IZAMARA DAYSE CAVALCANTE DE CASTRO – Graduada em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba-UEPB. Especialista em Direito Civil, Processo Civil e Direito do Consumidor pela Faculdade de Ensino Superior da Paraíba- FESP. (e-mail: Izamaracavalcante@outlook.com)
RESUMO: Este trabalho tem por escopo de analisar o Abandono inverso, que nada mais é do que o abandono dos pais, que deixam de provê-los materialmente e afetivamente, relegando-os à própria sorte na terceira idade. O interesse de analisar o assunto surgiu na observação das várias publicações e jurisprudência nacionais sobre o tema, especialmente sobre as consequências psicofísicas manifestadas em idosos vítimas do abandono, que nos casos mais graves resultam no suicídio. O tema tem lastreado espaço na ciência jurídica por meio do reclamo social contra o abandono afetivo praticado em todas as esferas das relações familiares. Utilizando-se como metodologia a pesquisa bibliográfica em livros e outros artigos, o estudo teve como base a análise os dados nacionais sobre os idosos em estado de abandono no Brasil e o posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema. Como resultado, constatou-se a possibilidade da responsabilização não apenas no âmbito penal, mas também cível.
PALAVRAS-CHAVE: Abandono afetivo; Abandono material; Responsabilidade Civil; Idosos; Danos Morais.
ABSTRACT: The purpose of this paper is to analyze the Reverse Abandonment, which is nothing more than the abandonment of parents, which fails to prove the material and affect it effectively, relegating them to their own fortunes in old age. The interest to analyze the subject arose from the observation of several publications and national jurisprudence on the subject, especially about the psychophysical consequences manifested in elderly who are abandoned, which in the most severe cases do not result in suicide. The theme has scientific space in legal science through social recovery against or abandonment of physical activities practiced in all spheres of family relations. Using as a bibliographic research methodology in books and other articles, the study was based on the analysis of national data on the elderly in abandonment in Brazil and clinical and jurisprudential position on the subject. As a result, find a possibility of liability not only in the criminal sphere, but also possible.
KEYWORDS: Affective abandonment; Material abandonment; Civil responsability; Seniors; Moral damages.
SUMÁRIO: Introdução. 1. A Afetividade e o direito do idoso a luz da legislação brasileira. 2. Abandono Afetivo e Abandono material. 3. Abandono Inverso. 4. Abandono na alta social, asilos, casas de repouso e ILPIs (Instituições de Longa Permanência para Idosos).5. Dever de indenizar. 6. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico trata-se de um estudo ao tema do Abandono afetivo e material inverso, que nada mais é do que o abandono dos filhos em relação aos pais, que deixam de provê-los, relegando-os à própria sorte na terceira idade, e analisaremos a consequente responsabilidade civil. Tema ainda recente na seara jurídica e bastante polêmico, por ser capaz de despertar comoção diante da realidade vivenciada por alguns idosos em estado de vulnerabilidade, miserabilidade, maus-tratos e abusos.
Como objetivo buscou-se discutir a possibilidade de responsabilização civil em decorrência do abandono afetivo e/ou abandono material dos idosos, por meio de uma pesquisa bibliográfica que, segundo Vergara (2008), corresponde a um estudo sistematizado desenvolvido com base em material publicado.
O estudo teve como base a análise de artigos científicos, posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema, assim como uma observação ao Código Civil Brasileiro, a Lei no 10.741/03- Estatuto do Idoso- e aos artigos 1°, III, 5°, 227, 229 e 230 da Constituição Federal de 1988.
Diante das evoluções sociais ocorridas ao longo dos séculos, o direito de família enfrentou diversas transformações legislativas, estruturais e principiológicas, tornando-se mais abrangente e adaptando-se ao novo conceito de entidade familiar.
Com o avanço da proteção jurídica nas relações familiares, o instituto da afetividade ganhou destaque e passou a ser reconhecido como elemento formador destas relações, repersonalizando a família com base na dignidade da pessoa humana.
O abandono afetivo é tema de muita discussão na seara jurídica, surgindo, inicialmente, entre as relações paterno-filiais, relações essas antes baseadas unicamente na prestação de alimentos.
Todavia, a família ao ser considerada a base da sociedade tem especial proteção do Estado, que desenvolve mecanismos para coibir a violência no âmbito de todas as relações, bem como o dever de proteção dos seus entes, uns com os outros.
Diante das grandes mudanças da vida moderna, da pressa cotidiana e da luta pela ascensão profissional e pessoal, cada vez mais os idosos tem sofrido com o abandono afetivo e material.
O abandono afetivo nem sempre é acompanhado pelo abandono material. Não obstante, é comum nos depararmos com situações em que o idoso é mantido em asilos ou abrigos, como um objeto esquecido pelos familiares.
Como consabido, o direito ao afeto, embora não expresso na legislação, pode ser extraído do princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais de proteção ao idoso, no entanto, o direito à afetividade não se confunde com obrigação de amar, porquanto o amor é algo subjetivo, e não se pode obrigar que exista amor entre os familiares.
