Kassira Miranda Bomfim*
Resumo: A Economia Colaborativa tem crescido velozmente e tende a ser catalisada pela pandemia, pois esta intensificou a percepção do sistêmico e da necessidade de estruturar-se a sociedade de forma colaborativa. Além disso, revoluciona o modelo mental da Economia tradicional e do Direito, sendo necessário que o advogado prepare-se para atender às demandas jurídicas deste novo cenário econômico mundial. E, para tanto, este artigo pretende demonstrar o quanto é importante que os instrumentos de Mediação – método autocompositivo de solução de conflitos – integrem a sua atuação profissional, possibilitando, desta forma, a adaptação, atualização e sustentabilidade da advocacia.
Palavras-chave: Direito. Advocacia. Mediação. Teoria Sistêmica. Sustentabilidade. Pandemia. Economia Colaborativa.
Abstract: The Collaborative Economy has grown rapidly and tends to be catalyzed by the pandemic, which has intensified our perception of systems and the need to structure society in a collaborative way. It also revolutionizes traditional mental models of economics and law, making it necessary for attorneys to prepare to meet the legal demands of this new scenario in world economics. Therefore, this article intends to demonstrate how important it is that Mediation tools – a self-composed method of conflict resolution – be integrated into professional performance, thus enabling adaptation, modernization, and sustainability of the law.
Keywords: Law. Advocacy. Mediation. Systemic Theory. Sustainability. Pandemic. Collaborative Economy.
Sumário: Introdução. 1. Empresas colaborativas – novo modelo mental da Economia. 2. A pandemia intensificou na humanidade a percepção do sistêmico e isto tende a fomentar uma sociedade estruturada de forma mais colaborativa. 3. A Mediação é estruturada na colaboração e dá sustentabilidade à advocacia. 4. Advogar para empresas colaborativas – novo modelo mental do Direito. Conclusão. Referências.
Introdução
Recentemente, uma forma de organização econômica chamada economia colaborativa tem atraído a atenção do mundo dos negócios. Este tema entrou em pauta após a forte recessão econômica de 2008, na qual uma boa parte da população teve que restringir seu consumo e tem crescido significativamente, com projeções de expansão que tem deixado atentos os economistas, influenciado a cadeia de produção e mobilizado investidores.
Segundo a revista Forbes, 3,5 bilhões de dólares foi o valor que a economia colaborativa movimentou em 2013, que cresceu velozmente para 15 bilhões, em 2014, já representando, em 2019, um valor de mercado de dezenas de bilhões de dólares na economia mundial. E, conforme projeções da PWc (PricewaterhouseCoopers) – uma das maiores prestadoras de serviços profissionais do mundo –, publicadas pela FIA – Fundação Instituto de Administração -, a economia compartilhada deverá movimentar até 335 bilhões de dólares em 2025[1].
Ademais, diante da crise gerada pela Covid-19, é possível vislumbrar uma tendência significativa da economia colaborativa expandir-se de forma mais rápida do que o previsto anteriormente. Isto porque, conforme será apresentado neste artigo, a pandemia intensificou a percepção do sistêmico e, por consequência, da necessidade de estruturar-se a sociedade de forma colaborativa, tendo, assim, o condão de catalisar a economia colaborativa.
Por outro viés, para além dos indicativos econômicos, a Economia Colaborativa revoluciona o modelo econômico tradicional e está desafiando a forma como enxergamos a propriedade, os contratos e os lucros; criando estruturas de negócios sem referenciais jurídicos anteriores; bem como demonstrando a potência da colaboração para solucionar questões econômicas, notadamente em períodos de crise.
Diante deste cenário, faz-se necessário o profissional do direito preparar-se para atender as demandas jurídicas deste novo cenário econômico mundial. E, para tanto, pretende-se demonstrar, através deste trabalho, a importância dos instrumentos da Mediação integrarem a atuação do advogado, adaptando, atualizando e tornando sustentável a advocacia.
Há muitas definições de empresas colaborativas, mas o que está no coração da economia colaborativa é a possibilidade de prosperar em rede, a sustentabilidade pela colaboração e ainda a perspectiva de evoluir exponencialmente em face conexão com o infinito campo das possibilidades da rede distribuída.
