CONSTITUTIONAL ANALYSIS OF SAFETY GUARANTEE IN THE BRAZILIAN CRIMINAL PROCESS: Security, enshrined in article five of the Citizen’s Charter, as opposed to the generic basis “maintenance of public order” for preventive custody, provided for in the caput of art. 312 of the Criminal Procedure Code. *
Elias Doenha[1] – Faculdade Católica – Porto Velho/Rondônia, elias.doenha@trf1.jus.br, lattes.cnpq.br/, https://orcid.org/0000-0001-6020-3123
Resumo: Estudo acerca dos binômios: ordem pública e ordem jurídica; segurança pública e segurança jurídica. O presente artigo verificará se a ordem pública é um vetor constitucional aplicado ao Direito Processual Penal; ou se esta é um bem jurídico penalmente tutelado. Noutro giro, há a necessidade de se estabelecer o debate acerca da função do processo penal a partir de um viés acusatório, onde apenas as garantias individuais e o interesse dos procedimentos e processos criminais devem servir de guisa às decisões cautelares do órgão jurisdicional, uma vez que isso representa a prevalência da garantia da liberdade e inocência da pessoa imputada face ao poder de investigar e acusar do Estado. O presente estudo contemplará a análise da segurança sob a Teoria dos Direitos Fundamentais e sua correta abordagem no processo penal. Nesse sentido, é fundamental analisar, no processo penal, se o direito social à segurança pública está em posição de igualdade constitucional à garantia fundamental da Liberdade do imputado. Em rápida síntese, há a necessidade de abertura do sistema jurídico penal a partir da prevalência da ordem jurídica no processo. Como se verá, é a ordem jurídica que deve delimitar a atuação jurisdicional penal.
Palavras-Chave: Processo; penal; Ordem; Segurança; Jurisdição.
Abstract: Study of the binomials: public order and legal order; public security and legal certainty. This article will verify if public order is a constitutional vector applied to Criminal Procedural Law; or if this is a criminal legal right protected. In another vein, there is a need to establish a debate on the role of criminal proceedings based on an accusatory bias, where only individual guarantees and the interest of criminal procedures and proceedings should serve as a guideline for the judicial decisions of the court, once that this represents the prevalence of the guarantee of the freedom and innocence of the accused in the face of the power to investigate and accuse the State. This study will consider security analysis under the Fundamental Rights Theory and its correct approach in criminal proceedings. In this sense, it is fundamental to analyze, in the criminal process, whether the social right to public security is in a position of constitutional equality to the fundamental guarantee of the defendant’s Freedom. In brief synthesis, we will discuss the necessary opening of the criminal legal system based on the prevalence of the legal system in the process. As will be seen, it is the legal order that delimits criminal jurisdictional action.
Keywords: Process; criminal Order; Safety; Jurisdiction.
Sumário: 1 Introdução; 2 A manutenção da ordem pública e a prisão preventiva; 3 O antagonismo: a garantia fundamental à segurança e o direito social à segurança pública; 4 O ordenamento jurídico penal: necessária abertura a partir da definição constitucional da segurança no processo; 5 o processo penal como ciência autônoma; 6 a construção do controle social preventivo e repressivo no ordenamento jurídico penal; 7 a análise constitucional da “manutenção da ordem pública” como fundamento para o cerceamento cautelar da garantia da liberdade; 8 correta colocação da ordem pública como instrumento de controle social face ao estado político; 9 considerações finais; 10 metodologia; 11 referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A pesquisa científica foi desenvolvida com o objetivo de analisar, sob a ótica constitucional, no processo penal, a garantia fundamental à segurança, entabulada no artigo quinto da Carta cidadã, em oposição à fundamentação genérica “manutenção da ordem pública” da prisão preventiva, caput do art. 312 do Código Processo Penal.
O trabalho é baseado na Carta política e na boa doutrina constitucional, uma vez que aquela é a fonte suprema dos direitos fundamentais, que guardam relação com as normas de valores negativos – limitação do Estado – e a dignidade da pessoa humana, ideia nuclear do Estado Democrático de Direito.
A matéria processual penal encerra o conflito entre o poder-dever do Estado, que existe para salvaguardar a paz e a segurança pública, e as garantias fundamentais da pessoa imputada, que se vale das condições de defesa previstas na ordem jurídica.
Não obstante à superioridade da Carta política de 1988, o códex processual ainda é a principal fonte de regramentos aplicados aos procedimentos de investigações criminais e nos processos penais. Isso se deve à recalcitrância do legislador e à grande parte dos órgãos julgadores que insistem em se irmanarem ao órgão de acusação
Há graves incoerências entre os princípios e às decisões judiciais que atropelam tudo o que é mais sagrado: as garantias fundamentais do imputado face o monopólio de punir do Estado.
Em resposta a essa situação, há a necessidade de abertura do ordenamento jurídico penal aos princípios constitucionais aplicados ao processo.
A doutrina se divide ao analisar a garantia fundamental da segurança: parte dela afirma que ali está inserido o direito fundamental à segurança pública que tem como destinatário a sociedade. Neste sentido, caberia ao juízo penal agir prudentemente para salvaguardá-lo.
Noutra banda, há aqueles que apontam a presunção da inocência e da necessidade do contraditório penal, como vetores constitucionais hábeis a rechaçarem quaisquer ranços da inquisição no sistema acusatório.
Entre essas posições, o estudo mostrará que o estado-juiz somente deve perquirir o controle social preventivo, que evita os crimes e demais coisas deletérias ao seio social, com o sacrifício cautelar da liberdade do imputado, quando há fundado interesse processual.
A presente obra, sem o escopo de encerrar a discussão acadêmica, discorrerá sobre a dicotomia: segurança e liberdade, agora com uma proposta conciliadora e constitucionalmente equânime. Neste sentido será imprescindível o estudo dos direitos fundamentais, como um conjunto de direitos e deveres dinâmicos ao avançar da democracia.
