Resumo: Este trabalho terá como tema a responsabilidade civil das pessoas jurídica e física, ou seja, do empregador quando da ocorrência do acidente de trabalho, tendo por objetivo compilar as hipóteses legais e jurídicas onde o empregador pode vir a se isentar de responsabilidades trabalhistas para com o acidentado; abordar as mais diversas espécies indenizatórias que a legislação brasileira assegura aos acidentados, dentre elas, o dano moral, o dano estético, o dano psíquico e o dano patrimonial. Ademais, complementando o estudo, mostra-se de suma importância tecer algumas considerações sobre a responsabilidade civil, seu conceito e classificações. Trazer explanações sobre o acidente do trabalho e suas espécies. Dissertar sobre os tipos de dano que podem ocorrer à vítima, de acordo com o entendimento da Previdência Social. Discorrer sobre a responsabilidade objetiva do Estado, o pensionamento civil à cargo do empregador, a cumulação de natureza acidentária e indenizatória, a responsabilidade das empresas fornecedoras de mão de obra terceirizada e temporária e, por fim, tecer questionamentos sobre a forma ideal que o juízo pode efetuar a liquidação do dano para essas situações.
Palavras-chave: Acidente de trabalho. Responsabilidade civil. Excludentes de responsabilidade. Espécies indenizatórias. Dano psíquico.
Sumário: Introdução. 1. Noções introdutórias sobre a responsabilidade civil. 1.1. Conceito de responsabilidade civil. 1.2. O ato ilícito e o dever de indenizar. 2. Classificação da responsabilidade. 2.1. Objetiva e subjetiva. 2.2. Contratual e extracontratual. 3. Explanações acerca do acidente de trabalho. 3.1. Conceito. 3.2. Tipos de acidente. 3.2.1. Acidente típico. 3.2.2. Doença profissional. 3.2.3. Doença do trabalho. 3.2.4. Equiparações ao acidente de trabalho. 4. Espécies de dano quanto à integridade do ofendido. 5. Espécies indenizatórias. 5.1. Dano moral. 5.2. Dano estético. 5.3. Dano psíquico. 5.4. Dano patrimonial. 6. A responsabilidade integral e objetiva do Estado. 7. Do pensionamento civil. 8. Cumulação das indenizações. 9. Excludentes de responsabilidade do empregador. 9.1. Prescrição e decadência. 9.2. Fato exclusivo da vítima. 9.3. Fato de terceiro. 9.4. Caso fortuito e força maior. 10. Responsabilidade das empresas fornecedoras de mão de obra terceirizada e temporária. 11. Liquidação do dano. Conclusão. Referências bibliográficas.
Infelizmente, verifica-se de forma muito corriqueira nos ambientes de trabalho a ocorrência de acidentes que alcançam enormes consequências para o empregador e o empregado acidentado.
Ocorre que esses acidentes poderiam ser evitados caso os empregadores adotassem e observassem as normas de segurança do trabalho, houvesse maior fiscalização do Estado e comprometimento às normas. Como também maiores punições aos empregados que inobservam essas questões e se mostram como corresponsáveis pelas ocorrências, por mera imprudência e desrespeito ao determinado pelos empregadores.
Dentre as consequências para o empregador, a principal se encontra na parte financeira, vez que, como se verá no decorrer deste trabalho, indenizações tendem a ser extremamente custosas à saúde financeira empresarial. Ademais, podem trazer transtornos publicitários, dependendo das circunstâncias que o acidente ocorra e a forma com que foi aventada à sociedade, levando a maiores perturbações de ordem patrimonial.
Quanto ao empregado acidentado, este tende a alavancar enormes prejuízos laborativos, visto que acidentes, normalmente, implicam em redução da capacidade laborativa, a qual pode se dar de forma permanente ou temporária e parcial ou total. Destarte, em decorrência do estado que se encontra o acidentado, terceiros também podem ser atingidos por esses transtornos, em especial os familiares próximos ao acidentado, que acabam por se tornar a base de sobrevivência deste, o que, em muitos casos, era justamente o contrário.
É plausível que pode o empregador se eximir de eventuais responsabilidades indenizatórias para com o acidentado, haja vista que aquele pode ter adotado e implantado todas as formas de segurança possíveis, todavia, o acidente acaba ocorrendo por pura e exclusiva culpa de seu funcionário que agiu com imprudência, imperícia ou negligência, como também por outras situações que serão abordadas no decorrer do trabalho, tais como, caso fortuito ou força maior ou fato de terceiro.
Diversas são as formas de indenização que podem ser pleiteadas pelo empregado prejudicado, desde as indenizações frente aos órgãos públicos, tais como os benefícios previdenciários, e especialmente a responsabilidade do próprio empregador, que pode ser alcançada através de pensão, obrigações, indenizações de cunho moral, estético, psíquico, dentre outras.
Tendo em vista a possibilidade de haver eventuais confusões do próprio magistrado por levar em conta certos aspectos que deveriam ser afastados ou mesmo serem motivos de outras demandas e até mesmo do patrono quando este deixa de perquirir certos direitos que beneficiariam ainda mais o acidentado, por entender erroneamente que algumas indenizações são uma só, esse estudo procurará nortear essas incongruências.
Muitas são as consequências advindas de um acidente de trabalho, podendo não somente alcançar o principal prejudicado, ou seja, o acidentado, mas outros que estão ao seu redor e lidam com o seu cotidiano, quais sejam, familiares.
É notório o fim social dessa pesquisa, visto que essas são situações cotidianas apresentadas com frequência nos noticiários, o que de certo modo assoberba o judiciário com inúmeras demandas, já que este é o último recurso que pode procurar o acidentado. Por conseguinte, em razão da importância do tema, inúmeras são as obras que o abordam, todavia, sem o devido enfoque e aprofundamento que o tema merece.
Fazendo com que esse trabalho tenha por finalidade criar um compêndio de diversas obras que engrandecerá o assunto, inclusive, trazendo posições divergentes constantes na doutrina.
Antes de adentrarmos ao real estudo objeto deste trabalho, qual seja, a responsabilidade civil do empregador originária de um acidente de trabalho, é de primordial importância traçar um breve escorço da evolução da responsabilidade civil no Brasil, o que se entende por responsabilidade civil e o que a origina, vejamos.
Ab initio, cumpre ressaltar que o estudo da responsabilidade civil é matéria de enorme importância para todas as esferas do Direito, inclusive, sendo difícil especular qual seara do Direito não a utilizaria em determinado momento, vez que possui o justo benefício de reparar um dano causado por outrem, dano esse que pode ser causado de diversas formas possíveis, bastando para tanto, que a violação de um direito ocasione um dano.
Como sustentado por José Cairo Junior, é de grande dificuldade a tarefa de se definir o que seja a responsabilidade civil, haja vista não haver um consenso no que se refere à adoção de uma definição semelhante pelos grandes estudiosos da matéria (2003, p. 17).
Todavia, em que pese essa dificuldade em definir esse conceito, brilhantes juristas brasileiros ousaram realizar essa árdua tarefa.
Para Rui Stoco, após reproduzir diversas definições por ele encontradas e transcritas em sua obra, as quais, algumas também serão aqui colacionadas, faz-se questão de transcrever a sua conclusão para definir o que consiste responsabilidade:
“Enfim, responsabilidade é obrigação secundum jus, enquanto responsabilizar é fazer justiça, de sorte que no conflito entre o Direito e a Justiça, melhor dar preferência a esta pois, como disse o nosso filósofo, pensador e refinado jurista Paulo Bonavides:”Desde algumas décadas, a axiologia da justiça é o portal da legitimidade. Seu grau normativo é superior ao da legalidade” (2007, p. 113)
Conforme aduzido, seguem algumas definições de outros autores trazidas por Rui Stoco:
Para Roger Pirson e Albert de Villé, responsabilidade é uma obrigação imposta pelas normas, tendo por fito que as pessoas respondam pelas consequências prejudiciais de suas ações ou omissões (1935 apud STOCO, 2007, p. 112).
“Com extrema simplicidade e perfeita objetividade, Roberto Norris pontificou que “o traço mais característico da responsabilidade civil talvez seja o fato de se constituir especialmente em um instrumento de compensação”, acrescentando que “seus objetivos são os de compensar as perdas sofridas pela vítima e desestimular a repetição de condutas semelhantes em um momento posterior” (1996 apud STOCO, 2007, p. 112).
“Correta, pois, a visão de Sergio Cavalieri Filho ao afirmar: "A responsabilidade civil é uma espécie de estuário onde deságuam todos os rios do Direito: público e privado, material e processual; é uma abóbada que enfeixa todas as áreas jurídicas, uma vez que tudo acaba em responsabilidade". Por essa razão, como enfatiza esse autor, "tudo acaba em responsabilidade" e "nisso reside a impossibilidade de se concentrar todas as regras da responsabilidade em um só titulo, em uma só parte do Código" (2003 apud STOCO, 2007, p. 112).
Continuando os ensinamentos do professor Sergio Cavalieri Filho, desta vez constante em outra de suas magníficas obras, cumpre reproduzir o que ele entende por função da responsabilidade civil:
“O anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no statu quo ante. Impera neste campo o princípio da restituo in integrum, isto é, tanto quanto possível, repõe-se a vítima à situação anterior à lesão. Isso se faz através de uma indenização fixada em proporção ao dano. Indenizar pela metade é responsabilizar a vítima pelo resto. Limitar a reparação é impor à vítima que suporte o resto dos prejuízos não indenizados” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 13).
Partindo desses ideais e desta última definição trazida por Sergio, urge discorrer sobre o fato originador da responsabilidade civil, o ato ilícito, que se encontra preceituado no artigo 186 do Código Civil.
Como reportado alhures, o ato ilícito é o fato que origina a responsabilidade civil, sendo assim, de rigor transcrever o que preceitua o artigo 186 do Código Civil, que assim o conceitua, “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Da leitura do supratranscrito artigo, em suma, podemos entender que o ato ilícito se trata de violação ao direito de outrem, ocasionador de dano, podendo este ser moral ou material, produzido por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência.
Diferente disso, o vetusto Código Civil de 1916, nas sábias palavras de Sergio Cavalieri Filho:
“Consagrou na cláusula geral do seu art. 159 apenas a responsabilidade subjetiva (a responsabilidade objetiva era admitida casuisticamente apenas em alguns artigos para casos específicos), o Código de 2002 contém cláusulas gerais tanto para a responsabilidade subjetiva como para a objetiva, cada qual abrangendo determinadas áreas da atividade humana. A responsabilidade subjetiva continua fulcrada no ato ilícito stricto sensu (art. 186), com aplicação nas relações interindividuais – violação de um dever jurídico -, e o ato ilícito em sentido amplo é o fato gerador da responsabilidade objetiva e tem por campo de incidência as relações entre o indivíduo e o grupo (Estado, empresas, fornecedores de serviços, produto etc)” (2007, p. 11).
De posse daquele artigo, assim como do artigo 187 do mesmo diploma, juntamente com o artigo 927, há a combinação necessária para que se configure e surja o dever de indenizar, assim conhecida e estabelecida nesta norma como obrigação de indenizar. Vejamos o que diz o artigo:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Diante desse texto legal, resta claro o norte para embasar o pedido da responsabilidade civil, sendo certo que, para que surja o dever da reparação citado no caput, é implícito que haja um dano, a culpa ou o dolo do agente, o nexo entre o dano e a conduta do agente causador, bem como haja o ânimo da vítima em buscar a recomposição do prejuízo causado, ou seja, trazer a vítima para o status quo ante.
