Resumo: Nos primórdios da humanidade, a mulher era vista como um objeto, tendo pouca expressão, e tida como serva do homem, sempre submissa à sua vontade. Em muitas culturas a mulher era, e ainda é, tida como meio de procriação da espécie. O Brasil, dentro do contexto de discriminação e violência contra a mulher, viola vários direitos fundamentais pertencentes às mulheres, tais como violência dos mais variados tipos, discriminação quanto ao gênero. Dentro desse contexto surgiu a necessidade de ações afirmativas visando à proteção da mulher, bem como a edição de leis que diminuíssem a violência e discriminação. Surge, assim, uma das mais expressivas leis do nosso ordenamento jurídico sobre o tema, que é a Lei 11.340 de 2006, chamada de Lei Maria da Penha.
Palavras-chave: Lei 11.340/06. Maria da Penha. Violência. Discriminação. Mulher.
Abstract: In the early days of humanity, the woman was seen as an object, having little significance, taken as a servant of man, always submissive to his desire. In many cultures the woman was, and still is, seen as a means of procreation of the species. The Brazil within the context of discrimination and violence against women violates several fundamental rights belonging to women, such as violence of all kinds, discrimination as to gender. In this context came the need for affirmative actions aimed at the protection of women, and the redacting of laws that lessened the violence and discrimination. Then comes one of the most significant laws of our legal system on the theme, which is the Law 11.340 of 2006, called the Maria da Penha Law.
Keywords: Law 11.340 of 2006. Maria da Penha. Violence. Discrimination. Woman.
Sumário: Introdução. 1. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. 2. Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). 2.1 Abrangência da lei. 2.2 Constitucionalidade da lei. 2.3 Âmbito da violência doméstica. 2.4 Formas de violência doméstica. 2.5 Formas de assistência à mulher. 2.6 Medidas protetivas de urgência. 2.7 Lei Maria da Penha e Lei 9099/95. 2.8 Autoridade policial. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Desde os tempos mais remotos da existência humana que a mulher tem passado por graves violações em seus direitos fundamentais, como direito à vida, à saúde, liberdade, políticos. O exemplo mais forte disso é a cena do imaginário dos filmes em que um homem das cavernas sai arrastando a mulher pelos cabelos.
No direito internacional esse tema já vem tendo especial atenção há algum tempo, sendo este tratamento diferenciado abordado em alguns diplomas internacionais, como é o caso da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.
Em 1975, na ONU, ocorre a I Conferência Mundial sobre a Mulher, na Cidade do México.
Em 1979, surge a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Convenção da Mulher).
O Brasil, através do Decreto Legislativo 26/94, aderiu à convenção, havendo posteriormente, em 2002, a edição do Decreto 4377.
A Convenção da Mulher prevê a adoção de ações afirmativas, a fim de promover a isonomia material entre homens e mulheres.
No Brasil, um dos principais diplomas é a Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006, pioneiro no combate à violência contra a mulher.
Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica, foi vítima de tentativa de homicídio em 29 de maio de 1983 por seu próprio marido, onde ficou paraplégica.
Na semana seguinte, foi novamente vítima de choque elétrico enquanto tomava banho. A denúncia ocorreu em 28 de setembro de 1984 e a prisão do marido apenas em setembro de 2002.
Posteriormente, em razão desse caso, foi aprovada a Lei 11340/06, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha, tornando-se um do marco de proteção da mulher contra violência doméstica, sendo o primeiro diploma a efetivamente tratar do assunto.
Em 1980, em Copenhague, foi realizada a II Conferência sobre a Mulher. Em 1985, em Nairóbi (Quênia), ocorre a III Conferência sobre a Mulher.
Em 1993, ocorreu em Viena a Conferência de Direitos Humanos das Nações Unidas para a Mulher. Foi um marco histórico, pois a violência contra a mulher foi definida como espécie de violação aos direitos humanos.
Em âmbito regional de defesa dos direitos humanos, a Assembleia Geral da OEA adotou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica, denominada Convenção de Belém do Pará de 1994, incorporada ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto 1973/96.
Em 2006, em razão da condenação imposta ao Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, foi editada a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha).
Esta lei não é uma lei essencialmente penal. Poucos são os dispositivos tratam de matéria penal.
1 CONVENÇÂO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER
No cenário internacional um dos mais importantes documentos é a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Essa Convenção deu um passo importante para o reconhecimento e valorização do papel da mulher.
Posteriormente foi editado o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher.
No âmbito americano, o documento de destaque é a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, também chamada de Convenção de Belém do Pará. Esta Convenção é o primeiro documento a reconhecer a violência contra a mulher como um fenômeno comum na sociedade.
Essa Convenção foi uma das responsáveis pela elaboração da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha).
A Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher foi assinada por vários países, porém foi um dos documentos contra o qual os países mais se opuseram.
Vivemos num mundo plural, em que existem diferentes culturas, religiões, meios de vida, com diferentes visões sobre o papel da mulher dentro da sociedade. Isso levou a que os países fizessem uma série de reservas ao documento ou até mesmo nem assinassem, por conta de argumentos religiosos, culturais, numa verdadeira amostra da discussão entre universalismo e relativismo dos direitos humanos.
Por conta disso, o rol de direitos previstos na Convenção é tido pela doutrina majoritária como rol protetivo mínimo às mulheres.
O artigo 1º traz o conceito de discriminação contra a mulher.
“Artigo 1º – Para fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.”