O ponto de partida é a analise da natureza jurídico-constitucional da ordem pública, seu retrospecto e influência para a construção do atual sistema jurídico; por fim, sua interação e relevo para o direito processual penal, como uma ciência jurídica autônoma.
Em segundo momento, buscar-se-á a definição constitucional da “manutenção da ordem pública” como sendo a finalidade da segurança pública – direito do homem consumidor e seu caráter genérico que impede a formação do contraditório penal.
Por derradeiro, e não menos importante, será apresentada a reserva de jurisdição penal e a fundamentação genérica “manutenção da ordem pública”, para que se possa estabelecer um juízo de valor acerca da constitucionalidade das respectivas decisões judiciais.
Apesar de sua importância para a investigação e para o processo, a prisão preventiva fundamentada exclusivamente na manutenção da ordem pública é genérica, que permite a introdução de qualquer arguição dita pelo juízo penal.
Assim, essa decisão ficaria imune de questionamentos futuros, uma vez que não há a menor possibilidade de se estabelecer o contraditório – princípio de defesa – de algo cunhado pelo subjetivismo do órgão jurisdicional.
Em uma visão exterior ao Direito, o cidadão, enquanto sociedade que fiscaliza o Estado político (graças ao exercício do direito à informação que dá publicidade aos atos estatais e o avanço de novas tecnologias de comunicação) apresenta novas exigências: a preservação das garantias individuais e a efetiva distribuição da justiça penal.
Com efeito, para que se tenha a construção do processo penal democrático e o fortalecimento do sistema acusatório, será necessária a abertura do ordenamento jurídico penal aos princípios constitucionais aplicados ao processo.
A formação estruturada do complexo sistema jurídico impõe a todos a assunção de algum papel relevante, seja de caráter legislativo e inovador, seja de aplicador e intérprete das normas entabuladas por ela; qualquer que seja a atividade jurídica há a análise retrospectiva do tema de fundo.
Não obstante farta produção doutrinária acerca desse tema, entende-se ser de grande relevância acadêmica as luzes do conhecimento hermenêutico constitucional que há muito tempo discorre sobre conceitos como a ordem pública e manutenção da segurança pública, agora com uma função específica voltada para as indagações do processo penal.
2.1 DO PRÉ-ILUMINISMO À “ORDEM PÚBLICA” NO CÓDIGO PROCESSO PENAL.
Historicamente a ordem pública estatal causou mais o mau do que o bem à sociedade – basta analisar os governos autoritários dos países ocidentais do século XX, ou ainda a política de controle criminal conhecida como “tolerância zero” nos Estados Unidos. A utilização da ordem foi de acordo com a vontade da força político-econômica dominante.
Há muito tempo a ordem pública vem sendo utilizada pelas pessoas que detém o poder de uma nação. Ela se torna um instrumento político-jurídico a fim de imporem seu modo de organização social, que não atende as minorias da sociedade e nem aos valores do Estado social – garantia da distribuição equânime das riquezas à sua população.
Como um ponto histórico de partida para a definição da ordem pública, tem-se o momento vivido pelo continente europeu, segundo as impressões sociológicas, precisamente na França pré-iluminista. Para tanto, convém apresentar a posição de ROCHA, 2016, Sociólogo, que diz:
No Brasil nos habituamos historicamente a considerar a força policial do Estado como garantidora de segurança jurídica. Isto acontece porque confundimos segurança pública com segurança jurídica. São coisas completamente diferentes – eu diria até opostas.
Para o sociólogo, a segurança pública sempre esteve a serviço da força política dominante que, a exemplo dos governos absolutistas e tirânicos dos tempos anteriores ao movimento iluminista na França controlava as massas populares e protegia o vigente modelo político monárquico absolutista:
No ideário revolucionário das revoltas populares ainda nos anos seguintes à revolução, o povo procurou fortalecer suas próprias milícias como forma de se defender das perseguições e extermínios que as forças repressivas do Estado, agora a serviço da classe burguesa, perpetravam contra o povo. Portanto, o que se aprendeu rapidamente é que a democracia que destronara o velho regime monárquico e oligárquico se convertera em um novo regime de repressão brutal. Por isso o povo francês percebeu atuação do Estado, agora governado pela maioria, que não assegurava os direitos fundamentais da pessoa enquanto indivíduo, os estudiosos da época verificaram a necessidade de, a partir de regramentos normativos, limitar a atuação do Estado face às garantias fundamentais do indivíduo.
Como se observa, a atividade de segurança pública nada mais foi do que a prevalência da ordem pública sob a ótica de quem dominou e se apossou do poder estatal. E, nos dias de hoje, o processo penal vem cumprindo esse papel.
Os pensadores franceses teceram diversas teses e teorias que possuem como pano de fundo a limitação do Estado face à pessoa do indivíduo nacional.
Com isso foram construídos os pilares do Estado republicano cujos principais aspectos político-jurídicos são: a sujeição do Estado a uma constituição legitimada pela população, a separação do poder, a temporalidade dos mandatos políticos e a garantia das liberdades públicas.
Nos dias de hoje, de acordo com os princípios constitucionais aplicados ao processo, é notório que o modelo acusatório foi adotado pelo ordenamento jurídico nacional, uma vez que ele revela os princípios: do devido processo legal e do juízo natural.
Enquanto que aquele princípio informa ser o processo um instrumento garantidor de defesa do imputado face ao peso da acusação estatal, este, por seu turno, impõe ao órgão julgador o compromisso moral e ético de julgar com imparcialidade.
Para a ciência processual penal, a ordem jurídica é que possui amplo relevo. A partir da carta política de 1988, o processo penal deixou de ser um instrumento legal para a política criminal, e passa a existir no sentido de meio de defesa do imputado.