Outrossim, o parágrafo único deste artigo, inovando o ordenamento vigente no código anterior, traz a responsabilidade objetiva, ou seja, não há mais a necessidade de se demonstrar a culpa do agente, bastando para exigir a responsabilidade que tenha ocorrido o dano somente, e este dano esteja especificado em lei ou que se funde na teoria do risco.
Para a área da responsabilidade civil advinda da relação entre empregador e empregado isso foi um remédio que trouxe alívio à classe mais fragilizada nesta relação, que notoriamente é a do obreiro, já que o ônus da prova recairá na pessoa do empregador, este responsável por eximir a sua responsabilidade em vista do acidente ocorrido.
Sobre o tema, vejamos o entendimento de José Cairo Junior:
“Destarte, após o início da vigência do retrocitado dispositivo legal, a responsabilidade civil do empregador, que desenvolva atividades insalubres ou perigosas, será de natureza objetiva.
O ônus da prova em relação à existência de culpa do empregador não mais pertencerá ao empregado acidentado, pois caberá ao patrão, para não ser declarado responsável, demonstrar que adotou todas as medidas contratuais, legais e convencionais que tratam da segurança, medicina e higiene do trabalho” (2003, p. 29).
Um estudo um pouco mais aprofundado sobre a classificação da responsabilidade e suas espécies será discorrido nos capítulos seguintes.
Este capítulo terá por objeto a classificação da responsabilidade de acordo com os preceitos contidos nas obras de renomados doutrinadores da atualidade sobre o tema.
Outrossim, urge esclarecer que este trabalho não terá por finalidade dissertar acerca da responsabilidade penal, independentemente de um mesmo ato ilícito ter a capacidade de alcançar tanto a esfera penal como a cível.
Como asseverado anteriormente, o Código Civil de 1916 não tinha por objeto a delimitação da responsabilidade civil objetiva, não havia cláusulas gerais onde houvesse esse enquadramento, somente poucos artigos que admitiam casuisticamente (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 11).
A partir da vigência do atual Código Civil, que teve sua vigência a iniciar em 2003, este panorama sofreu severa mudança, vez que a redação do artigo 927 assim possibilitou a responsabilidade civil objetiva em seu parágrafo único “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa”.
Com efeito, restou por delimitada a responsabilidade objetiva.
Como é sabido, o artigo não termina por aí, haja vista que ele discorre e pontua sobre algumas das possibilidades onde poderá haver responsabilização sem que se entre no mérito de discutir se o ofensor teve ou não a intenção de produzir o dano, são elas, quando a lei especificar como responsabilidade civil objetiva, tais como a responsabilidade do Estado imposta na Carta Magna em seu artigo 37, parágrafo sexto[1] e a do fornecedor estabelecida no parágrafo terceiro do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor[2] e, quando a atividade executada pelo autor implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, como por exemplo as responsabilidades dispostas nos artigos 12, 14 e 18 do Código de Defesa do Consumidor[3].
Para todos esses casos não há necessidade de se discorrer sobre a eventual possibilidade de culpa, basta que ocorra o dano para surgir o dever de indenizar por parte do ofensor e o nexo de causalidade entre o fato e o dano. No caso, este ofensor que deverá ter ônus probatório, consistente na produção de provas que se enquadrem nas excludentes de responsabilidade/ilicitude, importante assunto que será discorrido adiante.
Já, para a responsabilidade civil subjetiva, que consiste na regra geral do Código Civil, é obrigatório que a vítima demonstre e em alguns casos prove a culpa do ofensor.
Sobre a matéria, cumpre transcrever o brilhante e sucinto ensinamento dos Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, vejamos:
“Sistemas de responsabilidade civil. CC. Dois são os sistemas de responsabilidade civil que foram adotados pelo CC: responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva. O sistema geral do CC é o da responsabilidade civil subjetiva (CC 186), que se funda na teoria da culpa: para que haja o dever de indenizar é necessária a existência: a) dano; b) do nexo de causalidade entre o fato e o dano; c) da culpa lato sensu (culpa – imprudência, negligência ou imperícia – ou dolo) do agente. O sistema subsidiário do CC é o da responsabilidade civil objetiva (CC 927 par.ún.), que se funda na teoria do risco: para que haja o dever de indenizar é irrelevante a conduta (dolo ou culpa) do agente, pois basta a existência: a) dano; b) do nexo de causalidade entre o fato e o dano. Haverá responsabilidade civil objetiva quando a lei assim o determinar (v.g., CC 933) ou quando a atividade habitual do agente, por sua natureza, implicar risco para o direito de outrem (v.g. atividades perigosas)” (2011, p. 797).
Para Carlos Roberto Gonçalves:
“Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causado do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa” (2005, p. 21).
“Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco (objetiva propriamente dita ou pura). Quando a culpa é presumida, inverte-se o ônus da prova. O autor da ação só precisa provar a ação ou omissão e o dano resultante da conduta do réu, porque sua culpa já é presumida. Trata-se, portanto, de classificação baseada no ônus da prova. É objetiva porque dispensa a vítima do referido ônus. Mas, como se baseia em culpa presumida, denomina-se objetiva imprópria ou impura. É o caso, por exemplo, previsto no art. 936 do Código Civil, que presume a culpa do dono do animal que venha a causar dano a outrem. Mas faculta-lhe a prova das excludentes ali mencionadas, com inversão do onus probandi. Se o réu não provar a existência de alguma excludente, será considerado culpado, pois sua culpa é presumida” (2005, p. 22).
Consolidando os entendimentos acima, resta claro que para que se caracterize a responsabilidade civil objetiva, está dependerá de um texto legal que a estabeleça, que a imponha à sociedade e que o fato e o dano previsto aconteçam, já, para a responsabilidade civil subjetiva, haverá a necessidade de demonstrar a culpa/dolo do agente infrator.
Se prestarmos atenção com uma visão bem superficial, a denominação dessas classificações por si só se explicam, não havendo que se tecer muitas explanações, entretanto, não é bem assim.
Para Carvalho Santos, tanto a culpa contratual, como a extracontratual são violações de uma obrigação jurídica, servindo mesmo de fundamento a todo o sistema dos atos ilícitos a proibição de ofender neminem laedere, que constitui um dos princípios elementares da equidade e da ordem jurídica (1986 apud NERY JUNIOR, 2011, p. 799).
A responsabilidade contratual, como o próprio nome diz, advém de um vínculo preexistente entre as partes, ou seja, um negócio jurídico, que tem como principal fonte os contratos. Neles são delimitadas obrigações e condições que se não cumpridas pontualmente implicam numa infração ao preceito estabelecido entre os coniventes, gerando assim o dever de indenizar para o infrator.
Já, o extracontratual, é aquele que decorre de violação de preceito legal, não advém de uma convenção pactuada entre as partes, está fora dos negócios jurídicos. Nesta situação não existe uma relação preexistente entre as partes, a infração cometida pelo ofensor é o ato inaugural do vínculo entre os envolvidos.
Sergio Cavalieri Filho resume a responsabilidade contratual e extracontratual do seguinte modo:
“Em suma: tanto na responsabilidade extracontratual como na contratual há a violação de um dever jurídico preexistente. A distinção está na sede desse dever. Haverá responsabilidade contratual quando o dever jurídico violado (inadimplemento ou ilícito contratual) estiver previsto no contrato. A norma convencional já define o comportamento dos contratantes e o dever específico a cuja observância ficam adstritos. E como o contrato estabelece um vínculo jurídico entre os contratantes, costuma-se também dizer que na responsabilidade contratual já há uma relação jurídica preexistente entre as partes (relação jurídica, e não dever jurídico, preexistente, porque este sempre se faz presente em qualquer espécie de responsabilidade). Haverá, por seu turno, responsabilidade extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas sim na lei ou na ordem jurídica” (2008, p. 15 e 16).
Opinião semelhante podemos encontrar nos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves:
“Quando a responsabilidade não deriva de contrato, diz-se que ela é extracontratual. Neste caso, aplica-se o disposto no art. 186 do Còdigo Civil. Todo aquele que causa dano a outrem, por culpa em sentido estrito ou dolo, fica obrigado a repará-lo. É a responsabilidade derivada de elícito extracontratual, também chamada aquiliana.
Na responsabilidade extracontratual, o agente infringe um dever legal, e, na contratual, descumpre o avençado, tornando-se inadimplente. Nesta, existe uma convenção prévia entre as partes, que não é cumprida. Na responsabilidade extracontratual, nenhum vínculo jurídico existe entre a vítima e o causador do dano, quando este pratica o ato ilícito” (2005, p. 26).
Desse modo, conclui-se o capítulo destinado à classificação da responsabilidade civil prevista em nosso ordenamento jurídico, permitindo um adentramento à responsabilidade civil imposta às relações do trabalho.
O acidente de trabalho, fenômeno jurídico que infelizmente assombra muitas pessoas, sejam elas empregadores, por ter a responsabilidade direta na reparação, e por consequência, acaba por afetar seu quadro de funcionários, tendo um desfalque na equipe, aspectos financeiros pelos gastos que acompanhará esse acidente, assim como os aspectos sociais que refletem para todos, em especial os negativos, como imagem e nome da empresa no mercado; sejam eles empregados, a parte mais fragilizada da relação, que se sujeita ao infortúnio de um acidente, o qual lhe trará inúmeros transtornos e dissabores pelas consequências a ele impingidas.
Sobre o tema, a norma norteadora para toda essa relação, é a Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.
Nela encontrar-se-á uma infinidade de informações para esse estudo, balizando este trabalho em seus conceitos e definições.
O conceito de acidente de trabalho se encontra disciplinado no caput do artigo 19 do diploma legal supracitado, que assim dispõe:
“Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.”
Este dispositivo é taxativo e claro em suas delimitações, não permitindo interpretações extensivas para o que se entende por acidente de trabalho, destarte, esmiuçando esta definição entende-se, acidente de trabalho é o fato jurídico que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, não necessariamente dentro da empresa, resultando ao obreiro morte, lesão corporal ou perturbação funcional que provoque redução ou perda da capacidade laborativa, seja ela temporária ou permanente.
Desse modo, é indispensável para que se configure acidente de trabalho, a existência de trabalho, a ocorrência do acidente, a ocorrência de lesão incapacitante ou morte, e o nexo de causalidade entre estes últimos (PRATES, 2000, p. 3).
Como assevera Clarice Prates, o acidente pode decorrer de um acontecimento brusco e repentino (acidente típico), quando a data do acidente coincide com a do evento lesivo. Pode decorrer de doença do trabalho ou profissional, que foram equiparadas legalmente ao acidente típico. Nesses casos, a data do acidente é uma criação jurídica, já que as doenças ocupacionais são de lenta e progressiva evolução, pois são decorrentes de um ambiente de trabalho agressivo ou de uma atividade laborativa agressiva (2000, p. 4).
Essas diferenciações de acidente suscitadas pela lei serão expostas abaixo.
A lei nº 8.213/91 procurou especificar detalhadamente e não permitir brechas para dupla interpretação do que se entende por acidente de trabalho, desse modo, em razão dos termos da lei, Clarice Prates identificou e separou os acidentes de trabalho da seguinte forma: o acidente típico, as entidades mórbidas, divididas em doença profissional e doença do trabalho e por último, as diversas figuras equiparadas ao acidente de trabalho (2000, p. 5 a 10).
Assim sendo, vejamos o que diferencia cada uma conforme as elucidações abaixo.
