Vítor Vieira Costa[1]
Resumo: O roubo qualificado pelo resultado morte, também conhecido como latrocínio, embora a lei assim não o nomeie, está amplamente difundido na sociedade brasileira. A sua consumação causa enorme debate jurídico, apesar de já disciplinado na Súmula 610 do Supremo Tribunal Federal há mais 30 (trinta) anos. O seu grande dilema é a relação controversa com o conceito de crime consumado consubstanciado no artigo 14, inciso I, do Código Penal. Assim, é prudente uma análise técnico-jurídica com o posicionamento de consagrados autores sobre o momento consumativo do latrocínio quando ocorre a morte da vítima, mas não há subtração de seus bens. Todos os autores pesquisados reconhecem falhas no entendimento sumular do STF, alguns a apoiando a prevalecer por ser a mais adequada outros entendendo pelo latrocínio tentado.
Palavras-chave: Latrocínio; Consumação; Controvérsias.
Abstract: The robbery qualified by the death result, also known as robbery, although the law so does not name it, is widely diffused in Brazilian society. Its consummation causes enormous legal debate, although it has already been disciplined in Precedent 610 of the Federal Supreme Court for another thirty (30) years. Its great dilemma is the controversial relation with the concept of consummate crime embodied in article 14, item I, of the Penal Code. Thus, it is prudent to take a technical-juridical analysis with the position of consecrated authors on the conspiratorial moment of the robbery when the victim’s death occurs, but there is no subtraction of their property. All the authors surveyed acknowledge failures in the Supreme Court’s understanding of the STF, some supporting it to prevail because it is the most adequate for others to understand by attempted robbery.
Keywords: Looting; Consummation; Controversies.
Sumário: Introdução. 1. Do Roubo. 1.1 Conceito. 1.2. Classificação doutrinária. 1.3. Sujeito ativo e sujeito passivo. 1.4. Do “iter criminis”. 1.5. Consumação e tentativa. 1.6. Causas especiais de aumento da pena. 1.7. Do roubo qualificado. 1.7.1. Do roubo qualificado pelo resultado lesão corporal grave. 1.7.2. Do roubo qualificado pelo resultado morte (“Latrocínio”). 2. Da súmula 610 STF. 2.1. Breve histórico. 2.2. Análise e interpretação de seu conteúdo. 3. Da controvérsia jurídica sobre a súmula 610 STF à luz do art. 14, I, do CP. 3.1. Posicionamento de Rogério Greco 3.2. Posicionamento de Julio Mirabete e Renato Fabbrini 3.3. Posicionamento de Damásio de Jesus 3.4. Posicionamento de Cleber Masson 3.5. Posicionamento de Guilherme de Souza Nucci 3.6. Posicionamento de Romeu de Almeida Salles Junior 3.7. Posicionamento de Paulo José da Costa Junior. Conclusão. Referências.
Introdução
O Brasil é um dos países mais violentos do mundo. Entre os diversos crimes que aqui se propagam está o roubo qualificado pelo resultado morte, amplamente conhecido por latrocínio. Violento e habitual causa grande impacto na população brasileira.
A realidade é preocupante: segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública a taxa do referido crime que era de 0,8 para cada 100 mil habitantes em 2007 saltou para 1,3 em 2016. O que mostra a gravidade da situação vivida e a necessidade de uma aplicação justa e eficiente da legislação penal ao caso concreto, almejando, assim, a paz social.
O direito Penal tem como uma de suas funções a proteção de bens jurídicos essenciais a sociedade. Dentre os quais se destacam: a vida e o patrimônio, que são, justamente, atacados pelo roubo qualificado pelo resultado morte. Assim, é interessante chamar a atenção do momento da sua consumação, disciplinada na Súmula 610 do STF e sua relação com o art. 14, inciso I, do CP. Aquela (Súmula) assevera que há o delito quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração dos bens da vítima.
A dita Súmula, apesar de já editada há mais de 30 anos, ainda gera debate jurídico entre renomados operadores do direito a cerca da definição do momento da consumação do roubo qualificado pelo resultado morte (latrocínio). Desta forma, surge a seguinte Problemática: quais os possíveis pontos controversos na análise jurídica da consumação do crime de Latrocínio presente na Súmula 610 do STF à luz do art. 14, inciso I, do Código Penal?
O presente artigo possui com Objetivo Geral a analise dos possíveis fundamentos jurídicos controversos sobre o momento da consumação do crime de roubo qualificado pelo resultado morte (latrocínio) presente na Súmula 610 do STF e o art. 14, inciso I do CP.
Com o escopo de atingir tal Objetivo Geral, faz-se mister a realização dos seguintes Objetivos Específicos: compreender e analisar juridicamente o conceito de roubo qualificado pelo resultado morte (latrocínio); apontar a Classificação doutrinária do crime de roubo qualificado pelo resultado morte (latrocínio); identificar o sujeito ativo e passivo do crime de roubo qualificado pelo resultado morte (latrocínio); determinar e analisar o conceito de Crime Consumado e Crime Tentado; analisar as concepções doutrinárias acerca da consumação do crime de roubo qualificado pelo resultado morte (latrocínio).
A presente pesquisa acadêmica possui como justificativa pessoal a atualidade e importância do assunto na sociedade brasileira. É interessante o debate jurídico sobre um assunto que influencia todos os cidadãos, não só os operadores do direito. A Justificativa Acadêmica se assenta no entendimento que o assunto dialoga com inúmeros conceitos jurídicos relevantes, como tentativa e consumação, por exemplo. Ademais, não é entendimento universal e pacífico, sendo possíveis inúmeros debates acerca da interpretação da lei e súmula aplicável.