O elemento colaboração revoluciona duas premissas básicas da Economia tradicional, que estuda como a sociedade administra os seus recursos escassos e é baseada na escassez e na competição. Ao passo que, para a Economia Colaborativa: a) a matéria é escassa, mas a capacidade de transformação dela é infinita se as pessoas forem colaborativas, se criarem intersecções de usos e funções e, assim, conectarem-se ao infinito campo de possibilidades da rede distribuída; e b) a colaboração e/ou compartilhamento faz com que se migre da ideia de escassez de bens para a de abundância, pois, ao atuar em rede, faz o ganho do outro ser o seu ganho, fazendo transitar da competição para a colaboração. É a ideia da sustentabilidade do negócio baseada no pensamento sistêmico e colaborativo, com uma visão mais ampla, que prevê o funcionamento do todo, quem faz parte, quem fornece, quem recebe, qual o contexto.
Além disso, é a colaboração que vai determinar uma outra característica da economia colaborativa, que é a organização de controle distribuída em rede, diferente das centralizadas ou descentralizadas, as quais mantem um sistema excludente. Na rede distribuída, característica da economia colaborativa, todos estão conectados e ninguém está acima dos outros. Assim, desestimula-se, ou inviabiliza-se, a concorrência, pois, para um ganhar, o outro não precisa perder, mas, ao contrário, o ganho de um significa ganho para toda a rede. Desta forma, em face da configuração e da dinâmica colaborativa das conexões, as pessoas juntam-se para resolver problemas e criar coisas novas em que toda a cadeia produtiva ganha, gerando resultados exponenciais e abundância.
A economia colaborativa traz outra estrutura. Nela, todos são agentes transformadores, livremente conectados e colaborativamente ativos. Isso pode ser aplicado desde à estrutura do negócio, até à da hierarquia interna das empresas. Cooperar com o outro não significa escolher o bem alheio em detrimento do meu, não é filantropia, mas não há competição, pois o seu ganho significa um ganho para o outro e, muitas vezes, colaborar com o outro é a única forma de materializar algo na nuvem de possibilidades do campo, a exemplo da Wikipédia, na qual cada pessoa é produtora e consumidora; contribui e é beneficiada.
Há uma ideia preliminar de economia colaborativa, que possui modelos de distribuição e remuneração diferentes, que se desdobrar em algumas categorias, tais como:
Mas estas são apenas algumas categorias e o enfoque deste artigo não está restrito a elas. A ideia de economia colaborativa é bem mais ampla. Para cada tipo de negócio, existe como se inserir na economia colaborativa, inserindo itens colaborativos nele.
Às vezes, é algo que já se faz intuitivamente, mas trazer à tona, evidenciar e comunicar as características colaborativas de um empreendimento faz como que as pessoas conectem-se a partir disto. É algo que pode fazer parte do planejamento estratégico da empresa, inserindo itens colaborativos no negócio, identificando interesses e pontos de ganha-ganha, estabelecendo um propósito transformador que engaje e una as pessoas. Enfim, é um negócio pensado para ser colaborativo como estratégia de sustentabilidade, longevidade e de agregação de valor ao produto/serviço. E isto significa pensar no negócio em toda a sua amplitude, identificar o que nele representa ou pode vir a representar um modelo de economia colaborativa, e estruturá-lo e/ou geri-lo a partir destes elementos.
Já há muitos exemplos de empresas movidas por tais princípios e que buscam estruturar o seu negócio e criar condições favoráveis para a colaboração, especialmente no Vale do Silício, o maior polo de tecnologia, empreendedorismo e inovação do mundo, que reúne empresas com grande potencial de crescimento e lucratividade. No Brasil, tem-se avançado também. E, segundo publicação da FIA – Fundação Instituto de Administração [2]– em acordo com um estudo de 2016, promovido pela IE Business School, o Brasil é o líder da América Latina, em iniciativas de economia colaborativa, que poderá representar, em um futuro próximo, cerca de 30% do PIB brasileiro no setor de serviços. E o Sebrae, por seu turno, tem gerado produtos e instrumentos para ajudar a estruturar diferentes tipos de negócios colaborativos.