Somente pelo devido processo é que o Estado político alcançará a legitimidade para aplicar a sanção penal condenatória.
Verifica-se, pois, a incoerência entre a ordem pública estatal como a fundamentação de decisão cautelar para a prisão preventiva e o sistema penal acusatório.
2.2 MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA COMO FINALIDADE DA SEGURANÇA PÚBLICA E SEU CARÁTER GENÉRICO.
Nos traços iniciais dos direitos fundamentais previstos pelo constituinte nacional de 1988, há a prevalência da dignidade da pessoa humana e a imposição ao Estado das ordens constitucionais negativas, que são verdadeiras limitações à sua atuação.
Essa razão de ser possui inegável relevância na matéria processual penal, já que o Estado continua a tutelar a ordem pública com a utilização dos meios conducentes ao sacrifício das garantias processuais que à conta do sangue de milhares de pessoas foram escritas ao longo da história de lutas.
O legislador constituinte indicou expressamente, no artigo 144 da Carta cidadã, a manutenção da ordem como a finalidade das instituições responsáveis pela segurança pública, preventiva ou repressiva, a qual compete exclusivamente à administração executiva.
MAZZA (2017, p. 1067) informa que os serviços de segurança pública constituem atividade tocada diretamente pelo Estado. É serviço público, essencial e indivisível, concedido ao homem consumidor.
Ainda que a norma processual penal vigente tenha sido recepcionada formalmente pela constituição de 1988, possui ranço do período inquisitorial, a saber: manutenção da ordem pública – conceito genérico, subjetivo e incompatível com os valores democráticos, legalmente hábeis a limitar a garantia individual.
Como a legislação processual não deixou normatizadas as hipóteses concretas em que haveria a necessidade da manutenção da ordem pública, a ordem pública se constitui em um sentido aberto – o que impede a constituição do contraditório; e, conseqüentemente, torna eventual decisão judicial ilegítima.
2.3 A NATUREZA JURÍDICA DA MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA E SEU RELEVO AO PROCESSO PENAL
Se a manutenção da ordem é a finalidade de um serviço público essencial, por dedução lógica, em nenhum sentido o constituinte a erigiu como um princípio; por seu turno, tanto o constituinte como o legislador infraconstitucional não a elencou no rol taxativo do conjunto dos bens jurídicos importantes para o direito penal.
Não obstante a isso, tanto a jurisprudência quanto parte da doutrina processual penal afirma que o Estado-juiz deve agasalhar a ordem pública para acautelar o meio social.
Nesta linha de pensamento, NUCCI (2011, p.73) assegura que a ordem pública deve ser tutelada pelo juiz, ao limitar cautelarmente a liberdade do imputado, quando houver pelo menos um dos seguintes casos: a gravidade concreta do crime, a repercussão social, a maneira destacada de execução e as condições pessoais negativas do autor.
Neste sentido, o estado-juiz estaria autorizado a tutelar a ordem pública, sob o poder-dever de atuar concretamente para o acautelamento do meio social. Em posição ligeiramente semelhante, há aqueles que defendem o cerceamento cautelar da liberdade para dar credibilidade à Justiça ou ainda o atendimento dos clamores popular.
Isso, em tese, afastaria a sensação de impunidade penal que permeia os serviços prestados pelo Poder Judiciário.
Esse posicionamento, embora socialmente coerente, é juridicamente questionável: não explica o princípio da reserva legal, como elemento legitimador da atuação jurisdicional no caso concreto. Ora, em matéria processual penal a legalidade é estrita, significando que somente haverá a tutela daquilo que o legislador previu.
Desse modo, a ideia de que a manutenção da ordem pública seja compatível com o processo penal somente serviria a uma labuta jurisdicional utilitarista e imediatista – o que desborda da finalidade do processo penal como a busca da legitimidade do atuar estatal.
O constituinte originário, influenciado pelo direito anglo-saxônico, garantiu, no inciso LIV do art. 5º, que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Realizando uma interpretação axiológica (estudo do valor) desse comando constitucional como os requisitos da prisão cautelar, é correto afirmar que somente haverá a restrição da liberdade para o estrito interesse processual – assunto amplamente debatido e se desborda da temática proposta neste documento.
Assim, a ideia de acautelar o meio social no processo penal, além contradizer o devido processo legal e da legalidade estrita, pode ser interpretada como o nítido emparelhamento do órgão jurisdicional ao órgão ministerial de acusação.
Isso representa a negação da existência do sistema acusatório e do processo penal democrático, uma vez que o processo deixa de ser um meio de garantias de defesa.
As pessoas que defendem o acautelamento do meio social em matéria processual com o sacrifício da liberdade têm grande chance de nunca terem experimentado o flagelo do cárcere ou o sabor amargo da injustiça penal.
3 . O ANTAGONISMO: A GARANTIA FUNDAMENTAL À SEGURANÇA E O DIREITO SOCIAL À SEGURANÇA PÚBLICA.
Em respeito ao pluralismo acadêmico, há a lição do notável doutrinador NUCCI (2011, p.13) ao comentar acerca dos direitos elencados no caput do artigo quinto da CRFB/1988, a seguir exposto:
“(…) observa-se então, o natural confronto entre a liberdade e a segurança, quando se trata de aplicar, na prática, as normas penais e processuais penais. Porém, não havendo direito absoluto, flexibilizando-se cada um deles, na medida exata da necessidade de aplicação dos demais (…) a liberdade individual cede espaço à segurança pública, que também é individualizada, sob o ângulo de cada cidadão beneficiado, abrindo caminho para a prisão cautelar”.
