Análise jurídica da cláusula negocial de desconto de pontualidade à luz do direito civil constitucionalizado: cláusula penal às avessas ou liberalidade do credor?

Lucas Gabriel Santos Lima[1]

Resumo: O presente estudo é relativo à análise jurídica da cláusula negocial do desconto de pontualidade, investigando a sua controversa natureza jurídica e buscando verificar sua validade ou não no âmbito negocial. Nesse sentido, é fundamental evidenciar o caminho metodológico a ser adotado para o desenvolvimento do estudo, qual seja sob a ótica do direito civil constitucionalizado. Ademais, há de ser exposta a divergência entre as perspectivas doutrinária e jurisprudencial acerca da problemática da validade do desconto, enfatizando-se os fundamentos principais de cada posição. Feito isso, o trabalho propõe um método de aferição de validade da cláusula, afastando-se das posições estanques até então existentes e aproximando-se de uma solução construída de acordo com o caso concreto, mediante critérios e circunstâncias objetivas.

Palavras-chave: desconto de pontualidade; natureza jurídica; validade; direito civil constitucionalizado; perspectivas; método de aferição.

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Abstract: The present study is related to the legal analysis of the negotiation clause of punctuality discount, investigating its controversial legal nature and seeking to verify its validity or not in the negotiation scope. In this sense, it is fundamental to highlight the methodological path to be adopted for the development of the study, which is from the point of view of constitutional civil law. In addition, the divergence between the doctrinal and jurisprudential perspectives on the issue of the validity of the discount should be explained, emphasizing the main foundations of each position. Once this is done, the work proposes a method of measuring the validity of the clause, moving away from the watertight positions until then and approaching a solution constructed according to the concrete case, using objective criteria and circumstances

Keywords: punctuality discount; legal nature; shelf life; constitutional civil law; perspectives; method of measurement;

 

Sumário: Introdução. 1. Os contornos da cláusula de desconto de pontualidade. 2. A nova ótica do direito civil constitucionalizado. 3. (In)validade do desconto de pontualidade. 3.1 Perspectiva doutrinária. 3.2. Lente Jurisprudencial. 3.3 Solução casuística à luz do direito civil contemporâneo. 4. A aferição da validade do desconto de pontualidade – uma natureza jurídica híbrida. 4.2 Critérios de verificação da natureza jurídica do abono pontualidade sob a ótica do direito civil constitucionalizado. 4.3 Método de aferição da (in)validade da cláusula de desconto de pontualidade à luz de circunstâncias concretas. Considerações finais.

 

Introdução

A temática que será abordada por este artigo reside na pretensão de se analisar juridicamente a cláusula negocial do desconto de pontualidade, máxime em virtude de se estar em um contexto atual de massificação de negócio jurídicos, em que há um frequente fluxo de circulação de riquezas e uma nova forma de atribuir aos seus contratantes o intercâmbio de prestações essenciais que poderão influir diretamente na vida do homem da pós-modernidade. Tal contexto, sem dúvida, recrudesceu ainda mais os riscos intrínsecos a qualquer negócio, como é o caso do inadimplemento. Nesse sentido, a referida cláusula passou a ser uma prática corriqueira utilizada pelos sujeitos negociais, de maneira a atenuar os índices de inadimplência. Contudo, ocorre que a sua natureza jurídica e validade começaram a ser postas em xeque em sucessivas demandas judiciais, o que afeta consequentemente a sua possibilidade de aplicação.

Pois bem, diante da conjuntura acima, esse trabalho fincou como objetivo geral a investigação acerca de qual é a natureza jurídica do desconto ou abono pontualidade, bem como a aferição da validade da cláusula no âmbito negocial, buscando propor a elaboração de um método de verificação estruturado em critérios e circunstâncias inspirados em elementos do direito civil constitucionalizado.

Insta salientar que a problemática acima gira em torno de uma controvérsia jurídica que está longe de ser pacificada. De um lado, há os que entendem que o desconto de pontualidade tem natureza jurídica de uma cláusula penal “às avessas” ou “disfarçada”, sendo uma forma de se fraudar a lei no que concerne aos limites legais impostos às multas moratórias, o que ensejaria a sua invalidade. Noutro giro, outros veem a cláusula de desconto como um ato, fruto da autonomia privada, consubstanciado exclusivamente em uma liberalidade do credor, de forma a se considerar, nada mais, nada menos do que uma sanção positiva que visa estimular o adimplemento da relação obrigacional, sendo, tão logo, válida.

Destarte, é clarividente a importância do tema que aqui será esposado, não só por se tratar de uma questão doutrinária e jurisprudencial controversa que ainda não possui entendimento uníssono, mas também por se relacionar com o fato de que no presente artigo não se busca convalidar um dos posicionamentos que a controvérsia revela. Ao contrário, busca-se, aqui, propor, mediante uma nova perspectiva, uma terceira via de como deve se pautar a solução pretendida para a questão.

 

  1. Os contornos da cláusula de desconto de pontualidade

Em um contexto de massificação dos contratos, inclusive, de consumo (mass consumption society), a seara obrigacional tem conquistado notória relevância na vida econômica e social, de sorte que as trocas, as aquisições e a transferência de riquezas são cada vez mais constantes no mercado. Nesse sentido, diante do volumoso grau de contratação e dos riscos de inadimplemento negocial que surgem, as partes negociantes buscaram criar mecanismos para que tais riscos sejam geridos e que os efeitos deletérios da inadimplência ao menos sejam reduzidos.

É nesse universo negocial que surge a famigerada cláusula de desconto ou abono pontualidade, a qual se constitui como mais um desses mecanismos para tentar frear o inadimplemento no âmbito obrigacional.

Antes de explicitar o conceito da citada cláusula, é necessário advertir que a conceituação que será exposta neste tópico procurará estabelecer uma configuração geral do instituto, tendo em vista que a imersão no mérito da sua natureza jurídica constituirá objeto de análise no desenrolar dos próximos tópicos.

Pois bem, a cláusula de desconto de pontualidade se materializa na perda de uma vantagem por parte do devedor, acaso este não realize o adimplemento da obrigação de forma hábil, ou seja, nas situações em que o devedor não paga a prestação em seu vencimento, ou antes dele, em prazo fixado pelo credor, há a perda de um desconto oferecido por este com base no valor da prestação.

Desse modo, corrobora Carlos Roberto Gonçalves, o qual afirma que essa perda de vantagem, no caso do abono pontualidade, se refere especificamente ao valor que é estipulado no próprio negócio jurídico (GONÇALVES, 2004, p.386).

Assim também acentua Felipe Schvartzman, em artigo na Revista Brasileira de Direito Civil sobre o tema:

Diante das limitações impostas à cláusula penal, alguns credores passaram a criar o chamado bônus/desconto de pontualidade, que consiste em uma diminuição do valor a ser pago pelo devedor, caso ocorra o adimplemento da obrigação de forma tempestiva. Trata-se de um abono oferecido pelo credor ao devedor que efetua o pagamento em dia, seja antes do vencimento da obrigação ou mesmo até essa data, inclusive, a depender da estipulação contratual” (SCHVARTZMAN, 2017, p.232-233).

 

Dessa maneira, depreende-se que, independente da natureza jurídica que se atribua ao instituto do desconto de pontualidade, esta cláusula é fruto da autonomia privada das partes contratantes no âmbito das relações obrigacionais, haja vista que não é oriunda de lei, de ato administrativo ou de decisão judicial.  O que se perquirirá a seguir é qual natureza jurídica é dada a esse instituto e seus desdobramentos no que diz respeito a sua (in)validade quando entabulada em determinado negócio jurídico.

Por fim, é importante salientar que o referido abono pontualidade tem um amplo leque de incidência, de modo que não se aplica apenas no âmbito contratual, mas também nas relações condominiais. Isto é, seja em relações jurídicas de direito pessoal, como a locatícia e consumerista, seja de direito real, como a condominial, há a viabilidade de estipulação do abono, ou melhor, trata-se de prática corriqueira entre os particulares, o que só aumenta a necessidade da aferição da legalidade ou não desse desconto.

 

  1. A nova ótica do direito civil constitucionalizado

Após abordar os contornos da cláusula que será objeto do estudo, os quais serão fundamentais para a análise da natureza jurídica e da (in)validade do desconto de pontualidade, é mister, também, explicitar sobre qual perspectiva  se dará a tal análise, isto é, a partir de qual viés será dado o enfoque que aqui se pretende. Pois bem, utilizar-se-á nesse trabalho uma ótica fundada no direito civil constitucionalizado, fruto de um processo de constitucionalização do direito civil que ocorreu, sobretudo, a partir da égide da Constituição Federal de 1988.

É a partir do marco temporal acima que surge a notória supremacia constitucional, em que a CF/88 passa a se configurar como um vértice axiológico que servirá de guia hermenêutico para as legislações infraconstitucionais, inclusive, para a legislação civilista, seja o Código Civil, seja os microssistemas como o Código de Defesa do Consumidor e até outras legislações especiais.

Há na realidade um novo caminho metodológico, como bem leciona Flávio Tartuce, havendo uma novidade na interação entre os ramos do direito público e privado, de maneira que agora interpretar-se-á o Código Civil através da Constituição, e não o inverso, como se costumava fazer (TARTUCE, 2014, p.86).

Ademais, impende salientar que como adverte Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, não se pode compreender a constitucionalização do direito civil como um mero adjetivo apto a impor limites externos às categorias jurídicas constantes nas normas de direito privado. Ao contrário, o referido processo deve ser visto como uma releitura de tais categorias, redefinindo-as, à luz de princípios e valores constitucionais como a dignidade humana, a solidariedade social e a igualdade substancial (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p.70 ).

