Água produzida e gestão ambiental na indústria de combustíveis brasileira

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Resumo: Esse trabalho visa a realizar a exploração conceitual acerca da gestão ambiental de água produzida, caracterizada como água subterrânea extraída como resíduo nos processos produtivos de petróleo e gás natural. O exame dessa modalidade de exploração industrial dos recursos hídricos, especialmente em bases terrestres, exige a integração entre as políticas específicas de direito ambiental, incluindo-se as Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) e as normas de gestão de recursos hídricos, com especial enfoque na Lei Federal nº 9.433/97 que estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH),  com seus instrumentos regulatórios próprios. Essa análise envolve os aspectos da outorga do direito de uso da água subterrânea, a cobrança pelo uso da água, considerando transversalmente o enquadramento de águas doces. A integração dessas políticas pelo foco normativo demanda o estabelecimento da aplicação dos instrumentos regulatórios com vistas à conservação dos ecossistemas e o desenvolvimento sustentável das atividades produtivas na indústria nacional de combustíveis.


Palavras-chave: Direito ambiental; Gestão de recursos hídricos; água produzida.


Abstract: This work intends to discuss the concept of groundwater extracted in industrial oil and natural gas processes in an environmental management perspective. The examination industrial water resources exploitation requires the integration of specific policies based on environmental law, including Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) resolutions and specific water resources management regulation, with special focus on Federal Law No 9.433/97 establishing the National Water Resources Policy (PNRH) with its regulatory instruments. The analysis involves right granting for groundwater use, charging for water use and water classification. The integration of these policies by regulatory focus demand the establishment of  specific instruments for groundwater management in Brazilian law, in order to promote  the conservation of ecosystems and the sustainable development of productive activities in fuel industry.


Keywords: Environmental Law; Water resources management; Produced water.


INTRODUÇÃO


Esse trabalho pretende fazer uma abordagem conceitual acerca da gestão ambiental da água produzida, caracterizada como água subterrânea extraída nos processos produtivos de petróleo e gás natural. O exame dessa modalidade de exploração industrial dos recursos hídricos exige a integração entre as políticas específicas fundadas no direito ambiental, incluindo-se as Resoluções do CONAMA e as normas de gestão de recursos hídricos, com especial enfoque na Lei Federal nº 9.433/97 que estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) com seus instrumentos regulatórios próprios (Guimarães e Xavier, 2006).


Realizou-se uma exploração bibliográfica do tema, com base em fontes primárias e secundárias, que possibilitasse o exame conceitual e a recomendação de procedimentos de tratamento integrado da gestão ambiental da água produzida.


Essa análise envolve os aspectos da outorga do direito de uso da água, tanto para a captação superficial ou subterrânea, bem como para o lançamento de efluentes e a cobrança pelo uso da água, considerando ainda nesse contexto regulatório de modo transversal, o enquadramento de águas doces. A integração dessas políticas pelo foco normativo demanda o estabelecimento de previsão das outorgas qualitativas para usos de água subterrânea, que favoreçam a aplicação dos instrumentos regulatórios com vistas à conservação dos ecossistemas e o desenvolvimento sustentável em atividades produtivas na indústria de commbustíveis, prezando pela integração da gestão dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos.


 A necessidade de gestão dos recursos naturais imposta às sociedades contemporâneas requer o estabelecimento de padrões culturais que permitam fornecer algum controle sobre a utilização dos bens da natureza, em respeito ao ideal, já consolidado enquanto norma constitucional brasileira, do desenvolvimento sustentável. Esse fenômeno cultural tem produzido inúmeros instrumentos de regulação econômica para a gestão do uso dos bens ambientais, fundados em normas dos mais variados centros produtores, sejam eles constitucionais, como um conjunto de leis federais, estaduais, resoluções normativas e manifestações de Conselhos gestores específicos. Há entes estatais inovadores no contexto nacional, como os Comitês de Bacia Hidrográfica (CBH) fazem parte desse intrincado sistema de gestão ambiental (Guimarães e Ribeiro, 2007).