O acidente típico é aquele que se encontra disposto no caput do artigo 19 da referida lei, supratranscrita, a qual esclarece que, para ser caracterizada, deverá decorrer de evento súbito e violento, no qual se constata facilmente o dano e o nexo com o trabalho. A ocorrência deve, necessariamente, provir de um acontecimento abrupto, instantâneo e traumatizante, e que tenha relação com as condições de trabalho (do meio ambiente do trabalho ou decorrente do próprio exercício da função) (PRATES, 2000, p. 5).
Importante colacionar o entendimento trazido por Rui Stoco:
“Como se verifica, para que um evento se caracterize como acidente, exige a lei duas condições: a) que tenha ocorrido como decorrência do exercício de uma atividade a serviço da empresa; b) que tenha causado lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
Portanto, sem o adimplemento dessas duas condições não se poderá falar em acidente indenizável.
A existência de seqüela ou morte é fundamental para a tipificação. Sem o evento morte ou a ocorrência de lesão que determine a perda ou redução da capacidade de trabalho, inexiste reparação” (2007, p. 638).
A outra subdivisão trazida pela mesma lei diz respeito às entidades mórbidas, na qual o legislador procurou diferenciar uma da outra para uma escorreita aplicação perante o INSS e judiciário, vejamos.
O legislador colocou da seguinte forma o que ele entende por doença profissional, que se encontra no inciso I do art. 20 da Lei nº 8.213/91, “I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;”.
Dessa definição, pode-se extrair que a doença profissional ocorre quando o obreiro desenvolve labor específico e o executar dessa função pode acarretar ou desencadear o desenvolvimento de uma doença.
Esse labor específico se encontra disciplinado em rol taxativo, ou seja, numerus clausus, não possibilitando o acréscimo de outras doenças, podendo ser localizado no Anexo II do Regulamento da Previdência Social, que se encontra disciplinado no Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999.
Para Wladimir Novaes Martinez:
“Doenças profissionais (também chamadas ergopatias ou tecnopatias) são doenças que podem ocorrer com as pessoas que realizam determinada espécie de trabalho, como as pneumoconiose, silicose, antracose, bissionne, berlicose, siderose.
Não é preciso conceituação, aduzia ele. “Doença profissional é aquela relacionada no Anexo II do RBPS bastando, em cada caso concreto, consultar a tabela e confrontar a doença com a função exercida pelo obreiro. Esta tabela é limitada, não exemplificativa. Somente serão consideradas doenças profissionais as nela relacionadas” (1971 apud PRATES, 2000, p. 6).
Já, a doença do trabalho se encontra prevista no inciso II do artigo citado anteriormente e possui a seguinte definição:
“II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.”
Rui Stoco, procurou definir de forma sumária com a seguinte explanação, “A doença será do trabalho quando, adquirida ou desencadeada em função das condições especiais em que a tarefa é realizada, apresentar relação de causa e efeito com ele. Significa o exercício de atividades agressivas, insalubres, degenerativas ou perigosas (2007, p. 638).”
Em que pese a definição acima trazer uma ideia superficial do que se trata a doença do trabalho, houve Clarice Prates por aprofundar sua definição, trazendo mais propriedade à interpretação:
“A segunda, (ergopatia ou mesopatia ou doenças atípicas) advém, não da profissão em si, mas das condições do exercício da função e do ambiente do trabalho. A doença do trabalho não depende da existência de qualificação profissional do obreiro, não acompanha o trabalhador no exercício da atividade. Alcança todos que laborem em condições adversas à saúde. É contraída, deflagrada ou agravada em virtude das circunstâncias em que o trabalho é realizado. Os acidentados devem provar que a atividade exercida determinou o surgimento ou o agravamento da doença. Não há presunção de nexo causal entre a doença e o labor, mesmo sendo obrigatório que a doença ou lesão esteja relacionada como tal na lista de que trata o Anexo II do Regulamento da Previdência Social do Decreto nª 3.048, de 6 de maio de 1999” (2000, p. 6 e 7).
Todavia, a própria norma prevê uma exceção às restrições por ela imposta, consoante ressalva o parágrafo 2º do artigo 20 da citada Lei, que assim pondera:
“§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.”
De posse dessa exceção, cumpre trazer a visão insculpida na conclusão trazida por Rui Stoco, plenamente aplicável ao tema:
“Por força dessa origem mostra-se inadequado e até mesmo impossível prever em regulamento, taxativamente as doenças que eclodem em função dessas condições, de modo que basta que o empregado faça prova do liame causal entre o exercício de uma atividade anormal (perigosa, agressiva, insalubre ou degenerativa) e a doença adquirida para que se caracterize o acidente do trabalho.
Impõe-se efetiva relação entre o trabalho nessas condições e o resultado lesivo” (2007, p. 638).
Continuando as definições do que se entende por acidente de trabalho, a retrocitada lei elenca diversas situações equiparadas ao acidente de trabalho, apontando uma vez mais um rol numerus clausus, consoante transcrição do artigo 21 abaixo:
“Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;
II – o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de:
a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;
b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;
c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;
d) ato de pessoa privada do uso da razão;
e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;
III – a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;
IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:
a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;
b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;
c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.
§ 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.”
Desse extenso artigo podemos absorver que o legislador autorizou a concausalidade como acidente de trabalho, o ato executado por terceiro, execução errônea de obreiro que o traga contaminação, entre outras situações que podem ocorrer, inclusive, fora do ambiente e horário de trabalho.
Por fim, o legislador também procurou enumerar situações que não podem ser caracterizadas como acidente de trabalho, o que, portanto, merece uma atenção especial, já que desobriga eventual responsabilidade do empregador, as quais se encontram dispostas no parágrafo 2º do artigo 21 e no parágrafo 1º do artigo 20, abaixo transcritos, in verbis:
“§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:
a) a doença degenerativa;
b) a inerente a grupo etário;
c) a que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
§ 2º Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às conseqüências do anterior.”
Destarte, são esses os impedimentos legais que obstruem que o obreiro seja beneficiário de um dos benefícios suportados pelo Estado por meio do INSS, todavia, o trabalhador que se encontrar prejudicado e que entenda ser beneficiário de algum benefício, ou que procure responsabilizar o seu empregador pelo ato, em busca de uma indenização, sempre poderá se socorrer do judiciário, que terá por obrigação avaliar caso a caso e assim imputar a melhor adequação à contenda.
Como requisito corolário para que haja a caracterização de um acidente de trabalho, a lei determinou que a incapacidade laborativa é pressuposto indispensável. Ocorre que essa incapacidade pode ser classificada dentro de duas vertentes, quais sejam, a temporal, subdivida em permanente ou temporária e, grau de incapacidade, subdivido em total ou parcial.
Por incapacidade laborativa entende-se, a impossibilidade do obreiro acidentado desempenhar suas funções, em virtude de alteração morfopsicofisiológicas provocadas por doença ou acidente (PRATES, 2000, p. 10).
Complementando a definição de incapacidade, Clarice Prates procurou trazer uma maior explicação, como se vê abaixo:
“Considera-se incapaz para o trabalho aquele que executar a profissão com risco de vida (para si ou para terceiros) o com risco de agravamento da lesão ou doença que a continuidade do labor puder acarretar. Tal risco de agravamento ou de morte não pode ser hipotético, e sim de verdadeira constatação médica.
A impossibilidade do acidentado de voltar a exercer o seu ofício é medida, de forma comparativa, com as antigas e próprias condições do examinado enquanto trabalhava; devendo o trabalhador, para estar, apto voltar a alcançar a sua média de rendimento quando em suas condições normais. A média de rendimento alcançada em condições normais pelos trabalhadores da categoria da pessoa examinada é referência secundária ao conceito de incapacidade laborativa, Nunca se usa como ponto comparativo para a definição da incapacidade a média da coletividade de outras profissões.
A constatação médica de alterações mórbidas presentes no acidentado conjugados com a impossibilidade do obreiro de voltar a cumprir as exigências da profissão, à luz dos dispositivos legais pertinentes, completam a definição jurídica da incapacidade laboral.”
Os tipos de incapacidade assim são definidos pelo INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) em, total ou parcial, temporária ou indefinida, uniprofissional, multiprofissional ou oniprofissional:
“O entendimento de que a incapacidade possa ser parcial ou total é fácil. Porém, como a legislação previdenciária fala apenas em incapacidade para o trabalho, o médico-perito considerará como parcial o grau de incapacidade que ainda permita o desempenho da atividades sem risco de vida ou de agravamento maior, e que seja compatível com a percepção de um salário aproximado daquele que o interessado percebia antes de adoecer. E considerará como total, gerando a impossibilidade de permanecer no trabalho, o grau que não satisfaça a condição mínima aqui exposta, ou seja, como já dito na página 22, incapacidade de atingir a média de rendimento alcançada em condições normais pelo trabalhadores da categoria do examinado.
Incapacidade temporária – é aquela para a qual pode-se esperar recuperação dentro de um certo período de tempo, mais ou menos previsível. Indefinida é aquela para a qual não se pode esperar recuperação, com os recursos terapêuticos disponíveis, no momento do parecer.
Incapacidade uniprofissional – é aquela em que impedimento alcança apenas uma atividade específica. Multiprofissinal é aquela em que o impedimento abrange diversas atividades profissionais. Oniprofissional é aquela em que há impedimento para qualquer tipo de atividade profissional.
Capacidade laborativa – é a apresentação e/ou a conservação de condições morfopsicológicas compatíveis com o desempenho das funções específicas de uma atividade (ou ocupação)” (1993 apud PRATES, 2000, p. 10 a 13).
Destarte, resta por demonstrada as diferenciações quanto à incapacidade laborativa do ofendido decorrentes de um acidente de trabalho, assim como sua classificação ante a perspectiva do INSS.
De antemão, cumpre discorrer que este capítulo não tem por condão exaurir as explanações a respeito de todas as espécies indenitárias, mas tão somente trazer breves elucidações a respeito, vez que cada um dos subcapítulos abaixo teriam assunto pra preencher diversas obras em separado, em específico o de danos morais, o qual já é possível encontrar obras e mais obras a seu respeito.
Dano moral, por se dizer o brocardo jurídico mais requerido judicialmente e mais utilizado pelos leigos da área, já que para toda suposta violação hoje em dia pensa-se que é possível receber indenização por dano moral. Não à toa a salutar existência de diversos artigos e estudos sobre a sua banalização. De qualquer forma, esse assunto não é o mérito deste trabalho.
Ab initio, cumpre transcrever algumas definições de renomados doutrinadores brasileiros sobre o que eles entendem/conceituam dano moral. A começarmos por Sergio Cavalieri Filho:
“podemos conceituar o dano moral por dois aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu art. 5º, V e X, a plena reparação do dano moral.
Os bens que integram a personalidade constituem valores distintos dos bens patrimoniais, cuja agressão resulta no que se convencionou chamar de dano moral. Essa constatação, por si só, evidencia que o dano moral não se confunde com o dano material; tem existência própria e autônoma, de modo a exigir tutela jurídica independente.
Os direitos da personalidade, entretanto, englobam outros aspectos da pessoa humana que não estão diretamente vinculados à sua dignidade. Nessa categoria incluem-se também os chamados novos direitos da personalidade: a imagem, o bom nome, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais. Em suma, os direitos da personalidade podem ser realizados em diferentes dimensões e também podem ser violados em diferentes níveis. Resulta daí que o dano moral, em sentido amplo, envolve esses diversos graus de violação dos direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa, considerada esta em suas dimensões individual e social, ainda que sua dignidade não seja arranhada” (2008, p. 80 e 81).
