Adelmo Leal Benevides – Advogado. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá. Especialista em Direito Público pela Faculdade Damásio. Administrador de Empresas. MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Engenheiro Mecânico. E-mail: adelmo.benevides@uol.com.br
Resumo: As mudanças apresentadas pela sociedade, durante o seu natural processo de evolução, levaram ao aperfeiçoamento do conceito de família, desconstruindo paradigmas e revisando outros, por meio de técnicas hermenêuticas valorativas do conteúdo e da aplicabilidade prática das normas. Como qualquer outro ramo da sociedade, o Direito não poderia ficar imune a estas influências, tendo que se adequar às novas demandas sociais. Por conta disso, ocorreu uma alteração nos contornos sociais, gerando efeitos nas estruturas de convívio, passando a considerar como entidade familiar os núcleos que tem como vínculo de união a afetividade. Assim, tornou-se necessário o reconhecimento de novas formas de convívio que merecem ser abarcadas pelo direito de família. A questão que surge é a possibilidade ou não da extensão dos efeitos civis advindos desse reconhecimento a essas espécies de família, dentre os quais, a adoção por família anaparental.
Palavras-chave: Família. Anaparental. Efeitos civis. Adoção.
Abstract: The changes introduced by the society during its natural evolution process led to the improvement of the concept of family, deconstructing paradigms and reviewing others, through through hermeneutic techniques that value content and the practical applicability of the standards. Like any other sector of society, the Justice can not be immune to these influences, having to adapt to new social demands. Because of this, there was a change in the social contours, generating effects on living structures, now considering as a family the nuclei whose bond of union is affectivity. Thus, it became necessary to recognize new forms of life that deserve to be embraced by family law. The question that arises is whether or not the extension of civil effects from this recognition to these types of family, among which, the adoption by anaparental family.
Keywords: Family, Anaparental family, Civil effects. Adoption.
Sumário: Introdução. 1. Princípios constitucionais. 2. Adoção. 3. Família anaparental. 4. Os problemas da adoção no Brasil. 5. Adoção por família anaparental. 6. Adoção por família anaparental de pessoas do mesmo sexo. Conclusão. Referências.
Introdução
A Constituição, em seu artigo 226, consagrou um sistema normativo de direito de família aberto e inclusivo. O sistema constitucional, tendo como base o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrou outros núcleos familiares de afeto, tais como a união estável e a família monoparental e anaparental.
Com isso, o direito brasileiro percebeu que o conceito de família encontra sua justificativa no conceito de afeto, tendo como assento o princípio da intervenção mínima do direito de família e a função social da família.
O princípio da intervenção mínima do direito de família nos ensina que o Estado não pode intervir indevidamente no âmbito familiar. O Estado não pode invadir o espaço de autonomia privada do ente familiar.
Quanto à função social da família, esta tem um papel e a função (social) de propiciar o bem estar e permitir a busca da felicidade pelos seus integrantes.
Desta forma, como não se pode apresentar um conceito absoluto de família, esta deve ser entendida como um ente base da sociedade, moldado pelo vínculo da afetividade que une os seus integrantes.
O conceito moderno de família engloba a socioafetiva, moldada e construída pelo vinculo da afetividade, a eudemonista, voltada para a busca da felicidade individual, e a anaparental.
A Lei Maria da Penha, em seu art. 5º, foi quem mais se aproximou dessa moderna caracterização do conceito de família ao definir o que se entende por âmbito da unidade doméstica e da família.
Podemos afirmar a existência de três fases no reconhecimento e tratamento da paternidade no Brasil: a) Paternidade Legal ou Jurídica; b) Paternidade Cientifica ou Biológica; c) Paternidade Socioafetiva.
Em um primeiro momento, do início do século XX até o final dos anos 80, ocorreu a fase da paternidade legal ou jurídica, a qual tinha por principal característica o próprio legislador, mediante presunção com força quase absoluta, dizer quem seria o pai.
Já em um segundo momento, especialmente nos anos 90, em virtude do surgimento da técnica do exame de DNA, a presunção que passa a prevalecer é a da paternidade jurídica. Com isso, pai passou a ser, não aquele reconhecido pelo legislador, mas admitido pelo exame genético. A paternidade passou da lei à ciência.
A terceira fase da paternidade no Brasil, que é a atual, passa a compreender que, em determinadas situações, o vínculo socioafetivo, construído ao longo da vida, é o que vai determinar quem são os pais. Nesta fase, mais importante do que gerar biologicamente, é ter vínculo de afetividade.
