Sumário: 1. Introdução. 2 O fato gerador do adicional de RAT. 3 A verificação da ocorrência do fato gerador do adicional de RAT. 4 A prova da ocorrência do fato gerador incumbe ao fisco. 5 A jurisprudência de nossos tribunais. 6 Conclusões.
1 Introdução
O fato gerador do adicional da Contribuição de Risco de Acidente do Trabalho – RAT – não tem sido abordado pela doutrina especializada. E a lei, também, não o define de forma expressa em um único dispositivo, como seria desejável.
Para verificação da efetiva ocorrência do fato gerador desse adicional há necessidade de perícia médica do INSS, na prática, ignorada pelos agentes fiscais, como se verá mais adiante.
Esse adicional de RAT tem por objetivo custear a aposentadoria especial de trabalhador sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
2 O fato gerador do adicional de RAT
O fato gerador do adicional de RAT é complexo, exigindo a leitura conjugada de vários dispositivos de lei, como segue:
O § 6°, do art. 57, da Lei n° 8.213, de 24-7-1991, prescreve que o benefício da aposentadoria especial (15, 20 ou 25 anos, conforme o caso)
“será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II, do art. 22 da Lei n° 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente” (Redação dada pela Lei n° 9.732, de 11-12-1998).
O art. 22, II da Lei n° 8.212/91 por sua vez dispõe:
“Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: (…)
II – para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave”.
Em outras palavras, o adicional de RAT, na verdade, outra coisa não é senão adicional de SAT – Seguro de Acidente do Trabalho.
Completa a definição do fato gerador desse adicional de RAT o art. 58 da Lei n° 8.213/91 e o Decreto nele referido:
“Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo.
§ 1º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista.
§ 2º Do laudo técnico referido no parágrafo anterior deverão constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo”.
A relação de agentes nocivos prejudiciais à saúde ou à integridade física consta do Anexo IV do Decreto n° 3.048 de 6-5-1999 (art. 68), que aprovou o Regulamento da Previdência Social.
Sinteticamente, podemos definir o fato gerador do adicional de RAT como sendo a efetiva exposição do segurado abrangido pelo regime de aposentadoria especial a agentes nocivos definidos no Anexo IV (art. 68) do Decreto n° 3.048, de 6-5-1999.
A complexa definição do fato gerador do tributo sob exame, em face do princípio da legalidade tributária (art. 150, I, da CF) envolve, de início, o exame da constitucionalidade ou não da norma legal em branco, a ser preenchida por ato do Executivo, como se depreende da parte final do art. 58 retrotranscrito.
Não iremos abordar esse aspecto por refugir do objetivo deste artigo que é o de apontar como e quando se tem por ocorrido o fato gerador desse adicional.
3 A verificação da ocorrência do fato gerador do adicional de RAT
Na prática, os agentes do INSS, com respaldo de parcela da jurisprudência de nossos tribunais, têm confundido o fato gerador, enquanto norma jurídica genérica e abstrata, com o fato gerador concretizado, isto é, com o fato jurídico tributário, ou, ainda, com a ocorrência no mundo fenomênico da situação abstrata descrita na lei de imposição tributária.
E para a perfeita verificação da subsunção do fato concreto à hipótese legal prevista, dada a peculiaridade desse adicional, impõe-se a perícia médica, conforme se depreende dos §§ 1° e 2° do art. 58 retrotranscrito, para saber se o uso de Equipamentos de Proteção Coletiva (EPCs) ou de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) diminuiu ou não a intensidade do agente nocivo aos limites de tolerância.
Por isso, a Ordem de Serviço Conjunta INSS/DAF n° 98, de 9-6-1999 estabeleceu procedimentos para a fiscalização das empresas com segurados que exerçam atividade que permita a aposentadoria especial, destacando em seu item 7:
“7- Ao verificar que as características no ambiente de trabalho da empresa divergem do laudo técnico, a fiscalização deverá oficiar o fato ao Serviço de Segurança e Saúde do Trabalho da Delegacia Regional do Trabalho – DRT e solicitar assessoramento técnico da Perícia Médica do INSS, com a emissão de parecer”.
“7.1 – No ofício, deverá ser solicitada a ciência ao INSS do parecer conclusivo da inspeção efetuada”.
Outrossim, dispunha a Instrução Normativa Conjunta INSS/DC n° 95[1], de 7-10-2003, em seus arts. 198 e 190:
“Art. 189. A presunção da efetiva exposição do trabalhador aos agentes nocivos será baseada, em princípio, no PPRA, no PGR, na GFIP ou na GRFP, no PPP e no LTCAT”.
