Autores: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo. Advogada Pública com atuação em Direito Administrativo, Civil, Trabalhista, e na área da saúde. Graduada em Direito pela PUC Minas. Pós-graduada em Direito Público e Privado. MBA em Licitações e Contratos. (e-mail: julianavilela.adv@gmail.com); Adriana Martinelli Martins. Advogada Pública com atuação em Direito Administrativo, Civil e Trabalhista, e na área da saúde. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV. Pós Graduada em Direito Constitucional, MBA Profissional em Comportamento Organizacional, Pós Graduada em Gestão Estratégica, Inovação e Conhecimento. (e-mail: adriana.martins@ebserh.gov.br).
Resumo: O presente artigo tem por objeto a análise das hipóteses em que é possível a alteração unilateral do contrato administrativo pela Administração Pública. São as chamadas cláusulas exorbitantes. O método utilizado será o jurídico-compreensivo. Para tanto, serão abordados alguns aspectos sobre o procedimento licitatório na atualidade. Na sequência, adentrar-se-á no tema central buscando traçar uma diferenciação entre as alterações contratuais unilaterais existentes na Lei Geral de Licitações: quantitativas e qualitativas previstas no art. 65, I, da Lei 8.666/1.993. Finaliza-se com a interpretação dos limites existentes para as alterações contratuais unilaterais e as polêmicas envolvendo a questão no âmbito da Lei de Licitações.
Palavras-chave: Direito Administrativo. Administração Pública. Licitações. Contrato. Alteração.
Abstract: The purpose of this article is to analyze the hypotheses in which it is possible to unilaterally change the administrative contract by the Public Administration. These are called exorbitant clauses. To this end, some aspects of the bidding procedure today will be addressed. Subsequently, the central theme will be pursued, seeking to differentiate between the unilateral contractual changes existing in the General Bidding Law: quantitative and qualitative provided for in art. 65, I, of Law 8.666 / 1.993. It ends with the interpretation of the existing limits for unilateral contractual changes and the controversies surrounding the issue.
Keywords: Administrative law. Public administration. Bids. Contract. Change.
Sumário: Introdução. 1. Meios de Aquisição no Setor Público: Licitação. 2. As alterações contratuais unilaterais na lei 8.666/93. 3. A interpretação dos limites para alterações contratuais. Considerações Finais. Referências.
Introdução
Na busca da efetivação do princípio da economicidade, a administração pública se utiliza de um procedimento administrativo denominado licitação, cujo objetivo é obter a proposta mais vantajosa entre os participantes interessados, observando a igualdade de condições, consoante o disposto na Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da administração pública.
Sendo que para a consecução de seus fins e a promoção dos serviços públicos necessários para atendimento dos administrados a utilização dos contratos administrativos oriundos dos procedimentos licitatório tem sido cada vez mais recorrente.
Mas, os contratos celebrados na seara administrativa diferem dos particulares, pois neste há ampla liberdade das partes para pactuação das obrigações.
Nesse cenário, o presente estudo analisará de início, alguns aspectos da licitação no âmbito da Lei 8.666/1.993.
Em seguida, passa-se à análise do tema central objeto do presente artigo que são as alterações contratuais unilaterais previstas no art. 65, I, da Lei 8.666/1.993, denominadas cláusulas exorbitantes, estabelecendo as diferenças entre as espécies existentes. É que embora pactuados direitos e obrigações entre o Poder Público e o particular, a necessidade de atendimento ao interesse público e de preservação do equilíbrio econômico-financeiro poderá impor modificações nos termos contratuais.
Por fim, serão abordados os limites para as alterações contratuais unilaterais e as polêmicas envolvendo a questão.
A licitação foi a forma escolhida ao longo da evolução da administração pública como sendo a mais isonômica, legal, impessoal, moral, pública e eficiente de dispor e adquirir bens e serviços públicos dos particulares, pois atende a legislação do artigo 37, inciso XXI da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, veja-se:
“Art. 37, XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
Trata-se de um procedimento administrativo que visa à garantia da isonomia entre os licitantes, a seleção da melhor proposta dentre as apresentadas, com vistas à celebração de contrato, devendo observar tanto os princípios administrativos constitucionais, do caput do artigo 37 da CF, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, como os previstos na legislação infraconstitucional referente ao tema.
Hely Lopes Meirelles a define como: […] procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. (MEIRELLES, 1999, p. 23).