A Metodologia Científica aplicada a esta Pesquisa será a Investigação Pura, já que não pretende solucionar um caso concreto especial em sociedade. E, sim, verificar quais são os pontos controversos apontados pela doutrina brasileira acerca da consumação do latrocínio consubstanciado na súmula 610 STF.
A Natureza da Investigação será inicialmente Exploratória, uma vez que não possui de forma direta nenhum autor que trate sobre as principais controvérsias, apenas se encontram informações esparsas na doutrina, quando os doutrinadores explicam o crime de roubo qualificado pelo resultado morte. Todavia, ela tende a ter Natureza de Investigação Descritiva, pois pretende descrever, interpretar e analisar determinado fenômeno, qual seja: a consumação do latrocínio à luz da Súmula 610 do STF e os posicionamentos favoráveis ou desfavoráveis apontados pela doutrina.
Este artigo utiliza o Método Hipotético da Investigação Dedutivo, já que parte de diversas premissas, quais sejam: os posicionamentos doutrinários dos autores acerca da Súmula 610 do STF em relação ao momento consumativo do latrocínio, para se obter uma conclusão.
O Tipo de Pesquisa contido neste estudo será o Bibliográfico. Será realizado um apanhado jurídico sobre a literatura já existente que se amolda ao assunto do momento consumativo do latrocínio em relação com a Súmula 610 STF, observado os renomados autores que tratam sobre o tema. Ademais, se trata de um estudo e interpretação contextualizada sobre a Súmula 610 do STF, que goza de natureza documental em relação a isso.
Como Técnica de Coleta de Dados será adotada a análise de conteúdos descritos acima, vale dizer: a doutrina exposta nos livros acadêmicos, bem como a exposição de motivos da Súmula 610 STF. Está contido um estudo bibliográfico e documental sobre temas de interesse e conexos com a problemática, visando elaboração do artigo com coerência e fidelidade ao tema.
Este artigo não se direciona ao estudo numérico dos fatos representativo da problemática em questão, mas na compreensão e estudo sobre o tema do momento consumativo do crime de latrocínio consubstanciado na Súmula 610 do STF, ao analisar fatos e opiniões para melhor entender a lógica jurídica empregada no referido tema. Dessa forma, utiliza a Abordagem de Pesquisa Qualitativa.
O roubo desde os primórdios integra o rol dos crimes mais praticados no mundo, sendo objeto, inclusive, da Lei do Talião, Lei de Manu, bem como de outros dispositivos ao decorrer da evolução histórica mundial.
Trata-se de uma ação extremamente comum na sociedade, a partir da qual o indivíduo criminoso pretendendo subtrair para si coisa pertencente à terceiro, através da violência ou grave ameaça. No Brasil, a prática é caracterizada como crime, configurando como bem jurídico protegido pelo dispositivo o patrimônio da vítima, de maneira que é este o objeto material da subtração, conforme será aprofundado em seguida.
1.1. Conceito
O roubo é um crime previsto na legislação penal brasileira, precisamente no artigo 157 do Código Penal. Figura no Título III do referido código, tratando-se de um crime contra o patrimônio. Ao tipificá-lo, o Estado tutela um dos bens jurídicos mais essenciais a vida em sociedade, a saber: o patrimônio.
Patrimônio é o conjunto de bens que possuem valor, que se possam exprimir em dinheiro, integrantes da vida econômica de uma pessoa, seja ela física ou jurídica. Portanto, é a representação econômica da pessoa. Conforme assevera o jurista Carlos Roberto Gonçalves (2015), “o patrimônio restringe-se, assim, aos bens avaliáveis em dinheiro” ( p. 233).
Acerca da definição de roubo, disciplina o artigo 157 do Código Penal:
Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência; Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa. O tipo penal revela núcleos que compõem sua figura típica.
Nesse seguimento, ressalta-se que o roubo só é punido a título de dolo. De acordo com o art. 18, inciso I, do Código Penal Brasileiro (Decreto-lei nº 2.848/40) diz-se que um crime é doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. Assim, deriva de uma conduta humana que busca causar o dano ou que quando uma conduta é realizada, mesmo sem o escopo de lesar terceiro, é inteiramente possível que isto ocorra.
A subtração diz respeito à retirada da res do patrimônio da vítima sem o seu consentimento. Trata-se, especificamente, de coisa alheia que deve ser, obrigatoriamente, móvel. Vale ressaltar, que é abarcada pela figura típica a subtração para si ou para outrem, ou seja, incorre no mesmo crime o agente que subtrair e realizar a violência ou grave ameaça for o destinatário final do produto criminoso ou, depois da referida conduta, repassar a terceiro.
Outrossim, deve haver o emprego de violência ou grave ameaça, a característica que mais diferencia o roubo do furto, este tipificado no art. 155 do CP. A violência é o elemento chave da conduta. A grave ameaça deve ser entendida com algo que cause temor injusto a vítima de sofre algum dano, sendo obrigada a entregar o bem ou abster-se de reivindicá-lo. Uma violência psicológica que deve ser atual e premente.
Nas palavras de Rogério Greco (2017):
“O art. 157 do Código Penal prevê dois tipos de violência. A primeira delas, contida na primeira parte do artigo, é a denominada própria, isto é, a violência física a vis corporalis, que é a praticada pelo agente a fim de que tenha sucesso na subtração criminosa; a segunda, entendida como imprópria, ocorre quando o agente, não usando de violência física, utiliza qualquer meio que reduza a possibilidade de resistência da vítima, conforme se verifica pela leitura da parte final do caput do artigo em exame” (P. 626).