A multiparentalidade rompe o paradigma tradicional e triangular pai-mãe-filho. Por meio da multiparentalidade, admite-se que o indivíduo tenha, em seu registro público de nascimento, dois pais e/ou duas mães, simultaneamente. Essa tese irá ajudar na adoção por casais homoafetivos e pela família anaparental, pois rompe com o paradigma de que no registro civil só pode constar um pai e uma mãe.
1 Princípios Constitucionais
Atualmente, os princípios que norteiam as relações familiares são derivados do princípio da dignidade da pessoa humana, que é um dos pilares básicos do Estado Brasileiro. Dele, nas relações familiares, surgem o princípio da solidariedade familiar, da igualdade entre cônjuges e companheiros, bem como o princípio da igualdade entre homem e mulher, da proibição da interferência, do melhor interesse da criança, da função social da família.
A dignidade é considerada como valor base do nosso ordenamento jurídico, onde a pessoa está no centro das regras jurídicas, sendo que tal princípio serve como vetor para a construção de novos direitos.
A família é sustentada pela solidariedade que existe entre os seus membros, representado pela afetividade, bem como pelas questões patrimoniais, ultrapassando a simples noção de assistência material, caracterizando-se, também, como um apoio mútuo em todos os aspectos da vida em família.
A relação entre companheiros, durante muito tempo, não era reconhecida como núcleo familiar, mas sim uma sociedade de fato, com direito a partilha do patrimônio comum proporcional ao seu esforço.
Com a Constituição de 1988, a relação entre companheiros foi reconhecida como entidade familiar, a qual foi dado o nome de união estável, passando a gozar da proteção do direito de família.
Mais recentemente, o STF passou a reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo como núcleo familiar, ampliando o conceito de união estável.
A chefia familiar é exercida por ambos os cônjuges ou companheiros. Não existe mais a figura do homem como chefe de família, podendo ter o homem, a mulher, ou ambos chefiando da entidade familiar.
O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas, proibindo a imposição do planejamento familiar pelo Estado.
O principio da intervenção mínima no direito de família justifica que o planejamento familiar não seja imposto.
A doutrina da proteção integral foi criada pela Constituição de 1988 e expandida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
A criança e o adolescente encontram-se em posição de vulnerabilidade, pois são pessoas em desenvolvimento. Por conta disso devem ser preservados ao máximo, com prioridade absoluta.
Esse princípio estabelece que o legislador e o aplicador do direito deve, em suas decisões, colocar o interesse da criança e do adolescente acima de tudo, com prioridade absoluta antes dos demais componentes da sociedade.
Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Todos os filhos são iguais perante a lei, sendo vedada qualquer forma de distinção ou discriminação, não sendo admitidas expressões como filhos espúrios, bastardos, adulterinos.
A família está inserida dentro de um contexto social. Não é a toa que a Constituição a elegeu como base da sociedade.
A família deve representar não apenas o interesse dos seus membros, mas também deve estar em consonância com o interesse social da sociedade em que está inserida.
Atualmente, qualquer instituto deve cumprir uma função social, onde as suas ações devem estar em consonância com os valores pregados pela sociedade em que está inserida. No ordenamento jurídico brasileiro, esses valores são determinados pela Constituição Federal.
Assim, o direito de família deve estar em harmonia com os vetores axiológicos determinados pela Constituição.
2 Adoção
Consiste em medida excepcional de colocação em família substituta, através da qual rompem-se os vínculos do adotado com sua família natural, exceto para impedimentos matrimoniais, com o estabelecimento de novos vínculos de parentesco com a nova família.
Pelo Código Civil de 1916, como o vinculo da adoção era de contrato, este só se estabelecia entre adotante e adotado. Não se estabelecia vinculo com o restante da família.
De acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente e a Constituição de 1988, a adoção é plena, ou seja, o adotado, com a adoção, passa a integrar a família do adotante em sua plenitude, onde o adotante passa a ser pai, o pai do adotante é o avô, o filho do adotante é o irmão, e assim por diante.
O rompimento do vínculo com a família natural pode ser bilateral, onde rompem-se os vínculos de parentesco com ambos os pais naturais, ou unilateral, onde rompe-se o vínculo de parentesco com um dos pais naturais, permanecendo o do outro, como no caso da adoção pelo padrasto.
A adoção unilateral pode ocorrer por morte de um dos pais, com o consentimento dos pais, por destituição do poder familiar ou quando um dos pais é desconhecido.