A maior parte do pensamento do eminente doutrinador pode ser admitida, principalmente no que se refere à existência de confronto entre a liberdade do imputado e a segurança pública. Entretanto, é inconcebível a ideia de que a garantia fundamental da liberdade deve ceder à finalidade da segurança pública.
A garantia individual da liberdade não deve ser tratada no mesmo plano constitucional do direito social à segurança pública. Somente ao devido processo legal é que a liberdade individual se curva.
Na lição do constitucionalista José Afonso da Silva, dentre os direitos fundamentais há aqueles que são verdadeiras garantias individuais, que guardam relação com a limitação estatal e a dignidade da pessoa humana.
SILVA (2014, p.289) informa que direitos fundamentais podem ser classificados ainda como: direitos do homem produtor (liberdade sindical e outros) e do homem consumidor, que são aqueles que obrigam o Estado a uma prestação positiva, como os serviços essenciais de segurança pública.
O que interessa ao presente estudo é estabelecer a comparação entre a garantia individual da segurança e o direito social à segurança pública, a fim de saber qual delas poderá estar contida na matéria processual penal.
3.1 A SEGURANÇA SEGUNDO A TEORIA DIMENSIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: DINÂMICIDADE E INTERDICIPLINARIEDADE
MARMELSTEIS (2014, p.53) ao elaborar um posicionamento crítico à Teoria das Gerações dos Direito Fundamentais, afirma que esses direitos devem ser vistos e compreendidos em múltiplas dimensões, em razão de serem indivisíveis e interdependentes. O autor apresenta a ideia de que os direitos fundamentais são dinâmicos. Assim, pode-se classificar o direito à segurança de acordo com cada dimensão.
Na primeira dimensão, a segurança deve ser vista como uma garantia individual – segurança jurídica. Na segunda dimensão, deve ser vista como um direito fundamental do homem consumidor – serviço essencial de segurança pública. Já na terceira dimensão, é entendida pela fraternidade e universalização do direito à segurança do meio ambiente sadio e equilibrado, por exemplo.
Como se verifica, a segurança ganha nuance jurídica diferente de acordo com o contexto jurídico em que é estudada. Isso decorre da dinamicidade dos direitos fundamentais, que, a depender do plano fático-jurídico, a segurança corresponderá a alguma dessas dimensões.
Se no atual ordenamento jurídico penal o sistema acusatório for evidenciado – onde há forte incidência dos valores éticos que apontam para uma atuação jurisdicional imparcial e totalmente desprendida do órgão ministerial de acusação, deve-se concluir que a segurança tratada, sem dúvida, é a de primeira dimensão – garantia da segurança jurídica.
Isso, por exclusão, afasta da matéria processual penal a segurança contida nas demais dimensões da teoria dos direitos fundamentais.
SILVA (2014, p.440) ao discorrer sobre a garantia da segurança entabulada no caput do art. 5º, informa que se trata de segurança jurídica. Segundo o mestre, no processo penal, isso se desdobra na: garantias jurisdicionais penais; garantia do juiz competente; garantias criminais preventivas; garantia do devido processo legal, dentre outras.
3.2 A GARANTIA FUNDAMENTAL À SEGURANÇA: DESTINATÁRIO E FINALIDADE.
SILVA (2014, p.289) assegura que as garantias entabuladas no caput do artigo quinto foram destinadas ao indivíduo. Elas possuem como pressupostos a limitação do poder estatal e a dignidade da pessoa humana.
Segundo o autor, a garantia da segurança foi destinada ao indivíduo e esta possui duas funções distintas: uma de ordem negativa, onde o Estado deve respeito; outra de ordem positiva, onde o Estado deve atuar para que isso seja respeitado por todos.
A garantia da segurança está no mesmo plano constitucional das demais garantias, a saber: a vida, a liberdade e a propriedade. Frisa-se que isso não se reveste de caráter absoluto. Em algum momento haverá a necessidade de ponderações.
Erige-se outra garantia: o devido processo legal. Tanto o particular quanto o Estado, para adentrar na seara das garantias individuais e seus respectivos direitos, necessariamente, deverão perquirir o sistema jurídico processual competente.
A partir do devido processo legal, a garantia da liberdade somente poderá ser limitada se for observada a garantia da reserva de Jurisdição penal e todo o sistema jurídico de defesa processual – a saber, o contraditório.
3.3 O DIREITO FUNDAMENTAL À SEGURANÇA PÚBLICA: DESTINATÁRIO E FINALIDADE;
SILVA (2014, p.289) classifica o direito social à segurança pública como se fosse destinado ao homem consumidor. Neste sentido, há verdadeiro preceito mandamental para que o Estado preste os serviços essenciais à sociedade, como os de segurança pública.
O homem consumidor deve ser identificado qualitativamente como um ser social, coletivo. Desse modo, os serviços de segurança pública não são destinados ao homem individual, que no Direito administrativo é tratado como particular.
A finalidade da segurança pública, sob nenhum argumento deveria permear a atividade cognitiva do órgão jurisdicional para restringir a garantia da liberdade, uma vez que constitui verdadeira tese de acusação, que não passa pelo crivo do contraditório.
SOARES (2013 p.111) ao discorrer acerca da teoria do ordenamento jurídico informa que:
A concepção do ordenamento como sistema é consentânea com o aparecimento do Estado moderno (…) Com o advento da dominação legal-burocrática, forma de dominação baseada na legalidade, consolidam-se tanto a organização racional de competências com base na lei quanto a sistematização centralizada das normas de exercício de poder e gestão.
Na prática, assim como em tempos atrás o caudilho se valia da força policial e das leis vigentes para realizar seus desígnios particulares, proporcionalmente, nos dias de hoje, os estamentos políticos, se valendo da democracia, aviltaram o sufrágio popular, apossaram do poder político para promover seus desígnios privados.
