Anotações ao instituto da desapropriação urbanística: ponderações às limitações urbanísticas à propriedade

Resumo: Em sede de comentários introdutórios, cuida colocar em realce que a desapropriação, enquanto instituto constituinte da rubrica limitações urbanísticas à propriedade, afeta, de maneira direta, o aspecto de perpetuidade que caracteriza a propriedade particular. Com efeito, dada à proeminência do instituto em debate, é possível salientar que os demais aspectos caracterizadores da propriedade, quais sejam: absoluto e exclusivo, são afetados pelos feixes que dele irradiam. A doutrina dá a denominação de desapropriação urbanística ou desapropriação para fins urbanísticos ao instituto de desapropriação quando utilizado como instrumento de execução da atividade urbanística do Poder Público. Sobreleva evidenciar que o instituto em comento sofreu maciça alteração, sendo utilizado como instituto jurídico da política urbana pela Lei N° 10.257, de 10 de Julho de 2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Em essência, é concebido como um instrumento pelo qual o Poder Público determina a transferência da propriedade particular (ou pública de entidades menores), para o seu patrimônio ou de seus delegados, usando como âncora a necessidade ou a utilidade pública ou mesmo a satisfação do interesse social, mediante prévio e justo adimplemento da competente verba indenizatória em dinheiro, ressalvada a previsão constitucional de pagamento em títulos da dívida pública.

Palavras-chaves: Desapropriação Urbanística. Interesse Público. Política Urbana.

Sumário: 1 Limitações Urbanísticas à Propriedade: Notas Introdutórias; 2 A Desapropriação e a Atividade Urbanística; 3 Pressupostos Autorizadores da Desapropriação Urbanística; 4 Hipóteses de Desapropriação Urbanística

1 Limitações Urbanísticas à Propriedade: Notas Introdutórias

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida hastear, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, com o necessário destaque, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos axiomas mencionados, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, tal como os institutos neles insculpidos.

Nesta senda, ao se estruturar um exame concernente às limitações à propriedade, em especial as contidas na Lei N°. 10.257, de 10 de Julho de 2001[4], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, é observável que essas se interferem com os aspectos e caracteres do direito de propriedade privada. Imperioso se faz rememorar que a propriedade, enquanto direito subjetivo civil, está revestido de três faculdades basilares, quais sejam: a) faculdade de uso; b) faculdade de gozo; e, c) faculdade de disposição, conforme estabelece, em claros alaridos o artigo 1.228 do Código Civil de 2002[5]. “Pela primeira se reconhece ao proprietário a possibilidade de usar o bem para a satisfação de suas próprias necessidades; pela segunda ele pode auferir os frutos que a coisa produzir[6]. A terceira faculdade básica está assentada no poder de dispor do bem, consistente em realizar atos de domínio de distintas índoles, como, por exemplo, venda e doação.

Ao lado disso, o direito à propriedade consubstancia três caracteres, a saber: é absoluto, exclusivo e perpétuo. É considerado direito absoluto, uma vez que assegura ao proprietário a liberdade de dispor das coisas, adquiridas de maneira legítima, do modo que aprouver àquele. Igualmente, é direito exclusivo, porquanto respeito ao proprietário e a nenhum outro, cabendo, a princípio, tão somente a ele. Por derradeiro, é dito direito perpétuo, vez que não desaparece com o fim da vida do proprietário, passando, por sucessão hereditária, ao sucessor do proprietário, significando que tem duração ilimitada, não se perdendo pelo não-uso.

As limitações ao direito de propriedade, enquanto conjunto de institutos jurídicos que afetam, de maneira direta, qualquer dos aspectos característicos desse direito, encontram, in casu, substrato nas normas e princípios que orientam o Direito Municipal e Urbanístico, porquanto servem de instrumento de atuação e materialização urbanística. As limitações urbanísticas, assim como as administrativas, devem embasar-se no artigo 170, inciso III, da Constituição Federal de 1988[7], que condiciona a utilização da propriedade a sua função social. Cuida-se de limitação ao uso da propriedade e não da propriedade em sua substância. São limitações ao exercício de direitos individuais e não aos direitos em si mesmos. Nesta esteira, ainda, são limitações dotadas de essência administrativa, voltadas à realização da função urbanística do Poder Público. Desta feita, as limitações à propriedade privada constituem, portanto, gênero do qual são espécies as restrições, as servidões e as desapropriações. É observável que as restrições limitam o caráter absoluto da propriedade; as servidões, o caractere exclusivo; e, a desapropriação, o aspecto perpétuo.