A adoção pode ser singular, quando uma pessoa apenas adota (adoção por uma pessoa solteira), ou conjunta, quando é realizada por um casal, sejam pessoas casadas ou que vivam em união estável.
A adoção é plena, porque constitui um vínculo de parentesco pleno com a nova família.
Só é válida a adoção por sentença judicial. Não existe adoção por contrato, como no Código Civil de 1916. Essa ação é desconstitutiva quanto à família natural, pois rompe o vínculo com esta, exceto para fins matrimoniais, e constitutiva para a nova, pois estabelece novo e pleno vínculo de parentesco.
A exceção é a adoção póstuma, também chamada de adoção post mortem. É válida a adoção pelo adotante falecido, desde que tenha manifestado de forma inequívoca, no curso do procedimento, a intenção de adotar aquela criança ou adolescente. Os efeitos da sentença retroagem à data do óbito.
A idoneidade do adotante deve ser analisada no caso concreto. O critério é avaliar qual a melhor postura do adotante para o superior interesse da criança e do adolescente.
O justo motivo é um conceito indeterminado, que vem a integrar uma cláusula geral, pautada no princípio da prioridade absoluta, proteção integral e superior interesse da criança do adolescente. Esse justo motivo é a formação de uma família baseada no interesse superior da criança.
As reais vantagens para o adotado são sempre pautadas no superior interesse da criança e do adolescente.
São conceitos indeterminados, abertos, que deve ser analisado no caso concreto.
O adotante deve ter, no mínimo, 18 anos. A capacidade não é requisito, pois, caso contrário, um emancipado menor de 18 anos poderia adotar. O requisito é a idade, e não a capacidade.
O adotante deve ser, no mínimo, 16 anos mais velho que o adotado. Isso visa a semelhança com uma família natural.
O consentimento dos pais pode ser revogado até a publicação da sentença (e não até o trânsito em julgado). O consentimento é revogável.
No caso de adoção internacional, é obrigatório um estágio de convivência pelo prazo mínimo de trinta dias. Esse estágio deve ser realizado no Brasil.
No caso de adoção nacional, o estágio de convivência é fixado pelo juiz e pode ser dispensado nos casos de guarda legal, mas não pode ser dispensado nos casos de guarda de fato.
O que vale para distinguir se a adoção é internacional ou nacional é a residência do adotante: se o adotante é residente ou domiciliado no exterior, a adoção é internacional (brasileiro que reside em Paris e quer adotar uma criança brasileira; francês que reside em Paris e quer adotar uma criança brasileira); se o adotante é residente ou domiciliado no Brasil (brasileiro que reside no Rio e quer adotar uma criança brasileira; francês que reside no Rio e quer adotar uma criança brasileira), a adoção é nacional. Não importa a nacionalidade do adotante.
3 Família Anaparental
As mudanças apresentadas pela sociedade, durante o seu natural processo de evolução, levaram ao aperfeiçoamento do conceito de família. Um dos principais fatores que contribuíram para isso foi a popularização dos conceitos de direitos humanos e a alçada da dignidade da pessoa humana, com a Constituição Federal de 1988, ao status de fundamento da República Federativa do Brasil.
O direito de família, como qualquer outro ramo do direito, não poderia ficar imune a estas influências. Com isso, a sociedade mudou os seus contornos gerando efeitos nas suas estruturas de convívio social passando a considerar como entidade familiar os núcleos que tem como vínculo de união a afetividade.
Com a mudança no conceito de família, tendo como pilar os laços que os unem, tornou-se necessário o reconhecimento de novas formas de convívio que merecem ser abarcados pelo direito de família.
É dentro desse conceito que surgem as famílias formadas por parentes, ou seja, as famílias parentais.
Maria Berenice Dias ensina que:
“Mesmo que a Constituição tenha alargado o conceito de família, ainda assim não enumerou todas as conformações familiares que existem. A diferença de gerações não pode servir de parâmetro para o reconhecimento de uma estrutura familiar. Não é a verticalidade dos vínculos parentais em dois planos que autoriza reconhecer a presença de uma família merecedora da proteção jurídica. No entanto , olvidou-se o legislador de regular essas entidades familiares. A convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito, impõe o reconhecimento da existência de entidade familiar batizada com o nome de família parental ou anaparental.”[1]
O conceito de parente não se resume aos membros que possuem algum grau de parentesco, englobando, também, pessoas que tem laços de afetividade por conta da convivência que possuem, como os amigos.