Já, para Yussef Said Cahali, dano moral pode ser assim caracterizado:
“Parece mais razoável, assim caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos; portanto, “como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos”; classificando-se, desse modo, em dano que afeta a “parte social do patrimônio moral” (honra, reputação etc.) e dano que molesta a “parte afetiva do patrimônio moral” (dor, tristeza, saudade etc.); dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante etc.) e dano moral puro (dor, tristeza etc.).
Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; do desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral” (2005, p. 22 e 23).
Para Humberto Theodoro Júnior, danos morais são:
“os ocorridos na esfera da subjetividade, ou no plano valorativo da pessoa na sociedade. alcançando os aspectos mais íntimos da personalidade humana ("o da intimidade e da consideração pessoal"), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (“o da reputação ou da consideração social") (idem, n. 7, p. 41). Derivam, portanto, de "práticas atentatórias à personalidade humana" (STJ, 3ª T., voto do Relator EDUARDO RIBEIRO, no REsp 4.236. in BUSSADA, Súmulas do Superior Tribunal de Justiça, São Paulo, Jurídica Brasileira, 1995, vol. I, p. 680). Traduzem-se em "um sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida" (STF, RE 69.754/SP, WI"' 485/230) capaz de gerar "alterações psíquicas" ou "prejuízo à parte social ou afetiva do patrimônio moral" do ofendido” (STF, RE 116.381.-RJ, BUSSADA, ob. cit., p. 6.873).
Por fim, para Nelson Nery Junior e Rosa Maria Nery, estes preferiram utilizar uma conceituação editada pelo Ministro Marco Aurélio do E. Superior Tribunal Federal que assim conceituou:
“Dano moral. Conceito. O que o constituinte brasileiro qualifica como dano moral é aquele dano que se pode depois neutralizar com uma indenização de índole civil, traduzida em dinheiro, embora a sua própria configuração não seja material. Não é como incendiar-se um objeto ou tomar-se um bem de uma pessoa. É causar a ela um mal evidente, como faz o transportador ao cidadão que planeja uma viagem, paga seu preço e a empreende, mas tem a surpresa de, no primeiro dia, ver que lhe falta bagagem” (STF, 2.ª T., REsp 172720-9-RJ, v.u., j. 6.2.1996) (2011, p. 840).
De tudo quanto se absorve dessas diversas definições, pode-se concluir que dano moral é a dor da alma, subjetivo demais somente para a vítima, algo que nunca poderá ser mensurável, todavia, passível de compensação por meio de indenização a ser paga em dinheiro.
Destarte, os fundamentos legais para o embasamento de eventual pedido de dano moral podem ser extraídos da Carta Magna e do Código Civil.
A Constituição Federal assegura em seus artigos 5º, X e 7º, XXVIII, com as seguintes disposições:
“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação
Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;”
Os artigos 186 e 927 do Código Civil preceituam também o dever de indenizar:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Agora, resta tecer algumas considerações sobre as implicações da indenização por dano moral quanto ao Direito do Trabalho.
Alguns escritores citados na obra de Rui Stoco entendem por ser impossível haver a reparação por danos morais na esfera trabalhista, tais como, José Alfonso da Silva e Adalberto Martins, visões essas que não fazem relação com o que se defende neste trabalho, todavia, este mesmo autor refuta essa linha de raciocínio, como veremos pela transcrição de seu entendimento, embasado pela escorreita expertise de Humberto Theodoro Junior e Nehemias Domingos de Melo:
“Seja como for, a afirmação de impossibilidade, à luz do momento, mostra-se incorreta. Impõe-se observar que a Constituição Federal, ao prever no art. 7º, XXVIII, ser direito dos trabalhadores urbanos e rurais, o "seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa", não fez qualquer distinção, mencionando, genericamente, a "indenização", sendo certo que onde a lei não distinguiu não cabe ao intérprete fazê-lo.
Ademais, o dano é um só. Para sua qualificação pouco importa a causa. Importa o prejuízo sofrido.
O autor Nehemias Domingos de Melo acolhe esse posicionamento expondo: "Os danos ao trabalhador decorrentes de atividades trabalhistas incluem também as questões atinentes aos acidentes de trabalho que poderão ensejar, a teor do que dispõe a nossa Carta Magna, a responsabilização civil comum do empregador, se o mesmo tiver concorrido com culpa ou dolo para o evento danoso" (Dano Moral. Problemática: do Cabimento à Fixação do Quantum. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 9). Mas este jurista, forte nos ensinamentos de João Orestes Dalazen (Aspectos do dano moral. Juris Sintese, n. 24), ressalva apenas a circunstância de que o dano moral trabalhista rende ensejo a que ambos os contratantes (empregado e empregador) infrinjam direitos da personalidade, "conquanto o mais comum seja a violação da intimidade, da vida privada, da honra ou da imagem do trabalhador" (idem).
Humberto Theodoro Júnior, confortando nosso entendimento, expõe que, "no tocante ao dano moral, é fora de dúvida que o empregador deve indenizá-lo ao trabalhador, quando configurado como conseqüência de ato doloso ou culposo verificado na constância da relação de emprego, podendo ocorrer isoladamente ou em concurso com o dano moral" (Acidente do Trabalho… cit., p. 32) (2007, p. 635).
Seja como for, o dano moral é um direito à vítima violada pleitear por sua reparação, não importando por qual especialidade do judiciário ela se encontre, bastando para tanto, que haja o dano, o nexo causal, a culpa ou o dolo e a vítima para caracterizá-lo. Na Justiça do Trabalho pode-se dizer o mesmo, não obstante, basta uma breve pesquisa em diversos Tribunais espalhados pelo Brasil, em especial o Tribunal Superior do Trabalho, para constatar as inúmeras violações ocorridas que dão supedâneo aos mais diversos pedidos de dano moral.
Dano estético, um dano que no passado era confundido, quer se dizer, que estava vinculado ao dano moral, pois entendiam que os dois institutos eram um só e protegiam um mesmo direito.
Felizmente esse conceito mudou, e grande parte de toda essa reforma jurisprudencial foi consolidada com a edição da súmula 387 de lavra do E. Superior Tribunal de Justiça no ano de 2009, que assim disciplinou: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.”.
Ou seja, com essa interpretação passou-se a adotar o escorreito entendimento de que esse é um instituto diverso do dano moral, com objetivos e proteções distintas um do outro, o que, portanto, não podem se confundir e ser mensurado como um só, portanto, uma espécie autônoma.
Todavia, em que pese essa grandiosa mudança, alguns doutos autores, tais como, Sergio Cavalieri Filho, Rui Stoco, Caio Mario da Silva Pereira, dentre outros, entendem que o dano estético é modalidade do dano moral.
Vejamos o que Carlos Roberto Gonçalves entende por dano estético:
“A pedra de toque da deformidade é o dano estético. Assentou-se na jurisprudência deste Tribunal, com respaldo em Hungria, A. Bruno e outros, que o conceito de deformidade repousa na estética e só ocorre quando causa uma impressão, se não de repugnância, pelo menos de desagrado, acarretando vexame ao seu portador (RJTJRS 19/63 e 20/64). Na espécie, não ficou provada a deformidade, com essas características. Trata-se de pequeno afundamento do osso malar, que nem se sabe se é aparente" (RT, 470:420) (2005, p. 711).
Para os doutrinadores citados anteriormente, o fundamento legal para balizar um pedido de dano estético pode ser obtido nos artigos 949 e 950 do Código Civil, que assim dispõem:
“Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.”
“Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.”
Ademais, cumpre acrescentar que para o E. Superior Tribunal de Justiça, a cumulatividade do dano moral e estético juntos, só podem ter como cabimento quando originários de um mesmo fato, porém, desde que possível a sua apuração em separado, com causas inconfundíveis.
Outrossim, em complementação às explanações sobre o dano estético, não se pode esquecer que o dano estético só se mostra devido quando não for possível sua reparação, ou seja, quando nem uma intervenção médica através de cirurgia plástica reparadora possa fazer com que a vítima desfigurada volte ao seu status quo. Caso a vítima se recuse a passar por essa intervenção, também não será devida a reparação por dano estético.
De qualquer forma também, defende-se a opinião que, na possibilidade de realizada uma cirurgia reparadora e a vítima concedendo a sua realização, o dano estético se mostrará devido pelo período em que o infortunado ainda apresentava os danos em seu corpo.
Aqui está uma outra espécie de dano, autônoma ao dano moral, mas que ainda sim poucos são os que a considera em separado. Na verdade, das obras utilizadas nesta pesquisa, apenas dois autores o diferenciam. Os demais sequer procuraram abordar o assunto, inclusive, Rui Stoco assevera “A doutrina não lhe deu autonomia, nem se debruçou sobre a questão com maior profundidade” (2007, p. 1678).
Infelizmente, essa mesma limitação também pode ser encontrada na jurisprudência. Das pesquisas efetuadas para a conclusão desse trabalho, não foi possível localizar sequer uma decisão onde se pudesse distinguir o dano moral do dano psíquico. Em todas elas, a indenização fora fixada conjuntamente.
Crê-se que isso ocorre em razão dos próprios pedidos formulados pelos causídicos em suas teses, que pleiteiam somente pelo dano moral, mesmo havendo a possibilidade de serem separados individualmente cada um dos danos.
Enfim, vejamos o que se entende por dano psíquico. Para Celeste Leite dos Santos Pereira Gomes, Maria Celeste Cordeiro Leite Santos e José Américo dos Santos, que possuem obra intitulada com esse assunto, assim entendem:
“Por dano psíquico entende-se a lesão às faculdades mentais – parcial ou global – de uma pessoa (sentido latu, isto é, que se inclui a dimensão afetiva) (1998. p. 7).
Os distúrbios (atualmente transtornos) psíquicos são, desde o ângulo classificatório, divididos em qualitativos e quantitativos.
Nos qualitativos situam-se os de causa orgânica e os de causa psíquica. Entre os primeiros, estão os endógenos (causa orgânica não conhecida em toda a sua extensão, hoje mais propriamente chamadas causas multifatoriais – genéticas, biopsíquicas, etc.) onde são colocadas as esquizofrenias, os transtornos afetivos (antiga PMD). Aqui a importância do dano moral é extremamente grave, porque pode precipitar a eclosão de um surto psicótico, ou de grave depressão com ideias ou tentativa de suicídio, por exemplo.
Ainda nos transtornos de causa orgânica, temos os de causa conhecida, que se subdividem em causa orgânica direta sobre o cérebro e indireta sobre o cérebro. Nos primeiros, situam-se os traumatismos cranioencefálicos e os acidentes vasculares cerebrais, por exemplo (1998. p. 16 e 17).
Dano psíquico, portanto, é aquele pelo qual um determinado sujeito apresenta uma deterioração, disfunção, distúrbio ou transtorno, ou desenvolvimento psico-gênico ou psico-orgânico que, afetando suas esferas afetiva e/ou intelectual e/ou volitiva, limita sua capacidade de gozo individual, familiar, atividade laborativa, social e/ou recreativa. É a lesão parcial ou global das faculdades mentais que pode ter por ponto de partida na cadeia causal de sua ocorrência um dano patrimonial, extrapatrimonial ou ambos. […] Desse modo, o dano psíquico é espécie autônoma ao dano moral, integrando a esfera da proteção à saúde, protegida constitucionalmente. A sua proteção é prerrogativa inerente à personalidade, pois considera o homem não somente enquanto participa das várias comunidades (familiar, habitacional, de trabalho, de estudo e outras) nas quais desenvolve a sua personalidade” (1998. p. 28 e 29).