As licitações têm base legal na Lei n° 8.666 de 21 de julho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública.
Especificamente para as empresas estatais, sociedades de economia mista e empresas públicas, a exigência de prévia licitação encontra guarida no art. 173, parágrafo primeiro, da Constituição Federal, observando-se, atualmente, o regramento legal ordinário disposto na Lei nº 13.303/2016, a denominada Lei das estatais.
Podemos encontrar os princípios básicos da Licitação no artigo 3º da lei 8.666/93, e no art. 31 da Lei 13.303/2016, confira-se, respectivamente:
“Art. 3º. “A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlato”.
“Art. 31. “As licitações realizadas e os contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de economia mista destinam-se a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto, e a evitar operações em que se caracterize sobrepreço ou superfaturamento, devendo observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do julgamento objetivo”.
Fato é que, concluído os trâmites para a contratação, seja por meio de um certame ou por meio de contratação direta, o contrato é firmado com a pessoa escolhida.
Ocorre que no decorrer da execução do contrato, em que pese os termos pactuados inicialmente, é possível a sua alteração por meio da celebração de aditivos, seja de forma unilateral ou consensual, nos termos da Lei Geral de Licitações, para o atendimento ao interesse público e a preservação do equilíbrio econômico-financeiro.
O tema ora proposto visa analisar apenas as interpretações dada ao art. 65, inciso I da Lei nº 8.666/93, focando, portanto, nas alterações unilaterais, que será a análise dos próximos tópicos.
De início, destaca-se que os contratos celebrados no âmbito administrativo diferem dos particulares, pois neste há ampla liberdade das partes para pactuação das obrigações. Já os contratos administrativos seguem um regime jurídico próprio consoante o disposto na Lei Federal nº 8.666/93.
Entretanto, independentemente de sua natureza, os contratos da administração pública têm que respeitar exigências relativas à forma, ao procedimento, à competência e à finalidade, decorrentes da aplicação das normas de direito público.
Além disso, existem cláusulas obrigatórias que devem ser observadas nos contratos regidos pela Lei de Licitações, consoante o disposto no seu art. 55, confira-se:
“Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:
I – o objeto e seus elementos característicos;
II – o regime de execução ou a forma de fornecimento;
III – o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;
IV – os prazos de início de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observação e de recebimento definitivo, conforme o caso;
V – o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica;
VI – as garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando exigidas;
VII – os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas;
VIII – os casos de rescisão;
IX – o reconhecimento dos direitos da Administração, em caso de rescisão administrativa prevista no art. 77 desta Lei;
X – as condições de importação, a data e a taxa de câmbio para conversão, quando for o caso;
XI – a vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor;
XII – a legislação aplicável à execução do contrato e especialmente aos casos omissos;
XIII – a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.
Ademais, os contratos administrativos possuem também as denominadas cláusulas exorbitantes, previstas na Lei Federal nº 8.666/93, que são prerrogativas especiais conferidas à Administração na relação do contrato administrativo, em virtude de sua posição de supremacia em relação à parte contratada.
Nas lições de (CARVALHO FILHO, 2014, pg. 193): “Cláusulas de privilégio, também denominadas de cláusulas exorbitantes, são as prerrogativas especiais conferidas à Administração na relação do contrato administrativo em virtude de sua posição de supremacia em relação à parte contratada. Tais cláusulas constituem verdadeiros princípios de direito público, e, se antes eram apenas enunciadas pelos estudiosos do assunto, atualmente transparecem no texto legal sob a nomenclatura de “prerrogativas” (art. 58 do Estatuto). São esses princípios que formam a estrutura do regime jurídico de direito público, aplicável basicamente aos contratos administrativos (art. 54, Estatuto)”.
Fato é que, a alteração do contrato representa uma das prerrogativas atribuídas à administração, nos termos do art. 58, I, da Lei n. 8.666/93. Tal prerrogativa se justifica pelo dever atribuído a esta de bem tutelar o interesse público, cabendo-lhe, pois, em face de determinadas circunstâncias, realizar as necessárias adequações do contrato firmado. Veja-se:
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
I – modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;(…)”
Sobre esta prerrogativa da Administração-contratante de alteração unilateral do contrato, com vistas ao atendimento do interesse público colimado, respeitados os direitos do contrato, é pacífica a orientação da doutrina pátria. Confira-se:
“Em síntese, o contrato administrativo celebrado em decorrência de uma licitação está por ela condicionado, mas tem vida própria. Ele pode ser alterado, sim, por razões de interesse público, até o ponto em que esse vínculo ou esse condicionamento não se rompa”. (Adilson Abreu Dalari, cf. Limites à alterabilidade do contrato de obra pública, RDA n. 201, p. 61).