As famílias parentais são identificadas basicamente como família monoparental, formada por um ascendente e seus descendentes e pluriparental, formada por parentes colaterais ou por pessoas que desempenham esse papel.
A verticalidade do vínculo resulta na família monoparental. A família anaparental, como uma espécie de família pluriparental, resulta da colateralidade do vínculo.
Um núcleo formado por irmãos ou primos que vivem em família constitui uma família anaparental.
Ampliando esse conceito, podemos definir família anaparental como o ente familiar decorrente da convivência entre pessoas, mesmo que não sejam parentes, unidas por laços de afetividade.
Com isso, uma família anaparental pode englobar primos, irmãos e até amigos que vivem juntos, compondo um núcleo familiar.
O prefixo “ana” significa “falta”, buscando conceituar uma família sem a presença dos pais.
Com o rompimento do modelo tradicional de família, as estruturas familiares ganharam novos contornos dentro do direito de família.
Um irmão mais velho, por exemplo, pode ser o pai dos irmãos mais novos, principalmente quando os pais não mais fazem parte do convívio familiar, tendo aquele que assumir o papel da figura paterna ou materna, amparando os seus irmãos tanto financeiramente quanto psicologicamente.
Esse rompimento passou a considerar, também, como entidade familiar, a convivência de pessoas, do mesmo sexo ou não, que, sem o elemento sexual, vivem como uma família.
Os tribunais já reconhecem a família anaparental como uma entidade familiar. Vejamos:
“EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEI 8009/90. IMPENHORABILIDADE. MORADIA DA FAMÍLIA. IRMÃOS SOLTEIROS. OS IRMÃOS SOLTEIROS QUE RESIDEM NO IMOVEL COMUM CONSTITUEM UMA ENTIDADE FAMILIAR E POR ISSO O APARTAMENTO ONDE MORAM GOZA DA PROTEÇÃO DE IMPENHORABILIDADE, PREVISTA NA LEI 8009/90, NÃO PODENDO SER PENHORADO NA EXECUÇÃO DE DIVIDA ASSUMIDA POR UM DELES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (STJ – REsp: 159851 SP 1997/0092092-5, Relator: Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Data de Julgamento: 19/03/1998, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 22.06.1998 p. 100</br> LEXJTACSP vol. 174 p. 615) (grifo nosso)”
Hoje, o elemento principal para a constituição de uma família é o afeto e o carinho, e não o intuito sexual. A família não precisa mais possuir a estrutura tradicional pai-mãe-filhos.
Se um núcleo familiar formado por amigos, primos, irmãos, homoafetivos, convivem de forma a alcançar a felicidade plena, que é a razão de ser da família, merece proteção especial do Estado.
Com o reconhecimento da família anaparental como entidade familiar, uma série de consequências surgem, refletindo, por exemplo, em questões patrimoniais, como no caso dos direitos sucessórios, bem como na adoção, cabendo, por analogia, a aplicação das disposições referentes à união estável, já que em nada diferem das demais entidades familiares.
Portanto, aplicando os efeitos civis da união estável, previstos no Código Civil, Constituição Federal e legislação extravagante à família anaparental, os seus membros terão direito aos alimentos, à sucessão hereditária, adoção, dentre outros.
4 Os Problemas da Adoção no Brasil
O artigo 227 da Constituição Federal alçou o direito à convivência familiar e comunitária por crianças e adolescentes ao status de direito fundamental, cabendo à família, à sociedade e ao Estado assegurá-lo com absoluta prioridade.
Os direitos elencados nesse artigo são os direitos fundamentais da criança e do adolescente: direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Os princípios da dignidade humana, da proteção integral e o princípio da prioridade absoluta formam a base fundamental do superior interesse da criança e do adolescente, regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
A criança e o adolescente precisam de amor e carinho para que sua formação psicológica seja completa, o que vem a proporcionar uma vida adulta saudável, tanto do ponto de vista da saúde quanto psíquico.
Esta tarefa, a princípio, pertence aos pais biológicos. A regra geral é que toda criança e adolescente tem o direito de conviver no seio de sua família, e, excepcionalmente, de ser inserido em família substituta.
Porém, muitas delas são abandonadas em locais de acolhimento, ou até mesmo nas ruas. Desta forma, crianças e adolescentes crescem sem o devido cuidado e atenção, gerando distúrbios que, em muitos casos, permanecem por toda a vida. Por conta disso, tornam-se adultos desajustados.