A Convenção ainda traz um compromisso dos países em estabelecer uma política para eliminar a discriminação contra a mulher.
“Artigo 2º – Os Estados-partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a:
a) consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas Constituições nacionais ou em outra legislação apropriada, o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados à realização prática desse princípio;
b) adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher;
c) estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher em uma base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação;
d) abster-se de incorrer em todo ato ou prática de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com esta obrigação;
e) tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa;
f) adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher;
g) derrogar todas as disposições penais nacionais que constituam discriminação contra a mulher.”
Ainda há a previsão de adoção de ações afirmativas com o intuito de acelerar o processo de obtenção da igualdade de fato entre homem e mulher.
“Artigo 4º – 1. A adoção pelos Estados-partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como consequência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados.
2. A adoção pelos Estados-partes de medidas especiais, inclusive as contidas na presente Convenção, destinadas a proteger a maternidade, não se considerará discriminatória.”
Há o reconhecimento da necessidade de assegurar a igualdade formal e, para que isso se torne realidade, é necessária a introdução temporária de ações afirmativas.
A Convenção traz uma série de direitos que devem ser assegurados à mulher pelos países signatários.
A mulher sempre foi excluída do processo político tendo sido impedida, até bem pouco tempo, de votar, quiçá assumir cargo eletivo. A Convenção assegura, em seu artigo 7º, o dever de os Estados garantirem a possibilidade de voto das mulheres e o direito de serem votadas.
Outro direito importante refere-se aos direitos de nacionalidade, assegurando a igualdade de direitos na aquisição, mudança ou conservação de sua nacionalidade em relação ao homem.
A Convenção também trata sobre direitos trabalhistas, com o objetivo de evitar tratamento discriminatório contra a mulher no âmbito das relações de trabalho. Também assegurar a igualdade de direitos com o homem na esfera da educação.
Os mecanismos de fiscalização trazidos pela Convenção são os relatórios, onde o Estado-parte deverá, a cada quatro anos, ou quando solicitado pelo Comitê enviar relatórios sobre medidas de promoção dos direitos da mulher assegurados pela Convenção.
Outro mecanismo são as petições individuais, onde a vítima pode acionar o Comitê para análise e processo do Estado-parte.
Poderão, também, ser realizadas inspeções in loco, onde o Comitê, se autorizado pelo Estado-parte,poderá enviar representante para investigar a violação.
2 LEI MARIA DA PENHA (LEI 11.340/06)
A lei começa reafirmando os direitos e garantias fundamentais das mulheres enunciando que toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Para isso, o poder público desenvolverá ações afirmativas, através de políticas, que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Além do poder público, também cabe à família e sociedade criar condições para o exercício desses direitos.
2.1 ABRANGÊNCIA DA LEI
“Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.”
A lei foi concebida para tutelar a mulher em situação de vulnerabilidade, ou seja, as mulheres expostas à violência doméstica e familiar, baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, assim como no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa. Também em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
A interpretação da Lei Maria da Penha deve observar um caráter integrativo e sistemático. A interpretação deve se atentar aos seus fins, ou seja, deve ser utilizada uma interpretação teleológica, sendo buscado, na sua interpretação, a finalidade da norma, que consiste em tutelar a mulher em situação de violência doméstica ou familiar, em especial, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
A lei Maria da Penha introduziu o §9º ao art. 129 do Código Penal e este artigo aplica-se tanto para o homem quanto para a mulher vítima de violência doméstica.
“§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.”
Introduziu, também, a qualificadora do crime de lesão corporal, que é a qualificadora da violência doméstica, aplicando tanto para a vítima mulher quanto para o homem.
“§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.”
Apesar disso, a Lei Maria da Penha só se aplica à mulher vítima de violência doméstica.
Os pressupostos para a incidência da Lei Maria da Penha são:
a) Sujeito passivo tem que ser mulher;
b) Prática de violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial, violência moral
c) O âmbito de cometimento da violência deve ser o doméstico, compreendendo o âmbito da unidade doméstica, âmbito da família ou em qualquer relação íntima de afeto.
“Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.”
A Lei Maria da Penha cria um microssistema protetivo da mulher, podendo ser aplicados todos esses diplomas normativos. Se houver conflito, a Lei Maria da Penha irá prevalecer.
Mesmo que esse dispositivo legal não existisse, a aplicação desse microssistema já ocorreria, pois é o que ocorre com a interpretação do direito.
2.2 CONSTITUCIONALIDADE DA LEI
Alguns autores questionam a constitucionalidade da Lei Maria da Penha. Existem duas correntes que tratam do assunto.
Para a primeira corrente, a lei é inconstitucional porque viola o art. 226, §5º e §8º da Constituição.
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 5º – Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 8º – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”
Para esses autores, se a Constituição prevê igualdade de direitos entre homem em mulher nas relações conjugais, não pode a Lei Maria da Penha proteger somente a mulher, pois isso fere o princípio da isonomia nas relações familiares.
Além disso, o Estado deve coibir a violência do homem para com a mulher e da mulher para com o homem. A Constituição não diz que apenas a violência contra a mulher deve ser coibida.
Para uma segunda corrente, a Lei Maia da Penha é constitucional, pois existem dois sistemas jurídicos de proteção:
a) sistema de proteção geral, que não tem destinatário certo, não podendo a lei fazer distinções;
b) sistema de proteção especial, que tem destinatário certo, visando proteger grupos específicos de pessoas, sendo o que muitos chamam de especialização da proteção jurídica.
A segunda corrente é a que prevalece.