A ordem pública no processo penal é um exemplo que evidencia o “sequestro” do ordenamento jurídico penal que agora serve a uma parte da sociedade.
Graças ao avançar do processo democrático e o esclarecimento das pessoas acerca de seu papel enquanto cidadãos que devem vigiar o Estado, há um movimento de amadurecimento das discussões em torno do processo penal enquanto instrumento das garantias de defesa e da distribuição da justiça penal.
Os fenômenos sociais atuais exigem do Estado o combate efetivo contra a corrupção, por exemplo, mas não admitem o cerceamento cautelar da liberdade de um inocente. Esses assuntos põem à prova o ordenamento jurídico penal vigente.
Neste momento, a temática “ordem pública no processo penal” ganha contornos mais elevados, uma vez que disso dependerá a afirmação do sistema acusatório.
Muitos avanços já ocorreram neste sentido; entretanto, ainda há o emprego do ordenamento jurídico de modo seletivo ou para atender determinada clientela. Isso desborda de sua finalidade como um instrumento de distribuição da justiça penal.
O Estado brasileiro ainda não correspondeu à altura constitucional quando o assunto é o combate à corrupção generalizada contra a administração pública e o interesse público. Ele parece ser forte apenas para cercear o acautelamento social nos crimes hediondos.
A discussão versa sobre até que ponto é possível confiar no Estado que insiste em se valer da prisão cautelar para o efetivo combate ao crime.
A sensação de insegurança e de impunidade no meio social é mais eloquente quanto se está em cheque seu próprio ordenamento jurídico penal, uma vez que este representa a realização precípua das funções do Estado segundo o poder conferido a ele pelo cidadão.
Acredita-se que a colocação inapropriada da manutenção da ordem pública como fundamento processual decorre dos tempos em que não se estudava o processo como uma ciência autônoma ao direito material.
Enquanto que este é verdadeira ferramenta de política criminal – eleição das condutas antiéticas, com alto grau de reprovação social e que ofende bens jurídicos sensíveis; aquele, por seu turno, compreende o conjunto dos meios constitucionais de defesa do imputado, o qual o órgão jurisdicional é obrigado a velar.
Realmente, no direito penal, a finalidade da segurança pública se vê contemplada, uma vez que este possui como objeto o controle social preventivo. Já em matéria processual, isso somente deve existir quando houve sentença penal condenatória.
O processo deve ser estudado desgarrado da matéria substantiva, uma vez que possui princípios singulares como: a presunção da inocência, o do favor-rei (benefício ao réu) e do contraditório, dentre outros. Por assim dizer, a sua inauguração é a própria Carta constitucional de 1988.
SOARES (2012, p.96), sociólogo, apresenta a definição do controle social preventivo: conjunto de mecanismos que a sociedade oferece para evitar a ocorrência de infrações éticas, a fim de introduzir a adequação do comportamento aos cânones socialmente aceitos. Para tanto, pode se valer da coercibilidade.
Neste sentido, a matéria penal substantiva encerra as condutas típicas eleitas como ilícitos penais – ultrapassam a última barreira da ética social e que se constituem em alto grau de reprovação moral coletiva, inclusive pelo direito natural.
O ordenamento jurídico penal do Estado brasileiro adequou, proporcionalmente, o regramento processual e a respectiva sanção penal, de acordo com o grau de reprovação social da conduta e periculosidade do agente.
Assim, a título de exemplificação, os autores dos crimes hediondos e equiparados, de um modo geral, recebem as maiores reprimendas, ainda durante a investigação criminal – portanto presentes o fumus commissi delicti e o pericullum libertatis.
Neste cenário, a jurisprudência se arvora contra a garantia da liberdade do imputado, uma vez que se trata de condutas odiosas e altamente reprováveis. Não haveria, pois, quem se importasse com um “mero” detalhe processual.
O ordenamento penal é produto dos fenômenos sociais. Estes, nos dias atuais, com o advento dos direitos fundamentais de terceira dimensão, a saber: o direito à informação e a inserção das novas tecnologias de comunicação, estão em constante evolução.
Essas transformações sociais obrigam o Estado político a um proceder com transparência e probidade perante a sociedade.
A partir da publicidade dos atos das personalidades públicas e o enfrentamento global contra a corrupção, pouco passa despercebido perante a opinião pública.
A questão é saber se o ordenamento jurídico penal dará condições efetivas a esses fenômenos sociais que exigem a necessária reprimenda penal para os atos de corrupção, especialmente aqueles praticados contra a administração pública e o interesse público.
Se for estabelecida uma comparação entre os crimes hediondos com os de corrupção, poderia ser feita a seguinte distinção: como a sociedade e a justiça brasileira enxergam o agente criminoso, ao analisar a necessidade do cerceamento cautelar da liberdade.
Enquanto que a sociedade e a justiça vêem como um criminoso aquele que cometeu a conduta hedionda, as personalidades estatais poderiam até se tornarem “amigas” daquela cuja ameaça não se personificou na imagem do indivíduo.
A partir dessa contemplação, a ordem pública como um fundamento judicial ao cerceamento da liberdade, ganha aparência de conveniência processual. Se o Estado-juiz, sem embargos, acautela a ordem social nos crimes hediondos, poderia proceder de igual modo nos crimes de corrupção contra a administração pública?
Sem rodeios, em obediência às convicções acadêmicas aqui apresentadas, de nenhum modo pode-se concordar com a fundamentação genérica manutenção da ordem pública no processo penal, ainda que seja para “um bem maior”.
No processo penal, a ordem pública deve ceder todo o espaço à ordem jurídica. É nela que se encerram os limites da atuação jurisdicional. A ordem jurídica, por seu turno, deve se abrir aos anseios dos princípios constitucionais, não apenas parte deles.
Tanto nos crimes hediondos, quanto nos de corrupção, somente haveria o cerceamento cautelar da liberdade para o interesse exclusivo das investigações criminais ou do processo penal – devido processo legal.