O Cadastro Nacional de Adoção é um sistema de informação que reúne, de um lado, pretendentes à adoção e, de outro, crianças e adolescentes em condições de serem adotados.
Qualquer pessoa que queira adotar uma criança no Brasil tem que estar, obrigatoriamente, inscrita no Cadastro Nacional de Adoção.
Quando a criança está apta à adoção, o inscrito no cadastro de interessados é convocado.
Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção, o grande problema no Brasil é que apenas um em cada quatro pretendentes admite adotar crianças com quatro anos ou mais, enquanto cerca de dez por cento dos que estão no cadastro à espera de uma família têm menos de quatro anos.
Assim, ao contrário do que muitos pensam, se tiver uma criança loira, do olho azul, de seis anos e um bebê de até um ano, negro, o bebê vai ser adotado mais rápido.
Esse aspecto vai se agravar mais se um processo de adoção for muito longo, pois afasta as crianças ainda mais da chance de encontrar um novo lar, já que irão ficar mais velhas.
Mais grave ainda é a ínfima quantidade de pessoas prontas a adotar adolescentes, ou seja, acima de doze anos, que por sua vez respondem por aproximadamente cinquenta por cento do total de cadastrados.
Outra questão que compromete o processo de adoção no Brasil é relacionada à baixa disposição dos pretendentes para adotar mais de uma criança ao mesmo tempo, ou para receber irmãos, representando aproximadamente trinta por cento dos pretendentes.
Entre os aptos à adoção do Cadastro Nacional de Adoção, cerca de sessenta por cento possuem irmãos e muitos desses têm irmãos também à espera de uma família. Somado a isso, os Juizados de Infância e Adolescência dificilmente decidem pela separação de irmãos. Com isso, as chances de irmãos acharem um novo lar é muito pequena.
Uma forma de evitar esse problema seria a inserção dessas crianças e adolescentes em famílias substitutas. É aí que entra a importância da adoção de crianças e adolescentes por família anaparental.
Essas pessoas em formação teriam consequências praticamente irreparáveis se continuarem em casas de acolhimento ou nas ruas, o que violaria um direito fundamental constitucional, além de ferir o princípio da proteção integral, prioridade absoluta e do melhor interesse da criança.
A adoção é, acima de tudo, um ato de amor e solidariedade. É um amor que ultrapassa as barreiras culturais, sexuais, sociais, econômicas, criando um novo vínculo de afeto e carinho, quebrando todos os modelos e preconceitos existentes dentro de uma comunidade.
A família moderna passa por uma nova estruturação, onde sua tradicional formação por um homem e uma mulher vem sendo substituída por uma família em que cada membro que a constitui ocupa uma função, paterna ou materna, ou até mesma as duas ao mesmo tempo, independentemente de parentesco, raça, sexo, orientação sexual dos envolvidos, o que torna possível a possibilidade de adoção por uma família anaparental.
5 Adoção por Família Anaparental
Os valores trazidos pela Constituição Federal de 1988, tais como a afetividade, novas formas de família, superior interesse da criança e do adolescente, revolucionaram o tradicional sistema familiar brasileiro, alterando e ampliando o conceito de família. Com isso, a paternidade passou a ser vista como uma questão mais de afetividade do que biológica.
Por conta dessas mudanças, o direito tem que se adaptar à nova realidade social, assegurando direitos constitucionalmente garantidos, como o direito à adoção.
O STJ, demonstrando estar atento a essas novas formas de família, exarou um paradigmático julgado através da relatoria da Ministra Nancy Andrigui. A partir dele, não restou mais dúvida que a base da família é a socioafetividade e o ânimo de constituir família.