“É a supremacia do interesse público e a indisponibilidade deles que fundamenta a existência do contrato administrativo e do seu traço distintivo: a mutabilidade.” (Lucas Rocha Furtado – Parecer do Representante do MPTCU na Decisão 215/1999 – Plenário-TCU, pág. 05).
“O contrato é eminentemente uma relação de direito privado dominada pelo princípio da igualdade entre as partes contratantes que torna inviável a alteração unilateral de direitos e obrigações. Do acordo de vontades emana a recíproca observância do pacto tal como concebido (pacta sunt servanda). Bilateral em sua origem e formação, somente outro ajuste de igual categoria poderá inovar o sinalagma constituído.
Sobrepaira, soberanamente, como princípio geral, a regra da imutabilidade do contrato privado. A presença da Administração Pública traz, contudo, às relações bilaterais das quais participe um regime jurídico especial que se distingue do regime de direito comum: o contrato de direito privado transfigura-se no contrato administrativo.
De logo se destaca, no contrato administrativo, o fim de interesse público, de tal modo que a tônica do contrato se desloca da simples harmonia de interesses privados para a satisfação de uma finalidade coletiva, no pressuposto da utilidade pública do objeto do contrato.
O princípio da igualdade entre as partes cede passo ao da desigualdade no sentido da prerrogativa atribuída ao Poder Público de fazer variar a obrigação da outra parte na medida necessária à consecução do fim de interesse público, que é o alvo da atividade estatal”. (Caio Tácito: BLC nº 3/97, p. 116)
O entendimento sobre a mutabilidade unilateral dos contratos administrativos e o seu fundamento – a realização do interesse público primário – poder ser confirmado observando-se o próprio conceito de contrato administrativo.
Celso Antônio Bandeira De Mello (MELLO, 1998) define-o como “um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado”.
No entanto, em que pese o caráter de mutabilidade unilateral dos contratos administrativos, a administração deve, em regra, evitar tais alterações, pois estas acabam por desnaturar as condições originalmente pactuadas.
Neste sentido, colaciona-se o entendimento do TCU, por meio do acórdão n.º 1.755/2004-Plenário: “(…) o gestor público deve adotar todas as precauções de forma a minimizar a eventual necessidade de alterações contratuais, pois toda e qualquer modificação do contrato acaba por desnaturar as condições originalmente licitadas e pactuadas”.
Insta esclarecer também que a alteração contratual não constitui ato discricionário da administração contratante, tomado por juízo de conveniência e oportunidade. Exige-se desta a devida exposição dos motivos ensejadores da mudança contratual. Veja as lições de (JUSTEN FILHO, 2005):
“A Administração, após realizar a contratação, não pode impor alteração da avença mercê da simples invocação da sua competência discricionária. Essa discricionariedade já se exaurira porque exercida em momento anterior e adequado. A própria Súmula n. 473 do STF representa obstáculo à alteração contratual que se reporte apenas à discricionariedade administrativa. A Administração tem de evidenciar, por isso, a superveniência de motivo justificador da alteração contratual. Deve evidenciar que a solução localizada na fase interna da licitação não se revelou, posteriormente, como a mais adequada. Deve indicar que os fatos posteriores alteraram a situação de fato ou de direito e exigem um tratamento distinto daquele adotado. Essa interpretação é reforçada pelo disposto no art. 49, quando ressalva a faculdade de revogação da licitação apenas diante de “razões de interesse público decorrente de fato superveniente (…).”
De todo modo, é possível a alteração do contrato administrativo para atender ao interesse público. Tais modificações, contudo, precisam estar limitadas por certas balizas legais a fim de assegurar a boa gestão da coisa pública e a preservação dos princípios a que o instituto do contrato administrativo visa preservar. Daí a disciplina do art. 65, I, da Lei 8.666/93, confira-se:
“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I – unilateralmente, pela Administração:
II – por acordo das partes:
I – VETADO;
II – as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes.