2 A Desapropriação e a Atividade Urbanística

Em sede de comentários introdutórios, cuida colocar em realce que a desapropriação, enquanto instituto constituinte da rubrica limitações urbanísticas à propriedade, afeta, de maneira direta, o aspecto de perpetuidade que caracteriza a propriedade particular. Com efeito, dada à proeminência do instituto em debate, é possível salientar que os demais aspectos caracterizadores da propriedade, quais sejam: absoluto e exclusivo, são afetados pelos feixes que dele irradiam. “A doutrina dá a denominação de desapropriação urbanística ou desapropriação para fins urbanísticos ao instituto de desapropriação quando utilizado como instrumento de execução da atividade urbanística do Poder Público[8], como evidencia Silva.

Sobreleva evidenciar que o instituto em comento sofreu maciça alteração, sendo utilizado como instituto jurídico da política urbana pela Lei N° 10.257, de 10 de Julho de 2001[9], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Nesta toada, ainda, é possível realçar que a acepção conceitual de desapropriação vem sofrendo, de maneira paulatina, evolução, notadamente em razão das novas finalidades que o instituto vem albergando. “Em essência, é concebido como um instrumento pelo qual o Poder Público determina a transferência da propriedade particular (ou pública de entidades menores), para o seu patrimônio ou de seus delegados[10], usando como âncora a necessidade ou a utilidade pública ou mesmo a satisfação do interesse social, mediante prévio e justo adimplemento da competente verba indenizatória em dinheiro, ressalvada a previsão constitucional de pagamento em títulos da dívida pública.

Com o escopo de fortalecer o acimado, cuida destacar a visão apresentada por Carvalho Filho, ao esmiuçar o instituto em destaque, em especial quando sublinha que “desapropriação é o procedimento de direito público pelo qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública ou de interesse social, normalmente mediante o pagamento de indenização[11]. Em mesmo sentido, o festejado Hely Lopes Meirelles anota que “a desapropriação é o moderno e eficaz instrumento de que se vale o Estado para remover obstáculos à execução de obras e serviços públicos; para propiciar a implantação de planos urbanos[12], bem como para preservar o meio ambiente contra devastações e poluições e para realizar a justiça social, por meio da distribuição de bens inadequadamente utilizados pela iniciativa privada. Desta forma, é verificável que a desapropriação é a forma conciliadora entre a garantia da propriedade individual e a função social dessa mesma propriedade, que reclama a utilização compatível com o bem-estar da coletividade.

Superadas estas ponderações, insta destacar que a desapropriação urbanística distancia-se do conceito geral formulado por publicista, para caracterizar-se como um instrumento de realização da política do solo urbano, em função da execução do planejamento urbanístico. Nesse aspecto, mister se faz reconhecer que a desapropriação se consolida enquanto instrumento de execução da atividade urbanística do Poder Público, que tem no planejamento seu axioma mais rotundo. “Ora, esse planejamento, ao estabelecer as bases da ordenação da realidade urbana, importa conformar e configurar a propriedade imóvel e o direito de construir, atuando, no plano prático, o princípio constitucional da função social da propriedade[13]. Além disso, é fato que nem sempre os proprietários estarão dispostos a aceitar as ordenações provenientes dos planos urbanísticos para as suas propriedades, por tal motivo compete a Municipalidade fazer com que essas propriedades sejam direcionadas para a utilização neles previstas.

Destarte, a desapropriação urbanística não materializa propriamente um instrumento de transferência de imóveis de um proprietário privado a outro, público ou não, mas sim um instrumento destinado a obter específica utilização positiva desses bens, na forma pré-estatuídas pelas normas norteadoras do plano urbanístico. Com efeito, essa função decorre do atual sistema da disciplina jurídica dos bens, que não se estrutura apenas por limitações, mas também por um conjunto de disposições normativas orientadas à sua utilização vinculada, porquanto não seria possível impor ao proprietário a realizar, em seus imóveis, um uso positivo que não seja de sua eleição, tal como não se pode estabelecer ao empresário que desenvolva atividade oposta à sua vontade. É verificável uma oposição, aparente, de interesses, consistente no conflito entre o interesse coletivo à ordenação coletiva do espaço físico, para melhor habilitar, trabalhar, recrear e circular, e os interesses do proprietário, manifestados na pretensão de que sejam aproveitados os lotes, a fim de neles edificar da maneira máxima possível.