Nesse diapasão, ocorre que o próprio conteúdo jurídico-material da categoria privada é que se altera, o seu exercício não é limitado de forma exógena, mas sim há uma espécie de funcionalidade constitucional intrínseca a sua essência, uma essência marcadamente constitucional que dá vida ao instituto privado, o qual sem a tal não encontrará substrato no mundo jurídico.

Nas palavras de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, o direito civil contemporâneo, calcado na legalidade constitucional, passa a ser um direito maleável, poroso, aberto, sensível aos avanços sociais, tecnológicos e aptos a enfrentar os novos conflitos que surgem e surgirão no decorrer do tempo, visando sempre tutelar a dignidade humana, pedra de toque do neoconstitucionalismo (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 59).

É sobre tal cenário que emerge o Código Civil de 2002, fundado, segundo Flávio Tartuce, a partir de influências da ontognoseologia jurídica de Miguel Reale (teoria do conhecimento e essência jurídica), que se baseia no culturalismo e na teoria tridimensional do direito. Esta se preocupa quanto ao aspecto objetivo do direito, tendo uma conotação dinâmica mediante o estabelecimento do tripé fato-valor-norma, enquanto aquele procura evidenciar a valoração ideológica que inexoravelmente encontra-se por de trás dos posicionamentos do julgador, o qual leva sua cultura, experiência e história (TARTUCE, 2014, p.80).

Nessa perspectiva, o Código Civil 2002, de arquitetura realiana, sendo parte integrante desse processo de constitucionalização do direito civil, constitui-se de modelos abertos, genéricos e indeterminados, os quais visam se amoldar ao caso concreto e propalar o direito correspondente a ele.

Flávio Tartuce, magistralmente, elucida como, à luz do código civil de 2002, deve se portar o jurista e magistrado quando se depararem com os fatos que se apresentem a eles:

 

Na análise dos institutos jurídicos presentes no Código Civil de 2002, muitos deles abertos, genéricos e indeterminados, parece-nos que o jurista e o magistrado deverão fazer um mergulho profundo nos fatos que margeiam a situação, para então, segundo os seus valores – construídos após anos de educação e de experiências –, aplicar a norma de acordo com os seus limites, procurando sempre interpretar sistematicamente a legislação privada. Mais uma vez, fato, valor e norma serão imprescindíveis a apontar o caminho seguido para a aplicação do Direito. Dessa forma, dar-se-á o preenchimento das cláusulas gerais, das janelas abertas. Por esse processo os conceitos legais indeterminados ganham determinação jurídica, diante da atuação do magistrado, sempre guiado pela equidade” (TARTUCE, 2014, p.80-81)

 

É desse modo, por meio do subsídio das cláusulas gerais, as tais das janelas abertas, que se dará a análise que este trabalho se propõe. Depreende-se que, indubitavelmente, o feixe de luz dado pelo direito civil constitucionalizado será primordial para averiguação da controversa natureza jurídica do abono pontualidade e da sua validade, haja vista que, como será mais detalhadamente abordado em tópicos posteriores, a solução para o imbróglio jurídico que se enfrenta será proposta casuisticamente, sendo o caminho metodológico aqui exposto a bússola para a rota que se realizará a análise.

Por conseguinte, é primordial pontuar que o Código Civil de 2002 está alicerçado em princípios basilares para sua interpretação e concretude, dos quais derivaram a cláusula geral da boa-fé objetiva, da função social e a própria eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas.

Consoante elucida Maria Helena Diniz, o Código Civil de 2002, ao substituir o individualismo, o patrimonialismo e o formalismo previstos no CC/16, procurou possuir um aspecto mais paritário e ter uma conotação social a fim de atender os anseios da realidade social contemporânea. Nesse sentido, a autora propugna quatro princípios que servem de sustentáculo para a codificação do século XXI, quais sejam realizabilidade, socialidade, eticidade e operabilidade (DINIZ,2012, p.67).

Nessa esteira, há a vinculação de tais princípios com as cláusulas gerais anteriormente citadas, com bem acentua Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald. A eticidade, sinônimo de correção e probidade quanto às condutas, penetrará no sistema do Códex através da técnica das cláusulas gerais, máxime da boa-fé objetiva com a previsão de deveres anexos ou laterais constantes no artigo 422,CC, como também da própria atuação dos direitos fundamentais no âmbito privado; noutro turno, a socialidade ampara a ideia de função social, principalmente no que diz respeito à questão de que um direito subjetivo para concretizar um interesse próprio está condicionado ao atendimento das expectativas legítimas da coletividade, ou seja, a uma finalidade social; e por fim, a realizabilidade ( conceito trazido por Maria Helena Diniz) e a operabilidade buscam possibilitar a criação da norma do caso, alcançando a pessoa como destinatária direta, e não o contratante, o testador ou o proprietário, mas sim a pessoa concreta, em carne e osso, observada todas as peculiaridades do fato, do ato ou do negócio jurídico que a cerca (FARIAS; ROSENVALD,2011,p. 47-57).

Ante o exposto, trazida à baila a noção geral do caminho metodológico que se percorrerá para o enfrentamento do problema principal, é imprescindível que se atente que as figuras da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, da boa-fé objetiva e da função social do contrato, servirão como amparo e fonte dos critérios e circunstâncias que comporão o método para verificar a natureza jurídica do abono pontualidade e aferir sua validade no negócio jurídico no qual foi estipulado.

 

  1. (In)validade do desconto de pontualidade

Uma vez já esposado o caminho metodológico em que se fará a análise da citada cláusula negocial e as cláusulas gerais que inspirarão a constituição dos critérios integrantes do método de aferição, chegou-se o momento de saber como se posiciona a doutrina e a jurisprudência acerca da questão da validade do famigerado desconto.

Conforme aduzido em tópico anterior, a temática é dotada de alto grau de divergência, surgindo posicionamentos dissonantes entre si, que ora entendem o abono pontualidade como ilegal, ora compreendem como válido. Importa relembrar que até então a (i)legalidade da cláusula negocial do abono é vista como consequência da definição da sua própria natureza jurídica, ou seja, no mais das vezes aqueles que a veem como uma forma de cláusula penal, ainda que “disfarçada”, tendem a constatar a invalidade do abono, enquanto outros, que a observam como mera liberalidade do credor, inclinam-se a confirmar sua legalidade, destacando-a como crucial instrumento de estímulo ao adimplemento.

Nesse sentido, passa-se a expor a seguir os posicionamentos que emanam da doutrina e da jurisprudência sobre o desconto de pontualidade, de modo a evidenciar as origens e fundamentos de cada entendimento, porém, ressaltando que a solução que se apresentará no capítulo posterior desse arti não se apegará a premissas jurídicas absolutas e generalizantes, e sim a uma solução consoante ao caso concreto, ou melhor, à conjuntura peculiar do negócio ou relação jurídica em que a cláusula negocial fora estipulada.

 

3.1  Perspectiva doutrinária

A grande maioria da doutrina no que diz respeito à problemática da validade do abono pontualidade entende que de fato trata-se de uma cláusula penal “disfarçada” ou, conforme denominação dada por Silvio de Salvo Venosa, “às avessas”. O principal argumento utilizado pelos doutrinadores é que com a estipulação do abono camufla-se uma multa moratória em percentual acima do teto legal referente às cláusulas penais, ensejando uma dupla sanção ao devedor, haja vista que este além de poder perder o “desconto” ofertado, irá também ser penalizado pela multa moratória que está expressa, caso não adimpla tempestivamente a prestação obrigacional.

Veja-se a lição de Silvio de Salvo Venosa ao tratar a questão acima:

 

O instituto é utilizado com extrema frequência nos contratos. Raros serão os contratos que não a tem. Num contrato de locação, por exemplo, estipula-se multa, caso o locatário pague o aluguel após um dia do mês fixado. É comum às partes camuflarem a clausula penal, estipulando-a ao avesso, isto e, no contrato de locação, fixam um desconto, caso o devedor pague ate determinado dia, rezando a avenca que o preço do aluguel é outro, mais elevado. Trata-se de verdadeira multa moratória, como veremos.” (VENOSA, 2013, p.354).

 

Nessa mesma linha de raciocínio, José Fernando Simão compreende que a temática aqui discutida retrata na realidade uma ponderação que deve ser feita entre a vedação ao enriquecimento sem causa e função social do contrato com a autonomia privada, de sorte que para o autor devem prevalecer os dois primeiros. Sua interpretação está amparada, em seu entender, no fato de que a existência das duas multas (expressa e camuflada) acarreta que os prejuízos ao devedor sejam absolutamente inevitáveis de modo dobrado, ensejando uma demasiada desvantagem para o mesmo, o que ofende a função social do contrato em sua eficácia interna (SIMÃO, 2009).

Corrobora também integralmente com esse entendimento Flávio Tartuce, destacando que a cláusula de abono pontualidade em contratos de consumo deve ser reprimida pelos órgãos e entidades de proteção dos direitos dos consumidores e pelo Poder Judiciário, de forma que se evite lesão aos direitos consagrados pela legislação consumerista (TARTUCE, 2017, p.394-397).

A fim de elucidar a argumentação trazida à baila, faz-se mister citar o exemplo dado por José Fernando Simão, no qual evidencia, a seu ver, a situação de abusividade em que é submetido o devedor ao se deparar em uma relação jurídica que conste o desconto de pontualidade:

O contrato prevê que se a mensalidade escolar no importe de R$ 100,00 for paga até o dia 5 do mês, há um desconto de 20%, se paga até o dia 10, o desconto é de 10% e se paga na data do vencimento, dia 15, não há desconto. Entretanto, se houver atraso a multa moratória é de 10%. Na realidade, o valor da prestação é de R$ 80,00, pois se deve descontar o abono de pontualidade de 20%, que é cláusula penal disfarçada. Então, temos no contrato duas cláusulas penais cumuladas: a primeira que transforma o valor da prestação de R$ 80,00 em R$ 100,00 e a segunda, aplicada após o vencimento, que transforma o valor de R$ 100,00 em R$ 110,00” (SIMÃO, 2009).

