Resumo: O presente trabalho apresenta uma análise sobre as várias mudanças ocorridas no modelo de constituição familiar nas últimas décadas. Sob tal perspectiva, analisa a importância da legislação brasileira em acompanhar essa evolução e enfoca as transformações necessárias no instituto de adoção. Realiza uma breve explanação sobre os diversos problemas enfrentados por crianças que não são adotadas no Brasil, muitas vezes vivendo sua infância e adolescência em abrigos e outras instituições afins. Recebe enfoque a situação de adoção por pares homoafetivos. Concluiu-se sobre a extrema importância da possibilidade jurídica de adoção por pares homoafetivos, tendo em vista sempre, como bem define o Estatuto da Criança e Adolescente, a primazia do bem estar pleno das crianças e adolescentes.
Palavras-chave: Adoção. Par homoafetivo. Família.
Abstract: This study presents an analysis about changes occurred in the Family constitution model in the past decades. Under such perspective, analyses the importance of Brazilian legislation in accompany this evolution and focus the necessary transformations in adoption institute. It presents a brief explanation about the various problems faced per non-adopted children in Brazil, many times spending their childhood and teenager years in shelters and other similar institutions. Situation of adoption per homosexual couple receive emphasis. As a result about the extreme importance of juridical possibility of adoption per homosexual couples, always taking into consideration the “Children and Teenagers Statute” point of view: the priority of children and teenagers well-being.
Keywords: Adoption. Homosexual couple. Family.
Sumário: Introdução. 1. Contexto jurídico brasileiro do reconhecimento do instituto da família nas últimas décadas. 2. O instituto de adoção no Brasil atualmente e as principais dificuldades enfrentadas pelas crianças brasileiras que não conseguem ser adotadas. 3. Possibilidade jurídica de adoção por pares homoafetivos e inexistência de vedação expressa no ordenamento jurídico brasileiro. Conclusão. Referências.
Introdução
O presente trabalho apresenta como objetivo estabelecer uma breve análise sobre a possibilidade e, sobretudo, a importância da adoção de crianças e adolescentes por pares homossexuais.
Diante de tal proposta, foram elaboradas as seguintes questões para serem analisadas:
– Dentro do contexto jurídico brasileiro, como foi o reconhecimento do instituto de família nas últimas décadas?
– Como funciona o instituto da adoção no Brasil? É possível a adoção por pares homoafetivos?
– Quais os principais problemas enfrentados pelas crianças brasileiras que não conseguem ser adotadas?
– A adoção por pares homossexuais é possível? Há vedação expressa no ordenamento jurídico brasileiro quanto à adoção por pares homoafetivos?
– Como tem sido casos reais que ilustram tal possibilidade? Seria algo benéfico para as crianças abrigadas que necessitam de uma família?
É possível se constatar atualmente o quanto a sociedade atual é dinâmica. Alteram-se padrões de comportamento, hábitos e costumes em uma velocidade bastante grande. É natural que a composição familiar não se manteve alheia a isso. De forma concisa e clara, Santos bem define essas transformações:
“O conceito de família mudou. A família atual não é só formada por pai-mãe-filho, como outrora. Isto acontece porque o conceito de família é relativo, alterando-se continuamente como reflexo do desenvolvimento social e, principalmente, dos costumes. Os modelos de família estão diversificados.” (SANTOS, 2014, p. 63).
Diante de tais alterações, o ordenamento jurídico vigente em uma sociedade consequentemente passa a dispor de normas que possam acompanhar e disciplinar regras que atendam às demandas necessárias de cada época.
Não será enfocado no presente estudo Projetos de Lei que visem limitar a definição de entidade familiar ao núcleo afetivo formado a partir de união heteroafetiva, o que se trata de uma visão retrograda que vai de total desencontro ao que se constata na realidade de nossa sociedade, conforme será mais detalhadamente explanado no desenvolvimento do presente artigo.
1. Contexto jurídico brasileiro do reconhecimento do instituto da família nas últimas décadas.
No contexto da sociedade brasileira atual, é visível a qualquer observador menos atento perceber a grande diversidade de composição das famílias existentes. Não existe mais somente um modelo de família, mas uma grande multiplicidade de estruturas familiares geralmente baseadas em laços de afetividade.
Como não poderia deixar de ocorrer, a legislação foi reconhecendo e normatizando tais mudanças ao longo das últimas décadas.