As águas subterrâneas e superficiais são elementos indissociados na determinação dos ciclos hidrológicos e o estudo de instrumentos para a sua gestão integrada deve ser objeto de aprofundamentos, com vistas ao equilíbrio e sustentabilidade, pois as atividades humanas dependentes de água, das mais diversas naturezas, necessitam ser geridas de modo a que esse e outros insumos produtivos sejam utilizados de acordo com os princípios do desenvolvimento sustentável.


O país experimentou desde o final da década de 80 o aprofundamento das questões institucionais ligadas ao meio-ambiente e à gestão dos recursos naturais, como de resto aconteceu na maior parte dos países ocidentais e ocidentalizados, por força de um imperativo global em torno na conservação das espécies. A água, por conseguinte, é fundamental para vida, tendo se tornado objeto de estudo dos especialistas, tanto para prevenir conflitos como para evitar ou solucionar problemas de escassez.


A implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) instituída pela Lei Federal n˚ 9.433/97 demandou a criação de instrumentos de gestão que vem sendo estudados ao longo dos últimos dez anos, como forma de possibilitar a otimização dos modelos institucionais já implantados e de adquirir maturidade administrativa para a configuração de novos modelos. Essa especialização normativa da gestão de recursos hídricos permite realizar interpretações que conformam, em cada setor produtivo, a gestão do meio-ambiente, consoante determina a Constituição Federal, na combinação dos artigos 170 e 225.


No caso da extração de águas subterrâneas, há um quadro legal significativo no Sistema Nacional de Gestão de Recursos Hídricos (SINGRH) que permite interpretações em situações concretas de implementação dos instrumentos para essa gestão. Saliente-se que, embora os usos de água subterrânea sejam disseminados em todos os segmentos da sociedade em todas as regiões do país, o sistema inaugurado pela PNRH ainda carece de efetividade nessa modalidade de exploração, embora tenha se mostrado relativamente expressivo no tocante aos corpos hídricos superficiais (ANA, 2007).


Segundo dados da ANA (2007) o Brasil não possui uma rede de monitoramento de águas subterrâneas, não obstante o intenso uso que se faz deste recurso, especialmente para abastecimento domiciliar e usos industriais. Estudos realizados sobre águas subterrâneas por órgãos estaduais propõem a criação de redes de monitoramento para aqüíferos específicos sem que isso tenha sido efetivamente realizado (ANA, 2007). Há, entretanto, uma tendência de superação da carência de dados, uma vez que a gestão integrada dos recursos hídricos demanda o entendimento do sistema ambiental como um todo, pois o aqüífero pode ser definido como um subsistema, parte indissociada do grande ciclo hidrológico.


Especialmente no setor produtivo industrial, é conhecido o potencial negativo da exploração dos recursos naturais, causador de inúmeras externalidades negativas, seja pela adoção de sistemáticas em desacordo com novos paradigmas de desenvolvimento sustentável, seja pelos elevados padrões de degradação ambiental que as atividades dessa natureza sugerem. Nesse caso específico, a gestão de usos da água demanda intensa aplicação dos instrumentos de gestão determinados pela PNRH: o enquadramento de águas em classes, a outorga do direito de uso da água bruta e a cobrança pelo uso da água bruta, idealizados pelo legislador nessa mesma ordem de encadeamento.


2 USOS INDUSTRIAIS DA ÁGUA: PROPEDÊUTICAS DO TEMA


Em face do fato de que a atividade econômica mundial é absolutamente dependente do uso dos recursos naturais, o planejamento dessas atividades exige se considere os princípios do desenvolvimento sustentável.


O uso da água subterrânea pelo setor industrial é bastante valorizado, tanto pelos requisitos qualitativos úteis a determinados processos produtivos, como em relação a volumes quantitativos, pela acessibilidade em tese indeterminada que proporciona essa modalidade de captação. Esse tipo de usuário é maior causador de impactos ambientais, pela intensidade com que se utiliza dos recursos naturais e pelo potencial gerador de resíduos, com alcance efetivo de mananciais superficiais e subterrâneos. É igualmente caracterizador de um setor economicamente expressivo em qualquer sistema econômico. Todos esses elementos necessitam ser considerados em nível global, regional e local.