Outra fundamentação interessante que é trazida pela doutrina, em especial nas relações condominiais, é a apresentada por João Batista Lopes, ao asseverar que o fato de o abono poder diminuir o valor da taxa condominial para um condômino em detrimento de outros seria ilegal, tendo em vista que o valor da referida taxa deve ser igual para todos os condôminos, principalmente, em virtude de que eles são compelidos a pagar a cota-parte que lhes cabem no rateio (LOPES, 2003, p. 161 apud CASSETTARI, 2017, p.187).  É nessa perspectiva de ilegalidade da cláusula de abono pontualidade nas relações condominiais que também dispõe o Enunciado 505 da Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:

é nula a estipulação que, dissimulando ou embutindo multa acima de 2%, confere suposto desconto de pontualidade no pagamento da taxa condominial, pois configura fraude à lei (Código Civil, art. 1336, § 1º), e não redução por merecimento” (SARAIVA 2018, p.2075).

Destarte, infere-se que seja em relações jurídicas de direito real como a condominial, seja em relações contratuais de consumo, a doutrina vem se posicionando em prol da invalidade do desconto de pontualidade quando cumulado com cláusula penal moratória já expressa no negócio jurídico. Todavia, pergunte-se: e quando o abono vier como sanção única, isto é, não houver cumulação com multa moratória? Embora não tenha se visto tal hipótese nas perspectivas doutrinárias acima, Christiano Cassettari aborda a questão, afirmando que é lícito o abono pontualidade servir de cláusula penal quando estipulada como sanção única a perda do desconto (CASSETTARI, 2017, p.50). Observe-se que em nenhum momento o autor acima deixou de considerar o desconto como tendo natureza jurídica de cláusula penal, mas apenas declarou que esta será lícita quando estipulada na forma de abono de maneira única

Embora o delineado pelos entendimentos doutrinários acima possua razoáveis fundamentos acerca da problemática da validade da cláusula negocial, objeto deste artigo, vislumbra-se ainda algumas lacunas que merecem reflexão quando se for analisar no capítulo seguinte o abono. Ora, partindo do pressuposto de que se a cláusula aqui debatida for constatada como uma multa convencional “disfarçada”, esta sempre será inválida quando for cumulada com a cláusula penal moratória expressa? E quando for unicamente estipulada sempre terá validade ou a data-limite para que se efetive o desconto terá alguma influência? Tais indagações ainda não foram esclarecidas pela doutrina, sendo um dos objetivos dos tópicos seguintes respondê-las ou ao menos tentar.

 

3.2 Lente Jurisprudencial

O panorama revelado pela jurisprudência nacional quanto à temática da cláusula negocial de desconto de pontualidade revela mais ainda o elevado nível de divergência de posicionamentos no que se refere a sua legalidade, de maneira que no âmbito dos Tribunais Inferiores há uma variedade de julgados, ora declarando a abusividade do abono, sob o argumento de ser uma cláusula penal “camuflada”, ensejando uma dupla sanção ao devedor, ora ratificando a possibilidade de se apor o desconto nos negócios jurídicos, em virtude de ser um instrumento de estímulo à adimplência dos devedores, não se confundindo com a multa moratória, pois embora possuam finalidade em comum, gozam de formas diversas de atingi-la.

Em um fiel retrato da situação aludida acima, Felipe Schvartzman cita alguns julgados dissonantes, principalmente dos Tribunais Estaduais, o que só reforça a controvertida (i)legalidade do abono:

 

Ao mesmo tempo que se vislumbra, na maior parte dos casos, a impossibilidade de cumulação da cláusula penal com o desconto de pontualidade (TJRJ, 16ª Câmara Cível, AC nº 0006136-60.2009.8.19.0206, Rel. Des. Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto, julg. 29.12.2011; TJRJ, 19ª Câmara Cível, AC nº 0009411- 13.2006.8.19.0209, Rel. Des. Marcos Alcino Azevedo Torres, julg. 12.8.2013; TJRJ, 26ª Câmara Cível, AC nº 0006903-28.2014.8.19.0205, Rel. Des. Ricardo Alberto Pereira, julg. 8.9.2015), existem também precedentes que admitem a coexistência dos institutos (TJRJ, 23ª Câmara Cível do Consumidor, AC nº 017244-54.2012.8.19.0021, Rel. Des. Marcos André Chut, julg. 24.11.2014).  A jurisprudência recente do TJPR entende pela impossibilidade de cumulação (TJPR, 11ª Câmara Cível, AC nº 1.343.510-2, Rel. Des. Francisco Cardozo de Oliveira, julg. 15.3.2016), mas podem ser encontrados acórdãos mais antigos que são favoráveis à incidência da cláusula penal moratória cumulada com o desconto de pontualidade (TJPR, Processo 203694-8, 6ª Câmara Cível, Relª. Desª. Anny Mary Kuss, julg.9.9.2002; TJPR, 6ª Câmara Cível, Processo 238306-2, Relª. Desª. Anny Mary Kuss, julg. 16.12.2003). Em seu precedente mais recente, o TJSC apontou pela possibilidade de cumulação da cláusula penal com o desconto de pontualidade, especialmente se oferecido em data anterior ao vencimento da obrigação: TJSC, 5ª Câmara de Direito Civil, AC nº 0031264-11.2009.8.24.0023, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, julg. 24.10.2016.16. As decisões do TJRS se mostram ora favoráveis (TJRS, 16ª Câmara Cível, AC nº 70008377574, Rel. Des. Claudir Fidelis Faccenda, julg. 28.4.2004; TJRS, 16ª Câmara Cível, AC nº 70024022931, Rel. Des. Érgio Roque Menine, julg. 14.5.2008), ora contrárias à cumulação (TJRS, 1ª Turma Recursal Cível, AC nº 71001141225, Rel. Des. João Pedro Cavalli Júnior, julg. 31.5.2007; TJRS, 16ª Câmara Cível, AC nº 70048211239, Rel. Des. Paulo Sérgio Scarparo, julg. 17.5.2012)” (SCHVARTZMAN, 2017, p.234).

 

Entretanto, a questão passou a ganhar um maior contorno quando chegou no Superior Tribunal de Justiça, nos anos de 2015 e 2016, sendo, respectivamente,  a cláusula de abono pontualidade analisada no bojo de um contrato de locação pela 4º Turma e em uma relação contratual de consumo com uma instituição educacional pela 3º Turma.

Considerando não apenas o fato de tais julgados serem precedentes de uma Corte Superior, mas também de que os mesmos apresentam relevante argumentação acerca da problemática aqui discutida, serão explicitados a seguir os fundamentos, ou melhor, a ratio decidendi das decisões que foram proferidas pelas Turmas do STJ em sede de Recurso Especial, ressaltando os principais pontos e frisando qual será o rumo que a jurisprudência pátria aparentemente começou a trilhar na análise quanto à natureza jurídica e à validade do abono pontualidade.

Em obediência à ordem cronológica dos precedentes acima mencionados, abordar-se-á primeiramente a decisão relativa ao Resp. 832.293-PR, sob relatoria do Ministro Raul Araújo, no âmbito da 4º Turma, em que se verificou qual de fato deveria ser a base de cálculo que a multa contratual de aluguel deveria incidir. Segue abaixo a ementa do acórdão, para que se faça ulterior análise de seus argumentos:

 

“DIREITO CIVIL. BASE DE CÁLCULO DE MULTA EM CONTRATO DE ALUGUEL. Na hipótese em que, na data de vencimento, o valor do aluguel seja cobrado com incidência de desconto de bonificação, a multa prevista para o caso de atraso no pagamento deverá incidir sobre o valor do aluguel com o referido desconto. Nos termos do art. 17 da Lei 8.245/1991, é livre a convenção do aluguel, prevalecendo o que as partes contrataram de acordo com seus interesses e necessidades, sendo vedada, apenas, a estipulação em moeda estrangeira e a vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo. Desse modo, o desconto para pagamento pontual do aluguel (abono pontualidade) é, em princípio, liberalidade do locador, em obediência ao princípio da livre contratação, representando um incentivo concedido ao locatário, caso venha a pagar o aluguel em data convencionada. Referido bônus tem, portanto, o objetivo de induzir o locatário a cumprir corretamente sua obrigação de maneira antecipada. A multa contratual, por sua vez, também livremente acordada entre as partes, tem a natureza de sanção, incidindo apenas quando houver atraso no cumprimento da prestação (ou descumprimento de outra cláusula), sendo uma consequência, de caráter punitivo, pelo não cumprimento do que fora acordado, desestimulando tal comportamento (infração contratual). Portanto, apesar de ambos os institutos – o bônus e a multa – objetivarem o cumprimento pontual da obrigação contratada, não possuem eles a mesma natureza, pois o primeiro constitui um prêmio ou incentivo, enquanto a multa representa uma sanção ou punição. Por isso, em princípio, as cláusulas de abono pontualidade e de multa por impontualidade são válidas, não havendo impedimento a que estejam previstas no contrato de locação de imóvel, desde que compatibilizadas entre si, nas respectivas lógicas de incidência antípodas. Nessa ordem de ideias, a compatibilização dos institutos requer, para a validade do desconto, bônus ou prêmio por pontualidade, que este, constituindo uma liberalidade do locador, esteja previsto para ser aplicado apenas no caso de pagamento antes da data do vencimento normal do aluguel mensal, cumprindo seu objetivo “premial”, representando uma bonificação, um desconto para o pagamento antes do dia do vencimento. Para pagamento efetuado no dia do vencimento da obrigação, entretanto, já não poderá incidir o bônus, mas o valor normal do aluguel (valor cheio), pois, caso contrário, esse “valor normal do aluguel” inexistirá na prática. De fato, o valor cobrado no dia de vencimento da obrigação é o ordinário, sendo descabida a exigência de quantia maior, salvo na hipótese de pagamento após o vencimento, momento em que poderá haver a incidência de multa por impontualidade. A lógica compatibilizadora, portanto, reclama previsão contratual: a) de desconto ou bônus sobre o valor normal do aluguel apenas para o caso de pagamentos efetivados antes da data normal de vencimento; b) de que na data regular do vencimento prevaleça o valor do aluguel tido como normal (cheio), ou seja, sem desconto, confirmando-se, assim, a efetiva existência desse valor da locação; e c.1) de que, somente quando previstas as estipulações anteriores (letras “a” e “b”), a multa por atraso possa ter como base de cálculo o valor normal do aluguel (montante cheio); c.2) caso contrário (não atendidas às condições “a” e “b”), a multa deverá incidir sobre o valor do aluguel com desconto (quantia reduzida), por ser esse o efetivo montante cobrado no vencimento normal da obrigação. Resp. 832.293-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 20/8/2015, DJe 28/10/2015.