Neste sentido, é dever da família, em especial dos filhos, prestar assistência no que for preciso nos cuidados do idoso, proporcionando-lhes um convívio saudável e um tratamento igualitário. Como consequência do abandono afetivo e material, os idosos podem desencadear sérios problemas de ordem psicofísico.
A psicologia aponta que o abandono afetivo sofrido por idosos pode gerar consequências de ordem emocional e psicológica quase que irreversíveis. As doenças psicológicas com maior incidência em idosos abandonados são a depressão e demência e essas patologias surgem a partir da compreensão da solidão que estão inseridos. Além disso, a taxa de mortalidade por suicídio é cada vez mais crescente em idosos acima de 70 (setenta) anos.
Por trás do desejo de antecipar o fim da vida, estão as perdas. Perda de saúde, autonomia, produtividade, papéis sociais, cônjuges, amigos, cuidadores e de outras pessoas nas quais possam depositar a confiança.
A responsabilidade civil no direito de família, em especial, a demanda jurídica pelo abandono afetivo e material, tem aumentado estatisticamente nos últimos anos, demonstrando à insatisfação diante da existência de um problema de ordem social que precisa ser coibido.
Diante do exposto, os questionamentos que motivaram a realização deste trabalho foram: Qual o limite da intervenção do Estado no relacionamento em filhos e pais idosos? O por abandono afetivo e material pode gerar o dever de reparação?
Desta forma, o objetivo deste trabalho monográfico é discutir a possibilidade da responsabilização civil, decorrente do abandono afetivo e material de idosos.
Diante das transformações sociais ocorridas ao longo dos anos, tornou-se impossível estabelecer um modelo familiar uniforme, não sendo mais possível definir a família como uma entidade familiar, formada, unicamente, por homem e mulher, nem somente por laços sanguíneos, mas, pelo afeto, presente nas relações de companheirismo e no surgimento de famílias alternativas.
Em que pese o afeto não esteja explícito na legislação nacional, é possível extraí-lo do princípio da dignidade da pessoa humana, como condição necessária para que a família seja um ambiente saudável com amor e carinho. No tocante a proteção familiar, a Constituição Federal muito bem discorre sobre a dignidade da pessoa humana, em seu artigo 1º, inciso III.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento
III – a dignidade da pessoa humana
Sobre o dever de proteção do Estado com a idoso, a Constituição Federal disciplina em seu Artigo 227:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O abandono afetivo tornou-se um dos pontos mais relevantes do estudo do direito de família brasileiro contemporâneo, representado pela importância que a afetividade alcançou em 2012, com o primeiro caso de reparação por abandono afetivo e material.
O caso de grande repercussão nacional foi o da professora, Luciane Nunes de Oliveira Souza, que manejou ação contra o próprio pai alegando ter sofrido abandono afetivo e material durante toda a infância e adolescência. Em segunda instância, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença e fixou a indenização em R$ 415 mil (quatrocentos e quinze mil reais). Ato contínuo, em recurso ao STJ (RE 1.159.242- SP), o pai ratificou que não houve abandono. Na época, a ministra Nancy Andrighi, entendeu pela possibilidade da indenização por dano moral, conforme se verifica abaixo:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO PELO DANO MORAL. POSSIBILIDADE. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência da ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear a compensação por danos morais por abandono psicológico.4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para a adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. (STJ, REsp 1.159.242/SP, Relª. Minª. Nancy Andrigui, Terceira Turma, por maioria, j. em 24.04.2012, DJe 10.05.2012
Por sua vez, o estatuto do idoso, Lei 10.741/03, em seu artigo 2°, dispõe que:
O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
A referida lei ponderou, primeiramente, o tratamento isonômico para os idosos com idade superior ou igual a 60 anos, em atenção ao respeito à dignidade da pessoa humana e, num segundo momento, o respeito na convivência familiar e comunitária e os cuidados com as pessoas de idade avançada. Neste sentido, define Paulo Alves Franco (2005, p. 13).
A Lei 10.741/2003 visa amparar o idoso com mais de 60 (sessenta) anos, dispensando-lhe maior atenção, ao criar o Estatuto do Idoso, na verdade, deu vida a uma coletânea de normas variadas das mais diferentes espécies legislativas. Houve, por assim dizer, uma fusão de princípios buscados na Constituição Federal, Códigos, Leis Ordinárias, Decretos, regulamentos e Normas Técnicas.
Desta feita, compreende-se que a afetividade passou a ser valorada na sociedade e solidificou-se na norma, sendo possível identificar em todo ordenamento jurídico a edição de normas pulverizadas na valoração afetiva em seu conteúdo, pode-se citar, por exemplo, a Política Nacional do Idoso, Lei 8.842/1994 a qual dispõe sobre o papel da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público de assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação nos seus direitos sociais, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade.
O abandono afetivo e material, são os tipos de abandono mais sofridos pelos idosos, quando seus descendentes ou cuidadores não cumprem com o dever de cuidar.
Sofre abandono o idoso que tem o amparo material, imaterial e afetivo negado pelos filhos. Como consequência, este abandono pode desencadear sérios danos psicológicos além de violar a integridade psicofísica do idoso.
