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Abandono afetivo é crime? Entenda o que diz a legislação brasileira

O que é abandono afetivo? 

O abandono afetivo ocorre quando um dos genitores, ou ambos, não cumprem com os deveres parentais necessários para com seus filhos, suprimindo cuidados referentes à assistência psíquica, moral e social. 

Não há como obrigar os pais a amarem seus filhos, mas o ordenamento jurídico brasileiro os impõe certas atribuições em razão do exercício do poder familiar, o qual compreende o complexo de direitos e deveres concernentes ao pai e à mãe em relação aos seus filhos.  

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Dessa forma, quando os pais não prestam a assistência necessária às crianças ou adolescentes, em especial no que tange aos cuidados de natureza emocional, entende-se que há um abandono afetivo e os responsáveis podem responder judicialmente pelos danos morais causados a seus próprios filhos.   

O que diz a legislação brasileira sobre abandono afetivo? 

A Constituição Federal (CF/88), em seu artigo 227, atribuiu a família o dever de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.    

No mesmo sentido, o artigo 229 da CF/88 atribui especificamente aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 

Além disso, outros diplomas legais, como o Código Civil (CC) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), reiteram a existência de deveres intrínsecos aos pais, definindo obrigações não somente no aspecto material, mas principalmente, em aspectos afetivos, morais e psíquicos. 

Nesse sentido, o CC apresenta entre os artigos 1.583 e 1.590 as regras concernentes à proteção dos filhos em caso de rompimento da sociedade conjugal e estabelece, no artigo 1.634, que compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:  

– Dirigir-lhes a criação e a educação;  

– Exercer a guarda unilateral ou compartilhada; 

– Conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem, viajarem ao exterior e mudarem sua residência permanente para outro Município;  

– Nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; 

– Representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; 

– Reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; 

– Exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.  

O ECA, por sua vez, determina que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurado a eles, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes possibilitar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade, nos termos do artigo 3º. 

Ainda, está em tramitação o Projeto de Lei 3212/2015, o qual visa alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente para caracterizar o abandono afetivo como ilícito civil. O PL está aguardando a designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e propõe, entre outras, a seguinte alteração: 

“Art. 4º […] § 2º Compete aos pais, além de zelar pelos direitos de que trata o art. 3º desta Lei, prestar aos filhos assistência afetiva, seja por convívio, seja por visitação periódica, que permita o acompanhamento da formação psicológica, moral e social da pessoa em desenvolvimento”. 

O texto ainda define que compreende-se por assistência afetiva: a orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais, educacionais e culturais; a solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou dificuldade; e a presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente e possível de ser atendida. 

A partir da entrada em vigor do PL 3212/2015, passaria a considerar-se conduta ilícita os casos de abandono afetivo, sujeita a reparação de danos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda direito fundamental de criança ou adolescente. 

O que é abandono afetivo inverso? 

O abandono afetivo inverso ocorre quando os filhos abandonam afetivamente seus pais, sobretudo na fase idosa. A legislação brasileira estabelece deveres mútuos de cuidado, primeiro dos pais para com os filhos menores e depois dos filhos maiores para com os seus ascendentes.  

Segundo o desembargador Jones Figueirêdo Alves, ex diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM): “Diz-se abandono afetivo inverso a inação de afeto, ou mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos” (Assessoria de Comunicação do IBDFAM). 

A Constituição Federal garante, em seus artigos 229 e 230, que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade e que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de ampará-los, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. 

Além disso, o Estatuto do Idoso determina, em seu artigo 3º, que é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. 

Já a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara dos Deputados aprovou proposta que altera o Código Civil e o Estatuto do Idoso, de modo a estabelecer a indenização por dano moral em razão do abandono afetivo. O Projeto de Lei 4.294/2008 é de autoria do ex-deputado Carlos Bezerra (MT) e segue para análise, em caráter conclusivo, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. 

De acordo com o ex-deputado Carlos Bezerra: “No caso dos idosos, o abandono gera um sentimento de tristeza e solidão, que se reflete basicamente em deficiências funcionais e no agravamento de uma situação de isolamento social mais comum nessa fase da vida. […]  se é evidente que não se pode obrigar filhos e pais a se amar, deve-se ao menos permitir ao prejudicado o recebimento de indenização pelo dano causado”. 