Ademais, o §1º do referido artigo diz que também comete roubo aquele que mesmo após de subtraída a coisa, emprega violência contra a pessoa ou grave ameaça a fim de assegurar a impunidade do crime o a detenção da coisa. Assim, apesar de apenados da mesma forma, o CP trouxe a distinção entre roubo próprio e impróprio.
Por sua vez, nas palavras de Damásio de Jesus (2013):
“a distinção entre o roubo próprio e impróprio reside no momento em que o sujeito emprega a violência contra a pessoa ou a grave ameaça. Quando isso ocorre para que o sujeito subtraia o objeto material, há roubo próprio. Quando, porém, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra a pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou continuar na sua detenção, para ele ou para terceiro, comete roubo impróprio. A diferença se encontra na expressão “logo depois de subtraída a coisa” (p. 384).
Percebe-se, desta forma, que a distinção entre roubo próprio e impróprio configura-se no momento de emprego a violência. Ocorrida no instante de subtração da res trata-se de roubo próprio. Todavia, ao retardar o emprego da violência para depois de subtraída a coisa, perfaz-se o roubo impróprio.
1.2. Classificação Doutrinária
A classificação doutrina de um crime é imprescindível para sua melhor interpretação e analise de seus elementos. Através dela se determina e destrincha todos os elementos formadores do tipo penal, esclarecendo sua ocorrência no mundo fenomênico.
Nessa acepção, estabelece o doutrinador Damásio de Jesus (2013):
“o roubo é delito material, instantâneo, complexo, de forma livre, de dano e plurissubsistente. Material, o tipo do roubo descreve a conduta e o resultado, exigindo a sua produção. Instantâneo, consuma-se no momento em que o objeto material sai da esfera de disponibilidade da vítima, ingressando na do sujeito (roubo próprio), ou com a ofensa pessoal ao ofendido (roubo impróprio). Complexo, integra-se de outros fatos que também constituem delito, como furto, a lesão corporal, ameaça e o constrangimento ilegal. Deforma livre, admite qualquer meio de execução. De dano, exige a efetiva lesão ao bem jurídico. Plurissubsistente, não se perfaz com ato único, exigindo que o sujeito empregue violência em sentido amplo e subtraia objeto material.” (p. 386).
Pode-se extrair desta classificação doutrinária que o crime de roubo necessita de um resultado fático que cause efetivo dano a vitima. Perfaz-se como um furto com o emprego de violência, já que é a união da subtração de coisa alheia móvel – elemento do furto – com a utilização de violência ou grave ameaça. Ademais, ocorre com o cometimento de dois atos essenciais ao tipo penal: violência ou grave ameaça e subtração da res.
1.3. Sujeito Ativo e Sujeito Passivo
O crime de roubo pode ter como sujeito ativo qualquer pessoa, sem a necessidade de nenhuma qualificação especial (como se exige no caso da corrupção passiva art. 317 que deve ter o agente a característica de funcionário público). Da mesma forma, qualquer pessoa pode ser sujeito passivo (vítima).
Nesse sentido, assevera Damásio de Jesus (2013):
“qualquer pessoa pode ser sujeito ativo de roubo. A norma incriminadora não prevê nenhuma capacidade penal especial. Sujeito passivo, em regra é o titular da posse ou da propriedade. Excepcionalmente, pode ocorrer hipótese de dois sujeitos passivos: um que sofre a violência ou grave ameaça, e outro, titular do direito de propriedade.” (p. 384).
Trata-se, portanto, de um crime que não exige qualificação especial, seja do sujeito ativo (funcionário público, garantidor etc), tampouco do sujeito passivo (administração pública, menores etc), exigindo somente que este último seja o proprietário ou possuidor da coisa objeto do crime.
1.4. Do “Iter Criminis”
Todo crime tem uma série de atos a serem praticados, desde seu início até sua consumação. Nasce na fase interna, também chamada de ideação, e se materializa na fase externa, que podem ser: atos preparatórios, executórios e a consumação.
Relativamente ao tema, dispõe Cezar Roberto Bitencourt (2015):
“Ao itinerário percorrido pelo crime, desde o momento da concepção até aquele em que ocorre a consumação, chama-se de “iter criminis” e compõe-se de uma fase interna (cogitação) e de uma fase externa (atos preparatórios, executórios e consumação), ficando fora dele o exaurimento, quando se apresenta destacado da consumação. Mas nem todas as fases dessa evolução interessam ao Direito Penal, como é o caso da fase interna (cogitação).” (p. 530)
Pode-se denominar, de uma forma mais didática, de caminho do crime. Todos os atos produzidos pelo(s) sujeito(s) ativo(s) desde o planejamento inicial até a execução propriamente dita, que interfiram na empreitada criminosa. Portanto, é importante ter os atos bem estabelecidos e delimitados.
1.5. Consumação e Tentativa
Outra análise importante acerca do estudo dos crimes é sobre saber este é consumado. Segundo o art. 14,I do CP: diz-se o crime consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal.
Neste sentido, diz Cezar Roberto Bitencourt (2015):
“consuma-se o crime quando o tipo está inteiramente realizado, ou seja, quando o fato concreto se subsume no tipo da lei penal. Quando são preenchidos todos os elementos do tipo objetivo, pelo fato natural, ocorre a consumação.” (p. 528).