Assim, do ponto de vista jurídico, do afeto decorre o dever de cuidar, o mesmo dever de cuidar antes presente na relação paterno-filial, torna-se necessário na relação entre filhos e genitor idoso.
Outro ponto relevante, é a possibilidade de o abandono ao idoso ultrapassar as barreiras do âmbito civil para a esfera penal. A doutrina tem reconhecido que comete crime todo aquele que não satisfaz as necessidades básicas do idoso, podendo configurar o abandono de incapaz, nos termos do Art. 133, do Código Penal.
Art. 133. Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:
Pena – detenção, de seis meses a três anos.
Pena – reclusão, de um a cinco anos.
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
Aumento de pena
I – se o abandono ocorre em lugar ermo;
II – se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.
III – se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos.
É imperioso ressaltar, que abandonar um idoso, além de ser um ato de crueldade, é também uma conduta criminosa. Comete crime quem abandona o idoso em casas de saúde, em entidades de longa permanência, aquele que nega o acolhimento, quem submete o idoso a condições desumanas ou degradantes ou deixa-o sem alimentos ou cuidados indispensáveis.
O idoso ao sofrer desafeto pela família, também perde seus objetivos, envelhecendo e adoecendo mais rapidamente. Neste sentido, a psicologia aponta que o abandono afetivo sofrido por idosos pode gerar consequências de ordem emocional e psicológica quase que irreversíveis.
As doenças psicológicas com maior incidência em idosos abandonados são a depressão e demência, e geralmente essas patologias surgem no idoso a partir da compreensão de que eles estão vulneráveis e entregues à solidão.
Outrossim, o suicídio consumado ou tentado também é consequência, muitas vezes, da imensa tristeza vivenciada pela falta de afeto.
Ademais, como já mencionado, a afetividade não se resume a assistência material, faz-se necessário também cuidar e amparar o idoso, proporcionando uma convivência respeitosa, de modo a não infringir os princípios da dignidade da pessoa humana, da convivência familiar e da solidariedade.
Com base no entendimento até aqui exposto, pode-se anotar que o abandono afetivo inverso nada mais é do que a inversão das partes no ato de abandonar, inicialmente presente nas relação paterno-filiais.
O conceito de abandono inverso, segundo o desembargador Jones Figueirêdo Alves (PE), diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) é “a inação de afeto ou, mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos”. (IBDFAM/2013)
O abandono afetivo inverso tomou notoriedade a partir do crescente número de idosos abandonados por filhos e familiares. Esta prática, é combatida no art. 229 da CF/88, o qual exalta o dever recíproco existente na relação entre pais e filhos, valorizando as relações afetivas, bem como no art. 4º do Estatuto do Idoso que prevê:
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. (CF, 1988)
Art. 4º: Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei. […] (Estatuto do Idoso, 2003)
Na última década, o abandono afetivo de pessoas com idade superior a 60 (sessenta) anos tomou uma grande proporção, construindo uma geração de pais sem filhos presentes, notadamente como resultado de uma cultura de independência e autonomia extrema.
Ademais, as constantes mudanças na sociedade, os avanços na tecnologia, medicina e as alterações nos estilos de vida, têm contribuído positivamente para o aumento do envelhecimento da população nos últimos anos, o que importa afirmar que a população brasileira tem se tornado cada vez mais constituída por pessoas idosas, acompanhando o que é comum em diversos outros países. Outro fato decisivo para o aumento no número da população idosa nacional, diz respeito a baixa na taxa de natalidade, haja vista que o número de filhos por mulheres diminuiu consideravelmente nos últimos anos.
Segundo informações do IBGE (O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a população brasileira ganhou 4,8 milhões de idosos desde 2012, superando a marca dos 30,2 milhões em 2017.
A pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, divulgada em abril de 2018, no ano de 2012, a população com idade entres 60 (sessenta) anos ou mais era de 25,4 milhões. Assim, os 4,8 milhões de novos idosos surgidos no lapso de cinco anos, correspondem a um crescimento de 18% desse grupo etário, que tem se tornado cada vez mais representativo no Brasil., sendo, dentre eles, as mulheres maioria expressiva nesse grupo, com 16,9 milhões (56% dos idosos), enquanto os homens idosos são 13,3 milhões (44% do grupo). (IBGE,2017)
Não se pode olvidar, que o abandono em todos as suas esferas familiares; seja ele cometido pelos pais em face dos filhos menores ou adultos, ou, por sua vez, cometido contra os pais pelos filhos em idade adulta; é o reflexo da falta de políticas públicas de proteção ao idoso, as quais não são manifestas pelo poder público nacional.
Nesse aspecto, a mudanças sociais e as alterações nos estilos de vida, tem tornado cada vez profissionais preocupados com as suas relações de trabalho, não havendo muito tempo para dedicação com a família, o que causa impactos negativos no modo de vida de todos.
Neste sentido, segundo a psicoterapeuta Dra. Ana Fraiman (2019), alguns filhos não respondem satisfatoriamente a incapacidade e as limitações dos próprios pais, tornando-se cada vez mais irritados nos cuidados e companhia diária.