Os usos mais comuns em áreas de concentração industrial significativa são: torres de resfriamento; caldeiras; construção civil, incluindo preparação e cura de concreto e compactação do solo; irrigação de áreas verdes de instalações industriais, lavagens de pisos e alguns tipos de peças, principalmente na indústria mecânica; nos processos industriais propriamente ditos (HESPANHOL, 2002). Os usos de água por segmento industrial refletem a grande relevância do processamento industrial de petróleo, gás (P&G)  e biocombustíveis ( Tabela 1).


Quadro 1- Uso de Água por Segmento Industrial
















































Atividade



Mínimo



Máximo



Indústria química



0,3 m³t



11m³/t



Cervejarias



5 m³/m³



13 m³/m³



Usinas de açúcar e álcool



Cana 15 m³t



Cana 32 m³/t



Siderúrgicas



50 m³/t   aço



200m³/t  aço



Refinarias



78 m³/t   álcool



760m³/1000m³  Petróleo



Têxteis



160 m³/t  Tecido



680m³/t  Tecido



Petroquímica



150 m³/t



800m³/t



Celulose e papel



25 m³/t



216 m³/t




Fonte: ANA (2007)


A proteção jurídica em geral conferida aos dos mananciais de águas doces através dos instrumentos de gestão da PNRH pode ser dirigida para diversos fatores, como por exemplo, a outorga de direitos de uso com vazões compatíveis com a proteção de aqüíferos em razão da explotação ou bombeamento excessivo. Outra situação comum diz respeito ao fato de que a vazão de água subterrânea de aqüíferos adjacentes a áreas costeiras pode provocar a intrusão de água salina, tornando-os inadequados como fontes de água potável ou para outros usos que não toleram salinidade elevada (Hespanhol, 2002). Na outra ponta do problema está a outorga para efluentes, prevista na legislação de recursos hídricos (Brasil, 1997).


Na natureza os aqüíferos subterrâneos são alimentados através de zonas ou áreas de recarga, ou diretamente, através de irrigação ou precipitações. Segundo Hespanhol (2002) A possibilidade de recarga artificial de aqüíferos pode ser direcionada para diversos objetivos (Quadro 1).


Tabela 1 – Funções e usos da recarga artificial de aqüíferos subterrâneos















Proporcionar tratamento adicional de efluentes



Proporcionar reservatórios de água para uso futuro



Aumentar a disponibilidade de água em aqüíferos potáveis ou não potáveis



Prevenir subsidência[1] do solo


 



Prevenir a intrusão de cunha salina, em aqüíferos costeiros.


 



Incremento produtivo na pressão na extração de petróleo




Fonte: Adaptado de Hespanhol ( 2002).


Na indústria de P&G a extração de combustíveis fósseis de rochas subterrâneas agrega necessariamente a extração de água dos aqüíferos. Essa água pode ser dispensada na natureza, com o devido tratamento desse efluente, ou reutilizada no processo produtivo, mediante a reinjeção nos aqüíferos, como forma de incrementar a pressão de extração desse hidrocarbonetos. 


A quantidade de água produzida associada com óleo pode alcançar 50% em volume a próximo de 100% ao fim da vida econômica dos poços (Thomas, 2004). Essa variação ocorre em consonância com a mudança dos estágios de vida do reservatório, sendo que se verifica um incremento acentuado do volume quando da irrupção da água, para, depois, esse ritmo de produção diminuir, até ser alcançado o limite econômico.


No tocante à extração de água subterrânea na produção de P&G existe regulamentação específica sobre o tema, caracterizando não só a água de injeção como a água produzida. A Resolução impõe o tratamento de efluentes na extração de P&G em plataformas marítimas e conceitua a água produzida no Art 2º, I  como “a água normalmente produzida junto com o petróleo”(CONAMA, 2007), também denominada água de processo ou de produção.