O sistema de especialização da proteção jurídica também é adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pelo Estatuto do Idoso, Lei de Crimes Raciais, visando à proteção de grupos específicos de pessoas.
No caso da Lei Maria da Penha, proteção jurídica é destinada à mulher hipossuficiente.
Ao contrário do que pensam os críticos, a lei trabalha com a ideia de desigualdade de fato. Isso não vai ofender o princípio da isonomia, mas sim garanti-lo.
A Lei Maria da Penha trata desigualmente os desiguais, pois as mulheres estão em situação de desigualdade perante os homens. As estatísticas demonstram que o número de mulheres vítimas de violência doméstica é maior que o número de homens.
Assim, a Lei Maria da Penha visa garantir a igualdade material, pois não basta apenas a igualdade formal.
Uma questão polêmica é se a lei pode ser aplicada ao transexual. Se ocorreu a mudança de sexo, a Lei Maria da Penha pode ser aplicada ao transexual, pois, já que ele pode alterar seu registro para constar nome e sexo feminino, o transexual, a partir desse momento, pertence ao sexo feminino. Logo, ele é biologicamente, psicologicamente e juridicamente mulher, logo, a Lei Maria da Penha pode ser aplicada. Esta é a posição do STJ.
Vale ressaltar que, a violência cometida pode ser de homem contra mulher ou de mulher contra mulher. Assim, o autor da violência pode ser homem ou mulher, mas a vítima só pode ser mulher.
2.3 ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
O artigo 5º da Lei Maria da penha traz as situações nas quais a mulher é considerada vulnerável.
“Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;”
A unidade doméstica abrange o espaço de convívio permanente, que deve ser um convívio habitual e duradouro.
Esse conceito é um espelho da definição da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, que é a Convenção de Belém do Pará. Porém, o conceito da Convenção é mais amplo, abrangendo as mulheres em todos os âmbitos da vida, seja na unidade residencial, seja fora dela, no trabalho, ou em qualquer outro espaço, enquanto que a Lei Maria da Penha especifica abrange o âmbito das relações de convivência e familiares.
Porém, o conceito da Lei Maria da Penha é mais amplo, abrangendo uma variedade de laços, tais como maridos, namorados, filhos, irmãos, cunhados.
O conceito de unidade doméstica não exige vínculo familiar. Assim, o dispositivo alcança também as pessoas ‘esporadicamente agregadas. Uma vítima, por exemplo, pode ser a empregada doméstica. Uma empregada doméstica agredida pela patroa pode ser socorrida pela Lei Maria da Penha, sendo considerada essa agressão como violência doméstica.
Salienta-se que, para que configure uma situação de violência doméstica, agressor e vítima devem pertencer á mesma unidade doméstica. Não precisa que sejam familiares, bastando que o espaço em que a violência é cometida seja a unidade doméstica.
“II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;”
No caso deste inciso, é necessário vínculo familiar, mesmo que seja por afinidade. Não importa o local em que a violência foi praticada, mas sim os laços familiares. Assim, cometida ou não no âmbito da unidade doméstica, estará caracterizada a violência doméstica.
Neste caso, o vínculo entre agressor e vítima deverá ser familiar, ou seja, vínculo conjugal, parentesco por consanguinidade ou afinidade, por vontade expressa, como na adoção.
Atualmente, dentro das novas perspectivas do direito de família, a parentalidade socioafetiva, que é a comunidade formada por indivíduos que são ligados por vínculos afetivos, também estão incluídos no âmbito de família.
Se dois irmãos moram em casas diferentes e um vai à casa do outro para ameaçar, agredir, depredar o patrimônio do outro comete violência domestica no âmbito de família. O fato de morarem em casas separadas não afasta o âmbito da família.
“III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.”
Este inciso trata das relações momentâneas, duradouras ou situacionais. Isso significa que o agressor pode conviver ou ter convivido com a vítima, independente de coabitação. O importante é haver um relacionamento entre as pessoas.
A situação de violência doméstica pode acontecer numa situação que ainda exista ou que não exista mais. Esta relação abrange, por exemplo, marido ou ex-marido, ex-namorado ou namorado.
Existem duas correntes que tratam sobre as relações íntimas de afeto.
A primeira corrente é chamada de ampliativa. Esta corrente afirma que a relação íntima de afeto é qualquer relação estreita entre agente e vítima. Ex.: confiança, amor, amizade.
A segunda corrente é a restritiva, que afirma que a relação íntima de afeto é o relacionamento dotado de conotação sexual ou amorosa. Portanto, a violência em uma relação de amizade não configura violência doméstica.
A segunda corrente é a que prevalece, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência.
Relação de namoro configura relação íntima de afeto para fins de aplicação da pena, desde que não seja um simples namoro, de curta duração, devendo ter convivido com a ofendida, mesmo não havendo coabitação. Portanto, o caso concreto deverá ser analisado para determinar se é aplicável ou não a Lei Maria da Penha.
Assim, relacionamento passageiro, esporádico não incide a lei. Porém, se houver nexo entre a conduta violenta e a relação de intimidade entre agente e vítima, aplica-se a Lei Maria da Penha.
Há precedentes no STJ e STF, que, em um namoro, incide esta lei.
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. LEI MARIA DA PENHA. VIOLÊNCIA PRATICADA EM DESFAVOR DE EX-NAMORADA. CONDUTA CRIMINOSA VINCULADA A RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO. CARACTERIZAÇÃO DE ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR. LEI Nº 11.340/06. APLICAÇÃO.