A economia colaborativa tem envolvido milhões de pessoas. E, onde há muita gente, há muito dinheiro. Mais importante que isso, muitos dos seus produtos e serviços empoderam cidadãos comuns, seja permitindo que suas habilidades sejam valorizadas ou garantindo renda extra. Ademais, conforme já mencionado, este recente modelo econômico significa uma importante transformação de paradigmas e traz em suas bases, princípios capazes de conduzir a comunidade mundial para uma forma de organização socioeconômica mais colaborativa, a dizer, mais empática, pacífica, ecológica e, principalmente, sustentável.
A teoria científica sistêmica vem sendo elaborada há, aproximadamente, um século, se considerarmos como marco a primeira estruturação de uma teoria da mecânica quântica, com início das descobertas de 1905, mas com estruturação epistemológica apenas no Congresso de Copenhague em 1927. A partir dela, passamos pela psicologia Gestalt, a Teoria Geral dos Sistemas na Biologia e a elaboração da Cibernética na Matemática (1940), a Teoria da Comunicação, o Organicismos e a concepção de ecossistemas também da Biologia.
Enfim, foi uma grande construção teórica até o presente momento. Este pensamento sistêmico já estava aí e vinha gradativamente sendo percebido e integrando à estrutura de pensamentos da sociedade. A tecnologia da internet e as telecomunicações foram importantes para ampliar, nas pessoas, a percepção de sistêmico e são os principais aliados da economia colaborativa. Mas, neste momento, a pandemia traz não mais uma concepção de sistêmico, vai além e intensifica o sentir sistêmico na sociedade, catalisando as transformações necessárias na estrutura interna das pessoas, ao tempo em que “mexe no DNA da estrutura social e econômica” e ensina, a um só tempo que:
I – Não é possível pensar-se isoladamente, pois o que acontece em um canto do planeta está conectado com o que ocorre nos demais lugares, portanto, é preciso resolver o problema de todos, uma vez que aquilo que acontece com uma pessoa pode afetar em breve todos os outros seres. Intensifica, assim, a percepção de que: a) os problemas, tensões e conflitos e os seus efeitos são sistêmicos, o que significa interdependentes, não podendo, portanto, serem devidamente percebidos com uma visão estreita e fragmentada; e b) por outro lado, um ato compassivo ou construtivo, seja trabalhando em hospitais, obedecendo à quarentena ou descobrindo a vacina imunizadora do vírus, tem o potencial de ajudar a todos.
II – Para encontrar soluções, é preciso enxergar o todo e como funciona o sistema integralmente, ter uma visão completa da totalidade e do seu funcionamento, como, por exemplo, da disponibilidade de leitos e equipamentos hospitalares em relação ao total da população. Ou seja, compreender como atender o interesse de manutenção da saúde de cada um, a partir da percepção do funcionamento do sistema, da análise das ondas de contaminação, como se movimenta a doença no conjunto da sociedade, com flexibilidade no olhar diante de uma realidade com referenciais fluidos;
III – Há uma íntima conexão: da questão ecológica (vida selvagem e meio ambiente) com a saúde física; da saúde com trabalho e economia; da economia com o psicológico; da arte com a saúde mental; da justiça social (ex: saneamento básico e favelas) com a expansão da contaminação; do Estado como ente regulador do todo e do SUS com a sustentabilidade da vida no país. Enfim, o cotidiano de uma pandemia, como a da Covid-19, evidencia a relação entre disciplinas diferentes e a necessidade de pensá-las conjuntamente, na perspectiva de uma visão interdisciplinar, transdisciplinar e integrada dos eventos para percepção de algo oculto no todo;
IV – Há uma ênfase na interligação e interdependência, no aspecto relacional entre as partes da sociedade, corroborando a visão que torna a forma de conexão dos componentes importante para a sustentabilidade do todo, para o sucesso na solução das questões. Como os diversos setores e partes da sociedade interagem, como as pessoas relacionam-se importa para definir procedimentos; e
V – A percepção de que há algo oculto, presente no fenômeno, resultante da interação que forma o todo, presente no funcionamento da sociedade. Verifica-se, a título de exemplo da crise pandêmica vivida especificamente no Brasil, que o racismo e toda forma de preconceito alimentam o fascismo, que destrói a democracia, que atinge a todos e torna ainda mais difícil atravessar momentos difíceis que demandam um funcionamento social mais equilibrado, não segregado e conjunto. Há, portanto, algo oculto que resulta da interação de todas as questões e princípios sociais, de forma que não dá para se pensar em privilégios e exclusões sem pensar nos seus efeitos na rede, sem que de tais fenômenos resulte um desequilíbrio social, pois isto gera e alimenta um fator de segregação e destruição oculto. Esta crise mostra que todos são agentes transformadores, portanto, todos devem assumir responsabilidades, pois as ações de cada um influenciam no todo, e, desta forma, protege-se o futuro de mais ameaças desse tipo.