Complementando essa dissertação e utilizando-se da mesma obra para formar um entendimento, tem-se o renomado Rui Stoco, que também defende a existência e a separação do dano psíquico do dano moral, em que pese o mesmo assim não entender pela distinção do dano estético do moral. Para tanto, seus esclarecimentos abaixo, ipsis literis:
“Pode-se entender dano psíquico ou psicológico como a lesão física que a pessoa venha a sofrer em razão de acidente, com comprometimento de suas reações mentais e higidez psicológica e mesmo dos sentidos, tais como a visão, audição, olfato, paladar e tato, ou, ainda, com o comprometimento de funções orgânicas (falar, andar)” (2007, p. 1678).
Visando justamente em distinguir essas espécies de dano (moral e psíquico), Rui Stoco engrandeceu ainda mais a doutrina com essas brilhantes considerações:
“Nesta primeira hipótese está-se diante de uma lesão, que se pode denominar "dano psíquico", mas que empenha reparação de ordem patrimonial, seja indenizando a vítima em razão da diminuição ou supressão de sua capacidade laborativa, através de pensionamento mensal, de trato sucessivo, seja compondo danos emergentes e despesas de tratamento.
Mas também pode-se entender "dano psíquico" como o distúrbio ou perturbação causado à pessoa, através de sensações anímicas desagradáveis, embora passageiras ou transeuntes, em que a palavra "dano" está mal aplicada e tem um sentido meramente translato, figurativo e veicular.
O indivíduo, em razão de determinado fato, sofre fortes emoções que ofendem ou alteram o seu psiquismo e comportamento durante determinado período de tempo.
Está-se, então, diante do dano moral.
E, neste caso, "dano psíquico" exsurge tão somente como expressão sinônima de "dano moral", em que a pessoa é atingida na sua parte interior, anímica ou psíquica, através de inúmeras sensações desagradáveis e importunantes, como, por exemplo, a dor, a angústia, o sofrimento, a tristeza, o vazio, o medo, a insegurança, o desolamento e outros.”
Assim concluindo:
“Melhor seria, para diferençar as duas hipóteses, que se falasse em lesão psíquica" e "ofensa psíquica", esta como contingente do dano moral, cujo espectro de abrangência é muito mais dilargado, postando-se, assim, como gênero de que a ofensa psíquica é espécie” (2007, p. 1678).
Destarte, resta por demonstrada a enorme diferenciação entre o que se entende e se define por dano psíquico do dano moral. Agora, cumpre somente aos julgadores aplicá-lo de forma escorreita como a aqui exposta.
Quanto ao assunto em tela, dano material, é despiciendo de maiores elucidações, já que suas explanações são, em tese, simples, não havendo complexidade em aplicar exatamente o que a lei determina.
Por dano material ou dano patrimonial, pode-se entender por todas as despesas e prejuízo que a vítima sofreu em decorrência de um ato ilícito causado pelo ofensor, sendo que este tem o dever e a obrigação de reparar o dano causado, ou seja, indenizar objetivando a vítima retornar ao seu status quo ante. Para que essa reparação ocorra, o ofensor tem o dever de reconstituir a coisa avariada ou, na impossibilidade e em razão da suscetibilidade de avaliação pecuniária, indenizar em espécie.
Para Sergio Cavalieri Filho, o conceito de dano patrimonial é bem abrangente, podendo assim ser definido:
“O dano patrimonial, como o próprio nome diz, também chamado de dano material, atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, entendendo-se como tal o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro. Nem sempre, todavia, o dano patrimonial resulta da lesão de bens ou interesses patrimoniais. Como adiante veremos, a violação de bens personalíssimos, como o bom nome, a reputação, a saúde, a imagem e a própria honra, pode refletir no patrimônio da vítima, gerando perda de receitas ou realização de despesas — o médico difamado perde a sua clientela —, o que para alguns autores configura o dano patrimonial indireto” (2008, p. 71).
Dentro dessa espécie de dano e, conforme as previsões legais, podemos separar o dano em dano emergente e lucro cessante. Por dano emergente, caracteriza exatamente o que a vítima teve de diminuição de seu patrimônio em decorrência do ilícito causado pelo ofensor, já, o lucro cessante, como o nome diz, incorre no que a vítima deixou de agregar ao seu patrimônio, na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 72).
Vejamos o que disciplina o Código Civil, através dos requisitos balizadores da indenização do dano material, quais sejam, artigos 402 e 944:
“Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.”
“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.”
Da leitura desses dispositivos, Rui Stoco aclarou brilhantemente:
“Sabe-se que o princípio firmado no âmbito da responsabilidade civil é o da restitutio in integrum, de modo a não se dar menos do que o efetivo prejuízo sofrido (lucros cessantes e dano emergente), sendo certo que estamos falando apenas de dano patrimonial, por força da limitação imposta pelo próprio canon legal.
Tanto isso é certo que o art. 947 prioriza e enfatiza que se dê preferência ao cumprimento da prestação na "espécie ajustada", ou seja, à recomposição original ou retorno ao statu quo ante. Somente se isso não for possível e que se indenizará com o equivalente em dinheiro” (2007, p. 1240 e 1241).
Quanto ao disposto no parágrafo único do artigo 944, Rui Stoco pondera que essa clara subjetividade possibilita ao julgador a ocorrência de diversas injustiças, tanto para a vítima como para o ofensor, havendo inclusive gradações que não convém apontar neste trabalho. Por fim elucida:
“Caberá ao julgador – fazendo uso do equilíbrio, do bom senso e da análise do caso concreto, levando em consideração o fato e sua gravidade, o grau da culpa e, principalmente, a situação econômica do autor do dano – fixar o efetivo valor de reparação, a partir do valor do prejuízo efetivamente sofrido pela vítima, que será a base para a redução.
Mas não se pode deslembrar que o critério serve apenas para a fixação do dano de natureza material, seja o dano emergente e o lucro cessante” (2007, p. 1244).
Sabe-se que este tema, em tese, não diz respeito ao assunto aqui discutido, todavia, faz relação com a matéria, já que, na ocorrência de um acidente de trabalho ou suas figuras equiparadas, o primeiro órgão a ser acionado pelo empregado e em especial pelo empregador, é o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Para o empregador, a comunicação à Previdência Social é obrigatória, sob pena de multa, consoante previsão contida no artigo 22 da Lei 8.213/91, in verbis:
“Art. 22. A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social.”
Esta comunicação tem por fito, em primeiro lugar, assegurar ao empregador que, em razão da incapacidade laborativa de seu empregado, oferecer suporte financeiro ao empregado e empregador, quando passados 15 (quinze) dias de sua ausência, a ser suportado pelo órgão em comento, através do auxílio-doença, já que, para tanto, o empregador recolhe suas contribuições obrigatórias para assim estar segurado.
O benefício a ser suportado pelo INSS dependerá do tipo de incapacidade sofrida pelo obreiro, ou seja, deverá ser considerado para a sua caracterização se a incapacidade é total ou parcial e se é temporária ou permanente.
A responsabilidade objetiva do INSS se encontra disciplinada na Carta Maior, artigo 7º, inciso XXVIII, consoante transcrição a seguir: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;.
Tal benefício se encontra nas garantias fundamentais do trabalhador, desse modo, resta claro que a responsabilidade da Previdência Social é objetiva para esses infortúnios, que este seguro é suportado pelo empregador e que sua responsabilidade não fica eximida quando o acidente ocorrer por dolo ou culpa sua.
Vejamos os esclarecimentos trazidos por Sergio Cavalieri Filho sobre o tema:
“A partir de 1967 a reparação do dano decorrente de acidente no trabalho vem sendo coberta por um seguro coletivo a cargo do empregador, pelo que se transfere para o segurador — no caso, o INSS — o encargo de efetuar a indenização, independentemente de qualquer decisão sobre a culpa. O empregado tem apenas que provar a relação de emprego, o dano decorrente do acidente e que o mesmo ocorreu no trabalho ou por ocasião em que para ele ia ou dele vinha. A Constituição de 1988 tratou do acidente de trabalho no inciso XXVIII do seu art. 72, sendo que, atualmente, a matéria está disciplinada pela Lei ri2 8.213, de 24 de julho de 1991, regulamentada pelo Decreto n 22.172, de 5 de março de 1997. Registre-se, ainda, que serve de fundamento para a indenização por acidente do trabalho a teoria do risco integral, de sorte que nem mesmo as causas de exclusão do nexo causal — culpa exclusiva da vitima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior — afastam o direito do obreiro, desde que o evento tenha se dado no trabalho ou em razão dele.
Entretanto, o seguro contra acidente do trabalho não exonera de responsabilidade o empregador se houver dolo ou culpa de sua parte” (2008, p. 141).
Com ricos conhecimentos a respeito, assim dissertou brilhantemente Rui Stoco:
“Sob o atual regime previdenciário e securitário a indenização ao trabalhador por acidente do trabalho é obrigação tanto do Estado como do empregador, mas custeado por este último, via tributo ou contribuição social (lei 8.212/91). Os doutos dão a essa contribuição natureza tributária.
A fonte de custeio é o empregador.
Diante da eclosão de um acidente típico, os primeiros 15 dias são pagos pelo empregador. Os demais, inclusive o auxilio-acidente, serão pagos pelo Estado (Previdência Social). Desse modo, o Estado arrecada aquela contribuição para assegurar o pagamento do seguro de acidente ou "seguro contra acidentes do trabalho" (CF, art. 70, XXVIII).
Resta claro e evidente que essa responsabilidade do Estado em proporcionar o seguro contra acidentes do trabalho é objetiva, pois decorre de preceito expresso da Lei Maior. É, portanto, um encargo socializado.
Com a ocorrência do acidente não se indaga se este se deu por dolo ou culpa do empregador; se o acidentado concorreu para o evento ou se a culpa foi exclusivamente sua.
O empregador contribui para o fundo, que, por sua vez, custeia o pagamento do seguro justamente para que esse atendimento ao trabalhador não fique na dependência de se encontrar um responsável ou condicionado a qualquer pressuposto limitador.
O que a Magna Carta pôs em relevo foi a integral proteção do empregado (segurado), no que diz respeito a sua saúde, integridade física e segurança. Essa é a meta optata.
Mas ousamos afirmar que esse seguro-acidente, pelas suas características, não tem natureza propriamente indenizatória, mas de benefício social ou seguro social, de natureza previdenciária” (2007, p. 631).
Os dois capítulos a seguir deverão ser combinados com este, haja vista todos estarem vinculados com o mesmo objetivo, qual seja, a proteção ao trabalhador.
Como reportado alhures, o legislador antecipou-se e buscando proteger o trabalhador hipossuficiente nessa relação, criou dispositivos que visam uma reparação frente às situações ocasionadas por um empregador negligente e imprudente quanto à segurança de seus trabalhadores.
Como apontado no capítulo anterior, a Carta Magna também não houve por deixar fato de suma relevância passar despercebido, como pode ser conferido no rol dos Direitos Sociais relacionados ao trabalho, previsto no artigo 7º, em especial o inciso XXVIII, abaixo transcrito:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;”
Outrossim, preceitua o artigo 950 do Código Civil a fixação de pensão correspondente à importância do trabalho para o qual o obreiro se inabilitou, consoante transcrição in verbis:
“Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.”
De posse desses resguardos legais, houve por bem Rui Stoco tecer notáveis comentários a respeito:
“É o que podemos chamar de erro inescusável, que sempre empenha obrigação.
Essa culpa in specie está, portanto, traduzida no descumprimento de um dever preexistente, que é um dever de cuidado.