A mesma Resolução define no art. 2º, II área ecologicamente sensível como “regiões das águas marítimas ou interiores, definidas por ato do Poder Público, onde a prevenção, o controle da poluição e a manutenção do equilíbrio ecológico exigem medidas especiais para a proteção e a preservação do meio ambiente”, fazendo referência expressa além das águas marítimas, fato relevante na delimitação dessa temática, também às águas interiores, que são interpretadas como os corpos hídricos das mais variadas tipologias, como rios, lagos, em mananciais superficiais e subterrâneos.


No contexto de reuso da água como mecanismo de mitigação das externalidades negativas e otimização da produção industrial na indústria de P&G a Agência Nacional do Petróleo (ANP) define consoante o conjunto legislativo que regula a produção nacional de combustíveis derivados de hidrocarbonetos, a água de Injeção como


“Água injetada em reservatório, com o objetivo de forçar a saída do petróleo da rocha-reservatório, deslocando-o para um poço produtor. Este método é conhecido como “recuperação secundária”, e é empregado quando a pressão do poço torna-se insuficiente para expulsar naturalmente o petróleo” (ANP, 2008).


A ocorrência da utilização dessa tecnologia tanto pode utilizar-se de águas salgadas, no caso de emprego em produção off-shore, nas plataformas marítimas como na exploração em terra, quando serão utilizados recursos hídricos caracterizados como águas doces.


O lançamento de efluentes de água produzida deve ser tratado em consonância com a legislação ambiental, em função de problemas como o elevado volume, pois em média para cada m³ dia de petróleo produzido são gerados 3 a 4 m³/dia de água, podendo chegar a 7 ou mais; nas atividades de exploração, perfuração e produção a água produzida corresponde a 98% de todos os efluentes gerados; da presença de sais, óleos e outros elementos nocivos; da temperatura elevada; ausência de oxigênio (Thomas, 2004, p. 266-267).


Já na indústria de biocombustíveis, que no país está baseada na agroindústria, especialmente no segmento sucroalcooleiro, a relevância da gestão do uso da água é bastante expressiva, em função da irrigação das culturas e do uso de pesticidas e herbicidas contaminantes de aqüíferos subterrâneos e corpos hídricos superficiais. 


3 A LEGISLAÇÃO NACIONAL DE PROTEÇÃO DOS AQÜÍFEROS SUBTERRÂNEOS


A Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) apresenta instrumentos de gestão que não diferenciam o tratamento de águas superficiais e subterrâneas, permitindo, portanto, a sua gestão integrada. Especificamente no tocante à qualidade de águas subterrâneas, há regulamentação específica contida na Resolução nº 396/08 do CONAMA.


Essa norma estabelece formalmente a integração desejada entre a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e a PNRH, “a fim de garantir as funções social, econômica e ambiental das águas subterrâneas”, quando determina que “Art. 1° – Esta Resolução dispõe sobre a classificação e diretrizes ambientais para o enquadramento, prevenção e controle da poluição das águas subterrâneas” (CONAMA, 2008). Trata-se, portanto, de mecanismo regulatório específico de apoio à gestão de águas subterrâneas.


A Resolução estabelece, em termos gerais, a necessidade de articulação entre os órgãos gestores de recursos hídricos (art. 20) (CONAMA, 2008). Fornece todas as definições necessárias à interpretação da mesma (art. 2º) e classifica as águas subterrâneas em cinco classes (Art 3º), no artigo 3º (CONAMA, 2008). A classificação procura estabelecer referências acerca dos aspectos intrínsecos que determinam sua qualidade e viabilizar o enquadramento em classes determinantes da qualidade das águas.  