A Ministra partiu da tese que a proteção a incapazes, solidariedade e socioafetividade afasta a vedação legal de adoção conjunta por irmãos, rompendo com o modelo de que só podem adotar conjuntamente quem seja casado ou viva em união estável. Vejamos:
“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO PÓSTUMA. VALIDADE.ADOÇÃO CONJUNTA. PRESSUPOSTOS. FAMÍLIA ANAPARENTAL. POSSIBILIDADE. Ação anulatória de adoção post mortem, ajuizada pela União, que tem por escopo principal sustar o pagamento de benefícios previdenciários ao adotado – maior interdito -, na qual aponta a inviabilidade da adoção post mortem sem a demonstração cabal de que o de cujus desejava adotar e, também, a impossibilidade de ser deferido pedido de adoção conjunta a dois irmãos. A redação do art. 42, § 5º, da Lei 8.069/90 – ECA -, renumerado como§ 6º pela Lei 12.010/2009, que é um dos dispositivos de lei tidos como violados no recurso especial, alberga a possibilidade de se ocorrer a adoção póstuma na hipótese de óbito do adotante, no curso do procedimento de adoção, e a constatação de que este manifestou,em vida, de forma inequívoca, seu desejo de adotar.Para as adoções post mortem, vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam afiliação socioafetiva: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição.O art. 42, § 2º, do ECA, que trata da adoção conjunta, buscou assegurar ao adotando a inserção em um núcleo familiar no qual pudesse desenvolver relações de afeto, aprender e apreender valores sociais, receber e dar amparo nas horas de dificuldades, entre outras necessidades materiais e imateriais supridas pela família que, nas suas diversas acepções, ainda constitui a base de nossa sociedade. A existência de núcleo familiar estável e a consequente rede de proteção social que podem gerar para o adotando, são os fins colimados pela norma e, sob esse prisma, o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar uma noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas. Restringindo a lei, porém, a adoção conjunta aos que, casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovem estabilidade na família, incorre em manifesto descompasso com o fim perseguido pela própria norma, ficando teleologicamente órfã. Fato que ofende o senso comum e reclama atuação do interprete para flexibilizá-la e adequá-la às transformações sociais que dão vulto ao anacronismo do texto de lei. O primado da família socioafetiva tem que romper os ainda existentes liames que atrelam o grupo familiar a uma diversidade de gênero e fins reprodutivos, não em um processo de extrusão, mas sim de evolução, onde as novas situações se acomodam ao lado de tantas outras, já existentes, como possibilidades de grupos familiares. O fim expressamente assentado pelo texto legal – colocação do adotando em família estável – foi plenamente cumprido, pois os irmãos, que viveram sob o mesmo teto, até o óbito de um deles, agiam como família que eram, tanto entre si, como para o então infante, e naquele grupo familiar o adotado se deparou com relações de afeto,construiu – nos limites de suas possibilidades – seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidade físicas e emocionais,em suma, encontrou naqueles que o adotaram, a referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social que hoje faz parte. Nessa senda, a chamada família anaparental – sem a presença de um ascendente -, quando constatado os vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no art. 42, § 2, do ECA.Recurso não provido. (STJ – REsp: 1217415 RS 2010/0184476-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 19/06/2012, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/06/2012)(grifo nosso)”
O acórdão deixa claro que, quando constatados os vínculos subjetivos que remetem à família, a chamada família anaparental, que é a família sem a presença de um ascendente, merece o reconhecimento e igual status dos grupos familiares descritos no art. 42, §2º, quais sejam, os casados civilmente ou que mantenham união estável.
Nancy Andrighi relata que a existência de núcleo familiar estável e a consequente rede de proteção social que podem gerar para o adotando, são os fins colimados pela norma. Por conta disso, o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, devendo, ser ampliado para abarcar uma noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas.
Ela explica que o primado da família socioafetiva tem que romper os ainda existentes liames que atrelam o grupo familiar a uma diversidade de gênero e fins reprodutivos.
Complementa dizendo que o fim expressamente assentado pelo texto legal é a colocação do adotando em família estável, onde possa se deparar com relações de afeto, construir seus valores sociais, ser amparado nas horas de necessidade físicas e emocionais e encontrar, naqueles que o adotaram, a referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se em um grupo social.
A lei tem como base o princípio do melhor interesse do adotando, logo, a sua interpretação deve partir desse princípio.
Daí surge a necessidade de um procedimento hermenêutico, baseado numa interpretação pluralista e aberta das normas constitucionais e infraconstitucionais.
Numa sociedade democrática, na qual o pluralismo deve subsistir, não há espaço para prevalência de normas jurídicas que conduzam a interpretações excludentes dos direitos de determinados grupos menores, como no caso de normas que restringem a legitimação estatal às relações heteroafetivas.
Qualquer dispositivo de lei que venha a constituir óbice à plena fruição dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, deve ser abolido por intermédio da hermenêutica jurídica. Para isso, uma interpretação ampla das normas jurídicas deve ser efetuada.
As normas jurídicas devem ser conformadas aos fatos sociais para que possa ser dada a máxima eficácia aos direitos fundamentais constantes no nosso ordenamento jurídico, suprindo a omissão legislativa plena, como no caso do direito à adoção por parte da família anaparental.
Para que o princípio da função social da família seja cumprido, é necessário que o direito de família esteja em harmonia com os vetores axiológicos determinados pela Constituição.