Ou, em outras palavras, em feliz síntese: "Existe responsabilidade se o empregador, ainda que cumprindo todas as obrigações do contrato de trabalho, deixar, por culpa ou dolo, de observar preceitos legais ou normativos a respeito de segurança ou medicina do trabalho, e com isso causar dano a seu empregado, configurando o cometimento do ilícito civil ou, até mesmo, do ilícito penal" (Sebastião Luiz Amorim e José de Oliveira, ob. cit., p. 5).
O empregador, por força do contrato de trabalho que estabelece com seu empregado, obriga-se a dar-lhe condições plenas de trabalho, no tocante a segurança, salubridade e condições mínimas de higiene e conforto.
Se no decorrer da jornada de trabalho o empregado sofre danos decorrentes de ação ou omissão intencional, ou de proceder culposo do empregador, responde este civilmente perante aquele.
Infere-se que a existência de contrato de trabalho entre o patrão e o empregado é irrelevante para efeito de imposição de responsabilidade no caso de acidente. Nem mesmo a existência de um vínculo empregatício formal se exige.
Basta que o acidente tenha ocorrido quando a vítima prestava serviços, a qualquer título, a alguém, para que nasça a obrigação deste de reparar.
E assim é porque, nessa hipótese sub studio, como ficou acima assentado, estamos tratando de responsabilidade extracontratual ou decorrente da lex aquilia, que encontra ancoradouro imediato no art. 7° da CF e mediato no art. 186 do CC.
Outro aspecto fundamental e já abordado nos comentários precedentes é que, por força da evolução legislativa ao longo do tempo, o recebimento de auxílio-acidente ou pensão acidentária da Previdência Social não exclui a indenização do Direito comum, como estabelece a Carta Magna.
Mas agora já não mais se exige apenas o dolo ou culpa grave do empregador para que responda por danos sofridos por seus empregados” (2007, p. 632).
Destarte, há um enorme conjunto de direitos que podem ser pleiteados pelo trabalhador em face do seu patrão, tais como, indenização por danos morais, estéticos e psíquicos anteriormente discorridos, e em especial o pagamento de pensão correspondente à importância do trabalho para o qual o obreiro se inabilitou.
Maiores questionamentos sobre o artigo 950 do Código Civil serão efetuados no capítulo destinado à liquidação do dano.
Antigamente muito se discutiu a respeito da cumulação das indenizações quando do acidente de trabalho, quais sejam, a responsabilidade integral e objetiva do Estado, por meio de benefício a ser custeado pelo INSS, já que o artigo 1º da Lei 8.213 assim determina, e a indenização civil a ser suportada diretamente pelo empregador, quando incorrer em dolo ou culpa para o acontecimento do acidente, por meio da pensão.
Porém, hoje em dia, isso não mais acontece, e quando arguido pelo empregador como forma de se eximir dessa responsabilidade, é apenas como meio de protelar essa medida, já que, de qualquer forma, não vingará, seja por expressa disposição constitucional, seja por meio de súmula do E. STF.
Quanto à disposição constitucional, é aquela expressa na parte final do inciso XXVIII do artigo 7º anteriormente transcrito, que assim preceitua “sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
Ademais, antes mesmo da vigência da atual Constituição Federal, em sessão plenária de 13.12.1963, o E. Supremo Tribunal Federal já possuía essa visão, quando por meio da edição da súmula 229 consolidou seu entendimento, como pode ser verificado na transcrição abaixo:
“Súmula 229 – A INDENIZAÇÃO ACIDENTÁRIA NÃO EXCLUI A DO DIREITO COMUM, EM CASO DE DOLO OU CULPA GRAVE DO EMPREGADOR.”
Vejamos os esclarecimentos trazidos por meio da exposição de Rui Stoco:
“Como demonstrou o Des. Costa de Oliveira em brilhante exposição, na vigência do DL 7.036/44, quando o empregador ou a sua seguradora indenizava o acidentado por causa acidentária, não se sujeitava a outra ação do empregado, a menos que tivesse obrado dolosamente por si ou por preposto seu. A pesquisa revelou que ao dolo tinha de equiparar-se a culpa grave (art. 31). Esta regra foi, contudo, derrogada pelo art. 22 da Lei 6.367, de 19.10.76. Essa derrogação não ocorrera com o art. 42 da Lei 5.316, de 14.09.67.
Com a ausência da lei, desde a derrogação da regra sobre inexistência da ação do acidentado, pelo Direito comum (exceto no caso de culpa grave do empregador — "dolo"), fica o intérprete diante do problema jurídico seguinte: se tiver havido qualquer culpa do empregador, tem o acidentado ação contra ele pelo Direito comum? Ora, a resposta é afirmativa. Primeiro, porque desapareceu a restrição à ação do Direito comum (antes, somente no caso de dolo = culpa grave). Segundo, por indicação dos fatos sociais no seu constante evoluir, eles que são o mais seguro indicador do sentido das regras jurídicas e da orientação delas no espaço-tempo.
As causas jurídicas (fatos jurídicos) dessa eficácia de direitos-deveres são diversas: 1. paga o INSS porque o acidente ocorre e há os recolhimentos compulsórios para a previdência social (o empregado também colabora); 2. paga o empregador sozinho pelo Direito comum pela ilicitude da culpa (dimensão subjetiva)” (2007, p. 633).
Por fim, é de rigor trazer as elucidações discorridas por Sergio Cavalieri Filho, que resume brilhantemente essa problemática:
“Temos, assim, por força de expresso dispositivo constitucional, duas indenizações por acidente do trabalho, autônomas e cumuláveis. A acidentaria, fundada no risco integral, coberta por seguro social e que deve ser exigida do INSS. Mas, se o acidente do trabalho (ou doença profissional) ocorrer por dolo ou culpa do empregador, o empregado faz jus à indenização comum ilimitada. Noutras palavras, o seguro contra acidente de trabalho só afasta a responsabilidade do empregador em relação aos acidentes de trabalho que ocorrerem sem qualquer parcela de culpa; se houver culpa, ainda que leve (e esta deve ser provada), o empregador terá a obrigação de indenizar. Ainda que com matriz constitucional, advogados e juízes, curiosamente, continuam falando em indenização acidentaria fundada no direito comum, para diferenciá-la daquela outra que decorre diretamente da legislação acidentária. Não nos parece adequada a expressão porque essa indenização é fundada na própria Constituição (norma expressa) e não no direito comum” (2008, p. 142).
Pode-se dizer que este capítulo é um dos, senão o mais importante desta pesquisa, pois nele serão apresentadas as únicas hipóteses legais e doutrinárias onde o empregador pode ser eximido da responsabilidade e do dever de pagar as diversas previsões indenitárias apontadas anteriormente neste trabalho.
Como visto no decorrer de toda essa monografia, o acontecimento de um acidente de trabalho, mesmo que ausente o dolo por parte do empregador, pode trazer enormes dissabores financeiros para sua empresa, haja vista ter que arcar com indenizações que, quando fixadas pelo juízo, podem, inclusive, levar à falência, dependendo dos critérios adotados pelo julgador na hora de pautar as indenizações que entende devidas ao obreiro acidentado, assim como a sua forma de pagamento.
Todavia, não obstante essas considerações, o que realmente procura o empregador é se livrar da responsabilidade acidentária, deixando somente a cargo da responsabilidade estatal pelo acidente de trabalho, no entanto, as únicas hipóteses de se salvaguardar dessas indenizações, se encontram taxativamente previstas na lei, quais sejam, fato exclusivo da vítima, fato de terceiro, caso fortuito e força maior e prescrição e decadência, vejamos uma a uma essas hipóteses.
Inicialmente, cumpre discorrer que a principal função dessas excludentes, com exceção da prescrição e da decadência, é desconstituir o nexo de causalidade, que consiste em um dos requisitos que ensejam a responsabilidade. O nexo causal nada mais é que o suporte, o liame que existe entre o dano e a conduta do agente ofensor, que não necessariamente deva ser o empregador.
Começa-se pela prescrição e decadência, pois estas são as hipóteses mais fáceis e simples de serem caracterizadas e visualizadas, dispensando a necessidade de tecer muitos comentários, já que não se trata de discutir o mérito do acidente em si, que se mostra desnecessário, haja vista o decurso do tempo para o empregado pleitear qualquer indenização em face de seu empregador.
Quando o objeto da ação visar a reparação civil, fundada em direito comum, deverá ser utilizada a regra geral contida no Código Civil, disposta no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, que determina a prescrição da pretensão da reparação civil no prazo de 3 (três) anos.
Ademais, quanto ao termo inicial para a contagem deste prazo, houve por bem o E. Superior Tribunal de Justiça editar súmula a fim de nortear e consolidar o entendimento jurisprudencial que gerava grande controvérsia, fixando da seguinte forma: “O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.”
Sendo assim, não necessariamente deverá ser considerada a data de ocorrência do acidente para mover a ação indenizatória, mas sim a ciência de sua incapacidade laboral.
Defendo o entendimento de que o prazo prescricional disposto no inciso XXIX do artigo 7º da Constituição Federal não deve ser utilizado quando a reclamatória tiver como objeto somente a responsabilidade civil aqui discutida, vez que a prescrição bienal e a quinquenal dizem respeito somente aos créditos resultantes da relação de trabalho, assim, não há que se falar que um acidente possa gerar crédito para o obreiro.
Quanto ao fato exclusivo da vítima, nada mais elucidativo do que trazer o entendimento fixado por Rui Stoco:
“Embora a lei civil codificada não faça qualquer menção à culpa exclusiva da vítima como causa excludente da responsabilidade civil, a doutrina e o trabalho pretoriano construíram a hipótese, pois como se dizia no Direito Romano: quo quis ex culpa sua damnum sentit, non intelligitur damnum sentire.
É certo que o art. 945 do CC estabelece que, "se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano", questão sobre a qual discorremos no item 9.05 do Capitulo 1.
Mas não se pode confundir concorrência de culpas com culpa exclusiva.
Como ensinava Aguiar Dias, a conduta da vítima como fato gerador do dano elimina a causalidade.
Realmente, se a vítima contribui com ato seu na construção dos elementos do dano, o direito não se pode conservar alheio a essa circunstância.
Da idéia da culpa exclusiva da vítima, que quebra um dos elos que conduzem à responsabilidade do agente (o nexo causal), chega-se à concorrência de culpa, que se configura quando a essa vítima, sem ter sido a única causadora do dano, concorreu para o resultado, afirmando-se que a culpa da vítima "exclui ou atenua a responsabilidade, conforme seja exclusiva ou concorrente" (Aguiar Dias. Da Responsabilidade Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, n. 221).
Assim emerge importante para apurar-se a responsabilidade considerar-se a parte com que a vitima contribuiu para o evento, de modo que na liquidação do dano calcular-se-á proporcionalmente a participação de cada um, reduzindo, em consequência, o valor da indenização” (2007, p. 185).
De primordial dessas elucidações, pode-se absorver que o fato exclusivo da vítima não se encontra disciplinado em nenhuma norma, todavia, a doutrina e a jurisprudência a aplicam quando incorrida.
Igualmente, de suma importância o disposto no artigo 945 do Código Civil, que trata da gradação do percentual da indenização e da responsabilidade quando a vítima do dano houver concorrido para a consecução do acidente, ou seja, a gravidade da culpa deve ser apurada para uma escorreita taxação da responsabilidade do empregador, o que não será compactuado com o ideal da culpa exclusiva da vítima, haja vista que culpa exclusiva não ser responsabilidade concorrente.
Por fato de terceiro, entenda-se, é qualquer pessoa além da vítima e do responsável, que não tenha relação alguma com estes, mas que o ato executado por ele é a causa exclusiva do evento gerador do ilícito, o que afasta a responsabilidade do autor aparente (empregador), acabando por desvincular o nexo de causalidade com a vítima.