Há relação direta entre o enquadramento dos corpos de água com o instrumento de outorga, em razão de dispositivos da Lei nº 9.433/97, uma vez que a outorga (Art. 13) “(…) deverá respeitar a classe em que o corpo de água estiver enquadrado (…)”. em função desse dispositivo, todas as análises de pedidos de outorga, seja de captação de água ou de lançamento de efluentes, deverão considerar as condições de qualidade estabelecidas pelas classes de enquadramento. Institucionalmente, cabe ao Comitê de Bacia Hidrográfica a responsabilidade pela aprovação da proposta de enquadramento dos corpos de água em classes de uso, para posterior encaminhamento ao respectivo Conselho de Recursos Hídricos Nacional ou Estadual, de acordo com o respectivo domínio dos corpos de água.


Também reflete a necessidade de gestão compartilhada das águas subterrâneas pelos órgãos tradicionais de gestão, colocados pela PNRH, pelos órgãos ambientais e pelos agentes de saúde, com vistas à prevenção de poluição e contaminação dos aqüíferos (art. 21) (CONAMA, 2008).


Segue uma síntese dos principais elementos legais disciplinadores dessa temática em nível federal (Tabela 2).


Quadro 2 Panorama Nacional de Leis e Resoluções sobre águas superficiais e subterrâneas































Leis e Resoluções



Especificação



Lei 9.433/97



Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.



Resolução CNRH 15/01



Estabelece diretrizes gerais para a gestão de águas subterrâneas.



Resolução CNRH 22/02



Estabelece diretrizes para inserção das águas subterrâneas no instrumento Planos de Recursos Hídricos.



Resolução CONAMA 20/86



Dispõe sobre a classificação das águas doces, salobras e salinas do Território Nacional.



Resolução CONAMA 357/05



Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências.



Resolução CONAMA 396/08



Dispõe sobre a classificação e diretrizes ambientais para o enquadramento das águas subterrâneas e dá outras providências.




Usos específicos de água subterrânea como os demandados pela indústria de P&G estão a requerer interpretações do conjunto legal existente para adequação aos objetivos da PNMA.


4 INTEGRAÇÃO DA GESTÃO NA EXPLORAÇÃO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS NA INDÚSTRIA DE COMBUSTÍVEIS


4.1 Aspectos gerais do problema


Por força do inegável valor do componente água nos processos produtivos da indústria de petróleo, gás e biocombustíveis, e da necessidade de integração das políticas de gestão de águas superficiais e subterrâneas, permitindo interpretações legais que favoreçam a operacionalidade da gestão, consoante o princípio da legalidade, impõe-se o tratamento conjunto das normas de proteção de recursos hídricos no contexto nacional.


O papel fundante do Direito e da proteção dos diretos fundamentais dos atores sociais, enquanto legitimadores dessas políticas necessita ser avaliado, sob o enfoque do direito ao desenvolvimento, com respeito aos princípios normativos que conduzem ao desenvolvimento sustentável e para o aprofundamento do Direito das Águas. Embora seja o território nacional notabilizado pela grande disponibilidade do recursos hídricos, as atuais formas de gestão com suas instituições específicas, dentre elas normas constitucionais e infraconstitucionais, recomendam a valoração econômica desse bem com vistas à sua proteção contra degradação e usos indevidos. São práticas de gestão, portanto, baseadas em regulamentos muito específicos, instrumentos e princípios de natureza já consagrada no Direito Ambiental, como o princípio da precaução, do usuário-pagador e do poluidor-pagador.


4.2. A gestão em nível local nos comitês de bacias hidrográficas


A gestão das águas doces em corpos hídricos superficiais e subterrâneos, nos termos da lei nº 9.433/97 encontra-se delegada aos Comitês de Bacia Hidrográfica, que são entes de Estado criados dentro do espírito de subsidiariedade  da norma – para permitir a gestão descentralizada do processo decisório ao nível local, com a participação dos usuários do sistema, do poder público e da sociedade civil. A mesma lei assim expressa:


Art. 38. Compete aos Comitês de Bacia Hidrográfica, no âmbito de sua área de atuação:


I – promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes; II – arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; III – aprovar o


Plano de Recursos Hídricos da bacia; IV – acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia e sugerir as providências necessárias ao cumprimento de suas metas; V – propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes; VI – estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados”; (Brasil, 1997).