No artigo 65 são elencadas as diferentes hipóteses de alterações nos contratos administrativos, sejam elas unilaterais (inciso I) ou consensuais (inciso II).
As alterações consensuais são aquelas na qual a Administração e o contratado pactuam alterações que visam adequar as condições de execução do objeto do contrato ou a promover o reequilíbrio econômico-financeiro do mesmo (art. 65, II, da Lei nº 8.666/93).
As alterações unilaterais, por sua vez, são aquelas passíveis de serem promovidas pela Administração Pública independentemente da concordância do contratado, visando, sempre, garantir o atendimento do interesse público primário, estando condicionadas pelos termos da Lei de Licitações e Contratos Administrativos (art. 58, I, c/c art. 65, I, da Lei nº 8.666/93).
Especificamente quanto à alteração unilateral do contrato, a teor dos comandos do art. 65, I, da Lei Federal, denota-se a existência de duas modalidades: qualitativa e quantitativa.
As modificações qualitativas estão previstas na alínea “a” e dizem respeito à modificação do projeto ou das especificações do objeto contratado, mas sem alterar o objeto do contrato. Estão ligadas, assim, com o meio/forma de se chegar ao objeto contratado, não guardando relação direta com esse último, mas sim mediata. É qualitativa também a alteração do regime de execução ou modo de fornecimento. Tais hipóteses são, em regra, imprevisíveis, ou, então, inevitáveis, e exigem justificativa de ordem técnica que demonstre a sua imperatividade para o alcance da finalidade prevista no contrato.
Quase sempre, as alterações qualitativas são necessárias e imprescindíveis à realização do objeto – sem a alteração não há a conclusão do objeto, nem parcialmente – e, consequentemente, à realização do interesse público primário, pois que este se confunde com aquele.
Ressalta-se que o TCU considera que a alteração contratual qualitativa deve ser um fato rigorosamente excepcional e de alcance apenas residual (Acórdão n.º 702/2008).
Nas lições de Lucas Rocha Furtado (FURTADO, 2014), as modificações qualitativas são aquelas que “podem derivar tanto de modificações de projeto ou de especificação do objeto, quanto da necessidade de acréscimo ou supressão de obras, serviços ou materiais, decorrentes de situações de fato vislumbradas após a contratação.
Outrossim, compete à Administração Pública demonstrar que a alteração do contrato constitui a alternativa mais adequada, levando-se em consideração, por exemplo, os princípios da economicidade, eficiência, igualdade, inalterabilidade do objeto, e da motivação.
Já as modificações quantitativas estão previstas na alínea “b” (art. 65, I) e se referem apenas ao acréscimo ou à supressão das quantidades relacionadas à dimensão do objeto. As alterações quantitativas guardam relação direta com a dimensão de objeto contratado, seja ele bem, serviço ou obra.
As alterações qualitativas podem derivar tanto de modificações de projeto ou de especificação do objeto quanto da necessidade de acréscimo ou supressão de obras, serviços ou materiais, decorrentes de situações de fato vislumbradas após a contratação.
Não há, aqui, modificação das especificações ou critérios contratuais. Tanto assim o é que o texto legal dispõe que o contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem (art. 65, § 1º), bem como que eles devem ser processados apenas nos limites permitidos (art. 65, § 2º).
Neste sentido, colaciona-se o exemplo exarado na Decisão 215/1999 – Plenário TCU:
“Considerando que o objeto do contrato distingue-se em natureza e dimensão, tem-se a natureza sempre intangível, tanto nas alterações quantitativas quanto nas qualitativas.
Não se pode transformar a aquisição de bicicletas em compra de aviões, ou a prestação de serviços de marcenaria em serralheria.
Contudo, nas modificações quantitativas, a dimensão do objeto pode ser modificada dentro dos limites previstos no § 1.º do art. 65 da Lei 8.666/93, isto é, pode ser adquirida uma quantidade de bicicletas maior do que o originalmente previsto, desde que o acréscimo, em valor, não ultrapasse 25% do valor inicial atualizado do contrato”.
Conquanto não se modifique o objeto contratual, em natureza ou dimensão, é de ressaltar que a implementação de alterações qualitativas requer, em regra, mudanças no valor original do contrato, muitas vezes em razão da necessidade de mudanças nas quantidades de obras ou serviços necessárias à sua conclusão.