Assim, quando o agente realiza todos os elementos nucleares do tido penal este se consuma. Ao passo que atinge o escopo da sua empreitada criminosa vencendo os obstáculos fáticos. Portanto, se o agente emprega a violência e subtrai a coisa móvel alheia, consuma perfeitamente o crime aqui abordado.
Ademais, a Súmula 582 do STJ é clara em afirmar:
“consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada”.
Nesse sentido, a simples posse do bem por poucos instantes já torna consumado o crime, mesmo que logo após seja preso o agente, este já consumou o delito. Por exemplo, basta o mero ato da vítima de entregar seu celular, mediante violência ou grave ameaça, ao criminoso e este ter em sua posse, já está configurado o roubo.
De modo oposto está à tentativa, disciplina no art. 14, II do CP: “Diz-se o crime tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”. Dessa forma, o agente criminoso responderá pelo mesmo tipo penal, todavia em sua forma tentada.
Nessa linha, Cezar Roberto Bitencourt (2015) diz que:
“na tentativa, o movimento criminoso para em uma das fases da execução, impedindo o agente de prosseguir no seu desiderato por circunstâncias estranhas ao seu querer. A tentativa é o crime que entrou em execução, mas no seu caminho para a consumação é interrompido por circunstâncias acidentais. A figura típica não se completa, mas, ainda assim, a conduta executória realizada pelo agente reveste-se do atributo da tipicidade por ser expressa determinação legal (norma de extensão). A conduta desenvolve-se no caminho de consumação, mas, antes que esta seja atingida, causa estranha detém a realização do que o agente havia planejado.” (p. 530).
O agente, que tem por escopo a realização de sua conduta criminosa, inicia sua conduta praticando os atos executórios, mas não consuma o crime por circunstâncias alheias a sua vontade. Estas se não estivessem presentes, o autor realizaria seus objetivos criminosos, certamente. Assim, o agente que emprega a violência, mas não consegue subtrair a coisa não consuma o crime. Responde, portanto, na sua forma tentada.
1.6. Causas Especiais de Aumento de Pena
Causas Especiais de Aumento da Pena são situações presenciadas no fato criminoso que, por sua natureza e resultado, foram determinadas pelo legislador como merecedoras de maior sanção penal. Deriva, muitas vezes, de uma maior reprovação social da conduta praticada.
Prosseguindo na análise do artigo 157 do CP, o seu § 2º elenca, em rol taxativo, as causas especiais de aumento de pena de um terço até a metade. Vale ressaltar que recentemente foi revogada pela Lei nº 13.654/18 a causa de aumento de pena “I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma.”
A segunda causa especial é “II – se há o concurso de duas ou mais pessoas”. Esta ocorre quando há pluralidade de condutas, liame subjetivo entre os agentes, identidade de crimes e relevância causal das condutas. Há uma única tipificação para autores, coautores e partícipes, derivada da teoria Monista.
A terceira causa especial é “III – se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância”. Requer o conhecimento prévio do agente acerca da condição de estar à vítima realizando a função de transportar valores.
A quarta causa especial é “IV – se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior”. Decorre de uma atuação estatal para combater o roubo a veículos e dificultar seu trânsito pelo país.
A quinta causa especial é “V – se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade”. O jurista Rogério Greco (2017) afirma que há situações, precisamente duas, que autorizam a causa de aumento da pena, tais quais: “a) quando a privação da liberdade da vítima dor um meio de execução do roubo (ex: seqüestro relâmpago); b) quando essa mesma privação da liberdade for uma garantia, em benefício do agente, conta a ação policial.” (p. 645).
A sexta causa especial é “VI – se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.” É importante notar a recente adição deste inciso decorrente da lei Lei nº 13.654/18, uma tentativa do estado de endurecer o combate a crimes que utilizam como instrumentos os explosivos e similares, como explosão a agências bancárias, por exemplo.
Assim, ao elencar em rol taxativo tais causas especiais, o legislador aumenta a pena do roubo de um terço até a metade. Portanto, a prática do roubo gera inúmeras situações jurídicas que, muitas vezes, tornam distintas o quantum da pena aplicado.
1.7. Do Roubo Qualificado
O roubo qualificado nada mais é do que o roubo propriamente dito no qual a violência praticada, com o objetivo de consumar o referido crime, efetiva a subtração, mas causa, além disso, lesão corporal grave ou morte.
O § 3º do artigo 157 do CP, prevê o roubo qualificado pelo resultado morte ou lesão corporal grave, derivado da violência perpetrada do agente na vítima. A saber: se da violência resulta: I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa; II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa. Está no rol dos crimes hediondos da Lei. 8072/90.
De acordo com Rogério Greco (2017):
“vale ressaltar que a lei penal exige que os resultados previstos no mencionado § 3º sejam provenientes da violência praticada pelo agente, entendida, no sentido do texto, como a vis corporalis, ou seja, a violência física empregada contra a pessoa” (p. 647).
Assim, se o agente praticar somente grave ameaça não responderá pela qualificada, somente pela simples. Ademais, se a vítima sofrer lesão corporal grave ou morte na qual não se verifique o nexo causal entre estas e a violência, não há qualificação do roubo.
1.7.1. Do Roubo Qualificado Pelo Resultado Lesão Corporal Grave
O roubo qualificado pelo resultado Lesão Corporal Grave é aquele em que ocorre a referida lesão no praticar do crime, esta derivada da violência empregada. Ocorrerá independentemente da vontade do ator, normalmente derivando do excesso e desproporcionalidade dos atos praticados, por conseguinte, sofrerá uma elevação no quantum da pena.