Assim, podemos concluir que, se a família anaparental é estável e seus integrantes se comportam como uma família, não há óbice para que a adoção seja efetivada por tal tipo de família.
6 Adoção por Família Anaparental de Pessoas do Mesmo Sexo
Quanto à questão da adoção por casais homossexuais, o principal argumento que os contrários utilizam é o prejuízo que trará para o menor a falta de um referencial paterno ou materno. Este paradigma já foi derrubado, pois os casos práticos demonstram que esses menores tem, em muitos casos, uma educação bem mais sólida, em termos de valores sociais, morais e éticos, que um menor criado por uma família heterossexual.
O julgado de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão sintetiza essa vertente de análise em consonância com a função social da família:
“DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO DA MEDIDA. 1. A questão diz respeito à possibilidade de adoção de crianças por parte de requerente que vive em união homoafetiva com companheira que antes já adotara os mesmos filhos, circunstância a particularizar o caso em julgamento. 2. Em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal. 3. O artigo 1º da Lei 12.010/09 prevê a “garantia do direito à convivência familiar a todas e crianças e adolescentes”. Por sua vez, o artigo 43 do ECA estabelece que “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”. 4. Mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque está em jogo o próprio direito de filiação, do qual decorrem as mais diversas consequencias que refletem por toda a vida de qualquer indivíduo. 5. A matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si. 6. Os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), “não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores“. 7. Existência de consistente relatório social elaborado por assistente social favorável ao pedido da requerente, ante a constatação da estabilidade da família. Acórdão que se posiciona a favor do pedido, bem como parecer do Ministério Público Federal pelo acolhimento da tese autoral. 8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento. 9. Se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza para as crianças, se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado, ao mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é medida que se impõe. 10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da realidade”, são ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que a elas, solidariamente, compete a responsabilidade. 11. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as crianças já chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não houve qualquer prejuízo em suas criações. 12. Com o deferimento da adoção, fica preservado o direito de convívio dos filhos com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua companheira. Asseguram-se os direitos relativos a alimentos e sucessão, viabilizando-se, ainda, a inclusão dos adotandos em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e superior, por ela ser professora universitária. 13. A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor, desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade. Hipótese em que ainda se foi além, pretendendo-se a adoção de dois menores, irmãos biológicos, quando, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção, 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma criança. 14. Por qualquer ângulo que se analise a questão, seja em relação à situação fática consolidada, seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção integral das crianças, chega-se à conclusão de que, no caso dos autos, há mais do que reais vantagens para os adotandos, conforme preceitua o artigo 43 do ECA. Na verdade, ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores caso não deferida a medida. 15. Recurso especial improvido. (STJ – REsp: 889852 RS 2006/0209137-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 27/04/2010, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/08/2010)(grifo nosso)”
Assim, percebemos que a paternidade e a maternidade estão relacionadas com a função desempenhada por cada um, e não com o sexo. Se dois pais ou duas mães exercem de forma satisfatória e equilibrada o papel paterno e materno, não há prejuízo para o menor, mas sim um ganho em uma melhor formação psicológica.
Isso abre a possibilidade de adoção de criança e adolescente por família anaparental formada por pessoas do mesmo sexo, como dois irmãos do sexo masculino, ou duas primas. Os dois irão desempenhar a função de pai e mãe, trazendo inúmeros benefícios para o adotado.
A multiparentalidade rompeu com o paradigma tradicional e triangular pai-mãe-filho.
Por meio da multiparentalidade, admite-se que o indivíduo tenha em seu registro público de nascimento dois pais e/ou duas mães, simultaneamente.
Essa tese ajuda na adoção por casais homoafetivos e anaparental formada por pessoas do mesmo sexo, pois rompe com o paradigma de que no registro civil só pode constar um pai e uma mãe.
A Lei Clodovil Hernandes, lei 11.924 de 17 de abril de 2009, alterou o art. 57 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, para autorizar o enteado ou a enteada a adotar o nome da família do padrasto ou da madrasta.
“Art. 57, § 8o O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2o e 7o deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família.”
Essa mudança passou a possibilitar que o enteado ou enteada inclua o sobrenome do padrasto ou madrasta, abrindo a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade, com reconhecimento de efeitos jurídicos plenos em relação a dois pais, duas mães, seis avós, e assim sucessivamente.
Com isso, também abre-se a possibilidade de registro de adotados por família anaparental formada por pessoas do mesmo sexo (primos, irmãos).
