Resumo: Quadra anotar que a gestão (ou ainda administração) dos bens públicos encontra-se, umbilicalmente, atrelada à utilização e conservação. Desta feita, com o escopo de traçar linhas claras acerca do tema colocado em debate, cuida ponderar que a atividade gestora dos bens públicos não alcança o poder de alienação, oneração e aquisição desses bens. Nesta esteira, o poder de administração, subordinado aos ditames contidos no Ordenamento Pátrio, apenas confere ao administrador o poder, e ao mesmo tempo o dever, de zelar pelo patrimônio, devendo, para tanto, utilizar os instrumentos que apresentem como escopo a conservação dos bens ou, ainda, que objetivem obstar a sua deterioração ou perda. De igual maneira, incumbirá ao administrador, em atendimento aos postulados que regem a Administração, proteger os bens públicos contra investida de terceiros, ainda que se revele imprescindível a adoção de conduta coercitiva executória ou mesmo recorrer ao Judiciário para a defesa do interesse público. No mais, deve-se pontuar, imperiosamente, que a atividade de gestão de bens públicos é essencialmente regulamentada pelo direito público, socorrendo-se dos fundamentos do direito privado, de maneira supletiva, quando não há norma expressa que verse acerca da matéria.
Palavras-chaves: Bens Públicos. Administração. Concessão de Direito Real de Uso
Sumário: 1 Gestão de Bens Públicos: Ponderações Introdutórias; 2 Uso de Bens Públicos; 3 Formas de Uso: 3.1 Uso Comum; 3.2 Uso Especial; 3.3 Uso Compartilhado; 4 Notas à Concessão do Direito Real de Uso: Painel jurisprudencial à luz do Superior Tribunal de Justiça
1 Gestão de Bens Públicos: Ponderações Introdutórias
Em sede de comentários inaugurais, quadra anotar que a gestão (ou ainda administração) dos bens públicos encontra-se, umbilicalmente, atrelada à utilização e conservação. Desta feita, com o escopo de traçar linhas claras acerca do tema colocado em debate, cuida ponderar que a atividade gestora dos bens públicos não alcança o poder de alienação, oneração e aquisição desses bens. Nesta esteira, o poder de administração, subordinado aos ditames contidos no Ordenamento Pátrio, apenas confere ao administrador o poder, e ao mesmo tempo o dever, de zelar pelo patrimônio, devendo, para tanto, utilizar os instrumentos que apresentem como escopo a conservação dos bens ou, ainda, que objetivem obstar a sua deterioração ou perda.
De igual maneira, incumbirá ao administrador, em atendimento aos postulados que regem a Administração, proteger os bens públicos contra investida de terceiros, ainda que se revele imprescindível a adoção de conduta coercitiva executória ou mesmo recorrer ao Judiciário para a defesa do interesse público. Consoante manifestado entendimento jurisprudencial, “por certo, a conservação e a segurança estão inseridos no conceito de administração dos bens municipais e não podem ser transferidos integralmente para os cidadãos”[1]. Ao lado disso, como bem anota Carvalho Filho, “a gestão dos bens públicos, como retrata típica atividade administrativa, é regulada normalmente por preceitos legais genéricos e por normas regulamentares mais especificas”[2].
Além disso, não se pode olvidar que a alienação, a oneração e a aquisição exigem, como regra, autorização legal de cunho mais específico, porquanto na hipótese ora mencionada não há que se falar em simples administração, mas sim alteração na esfera do domínio das pessoas do direito público. No mais, deve-se pontuar, imperiosamente, que a atividade de gestão de bens públicos é essencialmente regulamentada pelo direito público, socorrendo-se dos fundamentos do direito privado, de maneira supletiva, quando não há norma expressa que verse acerca da matéria.
2 Uso de Bens Públicos
Os bens públicos podem ser usados pela pessoa jurídica de direitos público a que pertencem, independentemente de serem considerados de uso comum, de uso especial ou mesmo dominicais. Entretanto, é plenamente possível que aludidos bens sejam utilizados por particulares, ora com maior liberalidade, ora com a atenção aos preceitos normativos pertinentes. Em sentido similar, posiciona-se a jurisprudência, notadamente quando destaca que “o uso dos bens públicos pode ser feito pela própria pessoa que detém a propriedade ou por particulares, quando for transferido o uso do bem público”[3]. Sobreleva anotar que é importante demonstrar que a utilização de bens públicos por particulares atende ao interesse público, aferido pela Administração, sendo possível, inclusive, a estruturação de regulamentação mais minuciosa.