Defendo a opinião de que esta isenção de responsabilidade não pode ser aplicada quando houver relação de trabalho.
Na hipótese de ocorrer essa situação, o empregador se mostrará como principal responsável, devendo para tanto, indenizar a vítima, que é seu empregado e estava a seu serviço quando da ocorrência do acidente e, procurar a defesa de seus direitos perante o agente causador do dano por meio de uma ação de regresso, consoante lhe assegura o disposto no artigo 930 do Código Civil[4].
Por fim, as últimas hipóteses previstas pelo Código Civil, doutrina e jurisprudência para descaracterizar o nexo causal e assim não responsabilizar o empregador pelo acidente sofrido por seu empregado, é o caso fortuito e a força maior.
Tal previsão se encontra estabelecida no artigo 393 do Código Civil que assim dispõe:
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
Como pode-se ver na simples leitura da transcrição acima, o próprio Código Civil não procurou diferenciar no que consiste cada uma dessas hipóteses, apenas esclareceu que são fatos onde não se era possível evitar ou impedir o acontecimento do ilícito. Tal tarefa coube à doutrina.
Para tanto, uma vez mais far-se-á uso das brilhantes elucidações trazidas por Sergio Cavalieri Filho:
“Muito já se discutiu sobre a diferença entre o caso fortuito e a força maior, mas até hoje não se chegou a um entendimento uniforme. O que é indiscutível é que tanto um como outro estão fora dos limites da culpa. Fala-se em caso fortuito ou de força maior quando se trata de acontecimento que escapa a toda diligência, inteiramente estranho à vontade do devedor da obrigação.
O Código Civil, no parágrafo único do citado art. 393, praticamente os considera sinônimos, na medida em que caracteriza o caso fortuito ou de força maior como sendo o fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar, ou impedir. Entendemos, todavia, que diferença existe, e é a seguinte: estaremos em face do caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível e, por isso, inevitável; se o evento for inevitável, ainda que previsível, por se tratar de fato superior às forças do agente, como normalmente são os fatos da Natureza, como as tempestades, enchentes etc., estaremos em face da força maior, como o próprio nome o diz. É o act of God, no dizer dos ingleses, em relação ao qual o agente nada pode fazer para evitá-lo, ainda que previsível.
A imprevisibilidade, portanto, é o elemento indispensável para a caracterização do caso fortuito, enquanto a inevitabilidade o é da força maior. Entende-se por imprevisibilidade, conforme já assinalado (item 8.8), a imprevisibilidade específica, relativa a um fato concreto, e não a genérica ou abstrata de que poderão ocorrer assaltos, acidentes, atropelamentos etc., porque se assim não for tudo passará a ser previsível. A inevitabilidade, por sua vez, deve ser considerada dentro de certa relatividade, tendo-se o acontecimento como inevitável em função do que seria razoável exigir-se. Assim, por exemplo, tratando-se de roubo de cofres mantidos por um banco, é de presumir-se sejam tomadas especiais providências visando à segurança, pois a garanti-la se destinam seus serviços. O mesmo não sucede se o assalto foi praticado em um simples estacionamento (RSTJ 132/313, Min. Eduardo Ribeiro). É preciso, destarte, apreciar caso por caso as condições em que o evento ocorreu, verificando se nessas condições o fato era imprevisível ou inevitável em função do que seria razoável exigir-se” (2009, p. 65 e 66).
Para encerrar os esclarecimentos destinados a este capítulo, mostra-se de suma importância trazer o entendimento exposto por Rui Stoco, o qual também se utilizou da notável visão de Humberto Theodoro Junior quanto ao ônus da prova do empregador nos casos de acidente de trabalho, in verbis:
“O ônus da prova segue a regra geral, cabendo a quem alega.
Como lembrou Humberto Theodoro Júnior, "essa responsabilidade concorrente, como é intuitivo, não pode ser objetiva como a da infortunística, nem pode fundar-se em mera presunção de culpa, derivada do caráter perigoso da atividade desenvolvida ou por qualquer mecanismo de apoio da responsabilidade indenizatória na teoria do risco" (Acidente do Trabalho… cit., p. 124).
Esse entendimento decorre das regras atualmente vigentes e do sistema estabelecido nas leis de regência.
Mostra-se inaceitável imputar-se ao empregador o ônus de provar, por exemplo, a ocorrência de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima e, ao mesmo tempo, presumir culpa daquele tão só porque o acidente ocorreu durante o horário de trabalho ou in itinere, ou, ainda, porque houve a quebra de uma ferramenta, a explosão de uma caldeira, circunstâncias nas quais não se apurou culpa alguma do empregador.
Até que haja alteração na Carta Magna (que se faz necessária) para ampliar o espectro de proteção ao trabalhador, alterando o sistema de custeio mas convertendo a responsabilidade tanto do Estado como do empregador de subjetiva em objetiva, mostra-se irrespondível o argumento trazido pelo notável e sempre lembrado Humberto Theodoro Júnior, in verbis: "Essas presunções de culpa, aceitas pela teoria do risco (fato da coisa, ou dever de transportar incólume o passageiro), vigoram nas relações comuns do dano da coisa perigosa com terceiros, ou do transportador com o usuário do seu serviço. Não podem, definitivamente, ser transferidas para o campo do acidente do trabalho, porque representariam sujeitar o empregador duas vezes a responder pelo risco de sua atividade: a primeira, ao custear o seguro previdenciário; e a segunda, ao ser condenado a uma indenização, sem culpa efetivamente comprovada e apenas presumida" (Acidente do Trabalho… cit., p. 26")” (2007, p. 633 e 634).
Destarte, faz-se uso dessas mesmas palavras a fim de concluir esse capítulo, já que o empregador sabidamente é responsável pelo acidente de trabalho, todavia quando age com culpa ou dolo para a sua consecução, assim, imputar ao empregador a produção de todas essas provas é um encargo muito grande, quando o ônus probatório recai à regra geral, ou seja, àquele que está pleiteando seus supostos direitos.
Primeiramente, há que se diferenciar essas duas espécies para fornecimento de mão de obra, que, num primeiro momento, mostram-se completamente ausente de responsabilidades trabalhistas por parte da empresa contratante, todavia, não é bem assim.
Por terceirização, entende-se que é o fornecimento de mão de obra especializada e que não diz respeito à atividade-fim da empresa contratante, ou seja, todo aquele serviço que não conste e não se relacione com o objeto social desta empresa.
Valentin Carrion definiu com grande maestria o que é terceirização:
“A terceirização é o ato pelo qual a empresa produtora, mediante contrato, entrega a outra empresa certa tarefa (atividades ou serviços não incluídos nos seus fins sociais) para que esta a realize habitualmente com empregados desta: transporte, limpeza e restaurante são exemplos típicos” (2012, p. 355).
A conceituação de atividade-fim pode ser encontrada no parágrafo 2º do artigo 581 da Consolidação das Leis do Trabalho, que assim estabelece: § 2º Entende-se por atividade preponderante a que caracterizar a unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam, exclusivamente em regime de conexão funcional.
Assim, temos situações bem comuns que podem ser caracterizadas legalmente como terceirização, por exemplo, limpeza, segurança, transporte, alimentação, serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, etc, desde que, é claro, não sejam esses serviços a atividade principal da empresa contratante, já que, caso não sendo o caso, será considerada terceirização ilícita por empresa interposta, gerando vínculos e obrigações trabalhistas para o tomador dos serviços.
Inclusive, esse tema é pacífico perante às Justiças do Trabalho, haja vista o Tribunal Superior do Trabalho ter pacificado seu entendimento por meio da edição da súmula 331, abaixo transcrita:
“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.”
Outrossim, o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Instrução Normativa Nº 03, de 1º de setembro de 1997, trouxe algumas regras a serem utilizadas pela fiscalização do trabalho e que também são aplicadas a este estudo, já que envolve responsabilidade, vejamos:
“I – Da Empresa de Prestação de Serviços a Terceiros
Art. 2º Para os efeitos desta Instrução Normativa, considerando-se empresa de prestação de serviços a terceiros a pessoa jurídica de direito privado, de natureza comercial, legalmente constituída, que se destina a realizar determinado e específico serviço a outra empresa fora do âmbito das atividades-fim e normais para que se constitui essa última.
§ 1º As relações entre a empresa de prestação de serviços a terceiros e a empresa contratante são regidas pela lei civil.
§ 2º As relações de trabalho entre a empresa de prestação de serviços a terceiros e seus empregados são disciplinados pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
§ 3º Em se tratando de empresa de vigilância e de transportes de valores, as relações de trabalho estão reguladas pela Lei nº 7.102/83 e, subsidiariamente, pela CLT.
§ 4º Dependendo da natureza dos serviços contratados, a prestação dos mesmos poderá se desenvolver nas instalações físicas da empresa contratante ou em outro local por ela determinado.
§ 5º A empresa de prestação de serviços a terceiros contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus empregados.
§ 6º Os empregados da empresa de prestação de serviços a terceiros não estão subordinadas ao poder diretivo, técnico e disciplinar da empresa contratante.”
Como pode ser verificado na transcrição anterior, o E. Tribunal Superior do Trabalho houve por bem disciplinar e abordar tanto a terceirização como o trabalhador temporário, este último obtém o seu conceito da própria lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que assim o estabelece em seus artigos 2º e 4º:
“Art. 2º – Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou à acréscimo extraordinário de serviços.”
“Art. 4º – Compreende-se como empresa de trabalho temporário a pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição de outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados, por elas remunerados e assistidos.”
Colocadas essas exposições conceituais, cumpre agora discorrer sobre o campo da responsabilidade civil neste tema, para tanto, uma vez mais se utilizará dos completos ensinamentos de Rui Stoco:
“Há alguns julgados entendendo que a responsabilidade, em caso de acidente do trabalho ou de doença adquirida em razão das condições agressivas ou insalubres impostas, é daquele que fornece a mão-de-obra. Outros, afirmando a responsabilidade do tomador dos serviços para o qual o acidentado foi prestar serviços, embora registrado pelo fornecedor e a seu serviço. E outras decisões, ainda esparsas, entendendo que a responsabilidade é de ambos: prestador e tomador.
A nós parece que a solução estará na análise do caso concreto.
Se a empresa que aluga mão-de-obra mantém vínculo empregatício-contratual com aquele empregado que irá prestar serviços no recinto do tomador dos serviços, e se no contrato firmado entre prestador e tomador ficar ressalvada expressamente a responsabilidade exclusiva daquele, quer parecer que somente o primeiro (prestador) poderá ser responsabilizado.
Mas se o prestador ou fornecedor de mão-de-obra for apenas um intermediário, não mantendo vínculo empregatício com o acidentado, então ambos responderão solidariamente, na consideração de que também aquele que é o beneficiário do serviço prestado e onde o acidente ocorreu não terá vínculo formal com o infortunado, levando à conclusão de que ambos se omitiram culposamente em tomar as providências e cuidados precisos, exigidos para a completa proteção e segurança do acidentado.
Nesse caso, há um conluio entre ambos, a dano do empregado, com o objetivo de descumprir a legislação em vigor e distrair as contribuições previdenciárias instituídas justamente para garantir o sistema e proteger o acidentado.
Optando a vítima por acionar em juízo apenas o tomador de serviço, para o qual exerceu tarefas e sofreu as seqüelas, este poderá exercer direito de regresso contra o prestador, para reaver metade do que houver pago” (2007, p. 634).