As pessoas estão propensas a sopesar o direito processual penal e a necessária reprimenda nas condutas flagrantemente contrárias aos bens jurídicos de ordem pessoal; já quanto às condutas de corrupção, nem sempre possuem semelhante repulsa.
Ocorre que, ao cientista do Direito, esse pensamento é vedado sob pena de agir contrariamente ao interesse da sociedade – é dela que parte todo poder e legitimação do Estado político, incluindo seu ordenamento jurídico.
Desse modo, sem adentrar ao tema, é importante o estudo dos crimes contra os bens jurídicos coletivos, como é o caso da corrupção contra a administração pública e o interesse público. Com isso restará evidenciada toda uma cadeia de condutas criminosas sistematicamente reproduzidas para o interesse comum do grupo organizado.
De certo modo, quando a autoridade judicial acautela o meio social, ela assim o faz com base na periculosidade do agente e a possibilidade de este vir a delinquir. Assim, como uma prevenção, principalmente nos crimes hediondos, isso acontece na maioria das vezes.
Os agentes que praticam o crime de corrupção contra a administração pública e o interesse público não possuem os mesmos estereótipos, grau de instrução e de arquitetura social como aqueles apresentados pelos agentes hediondos.
A finalidade da ordem pública, além de inconstitucional, se mostra como um perigoso artifício processual que poderá proteger determinados agentes se for levado em consideração o fato de que muitos exercem mandatos políticos, possuem elevado poder econômico e dispõem de uma afinada rede social de sustentação política, além de estarem em constante planejamento para burlar o sistema jurídico penal.
Neste caso, a fundamentação da ordem pública no processo, em tese, poderá ser utilizada convenientemente pelo órgão julgador que se deixa influenciar pela rede social engendrada para a corrupção e para o clientelismo.
Prosseguindo na lição de SOARES (2012, p.96), verifica-se que a definição do controle social repressivo: conjunto de mecanismos que a sociedade oferece para repreender as infrações éticas já consumadas, por meio da imposição coativa de sanções-castigo, as quais podem constranger a pessoa infratora.
Para o estudioso, a sanção penal é sempre negativa, ou sanções-castigo, que tem como causa o cometimento de alguma conduta antiética, que fora tipificada como crime.
O momento processual para que haja o controle social repressivo é quando o juízo natural prolata a Sentença condenatória que poderá ter sua execução de forma imediata.
Além do já apresentados, há outros motivos para a verificação da inconveniência da finalidade pública como fundamento da decisão cautelar de prisão: a reserva de jurisdição penal e a possibilidade de invasão de competência do juízo penal em assunto típico da administração pública.
7.1 A RESERVA DE JURISDIÇÃO PENAL
O inciso XXXV do artigo 5º da CRFB/1988 preceitua o princípio da inafastabilidade da jurisdição: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Esse mandamento estabelece a atividade típica da justiça. Em consonância a isso, há o estabelecimento do juízo natural.
Ambas as garantias dão limites à compreensão da reserva de jurisdição penal: nas investigações criminais, a atividade judicial será no sentido de conter o poder-dever de investigação do Estado face à garantia individual da liberdade, por exemplo; já no processo penal, ela deverá vigiar o cumprimento do devido processo legal e todo o sistema jurídico de defesa constitucionalmente previsto ao imputado.
Em homenagem ao pluralismo acadêmico apresenta-se o seguinte: BRITO, 2012, em sede de Habeas Corpus, esposou seu entendimento ligeiramente contrário ao acima exposto.
Segundo o jurista, a ordem pública é um bem jurídico distinto da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Para ele, o fato de o constituinte ter previsto as ações da segurança pública para prevenir e preservar a incolumidade das pessoas e do patrimônio em separado da preservação da manutenção da ordem pública, deixou evidenciado de que se trata de bem jurídico distinto.
Seguindo esse raciocínio, BRITO, 2012, assegura que apesar do acautelamento social da ordem pública não ter sido objetivamente descrita na norma penal, é possível, no caso concreto, justificar tal medida, de acordo com a gravidade do delito e os aspectos subjetivos que depõem em desfavor do agente.
Em que pese o nível de autoridade científica do eminente jurista, pode-se questionar a real intenção do constituinte originária ao tratar da finalidade da segurança pública: este se referia às atividades materiais, preventivas ou repressiva, de segurança pública, ou devera criou nova modalidade de bem jurídico penal de propriedade difusa?
Realizando uma interpretação teleológica (sentido de finalidade), entendemos que o constituinte estabeleceu a segurança pública como um serviço essencial de prevenção geral, ou seja, quaisquer eventos (natural ou humano) que possua potencial lesivo à sociedade devem ser objeto do atuar das instituições de segurança.
Isso, necessariamente, não atrai a competência do juízo penal.
Em última análise, até poderíamos admitir a ordem pública como um bem jurídico salvaguardado pelo direito, mas em ramos como o administrativo (poder de polícia administrativa) ou a seara civil.
Ao analisar o princípio da legalidade estrita em matéria processual penal, corroborado com o entendimento constitucional e a moderna visão do positivismo crítico (pós- positivismo), o julgador deve afastar a aplicabilidade de regramento colidente com os valores da dignidade da pessoa humana.
Neste diapasão, a doutrina processual penal afirma que é defeso ao julgador se utilizar da integração analógica para criar novo tipo penal em abstrato, seja para imputar nova conduta, seja para estabelecer as hipóteses qualificadoras ou causas de aumento da pena.
Assim, toda conduta tipificada como penalmente ilícita é, no bom sentido, ofensa direta à ordem jurídica – preceitos éticos normatizados – e não à pública.