Todos precisam ganhar, este é o ponto! Mas, agora, não mais como uma ideologia e altruísmo, mas como uma necessidade, uma questão de sustentabilidade do sistema e dos negócios. Pensar em uma economia estruturada de forma colaborativa é a forma de garantir a sustentabilidade do negócio, uma nova forma de estruturar a sociedade, de promover a transformação fundamental, na qual toda a cadeia produtiva ou muitos, a maior quantidade de pessoas possível, ganhem e tenham interesse em trabalhar para manter o sistema.
Por outro lado, assim como a grande crise econômica mundial em 2008 e de forma mais intensa, a pandemia da Covid-19 está fazendo as pessoas perceberem que é preciso mudar, necessário repensar o consumo desenfreado vigente, buscar alternativas para cortar gastos e encontrar formas de gerar receitas extras. A questão de saúde somada à questão financeira e às demandas ambientais, ao crescimento das redes sociais e à necessidade de mudança, tende a fazer a economia colaborativa expandir.
Portanto, a necessidade de estruturar sistemas colaborativos não está adstrita à Economia e/ou ao Direito, mas pertence a algo maior, do qual todos fazem parte, a advocacia faz parte. Percebe-se através deste pensamento que não é apenas a priorização da lide judicial competitiva que é insustentável neste momento, é todo o sistema, baseado na economia tradicional com seus pressupostos da competição e da escassez, do qual o Direito é parte.
O que está em jogo é a adaptabilidade da advocacia ao pensamento sistêmico e ao funcionamento social em redes colaborativas de interações! E, seguindo a ideia da frase atribuída a Charles de Darwin, segundo a qual “As espécies que sobrevivem não são as espécies mais fortes, nem as mais inteligentes, e sim aquelas que se adaptam melhor às mudanças”, pode-se afirmar que a advocacia que sobreviverá será aquela que se adapte melhor às mudanças. Para tanto, avançando um pouco mais, verificar-se-á a relevância dos instrumentos da Mediação, que traz a colaboração na sua essência, integrarem a atuação do advogado no cenário da economia colaborativa, como uma importante forma de sustentabilidade da advocacia.
A mediação é um método auto compositivo com a finalidade de resolução de conflitos, por meio de técnicas que facilitam a comunicação entre as pessoas em conflito, habilitando-as a melhor compreenderem suas posições e a encontrarem soluções nas quais se compatibilizem interesses e necessidades, o que é feito com o auxílio de um terceiro neutro ao conflito, que, conforme for a espécie de Mediação, dentro de uma perspectiva flexível, irá facilitar a comunicação entre os envolvidos e/ou interferir na construção da solução de um acordo.
A Mediação tem como um dos seus princípios e, ao mesmo tempo, uma das suas finalidades, a busca do consenso, que é inerente à própria natureza da mediação. Mais que isto, poder-se-ia dizer que é a principal delas, a razão pela qual a mediação foi estruturada.
O consenso caracteriza-se pela: a) Não adversariedade e não competitividade entre as partes, que atuam juntas, engajadas de forma colaborativa, para a realização dos interesses reais e comuns entre si, bem como para a obtenção de ganhos mútuos; e b) Autodeterminação e autonomia em relação à tomada de decisões sobre as questões que envolvem o conflito, pois significa ter condições de escolha consciente do que é melhor para si.