 

Pois bem, depreende-se que o julgado acima, de plano, parte da premissa, com fulcro no artigo 17, da Lei de Locações, de que o abono pontualidade se trata de uma liberalidade do locador, o credor do aluguel no caso, sendo, assim, uma forma de incentivar o locatário a adimplir em tempo hábil a prestação que está compelido a cumprir. Nesse espeque, é evidente a distinção que o relator expõe entre a natureza jurídica atribuída ao abono pontualidade e a conferida à multa contratual de aluguel, a qual representa uma punição em seu entender.

Uma vez diferenciadas a natureza jurídica entre os institutos, a decisão assevera também a possibilidade de cumulação entre ambos, porém, condicionando ao fato de que o desconto de pontualidade somente possa ser ofertado antes da data de vencimento do aluguel do mês, de sorte que emanariam dessa conjuntura três valores que poderiam ser pagos pelo locatário, quais sejam: I- o valor abatido do percentual do desconto, acaso o pagamento tenha sido efetuado antes do vencimento; II- o valor “normal” do aluguel, isto é, o ajustado inicialmente na avença, embutido nele, portanto, o percentual do desconto, nas ocasiões em que o pagamento tenha sido realizado na data do vencimento; e III- o valor “normal” do aluguel acrescido da multa moratória, nas ocasiões de pagamento em atraso.

Destarte, infere-se que a base de cálculo da multa contratual considerada pelo julgado, quando o desconto possa ser dado antes do vencimento da prestação, será o do montante “cheio” do aluguel, ou seja, embutindo-se nesse valor o percentual do abono pontualidade.

Todavia, esclarece o relator que caso se oferte o abono no vencimento, o percentual deste não integrará a base de cálculo para que incida a cláusula penal moratória em caso de atraso, sob o fundamento de que nesse arranjo não se materializaria o preço inicialmente ajustado entre os contratantes, isto é, não haveria possibilidade fática de o locatário pagar o valor “normal”, haja vista que ou ele pagaria até o vencimento o valor com o desconto, ou, após o vencimento, pagaria o valor do aluguel acrescido da multa.

Portanto, em caminho dissonante ao da grande parte da doutrina, que não difere a natureza jurídica dos institutos, como aludido em tópico anterior, a quarta Turma do STJ confirmou a possibilidade de incidência conjunta entre o abono pontualidade e a multa moratória, desde que o primeiro possa ser tão somente concretizado antes da data de vencimento da prestação.

Noutro turno, passa-se a explicitar agora a fundamentação do acórdão proferido em sede do Resp. 1.424.814 – SP, cujo relator fora o Ministro Marco Aurélio Bellizze, oportunidade em que se debruçou sobre o desconto de pontualidade inserido em contrato de prestação de serviços por instituição de educação. Veja-se a ementa do julgado:

 

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. VALIDADE DO’DESCONTO DE PONTUALIDADE’ INSERIDO EM CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. O denominado ‘desconto de pontualidade’, concedido pela instituição de ensino aos alunos que efetuarem o pagamento das mensalidades até a data do vencimento ajustada, não configura prática comercial abusiva. Em relação à natureza jurídica, pode-se afirmar que o abono por pontualidade e a multa contratual possuem, como traço em comum, o propósito de instar a outra parte contratante a adimplir a sua obrigação, de garantir o cumprimento da obrigação ajustada. Porém, diversamente do desconto de pontualidade, a multa contratual, concebida como espécie de cláusula penal (no caso, cláusula penal moratória), assume um nítido viés coercitivo e punitivo, na medida em que as partes, segundo o princípio da autonomia privada, convencionam a imposição de uma penalidade na hipótese de descumprimento da obrigação, cujo limite, nos contratos civis, é de 10% sobre o valor da dívida (arts. 8º e 9º do Decreto n. 22.626/1933); nas dívidas condominiais, de 2% (art. 1.336, § 1º, do CC); e nos contratos de consumo, de 2%. Por sua vez, o desconto de pontualidade, ainda que destinado a instar a outra parte contratante a adimplir a sua obrigação, como reverso da moeda, constitui um idôneo instrumento posto à disposição das partes, também com esteio na autonomia privada, destinado a encorajar, incentivar o contratante a realizar 94 um comportamento positivo, almejado pelas partes e pela sociedade, premiando-o. Sob esse enfoque, e a partir de lições doutrinárias acerca do tema, pode-se afirmar, com segurança, que as normas que disciplinam o contrato (seja o CC, seja o CDC) comportam, além das sanções legais decorrentes do descumprimento das obrigações ajustadas contratualmente (de caráter coercitivo e punitivo), também as denominadas sanções positivas, que, ao contrário, tem por propósito definir consequências vantajosas em decorrência do correto cumprimento das obrigações contratuais. Ademais, na hipótese em que os serviços educacionais são devidamente contratados mediante o pagamento de um preço de anualidade certo, definido e aceito pelas partes (diluído em prestações nominais e taxa de matrícula) e os contratantes, com esteio na autonomia privada, ajustam entre si que, caso haja pagamento tempestivo, o adquirente do serviço faz jus a um desconto no valor contratado, o que, a um só tempo, facilita e estimula o cumprimento voluntário da obrigação ajustada, conferindo ao consumidor uma vantagem, no caso, de índole patrimonial, a tese de que o abono de pontualidade guarda, em si, uma espécie de aplicação dissimulada de multa, a extrapolar o patamar legal previsto no § 1º do art. 52 do CDC (de 2%), afigurar-se-á absolutamente insubsistente, pois partirá de premissa equivocada. Em verdade, compreensão contrária à ora registrada também propõe que o Estado, no bojo de uma relação privada e em substituição à parte contratante, estipule o “preço ideal” pelos serviços por ela prestados, como se possível fosse mensurar todas as variáveis mercadológicas que o empresário/fornecedor leva em conta para definir o preço de seus serviços, em indevida intervenção no domínio econômico. Efetivamente, a proibição da estipulação de sanções premiais faria com que o redimensionamento dos custos do serviço pelo fornecedor (a quem cabe, exclusivamente, definir o valor de seus serviços) fossem repassados ao consumidor, indistintamente, tenha ele o mérito de ser adimplente ou não. Assim, além de o desconto de pontualidade significar indiscutível benefício ao consumidor adimplente – que pagará por um valor efetivamente menor que o preço da anualidade ajustado –, conferindo-lhe, como já destacado, isonomia material, tal estipulação corrobora com transparência sobre a que título os valores contratados são pagos, indiscutivelmente. Como se vê, a multa, que tem por propósito punir o inadimplemento, não exclui a possibilidade de se estipular a denominada “liberalidade do credor” pelo adimplemento, tratando-se, pois, de hipóteses de incidência diferentes, o que, por si só, afasta a alegação de penalidade bis in idem. Resp. 1.424.814-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 4/10/2016, DJe 10/10/2016

 

 

Na mesma linha de intelecção praticamente do julgado da 4º Turma, o acórdão da 3º Turma fincou a tese de que o desconto de pontualidade não se configura como prática comercial abusiva, sendo, nesse sentido, válido, já que possível sua cumulação com a cláusula penal moratória sem haver bis in idem. O relator nesse julgado também expressou a distinção no tocante à natureza jurídica entre a multa moratória e o abono pontualidade, salientando que este é uma sanção positiva, a qual premia o devedor adimplente, o que se configura como uma espécie de técnica de encorajamento integrante de uma conotação promocional que pode ser adotada pelo ordenamento jurídico.

O decisum ainda refuta o argumento principal daqueles que entendem ser o abono pontualidade uma forma de aplicação dissimulada da multa moratória, sob o fundamento de que não caberia ao Estado se imiscuir na relação privada entre os contratantes a fim de estipular um preço ideal, já que, na visão do relator, isso caberia exclusivamente ao fornecedor, o qual levaria em conta as variáveis de mercado para definir o valor do seu produto/serviço. Ora, para a 3° Turma do STJ, não é possível asseverar que aquele abono é uma multa moratória “disfarçada” com o argumento de que o valor “real” fora majorado, tendo em vista que quem define tal valor é o fornecedor com amparo na sua autonomia privada.