Por fim, em relação à diferenciação entre alterações quantitativas e alterações qualitativas, cumpre trazer à baila a lição de (JUSTEN FILHO, 2004):
“7) Modificações Qualitativas: Alteração do Projeto ou de suas Especificações
A melhor adequação técnica supõe a descoberta ou a revelação de circunstâncias desconhecidas acerca da execução da prestação ou a constatação de que a solução técnica anteriormente adotada não era mais a adequada. Os contratos de longo prazo ou de grande especialização são mais suscetíveis a essa modalidade de alteração. Não há muito cabimento para essa hipótese em contratos de execução instantânea ou cujo objeto seja simples e sumário.
A hipótese de al. “a” compreende as situações em que se constata supervenientemente a inadequação da concepção original, a partir da qual se promovera a contratação. Tal pode verificar-se em vista de eventos supervenientes. Assim, por exemplo, considere-se a hipótese de descoberta científica, que evidencia a necessidade de inovações para ampliar ou assegurar a utilidade inicialmente cogitada pela Administração.
Também se admite a incidência do dispositivo para respaldar modificações derivadas de situações preexistentes, mas desconhecidas por parte dos interessados. O grande exemplo é o das “sujeições imprevistas”, expressão clássica do direito francês e que indica eventos da natureza ou fora do controle dos seres humanos, existentes por ocasião da contratação mas cuja revelação se verifica apenas por ocasião da execução da prestação. O grande exemplo é o da falha geológica de terreno, que impede a implantação da obra tal como inicialmente prevista.
8) Modificações quantitativas.
Com redação esdrúxula, al. “b”, refere-se a alterações quantitativas do objeto contratado. A dificuldade reside em a lei utilizar como parâmetro não a prestação propriamente dita, mas o valor do contrato. Admite que a Administração introduza alterações (acréscimos e supressões) que acarretem modificação de até 25% no valor inicial do contrato, quando se tratar de obras, serviços ou compras; quando se tratar de reforma de edifício ou equipamento, o limite será de 50%. Como apurar o valor da alteração? Não haverá dificuldade quando o contrato versar sobre unidades específicas e divisíveis, cujo valor individual possa ser discriminado. Quando, porém, existir preço global, torna-se inviável estimar a dimensão econômica do acréscimo ou da supressão. Suponha-se, por exemplo, o contrato para a construção de uma edificação. Poder-se-ia afirmar que a redução de 25% da metragem da quadrada da obra corresponderia a uma redução de 25% do preço? É evidente que não. Diante dessa dificuldade, a lei determina que a ausência de preços unitários no contrato será solucionada através de comum acordo entre as partes. Logo, o problema é remetido para o âmbito negocial, escapando da prerrogativa unilateral da Administração.
Mesmo quando existirem preços unitários, continuam a existir problemas. A lei olvida os princípios básicos de uma economia de escala. Quanto maior a quantidade, tanto menor o custo unitário. Logo, não se pode cogitar de simples redução ou acréscimo em quantidades. Reduzir 25% nas quantidades não significa reduzir 25% do preço; acrescentar 25% nas quantidades não importa obrigatoriamente acrescentar 25% do preço; Em uma economia de escala, a redução ou o acréscimo nas quantidades podem não ser acompanhados de variações proporcionais e equivalentes no preço. Portanto, o particular tem direito de exigir elevação no preço unitário quando forem reduzidas as quantidades desde que demonstre que a alteração do seu preço de custo. Por igual, a Administração pode impor a redução do preço unitário quando o acréscimos reduzir o custo”.
Ultrapassado o enfrentamento acerca da possibilidade de aditamento de contrato administrativo, imposto unilateralmente pela Administração, passaremos à análise dos limites para as alterações contratuais.
Em regra, fere não só o Direito como também o senso comum a hipótese de alterações contratuais ilimitadas no âmbito administrativo, sobretudo as unilaterais. Em sendo assim, a Lei n. 8.666/1993 dispôs no §1º, do art. 65 os limites a serem observados pela Administração quando das alterações contratuais.
Em relação aos acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, o limite é de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, é de até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos.
É que, pela literalidade do § 2º, do art. 65, da Lei n. 8.666/1993, nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder tais limites, salvo as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes.