“Art. 190. Na verificação da GFIP, as informações prestadas nos campos ocorrência e movimentação, que correspondem aos campos 28 e 29 na GRFP, serão objeto de confrontação pelo Médico-Perito ou pelo Auditor Fiscal da Previdência Social, com as informações contidas no PPRA, PGR, PCMSO, PCMAT e PPP.
§ 1º A fim de garantir o devido enquadramento na GFIP ou na GRFP, deverão ser utilizados os registros constantes de bancos de dados do MTE, do INSS, vistorias periciais em locais de trabalho, exames clínicos e complementares, bem como informações fornecidas por sindicatos, entre outras.
§ 2º A confrontação de documentos a que alude o caput deste artigo e o § 1º, sujeitos ao segredo profissional e atendendo a área de conhecimento específica, será feita obrigatoriamente com a presença de Médico-Perito, considerando o disposto no § 2º do art. 337 do Decreto nº 3.048/1999 (parágrafo acrescentado pelo Decreto nº 4.032, de 26/11/2001)”.
Como se vê, a constatação da efetiva exposição do segurado a riscos à sua saúde, ou seja, da ocorrência do fato gerador do acional de RAT é complexa, demandando exame das informações contidas na GFIP, no GRPP, no PGR etc, vistorias periciais, exames clínicos e complementares, com participação indispensável de Médico-Perito, pois os agentes fiscais não têm habilitação profissional em medicina e segurança do trabalho. Ainda que eventualmente tivessem essa habilitação, à medida que investidos no cargo de agentes fiscais, não poderiam fazer às vezes do perito-médico, pois não podem ser juízes e acusadores ao mesmo tempo.
4 A prova da ocorrência do fato gerador incumbe ao Fisco
A complexidade da verificação da ocorrência do fato gerador do tributo sob exame, por se tratar de uma hipótese excepcional, fez com que, na prática, se invertesse o ônus da prova, ou seja, atribuir ao contribuinte a responsabilidade de efetuar a prova negativa da ocorrência do fato gerador, isto é, que não existem segurados efetivamente expostos a riscos por causa do uso adequado e eficiente dos EPCs ou dos EPIs.
Ora, nos precisos termos do art. 142, do CTN cabe ao fisco verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, determinar a matéria tributária e calcular o montante do tributo devido.
E o parágrafo único desse art. 142 prescreve que a atividade do lançamento é vinculada e obrigatória. Isso significa que o agente fiscal deve obediência, no ato do lançamento, não apenas à lei em sentido estrito, como também, às normas complementares que traçam os procedimentos fiscalizatórios específicos para fiscalização de empresas onde há segurados beneficiados com a aposentadoria especial, sob pena de responsabilidade funcional.
Essas normas complementares integram a legislação tributária (arts. 96 e 100, I do CTN) e são de observância obrigatória pelo Fisco, tendo em vista o princípio da vinculação da administração a seus próprios atos. Apenas ao contribuinte cabe impugnar essas normas complementares, se entender que ferem o princípio da legalidade tributária.
5 A jurisprudência de nossos tribunais
Não discrepa do entendimento retro exposto a jurisprudência de nossos tribunais, conforme de verifica das ementas abaixo:
“EMENTA.
CONSTITUCIONAL, PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO AO TRABALHOR (PAT) – ALIMENTAÇÃO IN NATURA – CONTRIBUIÇÃO SOBRE SLÁRIO DE EMPREGADOS: FISCALIZAÇÃO DO INSS – PRESTADORES DE SERVIÇO DE CONSULTORIA: PROVA EM SENTIDO CONTRÁRIO. 1. Embora a inscrição no PAT não seja obrigatória por lei, somente aqueles inscritos no programa é que poderiam se beneficiar da excepcional norma, excludente de responsabilidade tributária, conforme se infere do art. 3º, da Lei nº 6.321/76. De igual forma, a autora não pode ser beneficiada de inscrição de terceiro no PAT, ainda que este terceiro seja fornecedor de alimentação para a empresa, por força de contrato. A Portaria interministerial nº5/2000 (cujo teor revela que, uma vez efetivada a adesão ao PAT esta será por prazo indeterminado), não prevê o benefício de inscrição de terceiro para beneficiar-se do PAT, valendo lembrar que a Portaria foi editada em 2000. Por sua vez, a autora somente voltou a ser inscrita no PAT em 2000 (após inscrição apenas no ano de 1996). 