Além disso, consta no julgado que a multa deve incidir sobre o valor contratado, qual seja o preço ajustado pelas partes (anuidade) sem o abatimento proporcionado pelo desconto, sob pena de ensejar duplo benefício ao consumidor, que poderia assim não apenas obter o desconto ao realizar a prestação nos termos acordados, como também, ainda que desse modo não agisse, teria a seu favor a aplicação da multa moratória sobre uma base de cálculo inferior ao valor que fora efetivamente contratado.

Por fim, além do argumento acima, outro que distingue o referido julgado do da 4° Turma, é a possibilidade de o abono ser ofertado não só antes, mas também no dia do vencimento, constituindo-se, sobretudo, uma estipulação mais favorável ao consumidor. O relator, ao contrário da decisão do Resp. 832.293-PR consigna que o desconto oferecido na data do vencimento não obsta a materialização do preço contratual ajustado. Isto é, embora dessa forma o devedor apenas possa pagar ou o valor contratual inicial abatido com o desconto, ou o valor contratual acrescido da multa moratória, há nesse contexto a materialização do preço ajustado inicialmente, o qual não é materializado no ato do pagamento, mas sim na composição dos dois eventuais valores que poderão ser pagos, seja até o vencimento, seja após o vencimento.

 

3.3 Solução casuística à luz do direito civil contemporâneo

Uma vez explicitadas as perspectivas doutrinária e jurisprudencial sobre a questão da validade do abono pontualidade, percebe-se que, embora apresentem razoáveis argumentos, ora para defini-lo como uma cláusula penal “às avessas”, ora como uma liberalidade do credor, partem de premissas jurídicas absolutas. Ou seja, consideram o desconto de pontualidade com uma natureza jurídica única, ainda que tal consideração tenha sido concebida a partir da análise de uma específica relação jurídica.

O que se pretende realizar no capítulo seguinte é tentar identificar a natureza jurídica e a validade ou não da cláusula negocial à luz do caso concreto, utilizando a rota metodológica do direito civil constitucionalizado, fundada principalmente na tríade da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas, nas funções da boa-fé objetiva e nas eficácias da função social. Dessa maneira, é preciso deixar claro que os argumentos trazidos supra são de grande valia, pois não se nega a possibilidade do abono ser uma liberalidade do credor ou ser uma cláusula penal “disfarçada”, mas adotar-se-á a seguir uma terceira via.

Nessa terceira via não será atribuída uma nova natureza jurídica ao abono, a questão aqui não é essa, mas sim será proposta uma solução que dependerá de critérios concretos para definir, dentre as possíveis, qual será a natureza jurídica do desconto, bem como, por meio de circunstâncias reais, confirmar ou não sua validade.

Apesar de indicar uma solução jurisprudencial que não será a proposta por esse trabalho, Bruno Miragem avança ao entender que a convenção do abono pontualidade deverá ser analisada de acordo com a situação específica, conforme leciona a seguir:

 

De fato, não há razão em sustentar-se a proibição do abono de pontualidade. E aqui nem se precisa argumentar em excesso. Não há proibição, porque não há lei que o faça, prevalecendo, no plano obrigacional, o predomínio da autonomia privada. O que se pode cogitar é que, em certas situações (grifo nosso), a convenção do abono de pontualidade com o propósito de burlar limite legal impositivo ao valor da cláusula penal, possa configurar fraude à lei, dando causa a sua nulidade (artigo 166, VI). Daí porque outra solução indicada pela jurisprudência é a restrição de cumulação, para o inadimplente, dos efeitos próprios do inadimplemento e da cláusula penal moratória, ou ainda sua incidência sobre o valor com desconto.” (MIRAGEM,2016).

 

Nesse diapasão, norteado o caminho em que se proporá a solução para a problemática aqui aludida, passar-se-á para a identificação da natureza jurídica e aferição concreta da validade do abono pontualidade que se desdobrará no próximo capítulo, sempre tendo em mente, sem embargo de repetição, que a natureza jurídica e a validade variarão, ou melhor, não terão suas raízes fixadas em pressupostos jurídicos generalizantes e absolutos, pois a complexidade do tema exige que a solução se construa de forma diversa da tradicionalmente proposta.

 

  1. A aferição da validade do desconto de pontualidade – uma natureza jurídica híbrida.

Antes de se verificar concretamente a validade da cláusula negocial do abono pontualidade, é preciso fixar uma essencial premissa, qual seja a de que a natureza jurídica da citada cláusula é híbrida, isto é, a depender da situação específica que se revele o desconto de pontualidade, este poderá ter uma ou outra configuração jurídica.

As perspectivas doutrinária e jurisprudencial apresentadas acima trazem aspectos bastante relevantes sobre as possíveis naturezas jurídicas do abono, todavia, o grande equívoco delas é que a primeira perspectiva entende que não há diferença entre o instituto do abono e o da multa moratória, enquanto que a segunda embora diferencie tais institutos, simplifica a questão, compreendendo que o desconto de pontualidade é sempre sinônimo de liberalidade, sendo esta sua única natureza jurídica por excelência.

Conforme já dito, a complexidade dessa temática exige que a solução dada não seja apriorística, de modo que é imprescindível não buscar respostas absolutas para o problema, mas sim que haja a construção destas em consonância com o caso concreto.

Dessa maneira, o que o presente artigo pretende é estabelecer que o abono pontualidade poderá ser tanto uma liberalidade do credor, que reduz o valor da prestação por merecimento do devedor, ou ser, de fato, uma cláusula penal moratória “às avessas”, que tem por fim estipular uma multa que ultrapasse o teto legal.

Portanto, este capítulo terá a pretensão de explicitar como o método de aferição da validade do abono se desenvolverá na construção de tais respostas, exemplificando primeiramente técnicas de utilização de critérios para resolver casos específicos como o do objeto deste trabalho, bem como expondo, posteriormente, os critérios e as circunstâncias que serão os pilares para o método referido, o qual também será detalhado no último tópico deste capítulo.

Ante o exposto, iniciar-se-á no tópico seguinte a demonstração de alguns exemplos de utilização de critérios para a solução de casos concretos a fim de elucidar a lógica que será implementada no método de verificação da validade do desconto.

 

4.1 Critérios reais e objetivos no cenário jurídico para a solução dos casos concretos

Antes de propriamente trazer os exemplos no âmbito jurídico de fixação de critérios e circunstâncias para solucionar casos concretos, os quais são dotados de alta complexidade, é primordial elucidar que cada um desses exemplos possuem algumas peculiaridades no momento da sua gênese.

Explique-se: o estabelecimento de critérios reais e objetivos não é feito de maneira aleatória, mas está imbuído de uma racionalidade. Nesse sentido, os dois primeiros exemplos que serão dados nesse tópico adotarão um mecanismo que visa materializar a ponderação de estruturas normativas que por ventura venham entrar em conflito em determinada situação específica. Por outro lado, o terceiro e último exemplo que será dado, no tocante à utilização dos critérios de solução, se limitará a verificar se o conteúdo de determinada estrutura normativa encontra-se ou não presente na situação em exame.

Atendo-se, por enquanto, aos critérios que têm como plano de fundo a técnica de ponderação, cabe ressaltar que através deles almeja-se sopesar valores jurídicos que estão em rota de colisão. Assim, com o uso de tais critérios, procura-se que no caso concreto um desses valores prevaleça e, consequentemente, a partir disso, seja solucionado a situação complexa posta.

Conforme bem aduz Anderson Schreiber, a técnica de ponderação embora mais notória na doutrina constitucionalista, máxime no sopesamento de princípios constitucionais, vem angariando autonomia em relação a estes, de sorte que seu raio de alcance ampliou-se para outras estruturas normativas, como certas cláusulas gerais de mesma hierarquia, antiguidade e especialidade. Na lição do ilustre autor, normas de conteúdo indeterminado e aberto como das citadas cláusulas passam a ser zona propícia para a incidência da técnica de ponderação. Isto é, a aplicação de tal técnica dar-se-á em todas e quaisquer normas que abstratamente coexistam e quando deparadas com um mesmo pressuposto fático necessitem ser ponderadas, impondo-se soluções diversas à luz de cada caso específico (SCHREIBER, 2015, p.149-151).

Nessa esteira, seja a colisão entre princípios, seja entre conceitos jurídicos indeterminados, ou também entre cláusulas gerais, buscar-se-á que a solução se construa por meio da fixação de critérios e circunstâncias que materializem a ponderação dos interesses em choque na situação concreta.

Por conseguinte, passa-se agora a exemplificar as duas situações na doutrina, em que a técnica de ponderação fora utilizada, detalhando quais foram os critérios usados e as eventuais estruturas normativas em colisão.

Inicialmente, será explicitado o interessante método de aferição do dano desenvolvido por Anderson Schreiber, o qual, mediante uma visão inovadora, buscou enfrentar o processo de erosão dos filtros tradicionais da responsabilidade civil, que ensejou um contexto de indefinição do que deve e do que não deve ser reparado. O renomado autor, na realidade, vislumbrou uma metodologia que amparada na técnica de ponderação constitucional, mas com algumas adaptações para seara civilista, pudesse aferir se determinada lesão acarretaria um dano ressarcível ou não.

O método é constituído por quatro etapas ou critérios, dividido em duas fases, em que se busca avaliar se aquele determinado caso concreto tem o condão de causar ou não o fato jurídico objeto da metodologia, qual seja, o dano ressarcível. Em linhas breves, aqui se tentará apresentar uma noção desse processo de aferição do dano.

A primeira etapa do método é o exame abstrato de merecimento de tutela jurídica do interesse lesado, ou seja, esse critério irá perquirir se o interesse da vítima que fora lesado é resguardado pelo ordenamento jurídico. Caso não o seja, de plano, constata-se que o dano não é ressarcível, tendo em vista ser impossível reparar um interesse que sequer o ordenamento tutela. Em seguida, sendo o interesse lesado tutelado juridicamente, avança-se para o segundo critério, qual seja, o exame abstrato de merecimento de tutela do interesse lesivo, onde se verificará se o interesse subjacente a conduta do pretenso ofensor é ou não protegido juridicamente (SCHREIBER, 2015, p.163-165).