O consenso ocorre, portanto, a partir da transformação das relações e promoção do diálogo entre as pessoas, o que é alcançado utilizando-se técnicas de negociação e comunicação que as habilite a melhor compreenderem suas posições e a encontrarem soluções, nas quais se compatibilizem interesses e necessidades, bem como se estimule a colaboração recíproca, a despolarização das partes e o diálogo construtivo, levando, assim, à satisfação de todos os envolvidos.
E, para melhor compreensão, chama atenção que a busca do consenso não é igual à realização do acordo, podendo este acontecer com ou sem consenso, pois este pressupõe o atendimento dos interesses de ambas as partes e a autonomia destas em relação às decisões sobre as questões que envolvem o conflito, sendo, então, a mediação um método auto compositivo, que resulta em contratações conscientes. Portanto, o mero acordo pode ser celebrado sem o consenso, de forma impositiva e não colaborativa, irresponsável, sem autonomia e sem consciência sobre a tomada de decisão, a qualquer custo, o que não se coaduna com a mediação e nem é a finalidade desta.
De outra forma, a lide judicial, para a qual o advogado vem sendo prioritariamente preparado durante a sua formação, é estruturada na competição, baseada em posições, onde só um ganha e impera o pensamento de dualidade cartesiana, mecanicista, pensamento linear, que não se coaduna com o pensar sistêmico e colaborativo. Por suas próprias características, este modelo mental da advocacia é inadequado para a assessoria de negócios colaborativos; e, em face da atual realidade do funcionamento do Poder Judiciário e da sociedade, se não for devidamente adaptado, mostra-se insustentável a médio ou curto prazo.
Por outro lado, a Mediação debruça-se sobre o conflito para entende-lo, havendo, inclusive, teorias do conflito que aprofundam a compreensão sobre este aspecto, identificando os reais interesses em questão e buscando encontrar opções de ganha-ganha, assim como identificando pontos de potencial conflito, de maneira a poder agir-se preventivamente ou solucionar os que já tenham se manifestado.
Ao passo que a advocacia exercitada até então, baseada na Teoria Geral do Processo, foi orientada a buscar muito mais o interesse processual e a observar prioritariamente o binômio interesse-necessidade, interesse-adequação/utilidade como condição processual da ação, bem como a analisar a causa de pedir próxima e remota como elementos da ação, portanto, também numa perspectiva formal e processual. Assim, estas questões sempre foram mantidas no plano abstrato, do formal, processual. E, para satisfazer a formalidade legal, o advogado foi direcionado a encaixar os casos práticos trazidos para a sua responsabilidade, no que seria interesse jurídico, necessidade, utilidade e causa de pedir meramente processuais, o que, não obstante a sua importância técnica e na composição de princípios constitucionais de ordem processual, ao longo do tempo, teve como consequência, a construção de um modelo mental da advocacia, que retirou a atenção profissional, dos reais interesses, necessidade, utilidades e motivações das questões. Contudo, neste momento de transição do modelo mental da Economia, diante de uma sociedade complexa e na perspectiva sistêmica, tal tratamento das lides e demandas trazidas para a assessoria jurídica, não é suficiente para solucionar os conflitos, identificar e realizar os interesses das pessoas, e nem para estruturar empresas e negócios colaborativos.
Neste ponto, é importante lembrar que o exercício da advocacia, conforme o art. 1º do nosso Estatuto da Advocacia, envolve não apenas a atividade de postulação em Juízo, mas também as de consultoria, assessoria e direção/gestão jurídicas. E, recentemente, o Conselho Federal da OAB publicou o provimento 196/20, no qual reconhece, expressamente, a atividade de advogados que atuam como conciliadores, mediadores, árbitros ou pareceristas.
Observa que, apesar do advogado poder atuar como mediador, ele não precisa exercer esta função para atuar profissionalmente de forma colaborativa. Neste sentido, este artigo visa destacar a importância das ferramentas da mediação, fazerem parte da atuação do advogado, integrarem a sua prática, em toda e qualquer atuação sua, no sentido de agregar valor ao seu exercício profissional, adequando e dando sustentabilidade à advocacia.