O Código Civil de 1916 reconhecia unicamente o casamento como entidade familiar, não aceitando nem mesmo as uniões extramatrimonializadas. Deste modo, somente através do casamento, obtinha-se uma família legalmente legítima.
A partir da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, parágrafo 3º, o concubinato passou a ser considerado como entidade familiar. Sua designação foi alterada de “concubinato” para “união estável”, objetivando amenizar a conotação negativa que o termo usado anteriormente poderia representar. Deste modo, a união estável entre o homem e mulher passou a receber a proteção do Estado, devendo ser considerada como entidade familiar, inclusive com a lei facilitando sua conversão em casamento.
Como explanado acima, é possível observar o avanço que a legislação alcançou no lapso de tempo de 72 anos. Enquanto o Código Civil de 1916 somente reconhecia como entidade familiar o casamento e nenhuma composição que fugisse dessa regra era legalmente aceita, a Constituição Federal de 1988 passa a reconhecer a união estável, recebendo o mesmo amparo legal das uniões realizadas através do instituto do casamento convencional.
O Censo de 2010 registrou a diversificação de composição familiar existente no Brasil que destoa do modelo convencional (pai, mãe e filhos), contabilizando o crescimento de combinações diversificadas, entre elas as famílias homoafetivas que já representam o número de 60 mil.
Como foi visto em relação ao reconhecimento jurídico da união estável entre homem e mulher, constata-se que é necessário um período de tempo para sejam instituídas leis que vão refletindo as mudanças já ocorrentes na sociedade. Diante de tal contexto, ainda que a Constituição Federal não tenha expressamente reconhecida a união homoafetiva como um instituto familiar, podemos concluir que tal contemplação provavelmente ocorrerá, pois fatalmente necessitará acompanhar a realidade existente em nossa realidade. É visível a presença de relações contínuas e duradouras entre indivíduos do mesmo sexo. Tais uniões deverá produzir efeitos em nosso ordenamento jurídico.
2. O instituto de adoção no Brasil atualmente e as principais dificuldades enfrentadas pelas crianças brasileiras que não conseguem ser adotadas.
Em relação ao instituto de adoção em nosso ordenamento legal, Menezes explana que:
“O instituto da adoção é tratado no Brasil por diversas legislações partindo da Constituição Federativa do Brasil de 1988 em seu artigo 227, §6°, passando pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Código Civil e a Nova Lei Nacional de Adoção (Lei da Convivência Familiar – Lei nº 12.010/2009).” (MENEZES, 2016).
Trata-se de instituto de extrema importância, pois é criada uma relação fictícia de paternidade/maternidade e filiação entre adotantes e adotados. Equiparam-se a de uma filiação biológica, pois se estabelece, através da adoção, um laço de parentesco entre o(s) adotante(s) e o adotado(s). Importante também se frisar que a adoção trata-se de um ato irrevogável.
De acordo com dados do Cadastro Nacional de Adoção, atualmente há cerca de 6,5 mil crianças e adolescentes no Brasil aguardando pela oportunidade de serem adotadas. Em contrapartida, para cada criança na fila, há cerca de 5 famílias também aguardando pela adoção. Mas, se a matemática é tão generosa nesse encontro de dados, o que ocorre na realidade que permite que tantas crianças e adolescentes ainda estejam nessa longa fila de espera?
Diversos fatores contribuem para tal realidade: o perfil das crianças a serem adotadas nem sempre vão de encontro aos que os adotantes pleiteiam. Há restrições de idade, de sexo, de cor de pele, de isenção de doenças, entre outras impostas pelos futuros pais adotivos. Além de outras questões, como procedimentos que a Justiça tem de se assegurar antes de encaminhar essas crianças à adoção, como tentativa de integração dentro da própria família biológica primeiramente (pais biológicos ou outros parentes).
Felizmente, ainda segundo dados do Conselho Nacional de Adoção, nos últimos anos, houve queda nas exigências dos pretendentes à adoção, mas, ainda assim, elas ainda fortemente existem e acabam limitando a oportunidade de oferecer uma nova família a muitas crianças institucionalizadas.
Diante de tal realidade, um ponto torna-se importante ressaltar: a ocorrência de casais homoafetivos optarem pela adoção de crianças que teriam poucas (ou, quiçá, nenhuma chance) de serem adotadas, como demonstra a declaração da advogada Silvana do Monte Moreira, diretora jurídica da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad):
“[…] a procura por parte de casais homoafetivos vinha aumentando na última década. Segundo a sua experiência, os homossexuais impõem menos restrições na hora de adotar que os heterossexuais, o que permite com que o processo seja mais rápido. ‘Eles adotam justamente os perfis que a maioria não quer, como crianças mais velhas e grupos de irmãos. Na minha opinião, eles passaram tanto tempo sendo marginalizados que buscam exatamente adotar as crianças que são colocadas para debaixo do tapete’, diz Moreira.” (WELLE, 2006).