A resposta a esse segundo critério será a que vai definir o prosseguimento para a segunda fase do método, a fase de ponderação. Dessa maneira, se o interesse do ofensor não for resguardado pelo direito, sendo, portanto, antijurídico, conclui-se que há uma prevalência legal prévia do interesse da vítima em detrimento do interesse do ofensor, bastando aquela provar concretamente o dano ressarcível. Todavia, sendo o interesse lesivo juridicamente tutelado, depara-se com a colisão de dois interesses juridicamente tutelados, o da vítima e o do ofensor, e é partir daí que começa fase de ponderação (SCHREIBER, 2015, p.165).

A fase de ponderação constitui-se de duas etapas: (I) a verificação de regra legal de prevalência entre os interesses jurídicos conflitantes; e (II) a ponderação em sentido estrito. A primeira etapa configura-se em saber se há ou não no ordenamento jurídico regra específica que regule a interação dos interesses jurídicos envolvidos, de forma que explicite qual deles se sobressairá naquela situação, e tão logo, extraindo se haverá ou não dano ressarcível. Entretanto, como na maioria dos casos, inexistindo tal regra, prosseguir-se-á para segunda etapa desta fase, na qual será aferido em concreto o grau de afetação do interesse lesado e o grau de realização do interesse lesivo, ponderando-os e decidindo qual terá prevalência na situação em apreço (SCHREIBER, 2015, p.166-169).

Exposto o método de aferição do dano, percebe-se que este fora construído de uma maneira ampla, isto é, diferentemente dos exemplos que serão trazidos a seguir e também do próprio método que será proposto nesse trabalho, não se partiu de estruturas normativas ou princípios inseridos em uma problemática, mas sim se trouxe conceitos sobre as rubricas “interesses lesivos” e “interesses lesados”, as quais podem abranger diversos tipos de valores jurídicos em interação nas mais variadas situações.

Noutro turno, avance-se para o segundo exemplo, o qual também tem como plano de fundo o mecanismo de ponderação, contudo, nesse caso já se encontram definidos os princípios envolvidos, que são a liberdade de informação e expressão de um lado, e a vida privada e intimidade do outro, no que concerne à responsabilidade civil dos veículos de informação. Nesta senda, visando aferir se a notícia jornalística, fruto da liberdade de imprensa, possui algum grau de razoabilidade, busca-se estipular alguns critérios que ponderarão concretamente se a interferência de tal liberdade à privacidade e à intimidade do noticiado é admissível ou não. Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto lecionam bem tal questão, discriminando os critérios:

 

Não é possível dizer, de modo prévio, qual princípio irá prevalecer. A resposta depende da ponderação dos valores relevantes nas circunstâncias específicas. Nossa ordem jurídica não tolera a censura; por outro lado, também não aceita que se esvazie o princípio que resguarda a intimidade e a vida privada das pessoas. Analisaremos a seguir, circunstancialmente, a partir da sugestão doutrinária citada, alguns itens: veracidade do fato, licitude do meio empregado na obtenção da informação, personalidade pública ou estritamente privada da pessoa objeto da notícia, local e natureza do fato, existência de interesse público na divulgação, e a preferência por medidas que não envolvam a proibição prévia da divulgação. Temos aí alguns critérios de aferição da razoabilidade na análise da notícia jornalística” (FARIAS; ROSENVALD; e NETTO, 2017, p. 686).

 

Por fim, o último exemplo, não menos importante, diz respeito à responsabilidade civil por fato do serviço das empresas frente aos clientes em casos de danos ou furtos de veículos ocorridos em seu estacionamento.

Na análise dessa temática, o STJ, em sede do Recurso Especial 1.431.606/SP, afastou a incidência da súmula 130/STJ no caso sob exame através de uma distinção ou “distinguish”, à luz da estipulação de alguns critérios, verificando-se, portanto, que não houve frustração às legítimas expectativas do consumidor quanto à segurança do seu bem, e dessa maneira, a empresa não seria responsável pelo evento danoso causado ao seu cliente, qual seja um furto no caso em apreço.

Veja-se o que dispõe a súmula citada acima: “responde pela guarda de veículo o estabelecimento que oferece estacionamento como atrativo para sua clientela” (SARAIVA 2018, p.1982).

Embora sumulada, a referida situação sempre foi alvo de controvérsia quanto a eventual responsabilidade por fato do serviço da empresa que oferece estacionamento a clientes como forma de atrativo. Nesse sentido, a fim de mediar tal questão, a Ministra Nancy Andrighy em seu voto de vista propôs que a imputação de tal responsabilidade deveria ter como filtro critérios reais e objetivos, conforme trecho abaixo:

a responsabilidade do estabelecimento comercial deve ser casuisticamente verificada, competindo ao julgador analisar se o conjunto das circunstâncias concretas do estabelecimento e o seu estacionamento eram aptas a gerar no consumidor médio, razoável expectativa de proteção ao veículo e que, sob essa ótica, é irrelevante, se o ato praticado por terceiro pode ser classificado como dano, furto ou roubo” (BRASIL, 2017).

 

Os critérios e circunstâncias elencados pela Ministra foram seis, quais sejam: (i) pagamento direto pelo uso do estacionamento; (ii) natureza da atividade empresarial exercida; (iii) o porte do estacionamento comercial; (iv) o nível de acesso ao estacionamento – fato do estacionamento ser ou não ser exclusivo para os clientes; (v) controle de entrada e saída por meio de cancelas com entrega de tickets; (vi) aparatos físicos de segurança na área de parqueamento, tais como: muro, cerca, grade, guarita, sistema de vídeo e vigilância; (vii) presença de guardas ou vigilantes no local e o nível de iluminação.

Percebe-se, nesse viso, que a imposição desses critérios visa justamente verificar se o conteúdo da estrutura normativa da responsabilidade por fato do serviço – legítima expectativa de segurança – está configurada ou não no caso em espécie, de modo a definir se a empresa será responsabilizada ou não.

A partir dos exemplos trazidos de fixação de critérios para a solução de casos concretos no cenário jurídico, respeitadas as peculiaridades e diferenças entre eles, pode-se agora iniciar a elaboração própria dos critérios e circunstâncias que comporão o método de aferição da validade do desconto de pontualidade, ressalvando que a lógica que será utilizada se assemelha com as expostas neste tópico, contudo, tem sua própria essência, haja vista que as estruturas normativas envolvidas e a temática subjacente são totalmente diversas das aqui aludidas.

 

4.2  Critérios de verificação da natureza jurídica do abono  pontualidade sob a ótica do direito civil constitucionalizado

A lógica que permeará a elaboração dos critérios de verificação da natureza jurídica do abono pontualidade será inspirada em uma perspectiva de harmonização entre as estruturas normativas que integram o direito civil constitucionalizado envolvidas na temática do presente artigo. Portanto, não se trata puramente de uma técnica de ponderação ou da constatação da presença do conteúdo jurídico de determinada norma no caso concreto, mas sim, em um primeiro momento, de um processo identificação da eventual natureza jurídica do abono.

As estruturas normativas referidas acima dizem respeito aos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da autonomia privada, sendo que o processo interacional entre elas ditará o rumo do resultado da problemática que será analisada através do método em breve proposto.

Nesse diapasão, serão explicitados primeiramente os critérios que integrarão o processo de identificação, ou melhor, de definição da natureza jurídica híbrida do desconto de pontualidade, que poderá ser uma mera liberalidade do credor ou uma cláusula penal moratória “disfarçada”, destacando-se a finalidade de cada um desses critérios e evidenciando especificamente em quais valores jurídicos são inspirados.

Pois bem, preliminarmente, cabe pontuar que a intenção do credor é a fundamental questão a ser investigada para se detectar, com o maior grau de precisão possível, a natureza jurídica do abono, nos ditames dos artigos 112 e 113, CC. Ao exercer sua liberdade contratual no ato de estipulação da cláusula negocial do desconto de pontualidade, o credor exterioriza sua intenção, ou seja, sua finalidade pretendida no negócio. Entretanto, surge a indagação: como identificar a intenção do sujeito negocial, quando nos deparamos com a enorme dificuldade ou até mesmo impossibilidade de adentrar na psique humana?

Eis ai que entra em cena a necessidade de se observar circunstâncias objetivas, que gravitam ao redor do negócio jurídico, a fim de ao menos extrair uma conclusão verossímil do que o agente negocial tinha como intenção no momento da estipulação do abono.

Desse modo, assevere-se que o processo de identificação da natureza jurídica do desconto de pontualidade se baseará em três tipos de critérios (circunstâncias objetivas), quais sejam: (I) a análise do preço contratual avençado e suas consequências para o devedor após a efetivação do desconto; (II) o valor percentual do desconto em condições mercadológicas normais; e (III) os efeitos práticos globalmente considerados em um momento pós-estipulação do abono. Vale ressaltar que o critério (I) constitui-se como o principal, sendo que na impossibilidade de sua aplicação, a depender da complexidade do caso, serão subsidiariamente aplicados o (II) e (III).

O primeiro critério – a análise do preço contratual avençado e suas consequências para o devedor após a efetivação do desconto – será baseado na tentativa de aferir se o preço incialmente fixado pelo credor, isto é, sem ter havido ainda o desconto, está de acordo com a perspectiva mercadológica do bem, serviço ou de qualquer outra prestação objeto da obrigação. Assim, na realidade, será preciso averiguar se o preço contratual avençado (incluído o valor do abono) encontra-se em quantia acima ou não do valor médio de mercado.  Nessa primeira parte do critério, depreende-se que os questionamentos acima estão inspirados na função interpretativa da boa-fé objetiva constante no artigo 113, CC, de maneira que se busca através deles extrair a intenção do credor em consonância com aquilo que for mais socialmente útil e moralmente recomendável.

