Alteração do critério jurídico de interpretação

Interpretar significa captar o verdadeiro alcance e conteúdo da lei, por meio de regras próprias. Significa sistematizar os princípios destinados à atuação da lei visando a assegurar a todos os seus fins sociais, econômicos e jurídicos. Interpretar é função da doutrina e dos tribunais, estes em caráter de decisão definitiva[1].


Não iremos neste artigo discorrer sobre os diversos métodos de interpretação por não interessar ao estudo do tema. Iremos abordar apenas a questão da mudança de critério interpretativo pelo fisco e suas conseqüências.


É comum o fisco alterar o seu entendimento acerca de determinado dispositivo legal implicando  encargo maior ou menor para o contribuinte. Quando a mudança de posicionamento do fisco favorece o contribuinte não temos dúvida de que o novo critério interpretativo poder ser aplicado retroativamente em razão do princípio da retroatividade benéfica (art. 5º, XL da CF).


É diferente quando se tratar de retroação que agrava o encargo tributário do contribuinte, hipótese em que não poderá retroagir o critério interpretativo, quer em razão do já citado princípio da retroatividade benéfica que veda a retroação quando maléfica, quer em função da vinculação da administração a seus próprios atos.


De fato, o fisco limita-se a aplicar a lei ao caso concreto. Logo, se a lei não pode retroagir, salvo se for a nova lei mais benigna, parece evidente que o critério jurídico de interpretação dessa lei, também, não possa retroagir a menos que se trate de um novo critério mais favorável ao sujeito passivo da obrigação tributária.


Adotado um critério jurídico de interpretação pelo fisco ao longo do tempo para fiscalizar as atividades de determinado contribuinte concluindo pela regularidade de sua situação fiscal, não pode o mesmo fisco rever as atividades do passado para exigir tributos e aplicar sanções a pretexto de que a administração alterou seu entendimento acerca da matéria.


Na prática, é comum o fisco promover o desenquadramento do regime do SIMPLES, ou do regime de tributação fixa do ISS, com efeito retroativo alegando novo entendimento formado à luz da jurisprudência administrativa ou judicial.


Essa prática é ilegal e contraria o princípio da boa-fé do contribuinte, de um lado. E de outro lado, representa insubmissão da administração a seus próprios atos, o que é inadmissível por implicar violação do princípio da segurança jurídica.


O novo critério interpretativo só pode ser aplicado para o futuro, jamais para o passado. Regulando o assunto dispõe o art. 146 do CTN:


“Art. 146- A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”.


Resta claro do texto supra transcrito  que a alteração do critério jurídico de interpretação só pode ser aplicada em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente a essa alteração.


A norma objeto de exame demonstra, também, ao contrário do sustentado por alguns estudiosos que, tanto as atividades administrativas, quanto as atividades jurisdicionais podem implicar mudanças de critérios interpretativos à luz de novos estudos, até mesmo para corrigir os procedimentos ou entendimentos errôneos do passado, na aplicação da lei.


Na prática, a norma do art. 146 do CTN está a afirmar que a fiscalização de determinado contribuinte sob a égide de um critério interpretativo então vigente não possibilita ao fisco fiscalizar o mesmo período já fiscalizado a pretexto de que houve alteração no critério jurídico de interpretação que torna possível a lavratura do auto de infração.


Nesse sentido é oportuna a transcrição da ementa do acórdão proferido pelo TJRS:


“1-É vedado ao Fisco conferir eficácia retroativa à superveniente alteração de critério jurídico para a cobrança de ISS em detrimento do contribuinte. Art. 146 do Código Tributário Nacional. Hipótese em que o Fisco exige diferenças de ISS recolhido a menor amparado em parecer exarado pela autoridade competente em violação ao princípio da boa-fé objetiva, porquanto constitui venire contra factum proprium. Violação da legítima expectativa do contribuinte quanto à correção do pagamento realizado. 2. Em se tratando de causa em que restou vencida a Fazenda Pública, os honorários advocatícios são fixados de acordo com a apreciação eqüitativa do juiz. Hipótese em que os honorários fixados devem ser majorados. Recurso do Réu desprovido. Recurso do Autor provido”. (TJRS- 22ª Câm. Cível, nº 70027516210, Rel. Des. Maria Isabel de Azevedo Souza, J. 18/12/2008).


 


Nota:

[1] Cf. nosso Direito financeiro e tributário. São Paulo: Atlas, 2009, p.461.

Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


Equipe Âmbito Jurídico

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