Entende-se por lesão corporal de natureza grave se esta resulta: I – Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II – perigo de vida; III – debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV – aceleração de parto (art. 129, § 1º, CP); e, também: I – Incapacidade permanente para o trabalho; II – enfermidade incurável; III – perda ou inutilização do membro, sentido ou função; IV – deformidade permanente; V – aborto (art. 129, § 2º, CP).
Assim sendo, a simples lesão corporal não configura qualificação do crime de roubo. Por exemplo, se em decorrência da violência à vítima for incapacitada para as ocupações habituais por 10 dias, não haverá forma qualificada. O que ocorrerá caso, no mesmo exemplo, a vítima for incapacitada por 60 dias.
1.7.2. Do Roubo Qualificado Pelo Resultado Morte (“Latrocínio”)
O roubo qualificado pelo resultado morte é aquele em que por decorrência da violência praticada pelo autor a vítima vem a falecer, culposa ou dolosamente. O mesmo ato a violência é eficaz para a subtração do bem, mas seu excesso e desproporcionalidade causa a morte da vítima.
Da mesma forma entende Rogério Greco (2017):
“a morte que qualifica o roubo, faz surgir aquilo que doutrinariamente é reconhecido por latrocínio, embora o Código Penal não utilize essa rubrica. Assim, durante a prática do roubo, em virtude da violência empreendida pelo agente, advier a morte – dolosa ou mesmo culposa – da vítima, poderemos iniciar o raciocínio correspondente ao crime de latrocínio, consumado ou tentado.” (p. 647).
É curioso notar que a lei não nomeia o roubo qualificado pelo resultado morte de Latrocínio, deriva de uma criação da doutrina. Este é complexo e exige atenção especial ao momento de sua consumação, por causa da súmula 610 do STF e sua relação com o art. 14, I do CP. Causa debate jurídico interessante ao crescimento acadêmico, que será abordado em capítulo específico.
A consumação do crime de roubo qualificado pelo resultado morte gera discussões jurídicas. O STF, para uniformizar o entendimento jurídico aplicado, editou a Súmula 610, disciplinando tal questão.
2.1. Breve Histórico
Súmula é o entendimento sedimentado nos tribunais superiores (STJ, STF, TST, STM) sobre determinado assunto específico, com o intuito de auxiliar e uniformizar os julgamentos, para a melhor e mais justa aplicação do direito. Explicita-se em um pequeno texto no qual se expressa e delimita o fato jurídico e sua correta interpretação à luz dos julgamentos anteriores.
A súmula 610 do Supremo Tribunal Federal (STF) foi aprovada na Sessão Plenária de 17/10/1984, possuindo como Referência Legislativa o Código Penal de 1940, art. 157, § 3º. Possui como Precedentes o HC 57420; HC 56817; HC 56704; HC 56171; HC 48935.
2.2. Análise e Interpretação de seu Conteúdo
Disciplina a Súmula 610 do STF: “Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima”. Ou seja, mesmo que o sujeito ativo não subtraia os bens da vítima, seja ou não por fatores alheios a sua vontade, o crime de roubo qualificado pelo resultado morte (latrocínio) se consuma se em razão da violência empregada resultar morte do sujeito passivo. O que causa controvérsia jurídica é o fato da possível afronta desta Súmula com o momento consumativo disciplinado no art. 14, I do CP, segundo o qual se diz o crime: “consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal”. Ressalta-se, portanto, que o latrocínio se consuma mesmo sem se reunirem todos os elementos da sua definição legal, a saber: a subtração da coisa alheia móvel, basta à morte da vítima.
Conforme será analisado em seguida, mesmo com a edição da referida súmula, ainda há intenso debate fruto da divergência na doutrina, de modo que os autores pesquisados entendem ser a súmula contrária ás disposições penais relevantes. Cada um em um pensamento específico, mas sempre corroborando com a imperfeição do entendimento editado pelo STF.
3.1. Posicionamento de Rogério Greco
Na visão do jurista Rogério Greco (2017), a Súmula 610 do STF é incompatível com a disciplina legal da consumação do crime prevista no art. 14, I, do CP. Assim, a lei penal exige a produção de todos os elementos que compõem o tipo deste crime complexo para sua consumação. Desta forma, expõem o autor:
“A posição assumida por nossa Corte Maior agride, frontalmente, a determinação contida no inciso I do art. 14 do Código Penal, que diz que o crime é consumado quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal. A lei penal é clara ao exigir a presença de todos os elementos que compõem os tipos penais, para efeito de reconhecimento da consumação, exceto nos crimes formais. (p. 653). Assim, ao determinar que o crime é consumado somente com a ocorrência da morte da vítima, a Súmula não respeita o conceito de crime consumado. Portanto, é necessária, também, a efetiva subtração dos bens. É necessário o preenchimento completo do tipo penal. No mesmo pensamento, ao se tratar de um crime material e não formal, é imperioso a presença de todos os elementos nucleares do tipo, a saber: subtração do bem e morte. Por conseguinte, a ocorrência de um não afasta a necessidade da presença do outro, sendo intrínseco a presença de ambos para a consumação do roubo qualificado pelo resultado morte. Continua o autor: “No latrocínio, ao contrário, estamos diante de um crime material, vale dizer, de conduta e produção naturalística de resultado. Para efeitos de reconhecimento de sua consumação, há necessidade inafastável do preenchimento das figuras que, juntas, formam a cadeia complexa. Assim, para que se configure o latrocínio (crime complexo), é preciso que ocorra a subtração, além da morte da vítima, ou mesmo de terceiro que se encontre numa relação de contexto com a prática da subtração violenta.” (p. 653) Por fim, chega à conclusão que a interpretação do latrocínio como consumado somente com a morte da vítima, sem a subtração dos bens, afronta o art. 14, I, do CP. Portanto, a analise correta deveria ser de tentativa de latrocínio, quando ocorrer a morte, mas não a subtração dos bens da vítima, ou vice-versa. Conclui o jurista: “Dessa forma, a posição assumida pelo STF, que se contenta com a morte da vítima, mesmo que não realize o agente a subtração dos bens, para efeitos de reconhecimento do latrocínio consumado, é completamente contra legem, ofendendo a determinação contida no mencionado art. 14, I, do Código Penal. Por isso, quando algum dos elementos que se configuram como infrações penais autônomas, que formam o crime de latrocínio, não estiver presente (seja a subtração dos bens ou a morte da vítima), a conclusão deverá ser, fatalmente, pela tentativa.” (p. 653) Em suma, a visão de Rogério Greco é que a Súmula 610 do STF ao disciplinar sobre a consumação do latrocínio contraria o art. 14, I, do CP. Ao tratar de um crime material e complexo, é imperioso a ocorrência de todos os elementos nucleares do tipo penal. Portanto, quando qualquer um deles não estiver presente (subtração dos bens ou morte) deveria responder o agente pela forma tentada, e não consumada, de roubo qualificado pelo resultado morte.