1. A Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, em seu art. 5º, inc. III, caracteriza como violência doméstica aquela em que o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Contudo, necessário se faz salientar que a aplicabilidade da mencionada legislação a relações íntimas de afeto como o namoro deve ser analisada em face do caso concreto. Não se pode ampliar o termo – relação íntima de afeto – para abarcar um relacionamento passageiro, fugaz ou esporádico.
2. In casu, verifica-se nexo de causalidade entre a conduta criminosa e a relação de intimidade existente entre agressor e vítima, que estaria sendo ameaçada de morte após romper namoro de quase dois anos, situação apta a atrair a incidência da Lei nº 11.340/2006.
3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete/MG” (CC nº 100654/MG, Relatora Ministra LAURITA VAZ, 3ª SEÇÃO, julgado em 25/03/2009, DJe de 13/05/2009)(grifo nosso)”
“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. VIOLÊNCIA COMETIDA POR EX-NAMORADO. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DO DELITO PREVISTO NO ART. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL. APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA. (LEI N. 11.340/2006). IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO PELO JUIZADO ESPECIAL. 1. Violência cometida por ex-namorado; relacionamento afetivo com a vítima, hipossuficiente; aplicação da Lei n. 11.340/2006. 2. Constitucionalidade da Lei n. 11.340/2006 assentada pelo Plenário deste Supremo Tribunal Federal; constitucionalidade do art. 41 da Lei n. 11.340/2006, que afasta a aplicação da Lei n. 9.099/95 aos processos referentes a crimes de violência contra a mulher. 3. Impossibilidade de reexame de fatos e provas em recurso ordinário em habeas corpus. 4. Recurso ao qual se nega provimento.” (RHC 112.698/DF, Relatora Ministra CARMEN LÚCIA, julgado em 18/09/2012, DJe de 02/10/2012)(grifo nosso)”
Portanto, o caso concreto irá determinar a incidência da Lei Maria da penha.
“Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.”
A violência pode acontecer no âmbito da relação homoafetiva, desde que seja entre duas mulheres.
Só existe violência se for uma violência baseada no gênero. A Lei Maria da Penha não se aplica a qualquer violência do homem contra a mulher, mas só se aplica quando a violência é preconceituosa, discriminatória.
O assaltante que coage a testemunha que é sua esposa não é caso de aplicação a Lei Maria da Penha, pois ele coagiria a testemunha independente de ser esposa ou não.
O STJ tem posição que a agressão à mulher por conta de ciúme não é escopo da Lei 11.340/06. Ciúme, para o STJ, está relacionado com sentimento, e não com preconceito.
2.4 FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
O artigo 7º d Lei 11.340/06 estipula as formas de violência doméstica e familiar. Este artigo, juntamente com o artigo 5º constitui o núcleo conceitual e estruturante da lei, pois delimita o escopo de sua aplicação.
O rol de formas de violência doméstica estabelecido na lei é exemplificativo.
“Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;”
A primeira forma de violência é a física, sendo a forma mais visível e identificável de violência contra a mulher.
Essa violência física vai desde vias de fato até o homicídio, chamada de vis corporalis. Ex.: fraturas, fissuras, cortes, hematomas, queimaduras, provocação de vômitos.
As marcas deixadas no corpo não são requisitos para configuração desse tipo de violência.
“II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;”
Outra forma de violência é a psicológica, abrangendo elevar a voz com frequência, xingamentos com o objetivo de humilhar e constranger, vigiar a mulher vinte quatro horas por dia, chantagem.
São lesões causadas por mecanismos que não usa a violência física, provocando alterações psíquicas na vítima, como depressão.
“III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;”
A violência sexual é caracterizada quando a mulher é forçada a manter relação sexual, obrigar a mulher a se prostituir, for obrigada a casar com o agressor, obrigar a mulher a ter filhos sem ela querer.
“IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;”
A violência patrimonial é a violência que viola os direitos econômicos e financeiros da mulher, podendo ser caracterizada quando o marido furta dinheiro da mulher. O pai reter o documento de identidade da filha. O irmão destruir o carro da irmã.
“V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”
Violência moral, no âmbito da Lei Maria da Penha, significa crimes contra a honra (calúnia, difamação ou injúria), e não ameaça, que significa violência psicológica.
A violência moral está associada à violência psicológica, mas com efeitos mais amplos. Ocorre com a desqualificação, ridicularização contra a mulher, violando a sua autoestima e reconhecimento social.
Vale ressaltar que, na violência praticada por uma mulher contra outra mulher no âmbito doméstico, familiar ou afetivo só é aplicado a Lei Maria da Penha se a agressora se encontra em posição de superioridade hierárquica em relação à vítima, pois a lei tutela a mulher vulnerável.
Para a aplicação da Lei Maria da Penha, é necessária a demonstração da motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação de relação íntima. Assim, não basta o mero vínculo para caracterizar a sua incidência. Assim, lesão corporal praticada por tia contra sobrinha que não reside no mesmo domicílio não se aplica a Lei 11.340/06, bem como crime contra a honra envolvendo duas irmãs, que moram juntas, havendo apenas desavenças e ofensas entre elas, pois não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade.
Se ocorrem maus tratos perpetrados por um pai contra um casal de filhos, a lei só é aplicada em relação à menina.
“Art. 181 – É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:
I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;”
O Código Penal prevê a escusa absolutória praticados nas relações conjugais ou de união estável. Com o surgimento da Lei Maria da Penha este artigo não foi revogado tacitamente, pois prevê uma excludente de ilicitude, sendo uma norma benéfica que só pode ser revogado expressamente.