A Mediação coloca uma lupa sobre os interesses e causas/motivações das pessoas, que muitas vezes são diversos de interesses jurídicos, apenas tendo reflexos nos direitos das partes. Então, a Mediação traz ferramentas de comunicação capazes de criar uma dinâmica colaborativa entre as pessoas e de permitir ao advogado identificar os reais interesses e motivações em jogo e, a partir daí, prestar uma melhor assessoria jurídica, aquela que vá ao encontro da realização dos interesses e da efetiva solução do conflito. Portanto, a Mediação agrega valor à advocacia, amplia as suas ferramentas de atuação e insere o referido exercício profissional numa rede social colaborativa!
Aprender a migrar de posições e competição para gerar opções de ganhos mútuos é possível através das ferramentas da negociação, que embasam a Mediação. Na advocacia tradicional, tem-se um modelo mental formado por partes, posições e competição, com ganho unilateral. Necessário se faz aprender estratégias de comunicação construtivas e colaborativas. E, com isto, ver-se ampliar o espaço de atuação da advocacia para métodos mais adequados de solução de conflitos, tais como negociação, mediação e conciliação.
Por outro viés, o advogado precisa desenvolver a capacidade de identificar interesses, necessidades, utilidade e causa de pedir substancias do conflito para solucioná-lo ou para, antes disso, evitá-los. E, neste sentido, desenvolver a habilidade de assessorar juridicamente empresas e negócios colaborativos, propiciando o encontro de interesses e a identificação dos pontos de ganha-ganha, criando soluções jurídicas transformadoras que engajem e unam as pessoas.
Muito do que foi dito até aqui já é feito intuitivamente, mas a Mediação fornece ferramentas para aprimorar e direcionar melhor esta atuação do advogado, capaz de modificar o modelo mental da advocacia para atualizar e adequar o exercício profissional, à nova realidade, o que agrega muito valor ao serviço jurídico e torna a advocacia sustentável.
Conforme apresentado, os negócios colaborativos revolucionam o modelo mental da Economia e há real perspectiva de ampliação. Estar-se diante de algo novo, sem estruturas prontas e referenciais anteriores, que modifica a forma como se enxerga a propriedade, os contratos, a gestão estratégica das empresas e os lucros. Portanto, o advogado precisará ter capacidade de construir soluções jurídicas colaborativas junto com as pessoas, assumir o desafio de modificar o modelo mental da advocacia, do litigioso/competitivo para o consensual/colaborativo, tanto para assessorar aqueles negócios que já estão funcionando estruturados neste novo modelo econômico, quanto para criar e fomentar novos.
O advogado precisará ser capaz de contribui juridicamente estruturando redes distribuídas, descobrindo pontos chaves que tornem os negócios colaborativos e percebendo os aspectos de potencial conflito, elaborando contratos que funcionem como conectores de cadeias produtivas colaborativas, ajudando a criar dinâmicas colaborativas de funcionamento dos negócios.
E, para isto, para enxergar e atuar na rede distribuída, o advogado precisará: (a) ter visão sistêmica e colaborativa; (b) interagir com os diversos setores e atores da empresa, como contabilidade, produção, pessoal e até mesmo fazer parte da equipe de elaboração da gestão estratégica da empresa; e (c) integrar à sua atuação, ferramentas de comunicação que o auxilie a identificar interesses e pontos de ganha-ganha, inserindo itens colaborativos nos negócios, para ajudar a criar estruturas jurídicas em que toda a cadeia produtiva ganhe.
Além de tais elementos, o advogado precisará desenvolver mais do que nunca, competência jurídica, técnica e normativa, especialmente considerando que a economia colaborativa altera as referências de propriedade, dos contratos, da gestão estratégica das empresas e dos lucros, assim como, dentre outras, de relações trabalhistas, consumeristas e tributária. Desta forma, as ferramentas da mediação agregam valor à advocacia e são fundamentais para inserir o advogado no cenário da economia colaborativa, correspondendo ao aprimoramento do que esta articulista chama de “dimensão comunicativa do Direito”. Contudo, não são suficientes e não dispensam o desenvolvimento da competência do advogado em relação ao direito material e não deixa de ser importante a dimensão normativa do Direito, mas, ao contrário, também em relação ao Direito Positivo, a expansão dos negócios colaborativos desafia este profissional a aperfeiçoar-se de modo a ter condição de oferecer soluções jurídicas criativas, inovadoras e seguras diante: de radicais alterações de paradigmas de institutos jurídicos que são sua “matéria-prima”; e de estruturas de negócios disruptivos.