Ante o exposto e com base nos comentários tecidos por Rui Stoco, o autor deste trabalho tem por ideal que o trabalhador contratado em uma dessas modalidades e lesado no ambiente de trabalho do tomador do serviço, para a sua segurança e possível sucesso em receber o que lhe é devido, deverá mover a ação contra as duas empresas, quais sejam, o seu empregador direto e aquele onde os serviços foram prestados.
Tal iniciativa tem por fim salvaguardar seus direitos, já que cada uma das empresas procurará imputar a responsabilidade para a outra, dependendo do caso concreto e dependendo da capacidade financeira de ambas, é claro, assim, em tese, tem-se por responsável principal a empresa fornecedora da mão de obra e subsidiariamente a tomadora de serviços. Como sustentou Rui Stoco, tudo dependerá do caso concreto.
É chegado o grande momento para o trabalhador lesionado por um acidente de trabalho, a apuração do quantum ele terá direito a receber de acordo com seus pedidos formulados na exordial, bem como com aqueles que foram deferidos pelo juízo.
Todavia, esse não é um momento tão simples como faz parecer Sergio Cavalieri Filho ao discorrer sobre a apuração das verbas indenizáveis (2008, p. 114 e 115). Justamente visando facilitar essa apuração, ele procurou restringir a liquidação do dano para os casos mais comuns, quando há a morte da vítima e a permanente redução da capacidade laborativa. Situações essas que se encaixam como uma luva ao presente estudo.
Como ele deixou claro em seu texto, o Código Civil em seus artigos 944 a 955 imputou ao juiz o encargo e a enorme responsabilidade de apurar o dano, já que ele terá que fazer uso do bom-senso, do equilíbrio, da razoabilidade, de sorte a não deixar a vítima ao desamparo, nem levar o causador do dano à insolvência (2008, p. 114).
Ocorrendo a morte da vítima, sustenta o preclaro doutrinador:
“a indenização consistirá no pagamento das despesas com tratamento, funeral e luto da família (danos emergentes), bem como prestação de pensão às pessoas a quem o de cujus devia alimentos (lucro cessante), consoante o art. 948 do Código Civil. As despesas com tratamento médico-hospitalar deverão ser comprovadas por documentos idôneos.
A alusão a alimentos contida no inciso II do supracitado art. 48 é simples ponto de referência para o cálculo da indenização e para a determinação dos beneficiários. Tem por finalidade orientar o julgador para o quantum da indenização. Não se trata de prestação de alimentos, que se fixa em proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, e sim de indenização, que visa a reparar, pecuniariamente, o mal originado do ato ilícito.
Quanto ao dano moral, lembre-se de que a correspondente indenização deverá ser paga de uma só vez, juntamente com os valores apurados para os danos emergentes. Não cabe o pagamento em parcelas, na forma de pensionamento, corno ocorre com os lucros cessantes, porque a indenização por dano moral não tem a natureza de ressarcimento.
A pensão deverá ser fixada com base nos ganhos da vítima, devidamente comprovados, e durante a sua sobrevida provável. Tem-se estabelecido, com base em várias tabelas elaboradas por órgãos idôneos, entre 65 e 70 anos a vida média do brasileiro. Assim, se a vitima falecer aos 45 anos, sua sobrevida provável seria de mais 20 (ou 25) anos, período em que a pensão será devida aos seus familiares. Se a vítima não tinha ganho fixo, ou não foi possível prová-lo, a pensão deverá ser fixada com base em um salário mínimo, consoante consagrado entendimento jurisprudencial. E assim é porque o salário mínimo, como o próprio nome o diz, é o mínimo necessário à sobrevivência de uma pessoa, o mínimo que a vítima ganharia se viva fosse. A pensão será corrigida sempre que houver reajuste do mínimo e no mesmo percentual, de acordo com a Súmula 490 do Supremo Tribunal Federal” (2008, p. 115).
Agora quanto à segunda situação exposta pelo estudioso, a redução permanente da capacidade laborativa, assim sustenta:
“No caso de sofrer a vítima ferimento ou ofensa à saúde que lhe acarrete temporária ou permanente redução da capacidade laborativa, como, por exemplo, perda de um braço, perna, olho (arts. 949 e 950 do Código Civil), a indenização consistirá, além dos danos emergentes — despesas de tratamento etc. —, em lucros cessantes até o fim da incapacidade, se temporária, ou, se permanente, durante toda a sua sobrevida. A pensão será fixada com base nos ganhos da vítima e na proporção da redução de sua capacidade laborativa, arbitrada por perícia médica.
Na indenização deverá ser incluída verba para tratamento especializado (fisioterapia, cirurgias) e para aquisição de aparelhos ortopédicos, cadeira de rodas etc., se preciso e quantos forem necessários” (2008, p. 115).
Porém, como arguido anteriormente, a situação não é de fácil solução. Defende essa visão o balizador da elaboração deste trabalho, o professor Rui Stoco.
Sustenta ele que o Código Civil prevê duas hipóteses distintas, a concessão de valor mensal ou prestação de trato sucessivo aos beneficiários da vítima falecida ou à própria vítima que tenha sofrido lesão incapacitante, ou seja, as mesmas situações trazidas por Sergio Cavalieri Filho.
Ocorre que Rui Stoco procurou fazer diversos questionamentos sobre a forma como essa liquidação pode ser efetuada, tendo em vista as disposições contidas no parágrafo único do artigo 950 do Código Civil[5] e no artigo 475-Q do Código de Processo Civil[6], já que devem ser sopesadas ambas as situações dos dois polos da contenda.
O primeiro questionamento trazido por ele expõe a seguinte problemática: ocorre um acidente e a vítima jovem acaba por se tornar incapacitada total e permanente para o labor. Supôs-se que o acidentado recebesse R$ 1.000,00 por mês, e de acordo com o IBGE ainda tivesse mais 52 anos de vida, ou seja, a empresa teria que desembolsar uma pensão que, por força do disposto no parágrafo único do artigo 950 do Código Civil poderá ser exigida pela vítima de uma só vez, para tanto, terá o empregador que desembolsar uma quantia de R$ 624.000,00.
Com efeito, isso é somente parte da indenização e já se mostra um valor desproporcional de acordo com a renda que a vítima anteriormente possuía. Fora que nem sempre será possível que uma empresa tenha suporte financeiro para arcar com um montante como esse de uma só vez, o que em muitos casos poderá levá-lo à total insolvência/falência.
Outra observação efetuada pelo expert diz respeito a efetuar interpretação diversa do parágrafo único, tendo em vista que ele faz menção à palavra “arbitrada”. Desse modo, por arbitrar, entende-se a faculdade que o juízo terá para estipular um valor conforme o interesse do acidentado, e não mais o pensionamento, o que acarretará numa conversão desse instituto de lucro cessante para o dano moral.
No entanto, o autor pondera e conclui que essa interpretação traz maiores inconvenientes e que não se mostra adequada, já que a pensão se trata de verba alimentar, portanto, pode ser objeto de transação, todavia, é irrenunciável, assim, o juízo não poderia converter o montante total da pensão para uma indenização menor de cunho moral para o acidentado.
Ademais, Rui Stoco coloca em jogo um conflito legislativo entre o que disciplina o art. 950 do CC e o art. 475-Q do CPC, já que este último prevê a constituição de um capital para que o empregador possa suportar as parcelas de trato sucessivo (a pensão mensal), destarte, questionou-se qual norma deveria prevalecer, a que determinou o pagamento de uma só vez ou a que impôs a constituição de um capital?
Neste conflito, ele trouxe os relevantes apontamentos efetuados por Misael Montenegro Filho, que assim dissertou:
“Em artigo de doutrina Misael Montenegro Filho vislumbra "um conflito legislativo", pois, segundo afirma, "de um lado a lei processual afasta o pagamento da indenização de uma única vez, determinando a constituição de uma garantia; de outro, a lei civil determina que a indenização, se assim for requerido pelo ofendido, seja quitada de uma única vez".
Em seguida indaga qual das duas normas deve prevalecer, trazendo a seguinte resposta, in verbis: "A norma a prevalecer é a do art. 602 [atual art. 475-Q)] do CPC (…) pois a discussão em tela não se refere mais ao direito da parte de obter ou não a reparação; já havendo sido deferida essa pretensão através de prévio processo de conhecimento. O que estamos falando aqui é da materialização da condenação, vale dizer, de questões processuais (…). Estamos, portanto, falando de execução da sentença, do julgado que constituiu o direito ao recebimento da indenização, incluindo-se alimentos em favor do vitimado. Se a norma, determinando o pagamento da indenização de uma só vez ou mediante a constituição de capital, é de natureza processual, obrigatória a aplicação do art. 620 do CPC que dispõe: 'Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor' (Responsabilidade civil no novo Código Civil brasileiro. RDA, Rio de Janeiro: Renovar, n. 229, p. 119, jul.-set./2002")” (2002 apud STOCO, 2007, p. 1329).
Por fim, o nobre estudioso Rui Stoco coloca que não há uma solução pacífica e unânime para esses questionamentos, que o ideal dependerá de cada caso e de acordo com o entendimento do juízo responsável que prolatará a melhor equação, concluindo da seguinte forma:
“Como se verifica, a questão não é de fácil equacionamento.
Caberá à doutrina contribuir e, principalmente aos tribunais, solucionar e encontrar a exegese que melhor atenda aos anseios de justiça e de proteção da vítima, para que obtenha a justa reparação e do ofensor, para que não seja reduzido à insolvência, perdendo a capacidade de adimplir” (2007, p. 1329).
Como restou por demonstrado em toda essa pesquisa, esse é um tema de grande repercussão no judiciário, haja vista a infeliz ocorrência de tantos acidentes de trabalho no ambiente laboral, seja por descaso e descuido do obreiro ao executar suas tarefas, seja pelo patrão que não observa as normas de segurança do trabalho.
Em que pese essa teratologia social, há diversos recursos e meios que podem ser utilizados pelo trabalhador, bem como pelo empregador para proteger os direitos de cada uma dessas partes, conforme restou aqui assentado.
Em razão disso, a pesquisa houve por transcorrer nos campos introdutórios da responsabilidade civil e do acidente de trabalho, assim como nas classificações de cada um desses assuntos, por aprofundar os estudos e compilar os entendimentos dos mais diversos doutrinadores a respeito das espécies indenizatórias, mostrando o quanto é possível a existência e a concomitância de indenizações como o dano moral, estético e psíquico num mesmo processo.
Também, restaram claras as únicas hipóteses criadas pela doutrina e pelo legislador onde o empregador pode procurar se eximir de sua responsabilidade caso aconteça um acidente, quais sejam, a prescrição e a decadência, fato exclusivo da vítima, devendo esta última ser sopesada em eventual concausalidade, fato de terceiro e caso fortuito ou força maior.
Tendo em vista a importância que o tema consome e a grande utilização de mão de obra temporária e terceirizada, também se entrou no mérito da responsabilidade destas empresas, concluindo-se que estes empregadores também se mostrarão responsáveis pelo acidente conforme o caso concreto e a responsabilidade acertada particularmente entre eles por contrato.
Ao final do trabalho, houve por se discutir as inúmeras possibilidades para uma liquidação do dano ser feita da forma ideal, sem que haja prejuízos para o empregador e para o empregado. Na verdade, não é que há um consenso, uma fórmula a ser seguida, mas que há diversos caminhos que podem ser adotados, tudo dependerá do caso concreto e da capacidade econômica e financeira da empresa responsável por reparar os danos.
Advogado. Especialista em Direito Civil
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