(…) Muitos filhos adultos ficam irritados por precisarem acompanhar os pais idosos ao médico, aos laboratórios. Irritam-se pelo seu andar mais lento e suas dificuldades de se organizar no tempo, sua incapacidade crescente de serem ágeis nos gestos e decisões.
(…) Desde os poucos minutos dos sinais luminosos para se atravessar uma rua, até as grandes filas nos supermercados, a dificuldade de caminhar por calçadas quebradas e a hesitação ao digitar uma senha de computador, qualquer coisa que tire o adulto de seu tempo de trabalho e do seu lazer, ao acompanhar os pais, é causa de irritação. Inclusive porque o próprio lazer, igualmente, é executado com horário marcado e em espaço determinado. Nas salas de espera veem-se os idosos calados e seus filhos entretidos nos seus jornais, revistas, tablets e celulares. Vive-se uma vida velocíssima, em que quase todo o tempo do simples existir deve ser vertido para tempo útil, entendendo-se tempo útil como aquele que também é investido nas redes sociais. Enquanto isso, para os mais velhos o relógio gira mais lento, à medida que percebem, eles próprios, irem passando pelo tempo. O tempo para estar parado, o tempo da fruição está limitado. Os adultos correm para diminuir suas ansiosas marchas em aulas de meditação. Os mais velhos têm tempo sobrante para escutar os outros, ou para lerem seus livros, a Bíblia, tudo aquilo que possa requerer reflexão. Ou somente uma leve distração. Os idosos leem o de que gostam. Adultos devoram artigos, revistas e informações sobre o seu trabalho, em suas hiper especializações. Têm que estar a par de tudo just in time – o que não significa exatamente saber, posto que existe grande diferença entre saber e tomar conhecimento. Já, os mais velhos querem mais é se livrar do excesso de conhecimento e manter suas mentes mais abertas e em repouso. Ou, então, focadas naquilo que realmente lhes faz bem como pessoa. Restam poucos interesses em comum a compartilhar. Idosos precisam de tempo para fazer nada e, simplesmente recordar. Idosos apreciam prosear. Adultos têm necessidade de dizer e de contar. A prosa poética e contemplativa ausentou-se do seu dia a dia. Ela não é útil, não produz resultados palpáveis.’’ (FRAIMAN, 2019)
Fraimam (2019) afirma ainda, que a busca dos filhos pelas melhorias de vida sempre ocorreu, porém, a atitude de se desligarem dos seus lares em busca de uma vida melhor, não refletia em abandono dos pais.
A evasão dos mais jovens em busca de recursos de sobrevivência e de desenvolvimento, sempre ocorreu. Trabalho, estudos, fugas das guerras e perseguições, a seca e a fome brutal, desde que o mundo é mundo pressionou os jovens a abandonarem o lar paterno. Também os jovens fugiram da violência e brutalidade de seus pais ignorantes e de mau gênio. Nada disso, porém, era vivido como abandono: era rompimento nos casos mais drásticos. Era separação vivida como intervalo, breve ou tornado definitivo, caso a vida não lhes concedesse condição futura de reencontro, de reunião. (FRAIMAN, 2019)
Ainda segundo a autora supramencionada, o comum era que com o alcance de melhores condições financeiras, os filhos retornavam ao lar de origem para buscar os pais, de modo que aos seus cuidados pudessem desfrutar de uma velhice repleta de cuidados e de amor.
Assim como os pais deixavam e, ainda deixam seus filhos em mãos de outros familiares, ao partirem em busca de melhores condições de vida, de trabalho e estudos, houve filhos que se separaram de seus pais. Em geral, porém, isso não é percebido como abandono emocional. Não há descaso nem esquecimento. Os filhos que partem e partiam, também assumiam responsabilidades pesadas de ampará-los e aos irmãos mais jovens. Gratidão e retorno, em forma de cuidados ainda que à distância. Mesmo quando um filho não está presente na vida de seus pais, sua voz ao telefone, agora enviada pelas modernas tecnologias e, com ela as imagens nas telinhas, carrega a melodia do afeto, da saudade e da genuína preocupação. E os mais velhos nutrem seus corações e curam as feridas de suas almas, porque se sentem amados e podem abençoá-los. (FRAIMAN, 2019)
A ordem era essa: em busca de melhores oportunidades, vinham para as cidades os filhos mais crescidos e não necessariamente os mais fortes, que logo traziam seus irmãos, que logo traziam seus pais e moravam todos sob um mesmo teto, até que a vida e o trabalho duro e honesto lhes propiciassem melhores condições. Este senhor, com olhos sonhadores, rememorava com saudade os tempos em que cavavam buracos nas terras e ali dormiam, cheios de sonho que lhes fortalecia os músculos cansados. Não importava dormir ao relento. Cediam ao cansaço sob a luz das estrelas e das esperanças. (FRAIMAN, 2019)
Todavia, devido ao abandono afetivo inverso a convivência dos pais em relação aos filhos é bastante limitada, não existindo assento à vida familiar dos filhos e netos, fundando o que a autora nomeia de geração “pais órfãos de filhos vivos”.