O conflito de interesses urbanísticos, constituído por normas de direito urbanístico e materializado nos planos da mesma natureza, será solucionado por meio da desapropriação daquelas propriedades envolvidas. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já colocou em evidência que “o pressuposto para a imissão prévia do ente público no imóvel expropriando é a consistência e relevância da alegação de urgência, verdadeira e única justificativa para, em nome do interesse público, permitir que o ente expropriante, antes do pagamento do preço justo e integral do bem expropriado, venha a apossar-se do bem do particular[14]. Nesta senda de exposição, é observável que, em ocorrendo conflito com o interesse do particular, o interesse público usufruirá de maior relevância, no que concerne à destinação da propriedade, a fim de assegurar a materialização dos preceitos norteadores dos planos urbanísticos. “Os procedimentos para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, encontram assento constitucional e infraconstitucional[15].

 Doutro modo, a desapropriação tradicional detém caráter casuístico e individualizado, eis que alcança bens isolados para promover a transferência, em cada situação concreta, de maneira definitiva, para o Poder expropriante ou os seus delegados. De modo distinto, a desapropriação urbanística é compreensiva e generalizável, compreendendo áreas e setores completos, retirando os imóveis, aí abrangidos, do domínio privado, com o escopo de realizar a afetação ao patrimônio público, para, posteriormente, serem devolvidos ao setor privado, uma vez urbanificados ou reurbanizados, em atenção ao denominado dever de reprivatização. Meirelles pontua que a desapropriação para urbanização ou reurbanização tem seu axioma estruturado na premissa de “implantação de novos núcleos urbanos, ou para fins de zoneamento ou renovação de bairro envelhecidos e obsoletos, que estejam a exigir remanejamento de áreas livres, remoção de indústrias, modificação do traçado viário e demais obras públicas ou edificações[16]. Neste sentido, com o escopo de robustecer as ponderações tecidas, é possível frisar que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já firmou entendimento que:

“Ementa: Expropriatória – Municipalidade de São Paulo – Área destinada à

"Adequação do Sistema Viário do Entorno do Viaduto Itaim" – Ação procedente – Decisão mantida – Recursos não providos, com observação.” (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Quarta Câmara de Direito Público/ Apelação Cível N° 240.133.5/6/ Relator: Desembargador Aldemar Silva/ Julgado em 28.02.2002).

Ao lado disso, é observável que se busca conferir funcionalidade compatível com a nova destinação dada ao complexo da cidade. Em tal situação, a desapropriação tem como utilidade pública a própria urbanização ou reurbanização e, uma vez realiza na conformidade dos planos urbanísticos correspondentes, comporta a alienação das áreas e edificações que sejam excedentes das necessidades públicas e particulares, sendo concedida preferência aos desapropriados. Assim, o Poder Público confere as propriedades desapropriadas, para fins urbanísticos, novos usos, promovendo, comumente, edificações e instalações urbanísticas que propiciem a materialização dos preceitos elencados nos planos diretores urbanos.

3 Pressupostos Autorizadores da Desapropriação Urbanística

A expropriação para fins urbanísticos, em uma primeira plana, ostenta como fundamento maciço, o requisito da utilidade pública e não do interesse social, como equivocadamente, pode transparecer. Tal fato se dá, com efeito, uma vez que a desapropriação urbanística não visa solucionar os denominados problemas sociais, ou seja, aqueles diretamente relacionados às classes pobres, aos trabalhadores e à massa do povo, objetivando a atenuação das desigualdades sociais. “A utilidade pública, que a fundamenta, acha-se precisamente na ordenação dos espaços habitáveis, na sistematização do solo ou, mesmo, nas operações de edificação julgadas desejáveis no interesse geral[17], conforme determinações de planos urbanísticos. Ademais, ao se considerar que a atividade urbanística é uma função pertencente ao Poder Público, é plenamente denotável que a desapropriação urbanística cumpre uma tarefa de utilidade pública. Neste sentido, inclusive, remansosa é a jurisprudência ventilada pelos Tribunais Pátrios, conforme se inferem dos arestos colacionados, oportunamente:

“Ementa: Agravo de instrumento. Posse. Ação de manutenção de posse. Liminar deferida. Imóvel declarado de utilidade pública. Jockey Clube de Uruguaiana. Local de interesse da coletividade. Decisão agravada reformada. Em que pese tenha a ação de desapropriação sido ajuizada após a de manutenção de posse e a concreta tomada da área, o agravante demonstra o verdadeiro interesse do Município em efetivar a expropriação, visando a defesa dos interesses da coletividade, para devolver à população da cidade e da região da fronteira um tradicional local de cultura e entretenimento. Decisão agravada reformada para indeferir o pedido liminar de reintegração de posse à agravada. Agravo provido. Unânime. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Décima Sétima Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº 70045701521/ Relatora: Desembargadora Liege Puricelli Pires/ Julgado em 12.04.2012).

Ementa: Desapropriação – Utilidade Pública – Descaracterização – Constrição da Propriedade Privada – Impossibilidade. A desapropriação é procedimento expropriatório que deve ser adotado apenas em casos excepcionais, quando o interesse público exigir tal providência, justificando a intervenção no direito de propriedade, constitucionalmente garantido aos cidadãos. Não obstante o caráter discricionário do ato administrativo consubstanciado no decreto de utilidade pública, seu fim deve estar vinculado ao interesse público. Ausente tal requisito, impõe-se o controle do ato pelo Poder Judiciário, tendo em vista que a desapropriação somente se legitima quando realizada em consonância com os preceitos legais e constitucionais que a justificam. Restando faticamente demonstrada a ausência de interesse e prioridade do Município na adoção de medidas para se imitir na posse da área pretendida na demanda desapropriatória, efetivando o objetivo inicialmente visado pelo administrador, descaracteriza-se a utilidade pública declarada no decreto, não sendo razoável permitir a constrição da propriedade do particular em vão.” (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível N° 1.0672.98.008062-2/001/ Relator: Desembargador Dárcio Lopardi Mendes/ Julgado em 03.08.2006/ Publicado em 05.09.2006).

A partir das ponderações tecidas até o momento, é denotável que a desapropriação urbanística tem como pressuposto a aprovação de um plano diretor urbanístico ou, ainda, projeto de urbanificação, quer para transformar áreas urbanizadas e já edificadas, promovendo suas renovações, dando-lhes nova destinação; quer preparando terrenos rústicos para convertê-los em solo urbano destinado à edificação para os múltiplos usos previstos nas leis de zoneamento. Ainda que a expropriação tenha por objeto imóveis isolados, prevalece o entendimento que a natureza urbanística se, com isso, está cumprindo ordenações de planos ou projetos urbanísticos. Desta maneira, não é possível reputar como urbanísticas as desapropriações que não apresentarem uma causa exclusiva, direta e imediata, em qualquer documento que verse sobre execução urbanística, sendo inviáveis quando inexistirem planos ou estes não estejam carecidamente aprovados ou não, ainda, passíveis de execução. Ao lado, não é considerada urbanística quando a desapropriação é alheia a propósitos de desenvolvimento urbano e que não estejam relacionadas com obras e aspectos de uma ordenação urbanística.

Ademais, conquanto exista o adequado planejamento devidamente aprovado, não é possível considerar que a desapropriação seja urbanística quando se refira à aquisição de solo ou imóveis necessários à execução de determinada obra ou mesmo implantação de serviço que não se encontre expressamente previsto no plano, única causa que legitima esta espécie de desapropriação. Não se pode olvidar que a utilidade pública, enquanto causa expropriandi, não se predica em abstrato da urbanificação, mas sim em uma concreta e determinada urbanificação refletida no acervo documental apropriado. Caso a situação em comento não encontre respaldo no planejamento urbanístico, a execução não é possível por meio da desapropriação urbanística, sendo imperiosa a utilização da desapropriação ordinária, eis que não materializa obras urbanísticas, mas sim ordinárias.