Em um segundo momento, o critério acima perquirirá quais foram as consequências práticas para o devedor acaso tenha se efetivado o desconto, de sorte que se deve constatar se a redução do preço a certo patamar traduz vantagem ao devedor adimplente em comparação com os demais preços do mercado ou simplesmente trata-se em  aproximar o valor após o desconto com os demais preços usuais de mercado existentes. Nesse ponto, procura-se observar o cumprimento ou não do dever de lealdade no tocante à transparência da compatibilidade entre vontade externada e a conduta praticada pelo credor, consubstanciada na função de integração da boa-fé objetiva.

Ora, o desconto de pontualidade para se configurar como uma sanção positiva precisa se traduzir em uma vantagem de fato, uma recompensa, que tão somente será materializada nas situações em que o valor do produto ou serviço, abatido o percentual do desconto, seja mais vantajoso do que os demais da mesma espécie no mercado, ou seja, esteja inferior ao preço médio de mercado do bem objeto do negócio jurídico.  Caso contrário, não há benefício efetivo algum para o devedor, o qual no máximo deixará de pagar o valor majorado, que está acima da média de mercado, para pagar um valor usual de mercado.

Portanto, com tais indagações se concluirá se o ato de estipulação do abono pontualidade gerou na prática um benefício real para o devedor, extraindo-se daí, independente do “nomen juris” que conste no negócio, um indício de qual é a intenção do credor, ou melhor, em qual tipo de sanção consiste o desconto estipulado, se em uma sanção negativa (cláusula penal moratórias “às avessas”) ou positiva (liberalidade do credor – sanção premial).

Ademais, finalizando o conteúdo desse primeiro critério, impende refutar o argumento trazido pela jurisprudência do STJ, já citado nesse artigo, de que não é admissível o Estado interferir na precificação de produto ou serviço no bojo de uma relação entre particulares, sendo tal tarefa exclusiva do credor/fornecedor. O fundamento do Superior Tribunal de Justiça é de que seria impossível a definição de um “preço ideal” em razão de todas as variáveis mercadológicas que o credor utiliza no momento da precificação, e tão logo, não poderia se afirmar que determinado valor encontra-se majorado por conter uma cláusula penal “disfarçada”. Embora tal argumento possua razoável força, é necessário realizar duas observações: a primeira é de que a possibilidade de o abono ser uma sanção negativa, isto é, uma multa moratória, não retira a prerrogativa exclusiva do fornecedor em fixar seu preço, enquanto a segunda é que não se pode confundir o conceito de “preço ideal” com o de preço médio de mercado.

Veja bem, realmente, cabe ao credor/fornecedor exclusivamente precificar seu produto ou serviço, porém, este há de arcar com o ônus de estipular um preço acima do de mercado, seja para redimensionar seus custos, seja para lucrar, tendo em vista que o desconto sobre essa base de cálculo não poderá ser considerado benefício real algum ao devedor adimplente, conforme dito acima, a não ser para aqueles que entendem que não se sujeitar a uma cláusula penal camuflada seja um benefício quando comparado com a situação do inadimplente, que é pior, pois este é duplamente sancionado.

Afinal, sair de uma situação de desvantagem, quer dizer, ficar livre do ônus de uma multa abusiva, é de fato uma recompensa? Evidente que não, pois apenas se está transmudando uma situação ilegal para uma legal que já deveria existir. Ora, uma cláusula negocial que eventualmente venha a conter um reestabelecimento da legalidade não pode ser considerada um “prêmio” ou recompensa, estar-se, na realidade, somente observando a justiça contratual.

A outra observação reside no fato da confusão entre o que é preço ideal e o que seria um preço médio de mercado. Ora, o preço ideal é o que o credor/fornecedor entende como o adequado para sua realidade econômica, consoante seus custos financeiros e sua margem de lucro almejada, por outro lado, o preço médio de mercado, como o próprio nome induz, é um valor médio obtido daqueles praticados em uma mesma espécie de bem ou serviço, portanto, coisas completamente diferentes. Este último é o que compõe o aludido critério, de forma que sua obtenção embora em algumas situações seja tarefa árdua, como no caso das taxas de condomínio, é possível de ser obtida.

Avança-se, agora, para o critério subsidiário do valor percentual do desconto em condições mercadológicas normais, o qual irá também corroborar para a obtenção de elementos que indiquem a intenção do credor na estipulação do abono, quando não for possível a utilização do critério (I). Tal critério subsidiário relaciona-se com a questão de que o estabelecimento de um elevado percentual de desconto em situações mercadológicas normais seria improvável à luz das máximas da experiência no tocante à intenção do credor de beneficiar o devedor por sua pontualidade no adimplemento.

O que aqui se quer demonstrar é que, salvo situações de mercado específicas como uma liquidação de estoque, não condiz com a realidade financeira de um fornecedor estipular uma sanção positiva que reduza drasticamente o preço do bem ou serviço. Isto é, o valor percentual do abono em situações normais seria mais um elemento para se extrair se no caso em exame haveria um benefício para o devedor ou não, sendo que quanto mais alto o referido valor, geralmente bem acima dos tetos legais referentes às multas moratórias, mais improvável de se configurar o abono uma liberalidade do credor, e sim uma cláusula penal escamoteada, que pode vir em certas situações a violar a dignidade humana, direito fundamental do devedor, a função de controle da boa-fé objetiva no que concerne ao abuso da liberdade contratual e a eficácia interna da função social relacionada à onerosidade excessiva imposta ao devedor.

Por último, é mister apresentar o critério dos efeitos práticos globalmente considerados em um momento pós-estipulação do abono, que, em conjunto e na mesma linha do critério anterior, busca, subsidiariamente ao critério (I), identificar a finalidade do credor no momento de ofertar o desconto ao devedor. Tal critério se ampara na análise dos efeitos práticos já obtidos pelo credor na situação específica, ou seja, nos moldes em que a relação obrigacional é entabulada, inclusive em relação ao desconto estipulado, há de fato um estímulo ao adimplemento dos devedores, ou estes na verdade são cada vez mais afastados ao cumprimento tempestivo da prestação? Vislumbra-se, desse modo, uma visão global do negócio jurídico, não se atendo somente a relação intersubjetiva dos sujeitos negociais, mas alçando uma análise dos efeitos na ordem transubjetiva, máxime no que se refere ao nível de adimplência de outros devedores submetidos à mesma cláusula pelo credor comum.

Através dessa visão, tanto interna, como externa do negócio, realiza-se uma tentativa de saber se no caso específico o abono concretiza o dever de cooperação entre os sujeitos negociais, como também se há de fato impacto, negativo ou positivo, na indigesta taxa de inadimplência em um momento pós-estipulação do abono, sintetizando, assim, a eficácia externa da função social do contrato referente à saúde financeira da comunidade vinculada aquela forma de relação jurídica com o credor.

Apresentados os critérios relativos ao processo de definição da natureza jurídica híbrida do desconto, passa-se, a seguir, para a exposição do método de aferição da validade da cláusula, destacando as circunstâncias concretas de análise. Por fim, é oportuno destacar que o processo aludido no presente tópico também integra o referido método no tópico seguinte, mas por questões de estrutura textual preferiu-se realizar a abordagem em tópicos separados.

 

4.3  Método de aferição da (in)validade da cláusula de desconto de pontualidade à luz de circunstâncias concretas

Uma vez realizado concretamente o processo de identificação de qual natureza jurídica é atribuída ao abono pontualidade, dentre as possíveis, verificando-se a real intenção do credor, através dos critérios inspirados nos direitos fundamentais, na boa-fé objetiva e na função social do contrato, chegou-se o momento de analisar os desdobramentos dessa identificação quanto à validade ou não da cláusula negocial do abono à luz de circunstâncias específicas.

Os desdobramentos da validade do desconto ocorrerão em duas vias, desembocando-se de um lado, nas situações em que o processo de identificação constate o abono como cláusula penal moratória “às avessas”, e do outro, nas ocasiões que seja verificado como uma sanção positiva, ou seja, uma liberalidade creditícia.

Abordar-se-á, primeiramente, esta última via por apresentar, se é que apresenta, consectários de validade de menor complexidade de aferição. Pois bem, quando o desconto de pontualidade se revelar como uma liberalidade do credor – uma sanção premial – a grande questão a ser perquirida para aferir sua validade será, a princípio, observar se o abono figura no negócio jurídico de forma única ou cumulado com  cláusula penal moratória expressa.

Se exclusivamente estipulado o desconto, consequências outras não terão, haja vista que por ser uma vantagem ofertada ao devedor, fruto da liberalidade do credor, é plenamente válida no âmbito da liberdade contratual, inexistindo qualquer violação legal.

Noutro turno, acaso exista a cumulação com a multa moratória expressa, depara-se com a circunstância concreta do momento da efetivação desconto. Isto é, a depender da perspectiva que se adote, o referido momento poderá ser relevante para aferir se a citada cumulação é lícita ou não. Explique-se: à luz das perspectivas jurisprudenciais apresentadas nesse trabalho, o abono pontualidade figurando como liberalidade do credor poderá ser estipulado para se dar antes ou até o vencimento.