Nos tempos de hoje, porém, dentro de um espectro social muito amplo e profundo, os abandonos e as distâncias não ocupam mais do que algumas quadras ou quilômetros que podem ser vencidos em poucas horas. Nasceu uma geração de ‘pais órfãos de filhos’. Pais órfãos que não se negam a prestar ajuda financeira. Pais mais velhos que sustentam os netos nas escolas e pagam viagens de estudo fora do país. Pais que cedem seus créditos consignados para filhos contraírem dívidas em seus honrados nomes, que lhes antecipam herança. Mas que não têm assento à vida familiar dos mais jovens, seus próprios filhos e netos, em razão – talvez, não diretamente de seu desinteresse, nem de sua falta de tempo – mas da crença de que seus pais se bastam. (FRAIMAN, 2019)
É importante ressaltar, que o abandono afetivo inverso dos filhos para com os pais idosos é muito grave, pois o desamparo ao idoso, deixa-o sujeito a doenças físicas e psicológicas que sua vulnerabilidade traz. Assim, voltado o melhor interesse das famílias, os casos de negligência ou omissão servem de premissa para a indenização.
Conforme afirmou a min. Nancy Andrighi, em importante decisão acerca da afetividade; “amar é uma faculdade, mas, cuidar é um dever”. Assim, entende-se que os filhos não são obrigados a amar seus pais, porém, existe o dever constitucional de zelar pela vida, de prestar bem-estar e de oferecer acolhimento para a família. Este dever tem como base o afeto nas relações familiares, notadamente no que tange as relações entre filhos e pais idosos.
A prática do abandono de pais idosos é vista socialmente como um ato de crueldade, desamor e desumanidade, além disso, como já discorrido, aquele que pratica tal ato está sujeito a sofrer as penalidades cíveis e penais diante do tratamento negligente.
É forçoso contatar, porém, que parte da motivação que levam os filhos a abandonarem os pais não está fundamentado apenas nas suas mudanças de vida, ou na falta de tempo. Em verdade, alguns dos idosos abandonados pelos filhos ou pela família, outrora, cometeu o abandono.
Muitas vezes, a escolha de tornar-se ausente na vida dos filhos desenvolvem magoas, desapegos e desafeto nas relações entre filhos e pais, tornando impossível a convivência mesmo na última fase da vida.
Em seu estudo, Fraimam (2019) afirma que existe dificuldade de reconhecer a falta que o outro faz, surgindo, coletivamente, uma enorme e terrível armadilha existencial, como se ninguém mais precisasse de ninguém, o que causa prejuízo no afeto que deveria existir nesta relação.
Do prisma dos relacionamentos afetivos e dos compromissos existenciais, todas as gerações têm medo de confessar o quanto o outro faz falta em suas vidas, como se isso fraqueza fosse. Montou-se, coletivamente, uma enorme e terrível armadilha existencial, como se ninguém mais precisasse de ninguém.
(…) Pais em desespero tentam comprar o amor dos filhos e temem os ataques e abandono de clientes descontentes. Mas, carinho de filho não se compra, assim como ausência de pai e mãe não se compensa com presentes, dinheiro e silêncio sobre as dores profundas as gerações em conflito se infringem. Por vezes a estratégia de condutas desviantes dão certo, para os adolescentes conseguirem trazer seus pais para mais perto, enquanto os mais idosos caem doentes, necessitando – objetivamente – de cuidados especiais. Tudo isso, porém, tem um altíssimo custo. Diálogo? Só existe o verdadeiro diálogo entre aqueles que não comungam das mesmas crenças e valores, que são efetivamente diferentes. Conversar, trocar ideias não é dialogar. Dialogar é abrir-se para o outro. É experiência delicada e profunda de auto revelação. Dialogar requer tempo, ambiente e clima, para que se realizem escutas autênticas e para que sejam afastadas as mútuas projeções. O que sabem, pais e filhos, sobre as noites insones de uns e de outros? O que conversam eles sobre os receios, inseguranças e solidão? E sobre os novos amores? Cada geração se encerra dentro de si própria e age como se tudo estivesse certo e correto, quando isso não é verdade.
Nem sempre será possível identificar a ocorrência do abandono inverso, porquanto, muitas vezes, os filhos assumem a responsabilidade sob os seus genitores, prestando cuidados, oferecendo moradia, demonstram fornecer tudo o quanto for necessário aos pais, todavia, na convivência diária ocorrem situações de desprezo e violência, que podem ser considerada a pior forma de abandono.
Muitos idosos são mantidos nos lares dos filhos em quartos construídos no fundo do quintal, afastados da família, como se estivessem contaminados por alguma doença infecciosa. Outros, são mantidos propriamente dentro dos lares, mas em situação de total ignorância, pela qual o diálogo com os filhos ou netos acontece de forma rara, sendo corroídos pelo total isolamento.
O surgimento de muitas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) nos últimos anos, provavelmente está relacionado ao fato de que as famílias alegam ausência de tempo, paciência ou preparo para cuidar do idoso.