4 Hipóteses de Desapropriação Urbanística

A desapropriação urbanística pode se materializar em três situações distintas, a saber: a) desapropriação como sistema de atuação de planos urbanísticos; b) desapropriação urbanística subsidiária, para as situações em que os particulares atuem desacordo com as previsões do plano ou, ainda, quando requeiram trabalhos de urbanificação em terrenos destinados a futuros núcleos urbanos; c) desapropriação-sanção, prevista para punir o não-cumprimento de obrigação ou ônus urbanístico estabelecido ao proprietário de terrenos urbanos.

O primeiro caso é o que materializa, de maneira fundamental, a acepção da desapropriação para fins urbanísticos, porque consubstancia o próprio conceito como instrumento de execução de planos urbanísticos, os quais podem se apresentar como gerais, particularizados, parciais ou setoriais, sendo requerido tão somente que sejam aprovados e dotados de eficácia. Ao lado disso, em estando diante dessa situação, o imóvel desapropriado é indenizado em dinheiro e está condicionada tão somente à ocorrência de necessidade ou utilidade pública (desempeno de atividade pública). Nesta esteira de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal já explicitou manifestação na qual obtempera:

“Ementa: Município de Salto. Imóvel urbano. Desapropriação por utilidade pública e interesse social. Acórdão que declarou a sua ilegalidade, por ausência de plano diretor e de notificação prévia ao proprietário para que promovesse seu adequado aproveitamento, na forma do art. 182 e parágrafos da Constituição. Descabimento, entretanto, dessas exigências, se não se está diante da desapropriação-sanção prevista no art. 182, § 4º, III, da Constituição de 1988, mas de ato embasado no art. 5º, XXIV, da mesma Carta, para o qual se acha perfeitamente legitimada a Municipalidade. Recurso conhecido e provido”. (Supremo Tribunal Federal – Primeira Turma/ Recurso Especial N° 161.552/ Relator: Ministro Ilmar Galvão/ Julgado em 11.11.1997).

Nesta esteira, ainda, é possível lançar mão do substrato ofertado por Meirelles, em especial quando destaca que “outra hipótese de permissibilidade de alienação de áreas desapropriadas ocorre nas expropriações para formação de distritos industriais, desde que a Administração expropriante planeje a área e promova a urbanização necessária à sua destinação[18]. Ora, não seria viável a implantação de qualquer núcleo industrial, em área desapropriada para esse fim, caso não fosse admitida a possibilidade de alienação, pelo Poder Público, de glebas aos empresários que satisfaçam as exigências da Administração expropriante. O que não pode ocorrer são as desapropriações de áreas individualizadas e a subsequente transferência a interesses certos para eventual instalação de indústrias, sem qualquer planejamento e urbanização do local destinado à zona industrial nem mesmo observância dos requisitos autorizadores. Ao lado do expendido, com o escopo de ilustrar as ponderações arvoradas, mister se faz trazer à colação o entendimento jurisprudencial que acena:

“Ementa: Agravo de instrumento. Desapropriação. Decreto N° 3.775/2011. Ausência de verossimilhança na alegação de que o ato está eivado de nulidades. Imissão provisória na posse. Município de vera cruz. Instalação de parque industrial. Interesse público. Urgência. Indenização que deve considerar todas as benfeitorias existentes no local. Considerando os documentos trazidos pelo Município, depreende-se que a desapropriação visa a instalar parque industrial, em atenção ao estabelecido no Plano Diretor, sem direcionamento na doação das terras à empresa privada. Evidenciado o interesse público de promover o desenvolvimento socioeconômico com a geração de emprego e renda. Agravo de instrumento desprovido.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº 70041646548/ Relator: Desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl / Julgado em 04.05.2011).

A denominada desapropriação urbanística de caráter subsidiário tem por escopo principal fazer atuar atividade urbanificadora por alguém em substituição ao proprietário do imóvel que deixou de cumprir especificações positivas do plano ou projeto urbanístico, estando alcançado por tal situação o reparcelamento de áreas urbanizadas, edificadas ou não; as de urbanificação considerada prioritária; as de renovação urbana; as de reserva do solo em previsão de expansão das aglomerações urbanas, para ordenação dos espaços naturais em torno dos núcleos populacionais e para a criação de novas cidades ou bairros ou mesmo estâncias turísticas. “Pode-se incluir aqui, também, a desapropriação de imóveis de interesse histórico, paisagístico, artísticos e arqueológico[19].