Note-se, assim, que o disposto no art. 65, § 1º guarda perfeita consonância com a previsão contida no art. 58, I, da Lei 8.666/93, que admite a modificação unilateral do contrato desde que respeitado os direitos do contratado, que podem ser resumidos na manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, na intangibilidade do objeto e, especificamente nas alterações unilaterais, na imposição objetiva de limites aos acréscimos e supressões.
Ocorre que a doutrina pátria diverge em relação à aplicabilidade dos limites previstos nos §§ 1°e 2° do art. 65 da Lei n. 8.666/93 às alterações qualitativas.
Questiona-se se tais acréscimos encontram-se limitados ao mesmo percentual a que estão adstritos os acréscimos denominados pela doutrina de quantitativos. Tal distinção não é mencionada expressamente no art. 65, da Lei de Licitações, surgindo como uma construção hermenêutica diante da necessidade de concretização da norma jurídica em face da realidade fática em interferência com o resguardo do interesse público.
José dos Santos Carvalho Filho e Jessé Torres Pereira Junior, por exemplo, entendem que tanto as alterações quantitativas como as qualitativas estão submetidas aos aludidos limites. Confira-se:
“De fato, o art. 65, § 1º, não faz qualquer distinção entre os tipos de alteração contratual e alude a obras, serviços e compras em geral. Se o legislador pretendesse discriminar as espécies de modificação, deveria tê-lo feito expressamente, o que não ocorreu. Assim, onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir. Avulta, ainda, observar que o art. 65, § 2º, com a alteração da Lei nº 9.648/1998, é peremptório no sentido da impossibilidade de exceder os referidos limites, ressalvando apenas a hipótese de supressão, desde que consensual. Ademais, é preciso lembrar que a fixação de limites visou exatamente a evitar que alterações profundas no contrato chegassem ao extremo de desnaturá-lo ou de alterar o núcleo originário de seu objeto. (CARVALHO FILHO, 2015)
“Cotejadas com as correspondentes regras do Decreto-Lei n. 2.300/86, asdos §§ 1º e 2º da Lei n. 8.666/93 apresentam identidades e inovações.
As primeiras:
(…)
As segundas:
(…)
(…)
O § 2º, com a redação da Lei n. 9.648/98, veio conter toda e qualquer alteração contratual, inclusive a decorrente de acordo, nos limites de acréscimo ou supressão estabelecidos no § 1º, salvo se a alteração consistir em supressão consensual. Quer dizer que, até 25% ou 50%, conforme o caso, a supressão poderá ser imposta por ato unilateral da administração; acima desses limites, poderá ocorrer a supressão, desde que haja acordo. Compreenda-se a inteligência do novo § 2º: os limites não podem ser ultrapassados quando se tratar de acréscimo porque se estaria a vulnerar a principiologia dos contratos administrativos.” (PEREIRA JÚNIOR, 2009).
No tocante a tal interpretação doutrinária, em apreciação ao REsp 1.021.851/SP de 12/08/2008, o Superior Tribunal de Justiça, filiou-se a tal corrente afirmando que “13. Os limites de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93 aplicam-se tanto para as hipóteses da alínea “a”, quanto da alínea “b” do inciso I do mesmo dispositivo legal.”
Por outro lado, parte da doutrina, há quem diga ser a majoritária, defende que os limites em questão não se aplicam às eventuais alterações qualitativas.
Veja-se, por exemplo, o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello (1.998), in verbis:
“Embora a lei não o diga, entendemos que, por mútuo acordo, caberia ainda, modificação efetuada acima dos limites previstos no § 1.º do art. 65, se ocorrer verdadeira e induvidosamente alguma situação anômala, excepcionalíssima, ou então perante as chamadas ‘sujeições imprevistas’; isto é: quando dificuldades naturais insuspeitadas se antepõem à realização da obra ou serviço, exigindo tal acréscimo”.
No mesmo sentido, entendeu Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“(…) Somente as alterações quantitativas estão sujeitas aos limites de 25% ou 50%, referidos no artigo 65, § 1 º, da Lei nº 8.666, até porque o inciso I, “b” (que trata especificamente dessa hipótese de alteração), faz expressa referência à modificação do valor contratual “em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta lei”, não se encontrando a mesma referência no inciso I, “a”, que trata das alterações qualitativas.”