Neste sentido, o Art.49 do estatuto do idoso orienta que as entidades que desenvolvam programas de institucionalização de longa permanência devem seguir alguns princípios, quais sejam:
I – Preservação dos vínculos familiares;
II – Atendimento personalizado e em pequenos grupos;
III – Manutenção do idoso na mesma instituição salvo em caso de força maior;
IV – Participação do idoso nas atividades comunitárias, de caráter interno e externo;
V – Observância dos direitos e garantias dos idosos;
VI – Preservação da identidade do idoso e oferecimento de ambiente de respeito e dignidade.
Desta feita, as ILPIs sejam particulares ou públicas, visam assistir às necessidades dos idosos cuja família é incapacitada ou não, ou que tenham dificuldades para prover o sustento. Outrossim, são levados a viver nas instituições de longa permanência também aqueles cuja incapazes físicas e mentais são demais para viver em família, e aqueles que são considerados pouco atrativos para o convívio social.
Não obstante a polêmica, o envelhecimento é inerente a todo e qualquer ser humano, e ainda que muitas vezes o pai não tenha participado da criação e crescimento do filho, o dever de cuidar do idoso deriva do valor humanitário e do princípio da dignidade da pessoa humana. Certo é que a base para um bom convívio com os pais idosos está pautada no diálogo, sobretudo, no reencontro transformativo de valores entre pais e filhos.
Conforme, muito bem preceitua a professora Verônica Azevedo (2014, p. 1) em sua Obra Estatuto do Idoso em Cordel, em citação ao poeta Oliveira de Panelas (2012), as conquistas dos direitos e garantias viabilizadas pelo Estatuto do Idoso, não surtem efeitos frente ao preconceito, desprezo e violências. Sendo impossível concluir pela existência do amor.
Quem já tem mais de sessenta, pode entrar na confraria
e começar a cobrar tudo o que tem garantia: dignidade e respeito, saúde e moradia. O estatuto determina priorizar o idoso, mas a justiça, que é cega, tem um ritmo vagaroso, e esquece que pro velho cada dia é valioso. Gente até perdeu o gosto, já entrou em depressão. De tanto esperar sentado, já fez buraco no chão. Já comprou foi vela preta, mortalha, e até caixão. Pra conseguir benefício, é preciso paciência, pois, se o tal de inferno existe, o seu nome é previdência, e da distinta não escapa nem quem sofre de demência.
O direito a preferência não é sequer respeitado (nem nos órgãos, nem no sus, em banco ou supermercado) fazem os velhos passarem cada sufoco arretado. O direito ao transporte também foi assegurado, mas, pra sair do papel, deve ser fiscalizado, pois todo dia tem muito velhinho discriminado. Tem motorista arrogante que muito fácil se esquece de que a juventude acaba e logo a velhice aparece. Vive queimando parada, sem se importar com quem desce. Mas no dia em que o idoso seus direitos exigir vai ter muita demissão para quem a lei infringir pois, se não, a empresa quebra com tamanho abacaxi.
E no caso de um idoso por covardes maltratado, mandemos os agressores ver o sol nascer quadrado, pois na vida só se colhe aquilo que foi plantado. Castiguemos igualmente quem de seus bens se apossar, reter cartão magnético ou procuração falsa passar. E se for pra cobrar dívidas demos castigo exemplar.
Mas os nobres deputados devem prestar atenção, pois violência doméstica dá pena de detenção e a pena alternativa não resolve essa questão. Muitas vezes o velhinho vive em total aflição, preso em cárcere privado sem ter nem locomoção, podendo alguém ajudar com uma mera ligação.
Os registros da polícia mostram um triste retrato: que os idosos no Brasil padecem graves maus-tratos, muitas vezes praticados pelos seus filhos ingratos.
Denunciar é preciso, para que haja punição, pois, quando ocorre o crime, foi falha da prevenção, que devia estar presente em toda a educação. Lavra a polícia a ocorrência, o promotor denuncia, o juiz logo condena, o infrator sentencia e o idoso assim conquista sua carta de alforria.
Mas, para mim, essas coisas não terão nenhum valor se os anos conquistados só forem de dissabor, pois preconceito só rima com a falta de amor.
Mesmo com tanto lamento, não dá pra ser pessimista: ser idoso é privilégio ame a vida, não desista! O que não temos de graça, a gente luta e conquista! (Azevedo, 2014 apud Panelas, 2012)
Todavia, apesar de tudo é necessário prosseguir na luta pela ocorrência e funcionalidade de políticas públicas de proteção ao idoso.
Antes de iniciarmos o tópico acerca da prática de abandono afetivo realizado em alta social e nas ILPis, mister conceituá-las e analisá-las pontualmente.
A alta social é uma expressão surgida após os inúmeros casos de pacientes que com o encerramento do tratamento, precisam da intervenção da equipe de serviço social hospitalar para deixarem os hospitais e clínicas. Assim, convencionou-se denominar de alta social, uma vez que esta apresenta necessidades que não são de cunho biológico e sim sociais.