Ademais, em se tratando da utilização de bens públicos por particulares, imprescindível se faz que, de maneira pormenorizada, sejam analisados os fins atendidos por aqueles, já que de nenhuma maneira é admitida a desvirtuação dos objetivos elementares para satisfazer interesse exclusivamente privados. Insta sublinhar que há hipóteses em que o uso é considerado normal, porquanto se coaduna com os fins do bem público, a exemplo do que infere no uso de praças e ruas por particulares, de modo geral. Em outras situações, todavia, o uso é considerado anormal, eis que o objetivo da utilização só indiretamente se harmoniza com os fins naturais do bem.
Neste passo, com o fito de ilustrar o expendido, podem-se citar as conhecidas ruas de lazer, vez que o uso normal da rua apresenta como objetivo o trânsito geral dos veículos, mas em determinado dia ambicionou a utilização anormal, atendendo a diversão das pessoas. Gize-se, ainda, que algumas formas de utilização independem do consentimento do Poder Público, porque o uso é natural. “Vejam-se os bens de uso comum do povo. Quando de tratar de uso anormal, ou de hipóteses especiais de uso normal, necessária se tornará a autorização estatal para que o uso seja considerado legítimo”[4].
3 Formas de Uso
3.1 Uso Comum
Em uma primeira plana, considera-se como bem de uso comum do povo todo aquele que se reconhece à coletividade em geral sobre os bens públicos, sem discriminação de usuários ou ordem especial para sua fruição. Trata-se do uso feito pelo povo em relação às ruas e logradouros públicos, dos rios navegáveis, do mar e das praias naturais. “Esse uso comum não exige qualquer qualificação ou consentimento especial, nem admite frequência limitada ou remunerada, pois isto importaria atentado ao direito subjetivo público do indivíduo de fruir os bens de uso comum do povo sem qualquer limitação individual”[5]. Para esse uso são admitidas tão somente regulamentações gerais de ordem pública, cujo escopo seja promover a preservação da segurança, da higiene, da saúde, da moral e dos bons costumes, sem que haja particularizações de pessoas ou mesmo categorias sociais.
Assim, qualquer restrição ao direito subjetivo de livre fruição, tal como a cobrança de pedágio nas rodovias, desencadeia a especialização do uso e, quando se tratar de bem considerado realmente necessário à coletividade, tal situação só poderá ocorrer em caráter excepcional. Carvalho Filho, ao abordar o tema em destaque, anota que “uso comum é a utilização de um bem público pelos membros da coletividade sem que haja discriminação entre os usuários, nem consentimento estatal específico para esse fim”[6]. Saliente-se, oportunamente, que no uso comum do povo os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade (utili universi) motivo pelo qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou mesmo a privilégio na utilização do bem.
In casu, vigora a premissa que o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou suportar os ônus dele resultantes. É possível, desta sorte, diccionar que todos são iguais perante os bens de uso comum do povo. “Mas, por relações de vizinhança e outras situações especiais, o indivíduo pode adquirir determinados direitos de utilização desses bens e se sujeitar a encargos específicos”[7]. Consoante leciona Carvalho Filho[8], o uso comum deve ser gratuito, de maneira a não produzir qualquer ônus aos que utilizem o bem, porquanto esse característico é fruto da própria generalidade do uso, uma vez que, se oneroso fosse, haveria discriminação entre aqueles que poderiam e os que não poderiam sofrer o ônus.
Anotar se faz carecido que não somente os bens de uso comum do povo possibilitam o uso comum. Ao reverso, os bens de uso especial também o admitem, quando a utilização está em consonância com os fins normais a que se destinam. A título de exemplificação, é possível mencionar as repartições públicas, os prédios de autarquias e fundações governamentais estão sujeitados ao uso comum, porquanto os cidadãos podem ingressar livremente nesses locais, sem que haja necessidade de qualquer autorização especial. Conquanto essa forma de uso seja comum e geral, não se pode negar ao Poder Público a competência para estabelecer as normas regulamentadoras, com o escopo de adequar a utilização ao interesse público. A aludida regulamentação, mesmo que seja dotada de caráter restritivo, de certa maneira, há que se traduzir em ditames gerais e impessoais, com o fito de manter incólume a indiscriminação entre os indivíduos.