Em face de tal constatação, permitir a adoção de pares homoafetivos pode se constituir em oferecer um horizonte de possibilidades a mais a essas crianças deixadas a margem na hora da escolha da criança a ser adotada.
A título de meros exemplos, veremos dois casos reais de experiências de crianças que eram consideradas “inadotáveis” e que foram amparadas com muito amor por pares homoafetivos através da adoção.
Primeiramente, daremos lume à história de Marco e seu marido Fábio Canuto que adotaram uma criança negra de seis anos e eram os únicos habilitados no estado do Rio de Janeiro inteiro na época da adoção da criança. Saliente-se bem: “eram os únicos habilitados no estado do Rio de Janeiro inteiro”, ou seja, não havia mais nenhum outro pretendente à adoção da mencionada criança em todo o estado carioca. Marco relata que não determinaram cor ou gênero e também concordavam com doenças tratáveis. Outra flexibilidade que o casal teve foi de adotar duas crianças ao invés de uma, deste modo, Felipe e Davidson foram integrados à nova família em 2011, com sete e oito anos de idade, respectivamente.
Outro caso é o do par homoafetivo Airton Gonçalves de Oliveira e Marco Antônio Scopel Buffon que adotaram dois irmãos: Guilherme e Henrique, há seis anos em Porto Alegre. Na ocasião da adoção, as crianças estavam com nove e quatro anos.
É muito significativa a declaração que o par nos fornece, ao tratar sobre o tema adoção e expor sobre a abertura que apresentava em não impor restrições em relação à criança a ser adotada:
“’As pessoas querem filhos com cor de pele, cabelo e olho igual. Aí ficam cinco anos esperando, claro, até fabricarem exatamente aquilo que eles querem. A gente já não é um casal padrão, por que a gente vai querer uma criança padrão? Nós somos uma família dégradé, cada um de uma cor’, conta o casal, entre risos.” (WELLE, 2015).
3. Possibilidade jurídica de adoção por pares homoafetivos e inexistência de vedação expressa no ordenamento jurídico brasileiro.
No tocante à possibilidade de adoção por pares homossexuais, observamos se tratar de um tema ainda polêmico no Brasil. Felizmente, em outros países, já trata se de uma realidade possível, sendo justamente reconhecida de forma legal.
O ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 42, não expressa vedação a pares de homoafetivos adotarem e nem ao menos menciona a orientação sexual do adotante.
Deste modo, conclui-se que se não especifica quanto à orientação sexual de quem adota, não cabe a quem interprete e aplique tal legislação restringir o universo de possíveis adotantes. Consequentemente, a adoção por pares homoafetivos é permitida.
Ressalta-se, ainda, o dispositivo contido no artigo 5º da Constituição Federal no qual é definido que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Se não é cabível legalmente qualquer tipo de distinção, como é possível que a opção sexual de cada indivíduo e, consequentemente, de cada par possa ser considerado impeditiva para se adotar uma criança ou adolescente?
Analisando tais recortes de nosso ordenamento legal, pode-se concluir o quanto pares homoafetivos vem sendo vítimas de preconceitos e visões retrógradas de aplicadores da lei que insistem em não acompanhar fatos que vem amplamente ocorrendo em nossa sociedade.