O STF, na ADI 4277 e ADPF 132, decidiu que uma união homossexual forma uma família e que merece a proteção do Estado. Logo, todos os direitos reconhecidos à união heterossexual deve ser estendia à união homossexual, inclusive a adoção.
Portanto, se a família anaparental é considerada como uma entidade familiar, bem como a família homossexual tem todos os direitos reconhecidos aos casais heterossexuais, nada mais justo que estender a possibilidade de adoção às famílias anaparentais formadas por pessoas do mesmo sexo.
Conclusão
Com a evolução social, a família, como fruto da sociedade, ganhou novos contornos em sua estrutura. Essas alterações levou a família tradicional (pai e mãe) a não ser mais o único modelo vigente, pois novos modelos de família começaram a se formar, tendo como base o afeto e a busca da felicidade.
Com o reconhecimento do afeto como principal requisito para a formação do vínculo familiar, a família anaparental passou a ser considerada como forma de família. A base da família passa a ser o afeto existente.
O direito de família, cumprindo com a função social da família, deve estar em harmonia com os vetores axiológicos determinados pela Constituição.
Assim, as normas de direito de família passaram a ter como base os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, afetividade, novas formas de família, superior interesse da criança e do adolescente e sua proteção integral, tanto para a sua construção quanto para sua aplicação.
Com a incidência no direito de família do princípio da pluralidade das formas de família, corolário da dignidade da pessoa humana, as normas que regem as relações familiares não podem mais continuar sendo interpretadas de forma restritiva.
Valendo-se de uma interpretação ampliativa e pluralista das normas jurídicas atinentes à matéria e da forma dedutiva de raciocínio, tomando como base a linha de pensamento adotada pelos Tribunais Superiores em seus julgados, é legítima a possibilidade de adoção por família anaparental, inclusive aquelas compostas por pessoas do mesmo sexo.
O Estado não pode proteger apenas algumas entidades familiares em detrimento de outras, também existentes no meio social, detentores dos mesmos direitos fundamentais, dentre os quais o de constituir uma família, o que inclui o direito à adoção.
A unidade familiar que possui um núcleo estável e a consequente rede de proteção social que pode gerar para o adotando é uma família merecedora de proteção estatal, logo, não há como negar que a família anaparental é digna de ser elevada à posição de entidade familiar com todos os direitos civis inerentes a essa elevação, tais como direito a sucessão hereditária, adoção, alimentos.
Se a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional possibilita o reconhecimento das famílias anaparentais como entidade familiar, não há razão para que os demais direitos advindos das relações familiares, como o direito à adoção, não seja estendido a esses modelos familiares. Uma exclusão nesse sentido fere de morte o princípio da dignidade da pessoa humana.
Seria incoerente o Estado reconhecer as famílias anaprentais como uma entidade familiar e, ao mesmo tempo, negar-lhe o direito à parentalidade através da adoção.
A proibição do direito de adoção às famílias anaparentais, além de ferir a dignidade da pessoa humana dos seus integrantes, afronta outros direitos fundamentais, tais como o da igualdade, o superior interesse da criança e do adolescente e sua proteção integral.
A maternidade e a paternidade independem de gênero e orientação sexual. Portanto, as famílias anaparentais formadas por pessoas do mesmo sexo também tem o direito à adoção. Logo, não há qualquer óbice a que uma criança seja criada por dois homens ou duas mulheres, se estes forem capazes de dar o amor e o afeto que a criança e o adolescente necessitam.
Por tudo exposto, utilizando-se do princípio da dignidade da pessoa humana e da nova hermenêutica jurídica, conclui-se que o conceito de família foi ampliado, elevando a família anaparental ao status de entidade familiar, inclusive as compostas por pessoas do mesmo sexo, com todos os direitos civis envolvidos, inclusive o direito de adotar uma criança ou um adolescente.
Referências
CURY, Munir. Estatuto da criança e do adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 12. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2013.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 10. ed. São Paulo: Editoria Revista dos Tribunais, 2015.
GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume 6: Direito de família, 6. ed. São Paulo: Editoria Saraiva, 2016.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Direito de Família. 14. ed. Rio de Janeiro: Editoria Forense, 2004.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família – Uma Abordagem Psicanalítica. 4. ed. Rio de Janeiro: Editoria Forense, 2012.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Cadastro Nacional de Adoção. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf. Acessado em 20 de setembro de 2016.
[1] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 10. ed. São Paulo: Editoria Revista dos Tribunais, 2015, p. 140.
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