Convém, ainda, explicitar que os bens de uso comum do povo, ainda que estejam à disposição da coletividade, estão sob a administração e a vigilância do Poder Público, que tem o dever de mantê-los em normais condições de utilização pelo público, de maneira geral. “Todo dano ao usuário, imputável à falta de conservação ou obras e serviços públicos que envolvam esses bens, é da responsabilidade do Estado, desde que a vítima não tenha agido com culpa”[9]. Infere-se, por derradeiro, que são aspectos característicos do uso comum dos bens públicos a generalidade da utilização do bem, a indiscriminação dos administrados no que concerne ao uso do bem, a compatibilização do uso com os fins normais a que se destina e a inexistência de qualquer gravame para permitir a utilização.
3.2 Uso Especial
Inicialmente, é denominada como uso especial a forma de utilização de bens públicos, na qual o indivíduo se sujeita a regras específicas e consentimento estatal ou, ainda, se submete à incidência da obrigação de pagar pelo uso. Como aponto Carvalho Filho, “o sentido do uso especial é rigorosamente o inverso do significado do uso comum. Enquanto este é indiscriminado e gratuito, aquele não apresenta essas características”[10]. A partir das ponderações apresentadas, é possível frisar que uma das formas de uso especial de bens públicos está atrelada ao uso remunerado, consistindo na modalidade por meio da qual o administrado sofre uma espécie de ônus, sendo a forma mais comum o adimplemento de certa importância que possibilite o uso. Imperioso se faz colacionar o magistério do festejado doutrinador Hely Lopes Meirelles, que arrazoa:
“Uso especial é todo aquele que, por um título individual, a Administração atribui a determinada pessoa para fruir de um bem público com exclusividade, nas condições convencionadas. É também uso especial aquele a que a Administração impõe restrições ou para o qual exige pagamento; bem como o que ela mesma faz de seus bens para a execução dos serviços públicos, como é o caso dos edifícios, veículos e equipamentos utilizados por suas repartições”[11].
Cuida ponderar que tanto os bens de uso comum como os de uso especial podem estar sujeitos a uso especial remunerado. Em tom de exemplificação, como bem de uso comum do povo, é possível mencionar o pagamento de pedágio em estradas rodoviárias e em pontes e viadutos. “Um museu de artes pertencentes ao Governo, cujo ingresso seja remunerado, é exemplo de bem de uso especial sujeito a uso especial”[12]. É fato que ninguém é detentor natural do direito de uso especial de bem público, porém qualquer indivíduo ou mesmo empresa poderá obtê-lo, mediante contrato ou ato unilateral da Administração, na forma autorizada por lei ou regulamento ou simplesmente consentida pela autoridade competente. “Assim sendo, o uso especial do bem público será sempre uma utilização individual – uti singuli – a ser exercida privativamente pelo adquirente desse direito”, consoante obtempera Hely Lopes Meirelles.
O que tipifica o uso especial está assentado na privatividade da utilização de um bem público, ou mesmo de parcela desse bem, pelo beneficiário do ato ou do contrato, afastando, via de consequência, a fruição geral e indiscriminada da coletividade ou do próprio Poder Público. Prima evidenciar que esse uso pode ser consentido gratuita ou remuneradamente, por lapso temporal certo ou indeterminado, conforme o teor do ato ou contrato administrativo que o autorizar, permitir ou conceder. Nesta esteira, é possível acrescentar que, uma vez titulado regularmente o uso especial, o particular passa a usufruir de um direito subjetivo público ao seu exercício, podendo opô-lo a terceiros e à própria Administração, nas condições estabelecidas ou convencionadas.
Urge evidenciar que “a estabilidade ou precariedade desse uso assim como a retomada do bem público, com ou sem indenização ao particular, dependerão do título atributivo que legitimar”[13]. Realçar se faz premente que os aspectos caracterizadores da espécie de uso em comento estão alicerçados nos seguintes axiomas: a exclusividade do uso aos administrados que pagam a remuneração ou, ainda, aos que recebem consentimento estatal para o uso; a onerosidade, nas hipóteses de uso especial remunerado; a privatividade, nas situações de uso especial privativo; e, a inexistência de compatibilidade estrita, em específicos casos, entre o uso e o fim a que se destina o bem.