Muitos pacientes idosos são levados à hospitais para internações e tratamentos e são completamente abandonados pelos filhos e familiares, deixados a própria sorte. Em alguns casos, a família chega a fornecer informações incorretas como; nome de responsável, endereço da família e até contato telefônico, de modo a obterem sucesso na intenção de abandono.
A conduta do abandono de idosos em hospitais ou entidade de longa permanência é definida como crime no Artigo 98 e 99 do Estatuto do Idoso, no qual o bem jurídico tutelado é a periclitação da vida e da saúde.
Art. 98. Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado:
Pena – detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa.
Art. 99. Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado:
Pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa.
Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Pena – reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
O serviço social é referência no cuidado desses casos de abandono de pacientes, acionando os familiares, ILPis e casas de apoio, sendo necessário acionar o Ministério Público. Segundo pesquisa realizada pela assistente social, Aline Andrade Cunha (2018), no brasil os casos de internações prolongadas de paciente idosos ocorrem por duas razões; a impossibilidade de alta clínica e a impossibilidade de alta social.
Os casos de internações prolongadas ocorrem por duas razões: impossibilidade de alta clínica, devido intensificação dos riscos de ordem biológica que ainda requerem cuidados médicos de alta complexidade; ou por impossibilidade de alta social por haver questões de cunho social que dificultam ou impossibilitam o retorno do paciente à sua residência de origem. No último caso, o Assistente Social será requisitado para executar suas funções. Sendo assim, optou-se por utilizar o termo ‘’alta social “e ‘’internação social’’ para melhor entendimento da temática, uma vez que a discussão permeará a prática do Serviço Social em situações específicas. (2018, p.12)
Neste sentido, a internação social é iniciada quando o paciente possui condições clínicas de alta médica, ou seja, quando são sanadas as demandas de ordem biológica, mas o paciente continua internado até que sejam resolvidos os problemas de ordem social, de modo que possa retornar ao convívio em sociedade.
Cunha (2018), evidencia que a ausência de vínculos afetivos/familiares é um dos motivos que impossibilitam a alta hospitalar.
São exemplos de problemáticas que impossibilitam a alta hospitalar: situação socioeconômica insuficiente; ausência de moradia com boas condições estruturais para receber o paciente; domicílio inadequado para atender as necessidades do paciente; paciente dependente de cuidados terceirizados mas, sem vínculos afetivos/familiares; insuficiência de vagas em instituições assistenciais de longa permanência e ausência dessas instituições para adultos; inexistência de vagas em variados serviços de saúde; pessoas em situação de rua e pessoas em situação de risco e vulnerabilidade social; uso abusivo de álcool e outras drogas; medicamentos específicos; recusa de prisão domiciliar (quando usuário do sistema carcerário); inserção em programas de atenção domiciliar; não cobertura da rede socioassistencial; entre outros. (2018, p.13)
É necessário, portanto, ressaltar a ocorrência da Síndrome de Insuficiência Familiar na pessoa idosa, a qual se caracteriza por meio do processo de interação psicossocial de estrutura complexa, fundado especialmente no baixo apoio social da pessoa idosa e no vínculo familiar prejudicado.
Desta feita, quando a família não tem condições sociais, morais, financeiras ou psicológicas para cuidar de seu familiar idoso, este fica exposto às situações de morbidade. Nesse contexto a insuficiência familiar encontra terreno fértil, o que pode prejudicar as condições de vida da pessoa idosa e comumente levá-la à institucionalização.
Por seu turno, os asilos compõem as modalidades mais antigas de casa de apoio ao idoso, sendo de responsabilidade dos órgãos do governo, os asilos têm como função acolher idosos sem recursos financeiros ou de poucos recursos. Atualmente existem poucos asilos no Brasil e a principal diferença desta instituição para as de casas de repouso é fato de receberem menos fiscalização, haja vista que são de responsabilidade do próprio governo.
As casas de repouso, por sua vez, são instituições que podem ser governamentais ou não governamentais, recebem idosos que necessitam de cuidados especializados, acompanhamento e controle, além da prestação de serviços médicos, de enfermagem e demais serviços de apoio terapêutico.
O que os Asilos e as casas de apoio têm em comum é fato de a maioria dos idosos estão em estado de abandono; não recebem visitas de filhos ou familiares ou qualquer tipo de ajuda. Em estado de completa reclusão e ausentes da vida em sociedade, muitos passam datas comemorativas como Natal e Pascoa completamente desolados, o que geram nestes idosos uma aceitação do estigma social imposto.