2.5 FORMAS DE ASSISTÊNCIA À MULHER
Para que a mulher em situação de violência doméstica e familiar seja assistida adequadamente, vários sistemas públicos são integrados para que possam ser prestadas as ações adequadas.
“Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.”
Os sistemas que serão utilizados são o Sistema de Assistência Social previsto na Lei Orgânica da Assistência Social, o Sistema único de Saúde e o Sistema de Segurança Pública. Assim, temos uma tríplice assistência à mulher vítima de violência doméstica: assistência social, assistência à saúde e assistência à segurança.
“§ 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.”
Os programas de assistência do governo federal, estadual e municipal tem por objetivo garantir o apoio necessário à mulher por conta dessa situação de violência, como auxílio financeiro, psicológico, médico, casa-abrigo.
“§ 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:
I – acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;
II – manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.”
Se necessário afastar a vítima do lar, será assegurado à servidora, com prioridade em relação aos demais, o exercício da função pública em outro local, pelo acesso prioritário à remoção, além de manter o vínculo trabalhista por seis meses. Isso tem por objetivo dar condições à mulher para retomar sua vida.
São medidas que impede a mulher de ser prejudicada quando incluída nos programas de assistência, pois garante remoção prioritária o seu cargo, além de garantir o emprego.
Vale ressaltar que o contrato será suspenso, ou seja, não receberá salário.
“§ 3o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.”
No caso de violência sexual, a mulher tem o direito aos serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das doenças sexualmente transmissíveis e da síndrome da imunodeficiência adquirida e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis. Isso busca evitar gravidez (pílula do dia seguinte), teste contra a AIDS e tratamento nos primeiros dias para evitar a doença, até mesmo o aborto.
2.6 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
Medidas de urgência geram provimentos jurisdicionais de urgência, e estes, geralmente, tem natureza cautelar. Assim, essas medidas de urgência têm natureza jurídica de natureza cautelar.
Por terem natureza cautelar, exigem-se os requisitos das cautelares, ou seja, fumus bonis iuris e periculum in mora.
O juiz pode designar audiência de justificação prévia para melhor verificar a prática da infração.
“Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:
I – conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;
II – determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;
III – comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.”
Como a violência contra a mulher é um caso de urgência, a lei estabeleceu um prazo para a adoção de providências compatível com a urgência requerida. Por isso, o juiz dispõe de quarenta e oito horas para tomada de ações.
As medidas protetivas só podem ser decretadas pelo juiz. Delegado não pode decretar medidas protetivas.
“Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.”
A decretação de medida protetiva pelo juiz, na fase investigativa, deve ser a requerimento do Ministério Público ou da ofendida. Na fase judicial, pode ser decretada de ofício ou por provocação do Ministério Público, da ofendida ou da autoridade policial.
A atuação do juiz nessas hipóteses pode auxiliar a vítima a encontrar uma solução mais rápida e eficiente ao caso.
A Lei 12.403/11 alterou o Código de Processo Penal e criou medidas cautelares diversas da prisão, enunciando que o juiz não pode decretar medidas cautelares de ofício. Porém, no caso de violência contra a mulher, prevalece o artigo da Lei Maria da Penha, que não foi revogada tacitamente, pois estas medidas não são medidas cautelares penais, mas medidas cautelares civis. Além disso, a Lei Maria da Penha é lei especial em relação ao Código de Processo Penal
“§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.
§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.”
As medidas protetivas seguem a cláusula rebus sic stantibus, havendo a possibilidade de revisão das medidas cautelares ou nova decretação. Assim, embora a medida protetiva não tenha prazo determinado, ela só será mantida enquanto se verificar a necessidade ante o perigo de lesão.
“Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.”
O conhecimento da situação prisional do agressor permite à vítima tomar um maior cuidado com os perigos que pode estar correndo, tendo mais cautela no dia a dia.
As medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor são exemplificativas, sendo tomadas em seu desfavor, não tendo natureza de sanção penal, mas sim de proteção à vítima.
“Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;”
Nada impede a adoção de mais de uma medida protetiva concomitantemente, desde que essa seja a solução mais adequada.
Quem possui arma de fogo tem uma potencialidade lesiva maior, aumentando ainda mais a vulnerabilidade da mulher.
Para a adoção dessa medida, não é necessário que a violência tenha sido praticada com a arma de fogo.
“II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;”
O objetivo dessa medida é evitar uma nova agressão. Além disso, manter o agressor sob o mesmo teto que a vítima é submeter a mulher a uma constante pressão psicológica.
A saúde física e psicológica da vítima fica preservada, bem como o seu patrimônio.
“III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;”
O juiz pode estabelecer a distância sem especificar quais lugares seriam. Essa medida vai fazer com que o agressor permaneça sempre afastado da vítima, evitando qualquer tipo de contato físico com ela, seus parentes e testemunhas.
“b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;”
Essa medida busca evitar que o agressor persiga a vítima, seus familiares e as testemunhas através de telefone, e-mail, redes sociais.
“c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;”
Nesse caso, o juiz terá que especificar quais lugares o agressor não pode frequentar e estes lugares tem que ter relação com a agressão. Não pode ser uma restrição genérica, pois, se fosse, o agressor não poderia nem sair de casa.
Essa medida tem por objetivo proteger os espaços nos quais a mulher desenvolve suas atividades, como o local de trabalho, escola, lazer vedando a presença do agressor para evitar humilhações e intimidações.
“IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;”
Essa medida é necessária quando o agressor intimida a vítima através de mau comportamento ou de ameaças dirigidas aos filhos do casal, bem como quando o agressor utiliza os filhos do casal para ter contato com a vítima.
A restrição não pode impedir a visita, mas esta terá que ser restrita, com supervisão, restrita a determinados lugares e horários. No caso da suspensão, a visita é impedida.
Para que esta medida seja adotada, deverá haver a oitiva de equipe de atendimento multidisciplinar, para que possa haver a preservação do vínculo de convivência entre pais e filhos. Caso haja risco à integridade da mulher ou dos filhos, o parecer não precisa ser prévio à adoção da medida cautelar.
“V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.”
A prestação de alimentos tem por objetivo manter a subsistência da vítima e seus dependentes durante a execução da medida protetiva pra que esta não tenha o efeito de prejudicar a mulher ao invés de proteger, evitando o uso do poder econômico para intimidar a mulher.
Alimentos provisórios tem natureza de tutela antecipada e estão previstas na Lei de Alimentos. Os alimentos provisionais são decretados para que a vítima possa se manter enquanto durar o processo.
O descumprimento dessas medidas por parte do agressor não configura crime de desobediência.
“PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA PREVISTA NA LEI MARIA DA PENHA. COMINAÇÃO DE PENA PECUNIÁRIA OU POSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA. INEXISTÊNCIA DE CRIME.1 A previsão em lei de penalidade administrativa ou civil para a hipótese de desobediência a ordem legal afasta o crime previsto no art. 330 do Código Penal, salvo a ressalva expressa de cumulação (doutrina e jurisprudência).2 Tendo sido cominada, com fulcro no art. 22, § 4º, da Lei n. 11.340/2006, sanção pecuniária para o caso de inexecução de medida protetiva de urgência, o descumprimento não enseja a prática do crime de desobediência.3 Há exclusão do crime do art. 330 do Código Penal também em caso de previsão em lei de sanção de natureza processual penal (doutrina e jurisprudência). Dessa forma, se o caso admitir a decretação da prisão preventiva com base no art. 313, III, do Código de Processo Penal, não há falar na prática do referido crime.4 Recurso especial provido. (REsp 1374653/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 11/03/2014, DJe 02/04/2014)(grifo nosso)”
A Lei Maria da Penha também traz medidas protetivas de urgência que serão direcionadas à vítima.
“Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
Num primeiro momento, a mulher sai do lar conjugal. Num segundo momento, após a saída do agressor, a mulher retorna ao seu domicílio.
III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV – determinar a separação de corpos.”
“Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.”
Essas medidas garantem uma proteção imediata, pois podem rapidamente sustar a situação de violência, seja protegendo diretamente a vítima, seja o seu patrimônio.
2.7 LEI MARIA DA PENHA E LEI 9.099/95
A Lei 11.340/06 explicitamente afasta a aplicação da Lei 9.099/95.
“Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.”
O dispositivo tem por finalidade afirmar que as infrações penais praticadas dentro dos aspectos da Lei 11.340/06 não são infrações de menor potencial ofensivo.
Além disso, visa evitar a aplicação das medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95: composição civil dos danos, transação penal, representação e suspensão condicional do processo.
Muitos questionam sobre a constitucionalidade do dispositivo, pois a Lei 11.340/06 é uma lei ordinária e, sendo assim, não poderia afastar a incidência da lei 9.099/95.
Duas correntes surgem quanto ao dispositivo. A primeira diz que o dispositivo é inconstitucional porque fere o principio da isonomia, já que o fato de o crime ser praticado contra a mulher em contexto de violência doméstica não difere daquele cometido contra um homem no mesmo contexto. Assim, se não há diferença, não há razão para não aplicar os institutos despenalizadores da lei 9099/95. Essa corrente não prevalece.
A segunda corrente diz que o dispositivo é constitucional, tendo sido pacificado pelo STF na Ação Direita de Constitucionalidade 19.
O STF vem sustentando a aplicabilidade do dispositivo, afastando os institutos despenalizadores no âmbito da violência doméstica.
“VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI Nº 11.340/06 – GÊNEROS MASCULINO E FEMININO – TRATAMENTO DIFERENCIADO. O artigo 1º da Lei nº 11.340/06 surge, sob o ângulo do tratamento diferenciado entre os gêneros – mulher e homem, harmônica com a Constituição Federal, no que necessária a proteção ante as peculiaridades física e moral da mulher e a cultura brasileira. COMPETÊNCIA – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI Nº 11.340/06 – JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. O artigo 33 da Lei nº 11.340/06, no que revela a conveniência de criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, não implica usurpação da competência normativa dos estados quanto à própria organização judiciária. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – REGÊNCIA – LEI Nº 9.099/95 – AFASTAMENTO. O artigo 41 da Lei nº 11.340/06, a afastar, nos crimes de violência doméstica contra a mulher, a Lei nº 9.099/95, mostra-se em consonância com o disposto no § 8º do artigo 226 da Carta da Republica, a prever a obrigatoriedade de o Estado adotar mecanismos que coíbam a violência no âmbito das relações familiares. (STF – ADC: 19 DF, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 09/02/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 28-04-2014 PUBLIC 29-04-2014)”
A lei está em consonância com a proteção que cabe ao Estado dar a cada membro da família, nos termos do parágrafo 8º do artigo 226 da Constituição Federal.