3.2. Posicionamento de Julio Mirabete e Renato Fabbrini
Na visão de Mirabete e Fabbrini (2011), a disciplina da consumação no crime de roubo qualificado pelo resultado morte causa inúmeras divergências doutrinárias. São várias as correntes existentes que de nenhuma forma se amoldam perfeitamente a interpretação legal, prevalecendo a que menos erra e mais se embasa juridicamente. Nessa acepção, entendem que:
“Quando ocorre a morte e não a subtração, são várias as sugestões para capitulação do fato […]. São elas: (a) tentativa de furto em concurso formal com homicídio qualificado; (b) tentativa de roubo em concurso material com o homicídio qualificado; (c) homicídio qualificado; (d) latrocínio tentado; (e) latrocínio consumado. Esta ultima orientação, adotada pelo STF (Súmula 610), é a menos imperfeita, embora não perfeitamente ajustada à letra da lei, que exige, para consumação do crime complexo, a dos elementos componentes. As duas primeiras orientações desmembram o crime complexo em duas partes, classificando-as separadamente; a terceira ignora a tentativa de subtração; e a quarta leva a uma punição absurdamente genérica.” (p. 212 e 213)
Nesta análise, percebe-se que o entendimento do STF, consubstanciado na Súmula 610, não é perfeitamente ajustada à lei, principalmente ao art. 14, I, CP. Todavia, as outras interpretações ferem a legislação em demasia. Por ser a menos errada, por assim dizer, é a que deve prevalecer.
3.3. Posicionamento de Damásio de Jesus
No pensamento do renomado doutrinador Damásio de Jesus (2013), são quadros correntes jurídicas a respeito da consumação do roubo qualificado pelo resultado morte, na hipótese da morte da vítima e da subtração tentada da coisa. Neste sentido, discorre o referido autor:
“A discussão se concentra na hipótese de homicídio consumado e subtração patrimonial tentada. O sujeito, para roubar, mata a vítima. Não consegue, entretanto, efetivar a subtração do objeto material. Existem, a respeito do assunto, quatro orientações, no sentido de ocorrer:1) tentativa de latrocínio; 2) homicídio qualificado consumado e tentativa de roubo simples, em concurso material; 3) homicídio qualificado consumado; 4) latrocínio consumado.” (p. 407).
Sendo um tema bastante controverso, se faz necessário a interpretação e análise de cada orientação acerca da consumação do latrocínio. Assim, os pensamentos doutrinários são, pelo doutrinador, analisados individualmente.
Este disserta explicitando: A tentativa de latrocínio, adotada por José Frederico Marques, é minoria extrema, não devendo ser adotada; o homicídio qualificado consumado e tentativa de roubo simples também não encontra embasamento doutrinário e é tido como minoria; o homicídio qualificado consumado, defendida por Nelson Hungria e Heleno Claúdio Fragoso, também não encontra argumentos jurídicos suficientes e perfeitamente amoldado a lei para ser aceito; o latrocínio consumado, defendido por Carrara, Pincherle e Crivellari, corresponde entendimento jurisprudencial predominante, por se amoldar melhor a legislação penal vigente, mas não deixa de ter imperfeições, principalmente quando relacionado com o art. 14, I, do Código Penal.
Portanto, dentre os pensamentos doutrinários a respeito da consumação do latrocínio, na hipótese de morte da vítima e não subtração de seus bens, o que prevalece e encontra embasamento jurisprudencial do STF é o latrocínio consumado. Vale ressaltar que, mesmo sendo o mais adequada juridicamente, ainda não se amolda perfeitamente a legislação penal, na medida que é incoerente com o art. 14, I, do CP.
3.4. Posicionamento de Cleber Masson
No entendimento do autor Cleber Masson (2018), o entendimento correto à luz da legislação penal acerca da consumação do latrocínio, na hipótese de não subtração dos bens e morte da vítima, seria de latrocínio tentado. Assim, discorre o doutrinador:
“Se o latrocínio é crime contra o patrimônio, e a subtração não se consumou, é possível falar em latrocínio consumado? Tecnicamente, o correto seria tipificar a conduta como latrocínio tentado, uma vez que o crime contra o patrimônio (roubo) não se consumou. Todavia, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 610.” (p. 356).