Por sua vez, especificamente no tocante à cobrança pelo uso da água, assim trata a mesma lei:


Art. 44. Compete às Agências de Água no âmbito de sua área de atuação: (…)


XI – propor ao respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica: a) o enquadramento dos corpos de água nas classes de uso, para encaminhamento ao respectivo Conselho Nacional ou Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo com o domínio destes; b) os valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos; c) o plano de aplicação dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos”; (Idem).


A maioria dos estados da federação já legislou sobre a gestão dos recursos hídricos. Um dos aspectos que podem se apresentar como mais polêmicos e contraditórios dizem respeito à destinação dos recursos da cobrança nas leis estaduais. A lei federal nº 9.433/97 estatui parâmetros bem definidos para a aplicação dos recursos obtidos com a cobrança, a saber:


Art. 22. Os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados e serão utilizados:


I – no financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos”; (Brasil, 1997).


A Resolução nº 48 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) também disciplina os critérios para a cobrança:


Art. 1º – Estabelecer critérios gerais para a cobrança pelo uso de recursos hídricos nas bacias hidrográficas.


Parágrafo único. Os critérios gerais estabelecidos nesta Resolução deverão ser observados pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos competentes Comitês de Bacia Hidrográfica na elaboração dos respectivos atos normativos que disciplinem a cobrança pelo uso de recursos hídricos” (CNRH, 2005).


Além de estabelecer linhas gerais, esta resolução é bastante clara ao impor que a cobrança estará sempre condicionada à prévia aprovação pelos Comitês de Bacias Hidrográficas e respectivos Conselhos Estaduais, conforme texto dos Art. 6º, I e IV de Resolução do CNRH (CNRH, 2005). Este fator de limitação será importante para legitimar as decisões em nível estadual. Estariam os CBH preparados para decidir acerca de questões de especialidade técnica acentuada, como as que envolvem a indústria de combustíveis? O processo de informação de normas e regulamentos é fundamental nas escolhas, e deve ser facilitado pela integração legislativa e dos entes de controle e gestão.


4.3 A exploração industrial de água subterrânea na indústria de combustíveis: experiências nacionais


Em face das características peculiares da Região Nordeste do Brasil, fatores como a desigualdade regional a, adversidade climática, a escassez de recursos hídricos e certa fragilidade institucional, refletida na necessidade de implantação plena dos instrumentos da PNRH, repercutem de forma generalizada sobre os aspectos da ocupação do espaço territorial e da sua exploração pelo homem. Esses fatores reforçam a necessidade de estudos contextualizados que favoreçam o desenvolvimento qualitativo e sustentável. As águas subterrâneas são de uma importância ímpar, em razão da sua significativa parcela de contribuição para a formação do ciclo hidrológico. Representam 97% dos recursos hídricos disponíveis e servem a mais da metade das populações mundiais, especialmente nas regiões semi-áridas (Mierzwa e Hespanhol, 2005). Embora sejam conhecidos os potenciais econômicos das águas subterrâneas, pouco tem sido feito em termos de normas que disciplinem este importante recurso natural, o que vem ameaçando consideravelmente a sustentabilidade hídrica dos mananciais. A geopolítica das águas subterrâneas, em função das e condições naturais produz complexas interações e a depleção natural deste recurso tem forçado os entes de gestão a encontrarem condições de cooperação, motivados pela necessidade de expansão econômica com respeito ao meio-ambiente. O aspecto transfronteiriço dos sistemas aqüíferos é uma característica muito importante, já que muitos deles extrapolam os limites das regiões hidrográficas.