3.3 Uso Compartilhado
O uso compartilhado é assim considerado aquele em pessoas públicas ou privadas, que prestam serviços públicos, necessitam de utilizar-se de áreas de propriedade de pessoas diversas. Tal situação é plenamente verificável, por exemplo, no uso de determinadas áreas para a instalação de serviços de energia, de comunicações e de gás canalizado, estruturando, para tanto, dutos normalmente implantados no subsolo. “Quando se trata de serviços envolvendo pessoas públicas, o problema se resolver através de convênios. Mas quando o prestador do serviço é pessoa de direito privado, mesmo que incluída na administração pública descentralizada, são mais complexas as questões e as soluções”[14].
Em se tratando do tema colocado em destaque, quatro hipóteses distintas são observáveis. A primeira está atrelada ao uso de área integrante de domínio público, sendo que aludido uso carecerá de autorização do ente público que detém o domínio sobre o bem e, vigora como regra, não há o pagamento de remuneração pelo uso. Neste sentido, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento que “a cobrança em face de concessionária de serviço público pelo uso de solo, subsolo ou espaço aéreo é ilegal (seja para a instalação de postes, dutos ou linhas de transmissão)”[15]. Outra situação a ser sublinhada, o uso de área non aedificandi pertencente a particular, pois, “como há, na hipótese, mera limitação administrativa, pode o prestador usá-la livremente e, como o uso não afeta o direito do proprietário, não tem este direito à remuneração nem indenização”[16]. Excepciona-se ao expendido, quando houver demonstração do prejuízo causado.
Cuida versar acerca do uso da área privada, além da faixa de não edificação, porquanto tal possibilidade reclama da autorização do proprietário, sendo norteado pelos ditames do direito privado, devendo, pois, a empresa prestadora do serviço entabular acordo no que concerne à eventual remuneração ou mesmo firmar pacto de cessão gratuita de uso. Por derradeiro, a última possibilidade a ser enfrentada está adstrita ao uso de área pública sujeita à operação por pessoa privada, em decorrência de contrato de concessão ou permissão, sendo imprescindível um ajuste pluripessoal, envolvendo o cedente, o concessionário e o prestador do serviço, ainda que não haja diploma legislativo trazendo expressa regulamentação da matéria, revela-se plenamente possível afixar remuneração pelo uso do solo e do subsolo.
4 Notas à Concessão do Direito Real de Uso: Painel jurisprudencial à luz do Superior Tribunal de Justiça
Inicialmente, a concessão real de uso é o contrato administrativo por meio do qual o Poder Público confere ao particular o direito real resolúvel de uso de terrenos públicos ou sobre o espaço aéreo que o recobre, para os fitos que, prévia e determinadamente, o justificaram. Meirelles obtempera que o Poder Público “transfere o uso remunerado ou gratuito de terreno público a particular, como direito real resolúvel, para que dele se utilize em fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social”[17]. Aliás, tal acepção é proveniente do artigo 7° do Decreto-Lei N° 271[18], de 28 de Fevereiro de 1967, que dispõe sobre loteamento urbano, responsabilidade do Ioteador, concessão de uso e espaço aéreo e dá outras providências. O entendimento jurisprudencial, acerca do tema, sustenta que:
“Ementa: Administrativo. FGTS. Movimentação dos depósitos. Construção de moradia. Possibilidade. Precedentes. […] 3. A concessão de uso prevista no art. 7 do Dl. 271/1967 institui um direito real, não se confundindo com a concessão, feita pelo estado a título precário, para utilização de bem público. 4. Recurso especial improvido.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 193.324/DF/ Relator: Ministro Francisco Peçanha Martins/ Julgado em 15.04.2003/ Publicado no DJ em 16.06.2003).
Ora, resta patentemente demonstrado que o escopo primitivo do diploma supramencionado, ao materializar o instituto em comento, está em promover a regularização fundiária, o aproveitamento sustentável das várzeas e a preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência. “Trata-se, como é fácil observar, de finalidade de caráter eminentemente social”[19]. A regularização fundiária, por meio da qual se possibilita a adequação de terrenos e moradias ao direito positivo, apresenta-se, na contemporaneidade, como ponto nodal da política urbana, cujo sedimento normativo está inserto no Texto Constitucional. A sustentabilidade do aproveitamento das várzeas se revela como dotada de aspecto essencialmente ambiental. Neste passo, a preservação das comunidades tradicionais é foco do interesse governamental em não causar prejuízos ao povo, notadamente às populações indígenas, já assentadas por longo lapso temporal em determinadas áreas, das quais se extraem os meios de subsistência.