A Súmula 610 é juridicamente controversa, e é embasada, na visão do escritor, na política criminal e no sopeso entre os bens jurídicos vida e patrimônio. É uma maior punição do Estado para a uma conduta socialmente mais reprovada. Assim discorre:
“Essa súmula se fundamenta em motivos de política criminal. Afigura-se mais justa a punição por latrocínio consumado, pois a vida humana está acima de interesses patrimoniais. A ideia é esta: “roube, mas não mate, pois se matar o latrocínio estará consumado. Veja-se, portanto, que, embora o Código Penal tenha inserido o latrocínio entre os crimes contra o patrimônio, dando maior relevância aos bens da vítima do que à sua própria vida, para fins de consumação o Supremo Tribunal Federal entende ser a vida mais relevante do que o patrimônio.” (p. 356).
Portanto, o entendimento da Súmula 610 acerca do momento consumativo do crime de latrocínio é juridicamente imperfeita. Todavia, possui embasamento na política criminal e na justa aplicação do direito penal, na medida que a vida é tido como bem muito mais valioso que o patrimônio. Dessa forma, não é necessário a subtração dos bens da vítima para consumação do crime, se esta for morta em razão da violência empregada.
3.5. Posicionamento de Guilherme de Souza Nucci
De acordo com o pensamento do autor Guilherme de Souza Nucci (2013), quando ocorre a morte da vítima e não a subtração de seus bens, deve-se falar em latrocínio tentado. Todavia, a solução mais justa é a punição por latrocínio consumado. Assim disserta o jurista:
“Dever-se-ia falar em latrocínio tentado, pois o crime patrimonial não atingiu a concretização, embora da violência tenha resultado a morte. Entretanto, como a vida humana está acima dos interesses patrimoniais, soa mais justa a punição do agente por latrocínio consumado, até mesmo porque o tipo penal menciona “se da violência resulta morte”, seja ela exercida numa tentativa ou num delito consumado anterior. É a posição esposada pela Súmula 610 do STF e da maioria da jurisprudência.” (p. 762).
Dessa forma, o Crime de latrocínio tem como elementos fundamentais do tipo o roubo e a morte. Neste sentido, para o autor o correto seria o latrocínio tentado, de forma técnica e jurídica. Mas, há que se balancear o peso dos bens jurídicos vida e patrimônio, no qual aquele prevalece. Assim, é mais justa a punição do agente pelo latrocínio consumado, embora não perfeita já que se confronta com o art. 14, I do Código Penal.
3.6. Posicionamento de Romeu de Almeida Salles Junior
Para o autor Romeu de Almeida Salles Junior (1995) o Código Penal não exige a efetiva subtração do bem da vítima para a consumação do latrocínio, desde que haja morte derivada da violência empregada. Neste sentido, assevera o autor:
“A conclusão no sentido de que o latrocínio encontra-se consumado advém da interpretação dada aos termos do art. 157, § 3º, do estatuto repressivo, na segunda parte. O legislador referiu-se ao fato de, da ação delituosa, resultar a morte da vítima (“se resulta morte”). E se a conduta do sujeito ativo produz a morte da vítima, o crime está consumado diante do dispositivo. No confronto que é feito entre o § 3º e o caput e o §1º do art. 157, temos que o Código não reclama a consumação da subtração para reconhecimento do latrocínio na forma consumada. É tida como a solução menos imperfeita.” (p. 253 e 254).
Assim, a violência empregada na conduta visando à subtração do bem móvel alheio que cause a morte da vítima já é, por si só, suficiente para a ocorrência do latrocínio. Diante disso, não é imprescindível a efetiva subtração dos bens. Percebe-se que, mesmo assim, é tida como a solução menos imperfeita, não sendo, portanto, a súmula 610 juridicamente correta em sua relação com o art. 14, I do Código Penal que disciplina o conceito de crime consumado.
3.7. Posicionamento de Paulo José da Costa Junior
O pensamento de Paulo José da Costa Junior (2005) é que para a consumação do roubo qualificado pelo resultado morte é imprescindível a realização de todos os seus crimes-membros, no caso: roubo e morte derivada da violência. Dessa forma, disserta o referido autor:
“Se o latrocínio é um crime complexo, onde os crimes-membros perdem sua individualidade para constituir um tertium genus, autônomo e independente, não se realizando por inteiro um dos integrantes da figura, esta não se apresenta completa. Não se verificando a subtração, ou não consumado a morte, não estará aperfeiçoado o latrocínio.” (p. 362).
Diante desta analise, o crime de latrocínio exige a ocorrência de todos os seus elementos do tipo penal (roubo e morte) já que se trata de um crime complexo. Assim, percebe-se ao analisar o pensamento doutrinário de que a Súmula 610 do STF é contrária a definição de crime consumado.
Conclusão
A partir do esposado, restou clarividente a intensa inquietação que envolve a Súmula 610 do Supremo Tribunal Federal, haja vista tratar-se de tema ainda controvertido que culmina em posicionamentos díspares no âmbito jurídico.
O crime de roubo qualificado pelo resultado morte (latrocínio) configura-se quando há o roubo e pela violência empregada para assegurar a subtração ocorre a morte. A grande questão gira em torno de sua consumação, quando vislumbrada a morte e a não ocorrência da subtração. Objetivando pacificar o tema em questão, o Supremo Tribunal Federal consolidou a Súmula 610, a qual preceitua que se consuma o crime de latrocínio quando ocorre a morte da vítima, independentemente de subtração do bem.