Neste sentido, Maria Carla N. S. Costa e Elizabeth Frohlich Mercadante, no estudo sobre O Idoso residente em ILPI (Instituição de Longa Permanência do Idoso) e o que isso representa para o sujeito idoso (2018), aponta:
Os idosos acabam aceitando o estigma social, inclusive por estarem ali, isolados em um ambiente que, na maior parte das vezes, não escolheram ou não optaram por ele como lugar de sua velhice. Isso também se reforça se considerarmos a forma como as instituições desenvolvem as atividades diárias oferecidas aos internos: não há uma variação dessas atividades, nem uma especificação de acordo com as possibilidades físicas e intelectuais de cada interno. Isso tudo causa desinteresse antes de tudo, até porque alguns idosos, por problemas físicos, não conseguem desenvolver as atividades propostas; então ficam como que paralisados, sem nada a fazer, com um tempo ocioso que chega a lhes causar uma sensação de abandono, de impotência, de incapacidade diante da vida. (Costa e Mercadante 2012, p.220)
As ILPIs (Instituições de Longa Permanência para Idosos), surgiram no Brasil a partir de 2003, criadas por sugestão da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia visando substituir o papel dos asilos na rede de assistência social ao idoso, são, essencialmente, um local destinado à moradia, permanente ou temporária, para pessoas com 60 anos ou mais, podem ser Instituições governamentais ou não governamentais, todavia, possuem um caráter mais residencial, mas residências coletivas, que atendem idosos com necessidade de cuidados prolongados.
Hodiernamente existem muitas instituições particulares com assistência relativamente bem preparada para atender idosos, mas, mesmo assim, apresentam uma condição em que se articula a ideia de abandono à velhice. De igual modo, as instituições públicas e as que vivem de doações públicas e/ou privadas, lidam com uma realidade muito ligada à situação financeira, o qual contribui para o aumento no número de abandono.
O abandono muito vezes é percebido pela população em geral, que faz com que as pessoas, ao falarem em asilo, abrigo ou casa de repouso, pensem em uma realidade bem distante delas, ainda que esta seja uma realidade que, a cada ano, se evidencia com mais destaque, fazendo prever que, em um futuro próximo, muito mais velhos estarão habitando moradias coletivas e casas de repouso.
A Indenização por danos morais é um fenômeno jurídico que vêm crescendo no Brasil, notadamente, a partir da Constituição Federal de 1988, sobretudo nas relações de consumo.
Desta forma, a responsabilidade civil visa à aplicação de medidas que façam com que alguém repare um dano patrimonial ou moral causado a outrem, advindo este de uma responsabilidade civil subjetiva ou objetiva. (DINIZ, 2003)
Não se pode olvidar que a possibilidade de reparação no âmbito familiar pode atrair demandas injustificadas e com fins meramente pecuniários, é notório que corre-se o risco de formar uma indústria de ações indenizatórias unicamente gananciosas, mas, em contrapartida, o Judiciário não pode deixar desamparados os idosos que sofrem com as consequências do abandono.
Neste sentido, surge a necessidade de uma análise mais minuciosa, de modo a coibir demandas mal-intencionadas. Outrossim, é importante que estejam presentes todos os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil, quais sejam: conduta comissiva ou omissiva, culpa (em sentido amplo), nexo de causalidade e dano sofrido pela vítima.
Ademais, nos casos de danos psicológicos à personalidade, faz-se necessário a realização de perícia médica e laudos psicossociais para comprovar possíveis danos emocionais.
Ao longo desse trabalho constatou-se que o direito de família evoluiu com o passar dos anos, adaptando-se aos novos modelos de entidade familiar. A Constituição Federal de 1988 garantiu proteção especial para à família que deixou de ser reconhecida como aquela formada, apenas, pela união entre homem e mulher, obrigatoriamente pelo casamento e, expandiu o conceito para toda relação baseada no afeto. A família é considerada a base da sociedade e por isso tem especial proteção do Estado, que desenvolve mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Desta feita, a intervenção estatal nas relações familiares visa cumprir o caráter protetivo assegurado pela Carta Magna, de modo que cabe ao Estado proteger fundamentalmente a família, na defesa da ordem jurídica e na concretização dos interesses individuais e sociais disponíveis. Só há limite para a intervenção do Estado nas relações familiares quando a autonomia das partes prevalecer e não houver a provocação jurisdicional.
É dever da família, em especial dos filhos, prestar assistência no que for preciso nos cuidados do idoso, proporcionando-lhes um convívio saudável e um tratamento igualitário. Como consequência do abandono afetivo e material, os idosos podem desencadear sérios problemas de ordem psicofísicos.
A psicologia aponta que o abandono afetivo sofrido por idosos pode gerar consequências de ordem emocional e psicológica quase que irreversíveis. As doenças psicológicas com maior incidência em idosos abandonados são a depressão e demência e essas patologias surgem a partir da compreensão da solidão que estão inseridos.
A responsabilidade civil no direito de família, em especial, a demanda jurídica pelo abandono afetivo e material, tem aumentado estatisticamente nos últimos anos, demonstrando à insatisfação diante da existência de um problema de ordem social que precisa ser coibido.
Encerrando esse breve estudo, verifica-se que a afetividade não se resume a assistência material, faz-se necessário também o cuidar e amparar o idoso, proporcionando uma convivência respeitosa, de modo a não infringir os princípios da dignidade da pessoa humana, da convivência familiar e da solidariedade.
Ademais, resta claro a necessidade de um entendimento unificado por meio da doutrina e jurisprudência nacional sobe o tema, além de políticas públicas funcionais de apoio ao idoso em situação de maus tratos.
Importante ressaltar, que a reparação que aqui foi defendida visa restabelecer a situação vivenciada pelo idoso a proporcionar a melhores condições de liberdade e de dignidade.
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