A Chapada do Apodi é um extenso planalto com cerca de 80 a 140 metros acima do nível do mar, delimitados por o vale do rio Jaguaribe para o oeste e se estende para além do rio Apodi a leste. Localiza-se cerca de 35% no Ceará e 65% no Rio Grande do Norte, e situadas a partir da perspectiva das capitais Fortaleza e Natal. Possui um grande sistema aqüífero, denominado Sistema Aqüífero Apodi que inclui o subsistema calcário Jandaíra e o subjacente Arenito Açu. A estrutura geológica que contém este sistema aqüífero é geologicamente conhecida como Bacia Potiguar, que avança sobremaneira no Rio Grande do Norte.  A região se caracteriza pela presença forte da fruticultura irrigada (The World Bank, 2007), mas notabiliza-se igualmente pelo fato de repousar sobre esse sistema aqüífero a maior concentração de produção de água na extração de petróleo nessa bacias (PETROBRAS, 2008).


Além de problemas de dominialidade e competências definidas em função dos órgãos gestores de cada estado, o sistema jurídico nacional relativo ao tema encontra uma profusão de normas ambientais genéricas fundadas nos princípios da precaução, bem como regulamentação específica da gestão de recursos hídricos com vigência nesse tema. Os estados do Rio Grande do Norte e Ceará têm avançado na implantação dos instrumentos da PNRH, especialmente no tocante à outorga dos direitos de uso e, em especial o Ceará já pratica em seu domínio territorial a cobrança pelo uso da água. Entretanto, não se registra ainda situações de cobrança pelo uso da água bruta na indústria de petróleo, gás e biocombustíveis.


Apesar desse fato, a PETROBRAS realiza desde 2004 experimentos nas bacias produtoras coincidentes com os aqüíferos da região, baseados no reuso de água produzida.


Situações como essa denotam que o mercado tem se antecipado nas questões de relevância para as práticas sustentáveis, pressionadas pelo contexto regulatório formal, ou mesmo pela opinião pública, que efetua certo controle social em situações e problemáticas desse tipo. Nas usinas experimentais de Guamaré-RN e no campos produtivos de Canto Amaro-CE, situados sobre a Bacia Potiguar, a água produzida é reinjetada no aqüífero, ou processada para retirada de impurezas e reutilizada na irrigação de campos de produção de biomassa para produção de biocombustíveis (PETROBRAS, 2008a) (PETROBRAS, 2008b) (PETROBRAS, 2006) (Figura 1).


 Entretanto, ainda não se registram nesse contexto, os procedimentos relativos à implantação dos instrumentos de gestão da PNRH, como o enquadramento, outorga ou cobrança.


Figura 1 – Usinas de biocombustíveis experimentais e industriais operadas pela PETROBRAS.


 


Fonte: PETROBRAS, 2008.


Compensações ambientais, consideradas no sentido lato, seriam medidas úteis e legítimas em situações assemelhadas à descrita,  registrando-se em outras sistemáticas nas quais o agente poluidor ou degradador realiza algum tipo de mitigação das externalidades negativas.


Na Região Sudeste, onde existe a maior concentração de refinarias de petróleo instaladas, grandes usuárias de água nos processos produtivos, existem estimativas de cálculo de valores para cobrança de água doce, relatadas em experimentos de Peres e Magrini (2008, p.408) em simulações para a cobrança com critérios estabelecidos pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do Vale do Paraíba (CEIVAP), dos mais avançados na aplicação dos instrumento da PNRH, mostrou que “a cobrança por si só não incentiva medidas importantes para a redução no uso da água das refinarias de petróleo”, incentivando apenas a eliminação de desperdícios, devendo ser complementada por outras medidas de gestão colocadas na PNRH.


 Deve ser considerado também que a outorga do direito de uso abrange igualmente o lançamento de efluentes (CNRH, 2001), fato que atinge sobremaneira a gestão da água produzida no Brasil.