Fazer prevalecer a ordem pública no ordenamento jurídico penal constitui gravame semelhante aos perpetrados pelos Estados autoritário do período absolutista.
7.2 DA POSSIBILIDADE DE INVASÃO DE COMPETÊNCIA DO JUÍZO PENAL NA PRÁTICA DE ATO TÍPICO DA ADMINISTRAÇÃO EXECUTIVA.
A doutrina constitucional, ao prever o fundamento da divisão das funções do poder do Estado, aponta para a existência das atividades típicas do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, respectivamente: administrar, legislar e aplicar a norma ao caso concreto.
SILVA (2014, p.113), nesse sentido informa que essa divisão tem o condão de prevenir a concentração do poder e eventual abuso. Além disso, o constituinte elencou as funções atípicas para todos eles.
As funções atípicas são: ao legislativo, da administração interna e julgamento das autoridades políticas, nos casos previstos em lei; ao executivo, o de legislar por meio de Medida provisória ou Decreto Lei e de julgar administrativamente seus próprios atos, seus órgão e pessoas; e ao Judiciário, administração interna e a produção das resoluções e regulamentos, a fim de dar cumprimento à lei.
Verifica-se, em ligeira análise, que não foi conferido ao Poder Judiciário a administração da finalidade da segurança pública. Daí advém as críticas às decisões judiciais que se servem exclusivamente de uma prestação de serviço público para cercear a liberdade. Isso desborda do ideal de sujeição do magistrado ao cumprimento das normas vigentes – incluem-se os princípios e as regras.
A atuação jurisdicional penal deve se pautar sob o ordenamento jurídico penal, que é a reunião dos sistemas penais e processuais.
Existe o foro competente para tutelar o direito do homem consumidor que demanda contra o Estado para a garantia do serviço de segurança pública, a saber o juízo civil. É na Ação Civil que se deve perquirir o dever de prestação com eficiência, probidade e o aparelhamento tecnológico das instituições de segurança pública.
Trata-se, pois, de finalidade estranha à reserva de jurisdição penal.
8 A CORRETA COLOCAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE SOCIAL FACE AO ESTADO POLÍTICO.
Um Estado sem controle e fiscalização por parte dos seus cidadãos é a principal ameaça à própria existência de seus fundamentos e valores que o legitimam.
Contextualizando, infelizmente, no Brasil, por razões de sua origem colonial, foi instalado um Estado policialesco, onde a principal instituição que mantém a ordem pública é a polícia, corroborada com o judiciário. Ao contrário disso, há lugares em que essa bandeira é erigida pelas instituições de ensino e a sociedade civil organizada.
Há muito tempo se fala na ordem pública e sempre sob o ponto de vista de quem domina: o Estado político e determinado grupo social. Assim se deu a inserção dessa ideia na construção do ordenamento jurídico penal. Isso tem sido recorrente na maioria dos países.
A ordem pública, convenientemente, foi inserida no ordenamento jurídico penal para dar “ares” de legitimidade da atuação estatal (inclusive na produção de leis) em sacrifício das garantias individuais.
Ao Estado político é dado o poder-dever de assegurar a ordem pública com medidas preventivas, observando, em todos os casos as garantias fundamentais, que, para isso ocorrer, é defeso a ele se utilizar do ordenamento jurídico penal.
Sempre que a ordem jurídica penal se curvar aos interesses da ordem pública estatal estaremos diante de um governo antidemocrático, onde o juízo penal deixará sua missão de resguardar as garantias individuais.
Aquilo que foi tomando à força pelo Estado político poderá voltar para as mãos do cidadão, enquanto sociedade que vigia o Estado, se a ordem pública sair do processo penal.
Se há necessidade de se ter ordem pública na sociedade brasileira, que esta seja promovida diretamente pelos cidadãos como um instrumento democrático de limitação do próprio Estado político. Assim, não haveria a atuação preventiva do Estado-juiz para tutelá-la preventivamente face aos direitos fundamentais do indivíduo imputado.
A ordem pública, sem dúvida, é necessária à construção de uma comunidade ordeira, pautada no valor ético-moral e o dever de obediência às autoridades e às leis.
Essa ideia pressupõe a organização e harmonia de uma sociedade dirigida pelo Estado politicamente constituído para desenvolver o bem-estar social, a pacificação e a correção das desigualdades sociais, além de prevenir e combater as atividades deletérias aos bens jurídicos penalmente tutelados.
A ordem pública se legitima a partir da iniciativa da própria sociedade à medida que há o exercício da liberdade e da autonomia privada para a consecução da cidadania e da democracia, sem a interveniência preventiva do estado-juiz.
Deve-se, pois, infirmar que ao estado-juiz é dada a prerrogativa de tomar posse desse conceito abstrato quando utiliza a medida cautelar de prisão processual, sob o argumento de possuir legitimidade para salvaguardá-lo.
A ordem pública não se coaduna com ordenamento jurídico processual penal.
SOARES (2013, p.17), Sociólogo, ao discorrer acerca das normas éticas, apresentou a moral como norma ética de aspecto mais relevante para o convívio grupal e que assegura o equilíbrio e a coesão da sociedade.
Aproveitando o ensinamento do sociólogo e as atuais exigências da sociedade que busca um Estado efetivo no combate a todas as formas de criminalidade, a ordem pública deve ser entendida como uma ideia de valor moral para o interesse público – qual seja a finalidade dos serviços essenciais de segurança pública.
Neste sentido, baseado no entendimento doutrinário, pode-se afirmar que a ordem pública nada mais é do que um bem metajurídico, ou seja, não é possível sua definição e emprego pela ciência jurídica (ainda mais pela matéria processual penal). Ela se aproxima do interesse de outras áreas do conhecimento como a Sociologia.