A concessão de uso, enquanto direito real, é transferível por ato inter vivos ou, ainda, por sucessão legítima ou testamentária, a título gratuito ou remunerado, tal como se inferem nos demais direitos reais sobre coisas alheias, com a singular diferenciação de que o imóvel reverterá à Administração concedente se o concessionário ou seus sucessores não lhe derem o uso prometido ou o desviarem de seu escopo contratual. “Desse modo, o Poder Público garante-se quanto à fiel execução do contrato, assegurando o uso a que o terreno é destinado e evitando prejudiciais especulações imobiliárias dos que adquirirem imóveis públicos para aguardar a valorização vegetativa”[20], o que acarreta o detrimento da coletividade. O instrumento de formalização pode ser escritura pública ou termo administrativo, devendo o direito ser inscrito no competente Cartório de Registro de Imóveis.
Como destaca Carvalho Filho, “a concessão de direito real de uso salvaguarda o patrimônio da Administração e evita a alienação de bens públicos, autorizada às vezes sem qualquer vantagem para ela”[21]. Além disso, tal como dito anteriormente, o concessionário não fica livre para dar ao uso a destinação que lhe convier, mas, ao reverso, será obrigado a destiná-lo ao escopo contido no diploma, o que mantém salvaguardado o interesse público que deu azo à concessão real de uso. É imperioso destacar que, para a realização da concessão em apreço, são necessárias a lei autorizadora e licitação prévia, exceto se a hipótese se encontrar inserta dentro das de dispensa de licitação. Neste sentido, inclusive, é possível transcrever o entendimento robusto do Superior Tribunal de Justiça, que acena:
“Ementa: Administrativo. Concessão de direito real de uso de terreno público a particular. Construção de sede recreativa de associação de direito privado sem fins lucrativos. Ausência de interesse eminentemente social. Hipótese não enquadrada na dispensa de licitação. Inteligência do art. 17, inc. I, alínea "f", e § 2º, inc. I, da Lei 8.666/1993. Necessidade de concorrência prévia.
1. Na origem, o Ministério Público do Estado do Maranhão propôs ação civil pública contra o Município de São Luís e a Associação dos Delegados de Polícia Civil do Maranhão – ADEPOL, sob a alegação de que a Municipalidade teria celebrado ilegal concessão de direito real de uso de um terreno de 4.940 m2 para construção da sede recreativa da associação, sem autorização legislativa e sem licitação.
2. A sentença julgou procedente o pedido do Parquet para anular a concessão de direito real de uso; estabelecer que a Municipalidade se abstenha de edificar na área concedida e venha a demolir qualquer edificação lá existente; e determinar à ADEPOL que se abstenha de ocupar, utilizar, construir e edificar no local, sob pena de multa diária. O Tribunal maranhense deu provimento à apelação da Municipalidade para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido formulado na ação civil pública.
3. A concessão de direito real de uso corresponde a contrato pelo qual a Administração transfere a particular o uso remunerado ou gratuito de terreno público, sob a forma de direito real resolúvel, a fim de que dele se utilize para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas.
4. A concessão de direito real de uso a particulares requer autorização legal e concorrência prévia.
5. Nos termos do art. 17, § 2º, inc. I, da Lei 8.666/1993, a Administração poderá conceder direito real de uso com dispensa de licitação quando a utilização destinar-se a outro órgão ou entidade da Administração Pública.
6. Em situações de caráter eminentemente social, o art. 17, inc. I, alínea "f", da Lei 8.666/1993 também prevê a dispensa de licitação na "alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública".
7. As associações de direito privado, ainda que sem fins lucrativos, não se enquadram nas hipóteses de dispensa de licitação previstas no art. 17, inc. I, alínea "f", e § 2º, inc. I, da Lei 8.666/1993.
Recurso especial do Parquet conhecido em parte e, nessa, provido para restabelecer a sentença de primeiro grau que torna nula a concessão de direito real de uso do terreno.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.435.594/MA/ Relator: Ministro Humberto Martins/ Julgado em 27.10.2015/ Publicado no DJe em 11.11.2015).
Em se tratando de esfera federal, a licitação será dispensada se o uso for concedido a outro órgão administrativo, em consonância com o artigo 17, §2°, da Lei N° 8.666/1993[22]. “O limite territorial máximo para esse tipo de concessão, no entanto, será de quinhentos hectares no âmbito da administração federal”[23]. Da mesma sorte, será dispensada a licitação quando o direito real de uso incidir sobre imóveis residenciais, ou de uso comercial de âmbito local, com área de duzentos e cinquenta metros quadrados, ser concedido em função de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvido pelo Poder Público.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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