Outra problemática se faz presente nesse ambiente de discussão, representada pela participação dos CBH como entes de Estado no processo de gestão participativa e descentralizada, consoante os princípios da lei nº 9.433/97. Estariam esses entes preparados para o enfrentamento as questões de enorme relevância para o segmento produtivo industrial do país, compatibilizando interesses aparentemente antagônicos como o uso dos recursos naturais com respeito ao meio-ambiente? Deve ser ressaltado que o amadurecimento e o processo de informação do CBH é fundamental nos processos de gestão e decisão, incluindo-se especialmente o conteúdo jurídico das questões discutidas.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Há necessidade premente de compatibilização dos procedimentos formais de gestão de recursos hídricos, representados no sistema nacional de gestão pelo enquadramento, a outorga e a cobrança pelo uso da água bruta, com os procedimentos de licenciamento ambiental bem como as regulamentaçãos específicas para o setor industrial de combustíveis. A lei nº 9.433/97 elenca instrumentos de regulação de águas doces, como o enquadramento, a outorga e a cobrança que necessitam ser compatibilizados com a regulamentação da indústria de combustíveis, intensiva no seu uso, na captação e no lançamento de efluentes. Casos como os relatados denotam que o sistema produtivo tem se antecipado nas propostas de gestão ambiental compatíveis com o desenvolvimento sustentável. Os mecanismos legais estão colocados à disposição do sistema de gestão, bastando para tal, que a administração pública os exercite, conforme suas competências respectivas, de forma integrativa. Aos juristas, cabe, nesse caso, a função interpretativa que propicie a eficácia desse sistema.


AGRADECIMENTOS


Esta pesquisa se insere no âmbito do Programa de Formação de Recursos Humanos em Direito do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (PRH-ANP/MCT Nº 36) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).


 


Referências

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ANP (2008)  Obtido em www.anp.gov.br .  Acesso em 02 de setembro.

BRASIL (1988) Constituição da República Federativa do Brasil.

BRASIL (1997) Lei nº 9.433 de 8 de janeiro de 1997. Define a Política Nacional de Recursos Hídricos, os princípios e instrumentos da sua gestão.

CONAMA (1986) Resolução nº 20.      Dispõe sobre a classificação das águas doces, salobras e salinas do Território Nacional.

______. (2005) Resolução nº 357. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências.

______. (2007) Resolução nº 393, de 08 de AGOSTO de 2007. Dispõe sobre o descarte contínuo de água de processo ou de produção em plataformas marítimas de petróleo e gás natural, e dá outras providências. MMA. Brasília.

______. (2008) Resolução nº 396, de 07 de abril de 2008. Dispõe sobre a classificação e diretrizes ambientais para o enquadramento das águas subterrâneas e dá outras providências. MMA. Brasília.

CNRH (2002) Resolução nº 22, de 24 de maio de 2002. Dispõe sobre a integração da água subterrânea nos plano de recursos hídricos. MMA. Brasília.

CNRH (2001a) Resolução nº 15, de 11 de janeiro de 2001. Estabelece parâmetros para o tratamento daságuas subterrâneas.  MMA. Brasília.

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Nota:

[1] “Em geologia, engenharia e topografia subsidência refere-se ao movimento de uma superfície (geralmente a superfície da Terra) à medida que ela se desloca para baixo relativamente a um nível de referência, como seja o nível médio do mar”. Obtido em http://pt.wikipedia.org/wiki/Subsid%C3%AAncia. Acesso em 04 de setembro.  2008.

Informações Sobre os Autores

Patricia Borba Vilar Guimaraes

Possui graduação em Direito, bacharelado, pela Universidade Estadual da Paraíba (1997) e é Tecnóloga em Processamento de Dados pela Universidade Federal da Paraíba (1989); Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2008). Mestre pelo Programa Interdisciplinar em Ciências da Sociedade, na área de Políticas Sociais, Conflito e Regulação Social, pela Universidade Estadual da Paraíba (2002). Cursa o Doutorado em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande. É Advogada e Professora Universitária.

Yanko Marcius de Alencar Xavier

Doutor em Direito. Professor do Programa de Pós-graduação em Direito da UFRN. Coordenador do ANP-MCT/PRH nº 36 – Direito do Petróleo, Gás e Biocombustíveis


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Equipe Âmbito Jurídico

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