Na prática, haverá hipóteses em que a proposta de valor do negócio a ser assessorado será inovadora e o elemento de colaboração é o próprio produto ou serviço, capaz de escalar todo o negócio, materializando a colaboração e impactando positivamente toda a rede, fazendo com que exista muito mais gente torcendo para que der certo e participando, tornando a cadeia sustentável a longo prazo, mas, ainda assim, o negócio permanece juridicamente estruturado num modelo tradicional, no qual o advogado terá que atuar pensando sistemicamente e de forma colaborativa para ajudar a estruturar o negócio em rede colaborativa e trabalhando na elaboração de contratos que, numa perspectiva avançada de governança corporativa da rede distribuída e não apenas de uma determinada empresa, funcionem como conectores de toda a cadeia de produção e fornecimento, gerindo-os através de uma série de composição para que a rede funcione toda integrada, fluida e sustentável de uma ponta à outra, protegendo toda a rede, conectando as diversas capacidades, relacionando direitos e obrigações em prol de um objetivo maior de todos, seja ele um produto ou um serviço.
É possível, ainda, encontrar-se empreendimentos colaborativos em que não há um modelo colaborativo que encaixa pessoas dentro e que podem ser estruturados por institutos jurídicos bastante simples, como um contrato de locação em ambientes compartilhados de criação e produção por usuários, fabricantes e empreendedores relacionados a determinada atividade, os quais oferecem oportunidade de interação orgânica e já é o elemento colaborativo, capaz de potencializar e facilitar a colaboração e troca entre os usuários, gerando excelentes conexões entre projetos e benefícios para todos os que fazem parte. Nestas situações, o advogado irá colaborar na identificação de negócios complementares e propondo soluções jurídicas para o atuar conjunto que melhore o funcionamento da rede, integrando-os aos instrumentos jurídicos de estruturação e gestão do empreendimento, além atuar na gestão colaborativa dos respectivos contratos, tudo isto de modo a formar a rede que crie um ecossistema em condições de fazer surgir e expandir organicamente a economia colaborativa.
Contudo, há muitos tipos de empresas que estão surgindo que, para estruturar o seu elemento colaborativo, demandará construções jurídicas novas e criativas, ainda que manifestada na forma de institutos jurídicos tradicionais, como troca, aluguel, doação, empréstimo ou outra negociação semelhante, mas adaptados a uma proposta revolucionária, sem referenciais jurídicos, passíveis de questionamento sobre a sua validade e legalidade, não havendo limite para o modelo de negócio compartilhado. O advogado, nestes casos, precisará ter, ainda mais, profundo conhecimento jurídico para ser capaz de inovar com segurança, dando suporte a negócios que revolucionam a ordem estabelecida até então pelo Direito.
Portanto, estar-se diante de um grande desafio de modificação do modelo mental do advogado, que exigirá a associação de habilidades comunicativas próprias das ferramentas de mediação, à necessária competência no plano normativo e ao aprofundamento nos institutos jurídicos, capaz, assim, de extrair do ordenamento jurídico as soluções colaborativas necessárias da forma mais segura possível.
A respeito da segurança jurídica dos negócios colaborativos, cabe a alerta de que, apesar de todos os benefícios e da expectativa real de expansão, há riscos de se aderir à economia criativa e algumas empresas aprisionadas ao tempo podem sofrer para se adaptar à nova realidade ou sucumbir diante dela. Isto porque, como visto, trata-se de um rompimento total com a lógica do mundo dos negócios, que visa o lucro antes de qualquer outra coisa e significa também um rompimento com a lógica jurídica tradicional. Portanto, aderir à economia colaborativa exigirá uma adequação dos institutos e instrumento jurídicos às novas diretrizes, o que é um grande desafio profissional, a ser assumido pelos advogados.