A partir do momento que o art. 41 é constitucional, não se aplica a Lei 9.099/95 e todos os seus institutos.
O STJ vem seguindo esse mesmo sentido:
“HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. LEI MARIA DA PENHA. CONTRAVENÇÃO PENAL. TRANSAÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do (a) paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. 2. Uma interpretação literal do do disposto no artigo 41 da Lei n. 11.340/2006 viabilizaria, em apressado olhar, a conclusão de que os institutos despenalizadores da Lei n. 9.099/1995, entre eles a transação penal, seriam aplicáveis às contravenções penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher. 3. À luz da finalidade última da norma e do enfoque da ordem jurídico-constitucional, tem-se que, considerados os fins sociais a que a lei se destina, o artigo 41 da Lei n. 11.340/2006 afasta a incidência da Lei n. 9.099/1995, de forma categórica, tanto aos crimes quanto às contravenções penais praticados contra mulheres no âmbito doméstico e familiar. Vale dizer, a mens legis do disposto no referido preceito não poderia ser outra, senão a de alcançar também as contravenções penais. 4. Uma vez que o paciente está sendo acusado da prática, em tese, de vias de fato e de perturbação da tranquilidade de sua ex-companheira, com quem manteve vínculo afetivo por cerca de oito anos, não há nenhuma ilegalidade manifesta no ponto em que se entendeu que não seria aplicável o benefício da transação penal em seu favor. 5. Habeas corpus não conhecido. (STJ – HC: 280788 RS 2013/0359552-9, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 03/04/2014, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/04/2014)(grifo nosso)”
Assim, uma infração de menor potencial ofensivo praticado em situação de violência doméstica, a competência não é dos Juizados Especiais, mas dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ou da Vara Criminal.
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. LEI MARIA DA PENHA. LESÃO CORPORAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. OPORTUNIDADE DE RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO. ART. 16 DA LEI N. 11.340/2006. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DO STF NA ADI 4.424/DF. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. APLICAÇÃO RETROATIVA. AUSÊNCIA DE MODULAÇÃO DOS EFEITOS PELO STF. EFEITOS EX TUNC. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
– Na esteira do que decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4.424/DF, – em que se declarou a constitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/2006, afastando a incidência da Lei 9.099/1995 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar, contra a mulher, independentemente da pena prevista –, é firme nesta Corte a orientação de que o crime de lesão corporal, mesmo que leve ou culposa, praticado contra a mulher, no âmbito das relações domésticas, deve ser processado mediante ação penal pública incondicionada. Precedentes.
– É certo, ainda, que a aplicação do entendimento proferido pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4.424/DF retroage aos casos anteriores, tendo em vista que, não tendo a Corte Suprema realizado a modulação dos seus efeitos, a decisão proferida possui, além da eficácia erga omnes, efeitos ex tunc.
Recurso ordinário desprovido.
(STJ – RHC: 49358 RJ 2014/0163459-9, Relator: MINISTRA MARILZA MAYNARD, Data de Julgamento: 04/09/2014, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/09/2014)(grifo nosso)”
A composição civil de danos não cabe, mesmo sendo infração de menor potencial ofensivo. Também não cabe a transação criminal nem suspensão condicional do processo. A representação na lesão corporal, seja leve, grave ou gravíssima, não se aplica, pois a ação é pública incondicionada.
Oferecida a representação, a mulher não pode se retratar, salvo se for perante o juiz.
“Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.”
A renúncia, que na verdade é uma retratação, só pode ocorrer nos crimes de ação penal pública condicionada à representação.
Esse dispositivo tem por finalidade evitar que a vítima sofra pressão do agressor, ou até mesmo do meio em que vive, ou, ainda, que sinta pena ou se reconcilie, não prosseguindo com o processo.
Por isso, para evitar vício de vontade, a retratação só poderá ser feita em audiência específica para esse fim, na presença do juiz, com a oitiva do representante do Ministério Público.
Na Lei Maria da Penha, a retratação é cabível até o recebimento da denúncia, enquanto de acordo com o Código de Processo Penal, a retratação só poderá ocorrer até o oferecimento da denúncia.
“Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.”
Não existe pena de cesta básica. O que existe é uma prestação pecuniária , como espécie de pena restritiva de direitos.
A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz. Se o beneficiário aceitar, ou seja, se a vítima aceitar, a prestação pecuniária poderá ser substituída por prestação de outra natureza.
Portanto, para que haja pagamento de cesta básica, tem que haver condenação a uma pena de prestação pecuniária, em dinheiro, e a vítima aceitar que a pena de pagamento em dinheiro seja convertido em pagamento do mesmo valor em cesta básica.
O objetivo foi proibir a pena restritiva de prestação pecuniária (dinheiro ou cesta básica) e a pena de multa. As demais penas restritivas de direito são cabíveis.