De forma sensível e realista, Torres enfoca o triste cenário vivido por pares homoafetivos que intentam a adoção:
“A ideia de família concebida pelos legisladores brasileiros e aplicadores da lei sofre de um mal crônico, a forte influência do casal imaginário, do amor cortês entre um homem e uma mulher, a qual tem servido de fundamento para não se acolher a pretensão à paternidade socioafetiva quando requerida por entidades familiares homoafetivas. Imperioso se faz despertá-los deste romanesco sonho quixotesco, retirar-lhes o véu da indiferença e lhes apresentar não só uma nova realidade social brasileira, mas de toda a humanidade, qual seja, o fato de que a convivência de crianças e adolescentes em lares de casais homoafetivos é uma realidade bastante frequente.” (TORRES, 2009, p.112)
Não se pode deixar de, neste breve estudo, mencionar o princípio previsto no artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente e no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal em que tem primazia o interesse da criança. Outra questão extremamente importante que precisa ser mencionada é todo o trâmite judicial que ocorre para que um processo de adoção possa ser finalizado de modo a ocorrer realmente a efetivação da adoção. É realizado todo um trabalho desenvolvido por assistente social judicial, bem como psicólogos que irão analisar a conveniência do indeferimento ou deferimento do pleito. Tudo pautado no art. 151 do Estatuto da Criança e Adolescente. Quando se defende a possibilidade de adoção por pares homoafetivos, muitas vezes, deixa-se de levar em consideração que os mesmos passarão por todas essas etapas, como qualquer outro adotante ou casal de adotantes. Se o par homoafetivo for submetido a todo esse processo e atingir todos os critérios, qual a justificativa para que seu pedido não seja deferido? Somente por que se trata de um par homoafetivo?
O questionamento proposto por Silva remete a uma importante reflexão:
“Temos que enxergar que o Direito de Família abrange o afeto, amor na solução de seus problemas. Por isso fica a questão para refletir, se um casal de duas mulheres demonstrarem amor e afeto para uma criança que foi abandonada, por um casal heterossexual, por que não conceder a adoção dessa criança para esse casal de duas mulheres?” (SILVA, 2015, p. 112).
Se a justificativa apresentada for a inexistência de lei federal que discipline os efeitos das uniões homoafetivas em nosso país, é possível à classe da magistratura se valer da analogia da aplicação da legislação de união estável aos pares do mesmo sexo, permitindo-lhes o condão de uso dos direitos familiares, especificamente o direito de adoção. Justamente nesse sentido, Silva conclui seu raciocínio:
“[…] o Judiciário tem sido convocado a se posicionar em ações que envolvam direitos dos homossexuais. Na falta de um direito positivo, os juízes vêm se baseando em fundamentos constitucionais, os princípios gerais do direito, analogia e os costumes e outros expedientes jurídicos para que possa dar a prestação jurisdicional na falta de lei que regulamente a matéria.” (SILVA, 2015, p. 113).
Quanto ao aspecto psicológico das crianças e adolescentes adotados por pares homoafetivos, atualmente, já há estudos que acabaram por concluir positivamente a essa modalidade de adoção. A título de exemplificação, podemos citar estudo realizado na Alemanha em 2009 que entrevistou 700 crianças e seus pais, e enfocou que aspectos como desenvolvimento da personalidade escolar e profissional podem ocorrer de forma tão positiva quanto os filhos de uniões heterossexuais. Também não houve registro de maior propensão à depressão.
Conclusão
Parte da população brasileira clama por viver em uma sociedade mais justa, mais digna, com oferecimento de serviços públicos como educação, saúde e segurança de maior qualidade, mais humanizados; clamam pela extinção da corrupção, dentre inúmeras outras reinvindicações. Observou-se pleitos como esses em diversas manifestações públicas nas ruas de todo o país ocorridas nos últimos anos. Como se pode desejar viver em um mundo melhor para cada indivíduo, mas ao mesmo tempo restringir o leque de possibilidades de adoção de milhares de crianças que aguardam ansiosamente pela oportunidade de terem uma família? Fechando o leque de oportunidades de adoção a essas crianças ao invés de ampliá-lo?
Onde existe comprovação científica de que pares homoafetivos não têm capacidade de amar, de cuidar, de educar seres humanos que possam se desenvolver de forma saudável dentro de uma sociedade?
Muito pelo contrário, o que foi brevemente explanado no presente estudo apresenta experiências felizes onde crianças e adolescentes, que se encontravam em abrigos e instituições afins, foram encaminhados a pares homoafetivos dignos que estão propiciando, na medida de suas possibilidades (como qualquer casal heterossexual, diga-se de passagem) uma educação digna a essas crianças.
E de mais, onde existe em nosso ordenamento jurídico, vedação expressa a que pares homoafetivos não possam adotar?
O Estatuto da Criança e Adolescente não impõe restrições de opção sexual aos candidatos a serem adotantes e, ainda que não exista previsão expressa legal quanto à adoção por pares homoafetivos, os mesmos podem ser equiparados aos pares em união estável, recebendo o mesmo amparo. Deste modo, existe a possibilidade real da adoção por pares homoafetivos.
Pós Graduada em Direito da Família e Mediação de conflitos pela Universidade Cândido Mendes – UCAM
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