seus destinatários.
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