Nesse sentido, acaso seja efetivado antes, não há maiores implicações para sua validade, já que é uníssono jurisprudencialmente que o preço contratual avençado (incluído o abono) nessas situações estaria materializado na data do vencimento, quer dizer, haveria a possibilidade do devedor pagar três valores: o valor abatido o desconto; o valor incluído o percentual do desconto (valor contratual avençado); e o valor incluído o percentual do desconto acrescido da multa moratória.

Entretanto, em sendo o abono concedido até a data do vencimento, corre-se o risco de, segundo parte da jurisprudência, o valor contratual avençado (embutido o desconto) não se materializar, o que somente ensejaria a possibilidade de se pagar ou o “valor contratual abatido o abono”, ou o valor contratual acrescido da multa moratória. Nesse citado contexto, ilícita é a cumulação dos institutos, de modo que a multa moratória deve incidir no valor “descontado”, mas nunca no valor “cheio” (valor contratual avençado). Isto é, em caso de atraso, a incidência da multa moratória em base de cálculo que conste o valor contratual avençado não seria possível por conta do referido valor não se materializar, quer dizer, não ser possível de ser pago sozinho.

Assim, pela corrente da jurisprudência acima, a data-limite da efetivação do desconto seria crucial para aferir se a cumulação do abono e da multa em caso de inadimplemento seria lícita. Com o devido respeito a essa posição, comungamos com a outra parte da jurisprudência que entende ser irrelevante a circunstância em que se dará o desconto, se “antes”’ ou “até o vencimento”, sendo a cumulação com a multa moratória lícita nas duas ocasiões pelo simples fato de que o valor contratual avençado, ainda que não possa ser pago exclusivamente nos caso do abono “até o vencimento”, se materializa ao servir de parâmetro seja para que se pague o valor contratual abatido o desconto, seja para se pagar o valor incluído o desconto (valor contratual avençado) acrescido da multa moratória nos casos de atraso.

Mas e quando o processo de identificação constatar o desconto de pontualidade como uma cláusula penal “disfarçada” em determinado negócio jurídico? Pois bem, tal situação é da qual sobressai o maior número de possibilidades de validade ou não da cláusula, de acordo com as circunstâncias concretas – quais sejam – os limites legais das cláusulas penais moratórias e a data-limite que o abono é ofertado.

Repare-se que aqui, por ter o abono a natureza jurídica de uma multa moratória, há de se enfrentar a questão do “bis in idem”, ou melhor, da dupla sanção, aferindo-se no caso concreto, por meio das circunstâncias acima, sua ilegalidade ou não.

Nesse diapasão, iremos a partir de agora, explicitar as possíveis situações de (in)validade do desconto como multa moratória, sempre aferindo com base na limitação imposta pela lei e na própria data-limite ,que inclusive é referencial quanto ao cumprimento dos deveres anexos da boa-fé objetiva.

A primeira situação se refere ao abono estipulado para ocorrer “até a data do vencimento” quando cumulado com a cláusula penal moratória expressa. Nesses casos o que vai influenciar a validade do desconto é verificar se os percentuais somados dos institutos acima superam ou não o limite legal, seja o imposto pela Lei da Usura, que é de 10% para os casos em geral, seja o estabelecido para casos específicos pela legislação, como no CDC ou nas relações condominiais, que é de 2%.

Ao contrário da perspectiva doutrinária dominante, para nós, o simples fato do abono “até o dia do vencimento” como multa moratória vir cumulado com outra multa moratória não induz necessariamente a sua invalidade, haja vista que apesar de existir duas sanções negativas, estas na prática estão fixadas em um mesmo termo final, qual seja o dia do vencimento.

Ressalte-se que embora o desconto possa ser concedido até o dia do vencimento, o devedor somente o perderá se não adimplir a prestação no vencimento, daí a conclusão de que na prática ambas as sanções estariam estabelecidas em uma mesma data, inexistindo subversão real do dia do vencimento e ensejando na realidade um impacto econômico em um único momento ao devedor.

Portanto, dessume-se que o que será preciso verificar é se o percentual da referida cumulação ultrapassa ou não o teto legal correspondente ao negócio jurídico que figuram as multas (o abono e a multa expressa), de maneira que caso ultrapasse, será considerado ilegal. Porém, não se extrapolando tal limite, a incidência das sanções negativas é lícita.

A segunda situação é relativa ao abono de pontualidade fixado “antes do dia do vencimento” quando cumulado com multa moratória expressa. Em tais ocasiões a verificação se houve superação ou não do limite legal passa a ser dispensável para aferição da validade do abono, tendo em vista que o desconto estipulado para se efetivar antes do vencimento sempre será nítida afronta ao dever de lealdade e de informação que deve existir entre os sujeitos negociais.

Isto é, os percentuais do abono e da multa expressa, passando ou não o limite legal correspondente, em nada irá influir na validade do desconto, sendo este nesses casos sempre inválido, pois, por estar estabelecido antes do vencimento, ludibria o devedor, subvertendo a real data-limite para que ele realize a prestação. Ora, a título de exemplo, imagine a situação de um devedor que, fielmente acreditando que o abono se trata de uma sanção premial, deixa de adimplir a obrigação na data em que o desconto foi fixado para adimplir apenas no vencimento. Percebe-se, assim, que o devedor embora pense que apenas deixou de desfrutar de uma vantagem, fora na realidade enganado quanto à data de vencimento, ou melhor, ficou sujeito a duas datas-limites que lhe penalizam negativamente, ocorrendo indubitavelmente uma dupla-sanção que torna deficiente a cognição do devedor em relação ao termo final da prestação.

Noutro turno, existem as situações em que o desconto figura exclusivamente no negócio jurídico, não vindo acompanhado de nenhuma outra multa moratória expressa. Pois bem, acaso o abono venha a ser ofertado na data do vencimento, será perquirido se houve ou não superação do teto legal correspondente ao tipo de negócio subjacente, como uma análise feita em toda e qualquer cláusula penal, não havendo nada de novo.

Todavia, vindo o desconto estabelecido para se efetivar antes do vencimento, este, independentemente de ultrapassar ou não os limites legais, será inválido, já que, conforme argumentação aduzida acima, ludibria o devedor, subvertendo a data real do adimplemento tempestivo e violando os deveres anexos da boa-fé objetiva no que concerne à lealdade e à informação.

 

Considerações finais

O desenvolvimento do presente trabalho proporcionou uma análise acurada da cláusula negocial do desconto de pontualidade à luz do direito civil constitucionalizado, evidenciando suas possíveis naturezas jurídicas e sua eventual (in)validade no bojo dos negócios jurídicos. Nesse espeque restou possível depreender que a natureza jurídica do abono pontualidade é híbrida, ou seja, variará a depender do caso concreto, ora se configurando como cláusula penal moratória ”disfarçada”, ora se constituindo como liberalidade do credor, quer dizer, uma sanção premial.

Portanto, a partir de um viés casuístico, ou melhor, de uma solução construída com base na situação específica que se apresenta, conferiu-se a problemática uma resposta que se baseia não em posicionamentos estanques, mas na própria criação de um método de verificação da natureza jurídica e da validade do desconto de pontualidade, à luz de critérios e circunstâncias concretos amparados pelo direito civil constitucionalizado, os quais permitiram uma visão mais coerente com a sistemática civil e uma eventual tutela jurisdicional mais fidedigna ao caso em espécie.

Ademais, vale ressaltar que, para se chegar às constatações retromencionadas, este artigo partiu do estudo de um grande acervo bibliográfico, sobre o arcabouço teórico e legislativo civilista, processual e consumerista, especialmente com destaque para: os regramentos pertinentes à cláusula penal e à liberalidade do credor; as teses e posições doutrinárias, inclusive em enunciados; e as jurisprudências pátria, como dos TJ(s) e do STJ;

Todavia, embora o estudo do referido acervo tenha sido crucial para embasar a tese desse trabalho, insta salientar que esta teve sua gênese embrionária durante estudos realizados ao longo do curso nas disciplinas de direito civil e direito do consumidor, onde se deparou com a presente questão aqui exposta, e ao não se conseguir filiar a nenhuma das correntes existentes acerca da temática, vislumbrou-se a possibilidade da questão ser vista por outra perspectiva, por uma terceira via, em que se buscasse uma solução mais consentânea com as normas jurídicas do direito privado.

Por conseguinte, há de se frisar que no desenvolvimento do trabalho, todas as questões que estavam envoltas da problemática principal foram esclarecidas, o que de certa forma facilitou e integrou a construção da própria solução do artigo.

Assim, logo no início, demonstrou-se, com alto grau de detalhamento, os principais os contornos que envolvem o desconto de pontualidade, o que seria essencial para o entendimento e consecução do método aqui proposto.

Cabe, ainda, mencionar que o artigo elucidou de forma objetiva e completa os elementos que dão sustentáculo ao direito civil constitucionalizado, enfatizando a eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas e destrinchando as funções da boa-fé objetiva e as eficácias da função social do contrato, os quais são os pilares dos critérios e das circunstâncias concretas.

Posteriormente, extraíram-se das posições dissonantes entre doutrina e jurisprudência os fundamentos de cada uma, explicitando-se suas naturezas jurídicas prováveis e a questão da (in)validade, o que contribuiu deveras para a construção de uma nova solução ao problema, a qual seria materializada no método de aferição.

O citado método, composto por uma interação harmônica entre as estruturas normativas que compõem o direito civil-constitucional, fora, no tópico final, enfim concretizado, mediante a explicitação de critérios objetivos integrantes do processo de identificação da natureza jurídica do abono, formulados com a finalidade de se verificar a real intenção do credor e, a partir disso, aferir a validade da cláusula por meio de circunstâncias práticas consubstanciadas nos limites legais das multas moratórias e na data-limite da oferta do desconto.

 

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[1] Servidor Público e Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe – UFS. E-mail: lgabrielslima@gmail.com .

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