Por derradeiro, a nomeada desapropriação-sanção é a modalidade prevista para o restabelecimento da legalidade urbanística, quando esta for vulnerada ou, ainda, para evitar o descumprimento das normas que estabelecem obrigações aos proprietários. A sua nomenclatura decorre do fato de que a privação forçada da propriedade em função do descumprimento dos deveres e ônus urbanísticos comporta a redução da justa indenização. A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 182, §4°[20], estabelece desapropriação de terreno não edificado, subutilizado ou não utilizado, quando seu proprietário não cumpre determinação emanada pelo Poder Público para sua adequada utilização, observados os requisitos ali indicados.

A sanção está nessa forma de reprimenda, mas se completa com a forma de indenização mediante títulos da dívida pública[21], como bem evidencia Silva em suas robustas lições. A espécie em comento reclama, como pressuposto, além da existência de plano diretor urbano, a edição de lei específica contendo exigência, nos termos da lei federal, do adequado aproveitamento do imóvel. Em tal situação, a indenização será, como pontuado preteritamente, em títulos da dívida pública, de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos.

 

Referências:
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BRASIL. Decreto-Lei N° 3.365, de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mar. 2013.
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SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7 ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Melhoramentos Ltda., 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>.  Acesso em 16 mar. 2013.
Notas:
[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>.  Acesso em 16 mar. 2013.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 16 mar. 2013.
[3] VERDAN, 2009. Acesso em 16 mar. 2013.
[4] BRASIL. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mar. 2013.
[5] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 mar. 2013: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.
[6] SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7 ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Melhoramentos Ltda., 2012, p. 393.
[7] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mar. 2013: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (omissis) III – função social da propriedade”.
[8] SILVA, 2012, p. 408.
[9] BRASIL. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mar. 2013.
[10] SILVA, 2012, p. 410.
[11] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 750.
[12] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 664.
[13] SILVA, 2012, p. 410.
[14] RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento N° 70050063239. Agravo de Instrumento. Desapropriação por utilidade pública. Imissão provisória na posse. Imóvel urbano com edificação, sem esclarecimento sobre se ocupado para fins residenciais. Imissão inviabilizada. 1. O pressuposto para a imissão prévia do ente público no imóvel expropriando é a consistência e relevância da alegação de urgência, verdadeira e única justificativa para, em nome do interesse público, permitir que o ente expropriante, antes do pagamento do preço justo e integral do bem expropriado, venha a apossar-se do bem do particular. 2. Afigura-se imprescindível a observância do procedimento judicial, para fins de desapropriação de imóveis residenciais urbanos, definido no Decreto-Lei nº 1.075/1970, em que se exige o contraditório. Caso concreto em que não se encontra qualquer esclarecimento sobre se as acessões situadas no imóvel estariam ou não sendo ocupadas, caso em que, se estiverem, afastaria o direito à imediata imissão na posse pelo expropriante, em razão da impositiva observância do regime legal previsto no Decreto-Lei nº 1.075/70. Agravo de instrumento desprovido. Órgão Julgador: Quarta Câmara Cível. Relator: Desembargador Eduardo Uhlein. Julgado em 31 out. 2012. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 16 mar. 2013.
[15] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido em Recurso Especial N° 1.298.315/MG. Administrativo. Processual civil. Desapropriação. Laudo pericial oficial. Ato declarado nulo pelo tribunal de origem. Acórdão que julga o mérito. Supressão de instância. Nova perícia. Necessidade.  Retorno dos autos ao Tribunal de Origem. Recurso especial provido. Prejudicado o agravo do INCRA. Órgão Julgador: Segunda Turma. Relator: Ministro Humberto Martins. Julgado em 02 out. 2012. Publicado no DJE em 10 out. 2012. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 16 mar. 2013.
[16] MEIRELLES, 2012, p. 667.
[17] SILVA, 2012, p. 412.
[18] MEIRELLES, 2012, p. 668.
[19] SILVA, 2012, p. 414.
[20] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mar. 2013.
[21] SILVA, 2012, p. 414.

Informações Sobre o Autor

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES


Equipe Âmbito Jurídico

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