Ainda, destaca-se o esclarecimento do deputado Felício Laterça (PSL-RJ), o qual apresentou parecer pela aprovação da proposta: “O abandono afetivo, sem dúvida, retira das pessoas a segurança de que são queridas e de que têm com quem contar. O vazio afetivo repercute na vida de quem é abandonado, e pode ser mensurado, para fins de indenização por dano moral” (Agência Câmara de Notícias). 

A partir do PL 4.294/2008 , o Código Civil passará a apresentar a seguinte redação: “Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos. Parágrafo único: O abandono afetivo sujeita os pais ao pagamento de indenização por dano moral”. 

O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), por sua vez, assim passará a vigorar : “Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. […] § 2° O abandono afetivo sujeita os filhos ao pagamento de indenização por dano moral”. 

Quais são as consequências do abandono afetivo? 

O abandono afetivo pode gerar consequências psicológicas graves e irreversíveis, tanto para os filhos quanto para os pais, no caso do abandono afetivo inverso. A partir de uma pesquisa realizada pelo Departamento de Serviços Humanos e Sociais dos Estados Unidos, que estudou às consequências da falta do convívio entre pais e filhos, conclui-se que: 

“Meninas sem um pai nas suas vidas têm 2,5 vezes mais propensão a engravidarem na adolescência e 53% mais chances de cometerem suicídio. Meninos sem um pai nas suas vidas têm 63% mais chances de fugirem de casa e 37% mais chances de utilizarem drogas. Meninos e meninas sem pai têm duas vezes mais chances de acabarem na cadeia e aproximadamente quatro vezes mais chances de necessitarem de cuidados profissionais para problemas emocionais ou de comportamento” (Departamento de Serviços Humanos e Sociais dos Estados Unidos). 

Já na esfera jurídica, o abandono afetivo pode gerar uma condenação à indenização por danos morais e a possibilidade de retirada do sobrenome do genitor que abandonou. 

O direito a indenização por danos morais passou a ser reconhecido após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que identificou o abandono afetivo como um ilícito civil passível de indenização, reforçando que inexistem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar no Direito de Família. 

De acordo com a decisão proferida em 2012, o não cumprimento do necessário dever de criação, educação e companhia importa em violação da imposição legal, fazendo surgir a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 

A Ministra Relatora Fátima Nancy Andrighi, da 3ª Turma do STJ, explica que: “o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente; ganha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar” (STJ, REsp 1.159.242/SP – 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, p. 10/05/2012). 

No mesmo sentido, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) editou o Enunciado nº 08, o qual determina que o abandono afetivo pode gerar direito à reparação pelo dano causado. Destaca-se ainda o Enunciado nº 10, que determina ser cabível o reconhecimento do abandono afetivo em relação aos ascendentes idosos. 

Vale ressaltar que o abandono afetivo não tem relação direta com o pagamento de pensão alimentícia. Logo, ainda que os deveres de natureza econômica sejam cumpridos, os pais não se isentam de cumprir com os demais deveres de natureza afetiva e não se isentam de eventual condenação com pagamento de indenização por danos morais. 

Além disso, o valor da indenização deve ser estipulado com base nas peculiaridades de cada caso, visto que não há um valor certo para as indenizações por danos morais, a legislação brasileira prevê apenas que a indenização mede-se pela extensão do dano, nos termos do artigo 944 do Código Civil.  

É possível também a retirada do sobrenome do genitor que abandonou, com base nos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/ 1973), os quais determinam que o nome civil pode ser alterado no primeiro ano após atingida a maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família, ou, ultrapassado esse prazo, por justo motivo, mediante apreciação judicial e após ouvido o Ministério Público. 

De acordo com a jurisprudência, cada caso deve ser aferido de forma particular, mas entende-se ser justo motivo para alteração do nome civil o abandono afetivo, pelo próprio papel que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade de uma pessoa.  

Segundo o Ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Paulo de Tarso Sanseverino: “[…] o direito da pessoa de portar um nome que não lhe remeta às angústias decorrentes do abandono paterno e, especialmente, corresponda à sua realidade familiar, parece-me sobrepor ao interesse público de imutabilidade do nome, já excepcionado pela própria Lei de Registros Públicos”. 

Como provar abandono afetivo? 