9 . CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta do presente artigo se encerra em duas linhas: a necessária retirada da fundamentação genérica da manutenção da ordem pública pela atividade legislativa e a abertura do sistema jurídico penal para a prevalência dos princípios constitucionais.
Uma sociedade livre, justa e cidadã é construída a partir de um estado penal legítima. Neste sentido, para o presente e para os tempos vindouros, a ciência processual penal brasileira tem uma importante pauta, a saber: a afirmação do sistema penal acusatório pela atividade legislativa infraconstitucional e a abertura do sistema jurídico penal para a prevalência dos princípios constitucionais.
Em relação à parte inicial da pauta, registramos os avanços que ocorreram à prisão preventiva: se antes poderia ser decretada de ofício e era um ato judicial obrigatório, hoje há a contemplação objetiva dos pressupostos: prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria – ambas devem ser analisadas pelo julgador.
Como foi demonstrado, há quem pregue a mensagem: o Estado somente poderá efetivamente prestar os serviços de segurança pública se o órgão jurisdicional promover o necessário acautelamento social no processo penal.
Se isso fosse erigido pelo órgão ministerial de acusação, não haveria questionamentos a esse respeito, já que, notadamente, trata-se de uma fundamentação apelativa e pautada pelo comprometimento do parquet com o papel de quem promove a acusação penal.
Causa profunda preocupação quando determinados estudiosos da ciência processual penal encampa esse discurso. Eles possuem o poder e a autoridade para mover paradigmas e promover mudanças de comportamentos, inclusive pela jurisprudência, seja para o avanço, seja para o retrocesso do direito processual penal.
A partir da alteração legislativa proposta, tanto para a doutrina quanto para a jurisprudência, dar-se-á um importante passo para que o sistema acusatório seja uma realidade unânime, pois há quem diga que ele é misto: uma parte inquisitorial e outra acusatória.
Adentrando à segunda parte da pauta, esta possui um dilema: a construção de um sistema jurídico penal efetivo para o combate a quaisquer condutas ilícitas, com o emprego das medidas cautelares coercitivas, sem o sacrifício das garantias individuais, mas com a promoção de investigações criminais e persecução penal modo efetivo.
O encarceramento do indivíduo possui um elevado efeito de convencimento e enfraquecimento de suas relações interpessoais. Isso é um fato notório. Daí a razão para ser utilizado prioritariamente no processo penal convencional.
Antes, a tortura e a prisão eram o meio para a obtenção das provas e confissões. Ainda hoje, a prisão persiste como o melhor meio para obter o acautelamento social e, por consequência, as vantagens para as investigações. Essas condutas não devem ser admitidas.
A prisão representa o modo primitivo de resolver as coisas a partir da concepção de quem encarcera. Isso não é aceito pela moderna concepção do direito como uma ciência jurídica, que deve, efetivamente, corresponder ao interesse público.
Para tanto, o Estado deve investir mais em infra-estrutura e pessoal para as investigações criminais e ciência forense, com a adoção de todos os meios tecnológicos hábeis a produzirem provas em tempo razoável. Assim, ele não precisará violar a garantia da liberdade para fazer o seu trabalho de investigação.
Com isso, o juízo penal não incorrerá na odiosa prática de ter que supor determinada coisa que não se constituiu objetivamente pelo conjunto de provas apresentadas pela acusação. Isso inviabilizaria o estabelecimento do contraditório.
Os cidadãos, enquanto sociedades vigilantes do Estado exigem maior eficiência nas investigações criminais, a regular apresentação da denúncia e, se for o caso, a imposição da sanção penal, com isonomia.
Eles sabem que o sistema jurídico penal brasileiro, que cerceia preventivamente o agente hediondo é o mesmo que protela a sanção estatal ao agente corrupto.
Em resposta a isso, o sistema jurídico penal deve deixar de ser um instrumento de afirmação do poder e dos interesses dominantes para efetivamente ser a ponte de passagem rumo à construção da sociedade idealizada pelo constituinte: livre, justa e solidária.
É preciso, pois, à medida que os estudos do direito processual penal avançam, como uma ciência autônoma, promover a abertura do sistema jurídico penal ao fenômeno social que exige do Estado o respeito às garantias individuais e o efetivo combate a todas as formas de crimes, especialmente a corrupção contra a administração pública.
Referências
AMARAL, Cláudio do Prado, 1ª Edição, 2012, Editora JH Mizuno.
BONFIN, Edilson Mogenot – Curso de Processo Penal, 9ª edição, 2014, Saraiva.
BRASIL, Constituição: Senado Federal, 1988.
MARMELSTEIN, Curso de Direitos Fundamentais, 5ª Edição, 2014, Editora Atlas.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo, 7ª Edição, Editora Saraivajur, 2017.
NUCCI, Guilherme de Souza, Prisão e Liberdade, 2011, Editora Revista dos Tribunais.
PENAL, Código de Processo, Decreto Lei nº 3689/1941.
ROCHA, José Manuel de Sacaruda, Segurança pública ou Segurança jurídica? Sentença ou cultura de paz. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2016/02/26/seguranca-publica-ou-seguranca-juridica-sentenca-ou-cultura-de-paz. Acesso em 11/07/2018.
SILVA José Afonso da – Curso de Direito Constitucional positivo, 38º edição, Editora Malheios, 2014.
SOARES, Ricardo Maurício Freire. Sociologia do Direito, Saberes do Direito, Editora Saraiva, 2012.
SOARES, Ricardo Maurício Freire. Elementos da Teoria Geral do Direito, 2013, Editora Saraiva.
STF. HABEAS CORPUS 111244, Relator: Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 10/04/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 25-06-2012 PUBLIC 26-06-2012).
[1] Graduado em Direito, Pós graduado em Direito Penal e Processo Penal.
* Artigo apresentado conforme exigência da banca de conclusão da Pós graduação em Direito Penal e Processo Penal.
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