Por maior que seja tal desafio para a advocacia, encará-lo é inevitável, pois há uma mudança cultural em curso, da qual o advogado faz parte e precisa adequar-se, sob pena: I – da advocacia ter uma existência esquizofrênica, ao oferecer soluções lineares e competitivas para questões que estão em rede distribuída, com reflexos em vários pontos, o que exigirá soluções competentes e seguras, a partir de uma visão sistêmica, criativa, transformadora e inovadora, só alcançadas com a colaboração dos envolvidos; e II – do advogado que não acompanhar esta tendência tornar-se a segunda opção ou, quem sabe, os serviços ofertados tornarem-se irrelevantes, por não atenderem de forma adequada as demandas em relação à solução dos conflitos.
Conclusão
Como visto, tanto a economia global de nossos dias como a ordem jurídica nela inscrita são manifestamente insustentáveis. Surge, então, uma nova ordem baseada na colaboração sistêmica entre os seres, compartilhamento de bens e recursos comuns, no engajamento cívico e na participação, que é crucialmente necessária neste momento e que poderá permitir à humanidade encontrar uma melhor versão de si mesma.
A economia colaborativa é um movimento de concretização de uma nova percepção de mundo. Ela representa o entendimento de que, diante de problemas sociais e ambientais que se agravam cada vez mais, a colaboração deve substituir a competição, o compartilhamento gera abundância e deve substituir o acúmulo, que pressupõe a escassez. Trata-se, assim, de uma força que impacta a forma como a sociedade vive e, principalmente, faz negócio e, consequentemente, advoga.
Os princípios da Mediação significam, assim, uma modificação no modelo mental da advocacia e as ferramentas da Mediação fornecem as condições necessárias para a adaptação da profissão à novo modelo mental da Economia, tornando a advocacia sustentável.
Por outro lado, estar-se, neste momento, na perspectiva de um exercício da advocacia que ganha autonomia em relação ao Estado, no que se refere ao campo de resolução de conflitos não está restrito ao Judiciário; que tem o potencial de colaborar para o desenvolvimento da capacidade autocompositiva da sociedade (logo, para a paz) e integrar a rede de colaboração sistêmica, ganhando, assim, relevância em uma sociedade complexa e caracterizada pelo indeterminismo. Elastece-se e potencializa-se o espaço de atuação do advogado, num cenário de complexidade no qual as velhas categorias jurídicas não dão conta de resolver!
A atuação do advogado, integrada pelo aprimoramento de técnicas de comunicação trazidas pela Mediação, consegue extrair do sistema jurídico algo que o direito positivo sozinho e o Judiciário não podem oferecer. É o que se pode chamar de expansão da dimensão comunicativa do Direito, a merecer da advocacia uma mudança de cultura. E este é um modelo mental para a advocacia capaz de protagonizar um diálogo transdisciplinar na solução de conflitos, capaz de identificar as reais necessidades das pessoas em conflito e de estruturar negócios colaborativos. Com a Mediação, os advogados são condutores da lei no caminho entre a sua abstração e a sua concretude, de forma sem igual na história, legitimando da melhor forma possível a aplicação da norma. A Mediação, portanto, expande, e melhora, o espaço da Advocacia.
Desta forma, o advogado precisa: aprimorar a dimensão comunicativa do Direito e a visão sistêmica, apressando-se para não perder o lugar de vanguarda no mundo, para não ter que conviver com paradigmas ultrapassados até que a compreensão da nova realidade venha; e esforçar-se para fornecer bases atualizadas de sustentação para o Direito e para as demais ciências que lidam com o conflito, sendo protagonista de uma nova forma de lidar com os conflitos e interesses, assim como contribuindo para uma organização socioeconômica mais colaborativa, a dizer, mais empática, pacífica, ecológica e, principalmente, sustentável.
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* Advogada sistêmica colaborativa, membro da Comissão de Mediação e Conciliação da OAB, consultora e instrutora do Sebrae na área de Legislação Aplicada às Pequenas Empresas, Mediação e Arbitragem, adv.Kassira@gmail.com
[1] Leonardo Pedroza, artigo: Economia compartilhada e a mudança no consumo – Diário do Comércio, em: https://diariodocomercio.com.br/opiniao/__trashed-39
[2] Economia Colaborativa: Tudo o que você precisa saber / Júlio César Teixeira
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