Assim entende os tribunais superiores:
“HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA. VIAS DE FATO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CONDENAÇÃO. REPRIMENDA. SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITO. BENEFÍCIO CASSADO PELO TRIBUNAL ORIGINÁRIO. ART. 44, I, DO CP. AGRESSÃO FÍSICA. AUSÊNCIA DE OFENSA À INTEGRIDADE CORPORAL DA VÍTIMA. POSSIBILIDADE DA PERMUTA. PRECEDENTE DESTE STJ. COAÇÃO ILEGAL DEMONSTRADA. 1. Constatando-se que a sanção imposta foi inferior a 4 (quatro) anos e que se cuida da contravenção penal prevista no art. 21 do Decreto-Lei 3.888/41 – vias de fato – infração de natureza menos grave, possível e socialmente recomendável a substituição da sanção privativa de liberdade por restritivas de direitos, desde que não se resuma ao pagamento de cestas básicas, de prestação pecuniária ou de multa, isoladamente, como expressamente determinado no art. 17 da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha). Precedente deste STJ. 2. A concessão da permuta, na espécie, de forma alguma colidiria com a proposta de combate à violência doméstica, tendo em vista a sua adequação às finalidades da aplicação da pena, que são a retribuição e a ressocialização do condenado, servindo ainda para prevenção geral, na medida em que afasta a idéia de impunidade. 3. O deferimento do benefício também não ofenderia o previsto no art. 41 da Lei Maria da Penha, pois aqui o que se impede é a aplicação das medidas benéficas previstas na Lei 9.099/95 aos delitos cometidos no âmbito doméstico ou familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista ou efetivamente aplicada. 4. Ordem concedida para restabelecer a sentença no ponto em que substituiu a pena privativa de liberdade imposta ao paciente por uma restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade. (STJ – HC 207978 / MS, Relator: MINISTRO JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 27/03/2012, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/04/2012)(grifo nosso)”
2.8 AUTORIDADE POLICIAL
Os dispositivos tratam sobre as providências a serem tomadas pelos Delegados que atuam na Delegacia Especializada.
No atendimento à mulher a autoridade policial deverá: a) garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; b) encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; c) fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; d) se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; e) informar à ofendida os seus direitos e os serviços disponíveis.
Feito o registro da ocorrência, a autoridade policial deverá: a) ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; b) colher todas as provas que servirem para o esclarecimento dos fatos; c) remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; d) determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e outros exames periciais; e) ouvir o agressor e as testemunhas; f) ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, mandado de prisão ou outras ocorrências policiais contra ele; g) remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.
Assim, o papel da autoridade policial vai além de fazer o registro e remeter o expediente ao poder judiciário. No âmbito da Lei Maria da Penha, a autoridade policial recebeu atribuições de serviço de rede de atendimento de pessoas, num típico trabalho de assistência social.
CONCLUSÃO
A violência contra as mulheres não é recente na história da humanidade. As lutas pelos direitos de igualdade de gêneros marcam a evolução da sociedade, freando um antigo paradigma de que a mulher ocupa uma posição hierarquicamente inferior na escala social, ainda presente em muitas culturas.
A violência doméstica e familiar contra a mulher é uma questão social amplamente debatida, pois representa violação de direitos fundamentais dos mais básicos e caros para o ser humano. Mesmo com tamanha envergadura, tais direitos restaram por muito tempo sendo constantemente violados.
A luta por igualdade de gênero passa por uma evolução lenta, mas permanece evoluindo. Apesar de todos os documentos legais de Direito Internacional, a evolução da situação jurídica da mulher foi bastante lenta, principalmente no Brasil.
Somente em 7 de agosto de 2006 foi elaborado um dos principais diplomas de proteção à mulher em situação de violência e discriminação, sendo um marco histórico na luta por respeito às mulheres e o primeiro documento a tratar dessa temática. Surge, então, a Lei nº 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, consequência da recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos no caso de Maria da Penha Maia Fernandes por conta de omissão do Brasil no combate à violência e discriminação contra a mulher.
Por conta deste caso, a violência doméstica ganhou maior visibilidade e vem sendo amplamente discutida, o que possibilitou uma maior troca de informações sobre a questão da violência e discriminação contra a mulher.
A lei foi criada com objetivo de prevenir e punir a violência contra a mulher. Muitas mulheres só denunciam o marido após sofrerem agressões físicas, porém, este já é um estágio muito avançado da violência, existindo, anteriormente, um a série de violações as quais as mulheres não tomam qualquer tipo de providência.
Assim, a lei traz previsão quanto a agressões sexuais, agressões psicológicas, violência patrimonial, permitindo uma maior abrangência de proteção à mulher.
Outro avanço trazido pela lei repousa no âmbito de sua aplicação, pois a lei vai prevenir e punir a violência contra a mulher, independentemente de gênero, no âmbito doméstico, da família e em relação íntima de afeto. A violência, então, passou a ser tratada não apenas na relação marido e mulher, mas nas relações entre irmãos, namorados, patrão e empregada. Ainda, casais homossexuais são abrangidos pela lei, protegendo a companheira em situação de vulnerabilidade.
Além disso, a lei prevê um conjunto de medidas protetivas para acolher a mulher vítima de violência e segregar o seu agressor, para, então, utilizar diversos mecanismos para a sua punição.
Por conta dos seus instrumentos de proteção, a Lei Maria da Penha é considerada uma das mais avançadas do mundo na questão de prevenção e punição da violência contra a mulher, tornando-a uma das principais responsáveis por modificar a cultura de discriminação e violência contra a mulher no Brasil.
Muitas mulheres estão hoje vivas ou sem sequelas mais graves graças à Lei Maria da Penha, já que deixaram de sofrer violência em seus direitos fundamentais, pois a lei estimula as mulheres a denunciarem seus agressores. Pode parecer pouco, mas é um avanço bem significativo comparando com a situação de dez anos atrás, quando a lei foi criada.
Advogado. Bacharel em Direito pela Faculdade Social da Bahia. Especializando em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá. Administrador de Empresas pela Universidade Católica do Salvador. MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Engenheiro Mecânico pela UFBA
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