Para melhor entender tal discussão, é imperioso compreender o crime de roubo em sua espécie mais pura até chegar à sua qualificação pelo resultado morte. Passa-se por sua classificação doutrinária, sujeito ativo e passivo, “iter criminis” e causas especiais de aumento de pena.
Enfrentada a questão doutrinária sobre o crime de roubo, que é de extrema importância para a presente pesquisa, os autores se debruçam justamente diante das conceituações e concepções doutrinárias para cara um fundamentar a sua tese. Neste sentido, vão buscar no ensino dogmático do tipo penal de roubo o que deve prevalecer para fundamentar a questão entre o entendimento sumular do STF e o art. 14, I, do Código Penal, no cerne do resultado morte e a tentativa de subtração do bem.
O posicionamento do jurista Rogério Greco é de que a Súmula 610 do STF contraria o art. 14, I do CP. Para ele o Supremo agiu contra lei ao editá-la. O juridicamente correto deveria ser a tentativa de latrocínio, pois para que haja consumação do crime é necessário a ocorrência de todos os elementos do referido tipo penal, a morte da vítima e a subtração do bem móvel.
Para os autores Julio Mirabete e Renato Fabbrini o art. 14, I do Cp é atacado pela Súmula 610 do STF. Todavia, esta deve prevalecer mesmo sendo danosa a lei, pois é a menos imperfeita, ou seja, é a que melhor se apresenta dentre as possibilidades. Afirmam, também, que tipificar a conduta como latrocínio tentado leva a uma punição genérica.
Segundo o escritor jurídico Damásio de Jesus, o entendimento do STF consubstanciado na Súmula 610 fere o art. 14, I, do CP. Em seus escritos, este enumera inúmeras correntes sobre o tema e, ao fim, diz ser a Súmula o entendimento mais correto, por serem os outros mais imperfeitos.
De acordo com o pensamento do jurista Cleber Masson, a Súmula 610 do STF não se adéqua ao entendimento de crime consumado, presente no art. 14. I, do CP. Aquela (Súmula) foi editada por fundadas razões de política criminal, sendo uma mensagem do judiciário para a sociedade no tocante a violência crescente. O autor finaliza explicitando que o tecnicamente correto é o latrocínio tentado.
Segundo o entendimento de Guilherme de Souza Nucci, o entendimento sumular do STF vai de encontro com a concepção de crime consumado presente no CP, devendo ser latrocínio tentado o juridicamente correto. Todavia, o autor tempera esse entendimento ao concordar com o entendimento do Supremo por ser a vida humana mais importante que o patrimônio, sendo mais justa a punição por latrocínio consumado.
Na análise da concepção de Romeu de Almeida Salles Junior, o conceito de crime consumado é agredido pela Súmula 610 do STF. Todavia, esta deve prevalecer, pois o Código Penal diz expressamente “se da violência”, ou seja, não importa se ouve ou não a subtração dos bens. É o entendimento menos imperfeito, deve prevalecer.
Para o jurista Paulo José da Costa Junior o crime de roubo qualificado pelo resultado morte é complexo. Portanto, exige indissociavelmente a prática do roubo e a morte do agente. Assim, a Súmula 610 do STF afronta o art. 14, I do CP.
Diante de um apanhado dos principais doutrinadores brasileiros sobre o tema, é evidente que todos concordam quanto ser a Súmula 610 do STF notoriamente contrária ao conceito de crime consumado, consubstanciado no art. 14, I, do CP. Notadamente, ainda há enorme discordância sobre ser ela aceita ou não como definidora da consumação do crime de latrocínio. O embate se intensifica com a Súmula 610, que diz ser o crime consumado somente com a morte da vítima mesmo se a subtração do bem e o latrocínio tentado.
É evidente que há unanimidade na doutrina em apontar as falhas do entendimento sumular com o Código Penal. Vale ressaltar que todos os autores aqui elencados são claros em dizer que a Súmula 610 não é juridicamente perfeita. Fica claro que, mesmo os que a apoiam como sendo a corrente doutrinária que deve prevalecer, sabem de suas imperfeições jurídicas.
Interessa notar que, muitas vezes ela é declarada a menos imperfeita e por isso deve prevalecer. Não é sua completa uniformização com a lei que prevalece, mas seu menor número de defeitos. As outras são tão ruins e sem embasamento jurídico que esta é aceita por ser a melhor.
Ademais, existem os que são contra a Súmula 610 por esta violar o art. 14, I do CP. A estes é o correto seria latrocínio tentado por não ser suficiente só a morte da vítima para a consumação do latrocínio, já que a subtração dos bens da vítima necessita ser consumada.
Trazer este debate para o plano acadêmico é extremamente enriquecedor. Analisar uma Súmula do Supremo Tribunal Federal, com mais de 30 anos de sua edição, é a prova da dificuldade de se aplicar o melhor direito ao caso concreto. A ponderação de valores, bens, regras e princípios é extremamente difícil. Assim, explicita que mesmo sendo um entendimento firmado pelo mais importante tribunal do país, ainda pode ser confrontado e levado a debate.
Esta controvérsia é importante para mostrar que existem diversos pensamentos dispares e que devem ser debruçados novos estudos para tentar buscar a pacificação social, para evitar que a justiça decida contrariamente ao direito. Diante disso, é possível vislumbrar que o debate se manterá ao longo do tempo, posto que as teses doutrinárias supracitadas ainda sejam conflitantes.
Referências
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[1] Advogado. Pós-graduando em Ciências Criminais pela Universidade Católica do Salvador.
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