Para que se inicie um processo por abandono afetivo é necessário que se demonstre evidente a falta de cuidado dos pais em relação aos seus filhos ou dos filhos em relação aos seus pais, nos casos de abandono afetivo inverso. Além disso, é indispensável que exista um nexo de causalidade entre a conduta daquele que abandonou e os danos emocionais ou sofrimento causado. 

Como provas podem ser utilizados:  

  • Laudos periciais que comprovem as graves consequências psicológicas e problemas de saúde decorrentes do abandono;
  • Relatórios emitidos por psicólogos, psiquiatras ou assiste social que comprovem a situação emocional da vítima;
  • Depoimentos de testemunhas, que podem ser familiares, amigos, vizinhos ou qualquer pessoa que tenha acompanhado o processo de abandono e que possa relatar as dificuldades da vítima diante do abandono;
  • Documentos, como fotos, bilhetes escolares, registros de mensagens e quaisquer outros que comprovem que apenas um dos pais ou outra pessoa era responsável por tratar de questões essenciais, como saúde, educação, lazer, etc.

Qual a diferença entre abandono afetivo e alienação parental? 

O abandono afetivo ocorre por livre e espontânea vontade dos ascendentes ou dos descendentes, no caso do abandono afetivo inverso, já na alienação parental existe a interferência de um terceiro que proíbe ou dificulta o convívio entre a pessoa alienada e a criança ou adolescente. 

A alienação parental está disposta na Lei 12.318/2010, a qual define que: “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”. 

Ambas as práticas são graves e devem ser punidas civilmente, mas possuem causas e consequências distintas. Como já elucidado, o abandono afetivo é praticado pelo próprio genitor que deseja se afastar do filho, por exemplo, já a alienação parental ocorre quando um dos membros da família proíbe o pai de visitar o filho, por exemplo.  

O abandono afetivo como causa de deserdação 

A deserdação consiste em um instrumento jurídico pelo qual o autor de uma herança,  por ato de vontade manifestado em testamento, afasta de sua herança um herdeiro necessário, que têm sua parte preservada por lei, não podendo ser destinada a outras pessoas. 

De acordo com o artigo 1.961 do Código Civil: “os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão”. Os casos em que pode haver deserdação estão previsto no artigo 1.814 do mesmo texto legal, o qual determina que são excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: 

– Que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; 

– Que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; 

– Que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade. 

E além das causas mencionadas no artigo 1.814, também está autorizada a deserdação dos descendentes por seus ascendentes e dos ascendentes pelos descendentes em caso de: 

– Ofensa física e injúria grave; 

– Relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto e relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta; 

– Desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade e desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade. 

O Código Civil não traz o abandono afetivo como uma das causas de deserdação, existindo uma discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a hipótese da mesma ocorrer por meio da expressa vontade do testador, tanto de ascendente para descendente quanto de descendente para ascendente.  

Alguns doutrinadores defendem que a ausência de afeto seria motivo para a exclusão sucessória não devido aos dispositivos concernentes à deserdação, mas sim em razão da aplicação dos princípios constitucionais da afetividade, solidariedade familiar e dignidade da pessoa humana. 

Conclusão 

Ainda que não seja possível obrigar os pais a amarem seus filhos, está previsto no ordenamento jurídico brasileiro uma série de deveres de natureza afetiva concernentes ao pai e à mãe, em razão do exercício do poder familiar. Quando os genitores negligenciam cuidados referentes à assistência psíquica, moral e social ocorre o abandono afetivo.  

Dessa forma, compete aos pais, além de cumprir com os deveres de natureza econômica, prestar aos filhos assistência afetiva, que permita o acompanhamento da sua formação psicológica, moral e social, seja por meio de orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais, educacionais e culturais ou apoio nos momentos de intenso sofrimento e dificuldade.  

A legislação brasileira estabelece deveres mútuos de cuidado, primeiro dos pais para com os filhos menores e depois dos filhos maiores para com os seus ascendentes. Assim, está previsto no ordenamento jurídico brasileiro que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Quando esse amparo não é concedido, ocorre o chamado abandono afetivo inverso.  

O abandono afetivo pode gerar tanto consequências psicológicas, que podem ser graves e irreversíveis, quanto consequências jurídicas, seja através de uma condenação à indenização por danos morais ou da possibilidade de retirada do sobrenome do genitor que abandonou, em especial devido às decisões jurisprudenciais que identificam o abandono afetivo como um ilícito civil.  

 

 

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