2. Em relação aos trabalhadores autônomos, no processo existem contratos de prestação de serviço e notas fiscais de prestação de serviços daqueles considerados como empregados pela fiscalização do INSS. Ademais, os depoimentos das testemunhas corroboram a documentação acostada (f. 811/3), com afirmações de prestações de serviços idênticos (consultoria autônoma) e contemporâneos para outras empresas, inclusive sem observação de horário, tudo para atender à diversas empresas de acordo com sua conveniência. 3. Ora, a presunção de legitimidade do título executivo não é absoluta e não produz o efeito de impor ao executado o ônus de formar prova negativa, invertendo o ônus da prova de modo absoluto. A Fazenda Pública, no caso, o INSS, deveria provar, oportunamente, os fatos aludidos no auto de infração, com fulcro nos elementos verificados na ocorrência do fato gerador, notadamente, porque foram impugnados pela autora (inclusive, com prova testemunhal). 4. A propósito da utilização da TR/TRD o STF, vale lembrar que, por meio do julgamento da ADIN 493-0/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, em julgamento realizado em 25 JUN 1992, decidiu que a TR não é índice de correção monetária, porque “não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda” (TRF 1ª Região T8, AC 1998.38.00.012861-9/MG e S4, EIAC 2000.34.00.006780-9/DF; STJ, T2, REsp 163409 / RS e T1, RESP 331316 / MG). Todavia, é legítimo o uso da Taxa Referencial como juros de mora, conforme se infere do art. 9º, da Lei nº 8.218/91. 5. A aplicação da Taxa SELIC na composição monetária dos créditos e débitos tributários (cobrança e restituição) é prevista na Lei nº 9.065/95 e na Lei nº 9.250/95, respectivamente, e abonada pela jurisprudência desta Corte (T7, AC nº 2003.01.99.012966-7/MG e T4, AC nº 2003.01.99.012615-4/MG, v.g.), do STJ (T2, REsp nº 313.575/MG, T1, REsp nº 617.867/SP e S1, EREsp nº 398.182/PR, v.g.) e do STF (MC-ADI nº 2214/MS: “(…) aplicação da taxa SELIC (…) que traduz rigorosa igualdade de tratamento entre o contribuinte e o Fisco”). 6. Apelações e remessa oficial não providas. 7. Peças liberadas pelo Relator em 22/06/2009 para publicação do acórdão.” (TRF 1, AC nº 200138000231262, Rel. Juiz Fed. Rafael Paulo Soares Pinto, e-DJF1 de 31-07-2009, p. 352).
“EMENTA.
TRIBUTÁRIO. LEGITIMIDADE DE TÍTULO EXECUTIVO. ONUS DA PROVA. 1. A PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DO TITULO EXECUTIVO NÃO É ABSOLUTA E NEM PRODUZ O EFEITO DE IMPOR AO EXECUTADO O ONUS DE FORMAR PROVA NEGATIVA. CONTESTADA A EXISTÊNCIA DO FATO, CABERÁ AO FISCO TRAZER A LUME OS ELEMENTOS SUSTENTADORES DO LANÇAMENTO, QUE LHE PERMITIRAM ‘VERIFICAR A OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO’ (CTN, ART-142). 2. NEGADO PROVIMENTO.” (TRF4, AC nº 8904185211, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 13-03-1991, p. 4457).
No mesmo sentido já havia se pronunciado o extinto Conselho de Contribuintes:
“O ônus da prova da ocorrência de fatos que levam à ocorrência do fato gerador sempre é da autoridade lançadora. Não é correto, com base em alguns indícios extrair-se a conclusão de determinado fato, imputando-se ao contribuinte o dever de provar que não compensou prejuízo fiscal indevidamente. Ao contrário, a autoridade é que tem de provar que o prejuízo foi utilizado de forma irregular. Na ausência dos elementos citados, fica bastante vaga a autuação.” (Primeiro Conselho de Contribuintes, 7ª. Câmara, Sessão de 19/08/1998, Acórdão 107-05.223).
6 Conclusões
Só é devido o adicional de RAT pelas empresas que mantêm segurados sujeitos ao regime especial de aposentadoria, efetivamente expostos à ação de agentes danosos à sua saúde ou à sua integridade física, definidos no Anexo IV (art. 68) do Decreto nº 3.048/99, não neutralizados pela adoção de medidas protetivas previstas na legislação pertinente.
A complexidade da verificação da ocorrência do fato gerador do adicional de RAT em nada justifica a inversão do ônus da prova como vem fazendo, muitas vezes, os agentes fiscais do INSS que exigem da empresa a prova de que os EPCs e EPIs são eficientes e concorreram para a diminuição da intensidade do agente nocivo a limites tolerados pela legislação.
Os autos de infração lavrados sem o assessoramento técnico da Perícia Médica do INSS são nulos por vício de procedimento.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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