O TCU, por sua vez, proferiu a Decisão n.º 215/1.999, na qual firmou entendimento no sentido de que tanto as alterações quantitativas como as qualitativas estão sujeitas aos limites previstos no art. 65, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.666/93. Entretanto, admitiu-se a ultrapassagem dos referidos limites na hipótese de alterações contratuais consensuais e qualitativas, decorrentes de situação excepcional, uma vez demonstrado que a adoção de outra alternativa representaria insuportável sacrifício ao interesse público primário e desde que respeitados determinados pressupostos, confira-se:
“a) tanto as alterações contratuais quantitativas — que modificam a dimensão do objeto — quanto as unilaterais qualitativas — que mantêm intangível o objeto, em natureza e em dimensão — estão sujeitas aos limites preestabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei n. 8.666/93, em face do respeito aos direitos do contratado, prescrito no art. 58, I, da mesma lei, do princípio da proporcionalidade e da necessidade de esses limites serem obrigatoriamente fixados em lei;
I — não acarretar para a administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório;
II — não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado;
III — decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial;
IV — não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos;
V — ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes;
VI — demonstrar-se — na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea a, supra — que as consequências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja, gravíssimas a esse interesse; inclusive quanto à sua urgência e emergência.”
Além disso, seguindo o entendimento da decisão 215/99, o TCU vem flexibilizando em seus acórdãos (nº 2.931/2010 e nº 448/2011) as exigências para realização de modificações unilaterais que ultrapassem os limites dos §§1º e 2º do Art. 65 da Lei nº 8.666/93.
Posto isso, de acordo com parte da doutrina, bem como da Corte de Contas brasileira, só é permitido à Administração ultrapassar os aludidos limites previstos no art. Lei n. 8.666/1993 disposto no §1º, do art. 65, na hipótese de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas, no sentido de que só seriam aceitáveis quando, no caso específico, a outra alternativa – a rescisão do contrato por interesse público, seguida de nova licitação e contratação – significar um sacrifício insuportável ao interesse coletivo primário a ser atendido, pela obra ou serviço, levando-se em consideração diversos princípios norteadores da atividade administrativa, em especial, os princípios da economicidade, da licitação, da eficiência, da inalterabilidade do objeto, da igualdade, da moralidade e da motivação.
Considerações Finais
O procedimento licitatório é obrigatório, conforme art. 37 da CF/88 regulamentado pela lei n° 8.666/93, e tem como objetivo ter a proposta mais vantajosa à administração, sendo isso possibilitado em razão da ampla competitividade entre os licitantes. A licitação permite que os entes públicos contratem fornecedores que tenham as condições que satisfaçam as necessidades do interesse público.
Os contratos administrativos seguem um regime jurídico próprio, consoante o disposto na Lei Federal nº 8.666/93. Possuem cláusulas obrigatórias (art. 55), mas, também, as denominadas exorbitantes (art. 58) nas quais se admite, por exemplo, a alteração unilateral do ajuste, com vistas ao atendimento do interesse público colimado, respeitados os direitos do contrato.
Como decorrência desta prerrogativa a Administração Pública pode alterar unilateralmente o contrato administrativo, nas hipóteses previstas nas alíneas do art. 65, I, da Lei 8.666/1993, que tratam das alterações unilaterais quantitativas e qualitativas.
As alterações contratuais unilaterais quantitativas são aquelas que modificam a dimensão do objeto. Já as unilaterais qualitativas mantêm intangível o objeto, em natureza e em dimensão.
Ao final, viu-se que a doutrina diverge quanto à aplicação dos limites fixados nos §§ 1° e 2° do art. 65 da Lei n. 8.666/93 às alterações qualitativas dos contratos administrativos.
Há autores que defendem que os limites em questão não se aplicam às eventuais alterações qualitativas, e outros que são favoráveis à sua aplicação.
Sendo que o TCU se firmou no sentido de aceitar que exclusivamente os acréscimos qualitativos ultrapassem aqueles limites, excepcionalmente e mediante o preenchimento de condições, servindo de leading case a Decisão n.o 215/1999-Plenário.
Referências
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PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. P. 724.
DI PIETRO, Zanella, Maria Sylvia. Direito Administrativo – Pareceres. [VitalSource Bookshelf Online]. Retirado de <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-309-6641-6/>.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo, Atlas, 2014. Pg 193
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 10.ª ed, São Paulo: Malheiros, 1998
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: DF, Senado. 1988.
Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/Leis/L8666cons.htm.
Site TCU: http://www.tcu.gov.br
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