Carlos Alexandre Pacheco – Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Gama Filho, pós-graduado em Gestão Pública pelo Instituto Superior de Educação (INSEP), pós-graduando em Docência em Ensino Superior pela Unicesumar, graduando em Licenciatura em História pela Unicesumar, atualmente no cargo de Analista Judiciário – Área Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – TJPR. (e-mail: pacheco.cap21@gmail.com)
Resumo: O presente estudo visa analisar recente mudança trazida pela Lei 11.694/2019 (Pacote Anticrime) com relação ao lapso temporal necessário para fins de progressão de regime, em especial para aqueles considerados reincidentes genéricos e que vierem a cometer algum crime hediondo ou equiparado. O atual estudo tem a pretensão de identificar uma possível omissão do legislador que, com intenções iniciais de agravar a progressão de regime para determinados tipos penais e agentes criminosos, acabou promovendo o que denominamos de novatio legis in mellius para alguns casos tratados com maior rigor até então. Além do raciocínio dedutivo, serão empregadas técnicas comparativas de trechos de leis, com descrição e indicação de julgados sobre o tema.
Palavras-chave: pacote anticrime; progressão; reincidente; crime hediondo ou equiparado.
Abstract: The present study aims to analyze a recent change brought by Law 11.694/2019 (Anticrime Package) regarding the time lapse necessary for the purposes of regime progression, especially for those considered to be general repeat offenders and who may commit some heinous or similar crime. The current study intends to identify a possible omission by the legislator who, with initial intentions of aggravating the regime’s progression for certain criminal types and criminal agents, ended up promoting what we call novatio legis in mellius for some cases treated with greater rigor until so.
Keywords: anti-crime package; progression; recidivist; heinous or similar crime.
Sumário: Introdução. I – Reincidência Genérica x Específica; Alteração legislativa. III – Lex mitior. Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
Dentre as várias alterações trazidas pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), com vigência a partir do dia 23 de janeiro de 2020, identifica-se a centralização e nova disposição do lapso temporal a ser cumprido pelo apenado para fins de progressão de regime no art. 112 da Lei de Execuções Penais (LEP).
Antes da reforma, a fração de cumprimento exigida para progressão de regime era disposta da seguinte maneira, com exceção daqueles casos de mulheres gestantes ou que forem mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência (§3º do art. 112 da LEP[1]):
Crime | Antecedentes | Fração | Previsão legal |
Comuns | Primário ou Reinc. | 1/6 | Art. 112 da LEP |
Hediondos e equip. | Primário | 2/5 | Art. 2º, §2º da Lei 8.072/1990 |
Hediondos e equip. | Reincidente | 3/5 | Art. 2º, §2º da Lei 8.072/1990 |
Para aqueles condenados pelo cometimento de crime hediondo ou equiparado, quando já portadores de reincidência, a fração de pena a ser cumprida era a de 3/5 (três quintos) da pena para a obtenção da progressão de regime prisional.
Nesse diapasão, verifica-se que a reincidência influencia diretamente na concessão de benefícios, progressão de regime, fixação do regime inicial de cumprimento da pena, entre outros.
Discutiu-se, por determinado tempo, se o termo reincidente a que se referia o §2º do art. 2º da Lei 8.072/1990[2] (LCH) abrangia a reincidência específica ou somente a genérica: a) específica: A prática de crime da mesma natureza daquele pelo qual foi anteriormente condenado (ex.: latrocínio + roubo com emprego de arma de fogo); b) genérica: o cometimento de qualquer infração penal, desde que seguidos os ditames do art. 63 do Código Penal[3] (CP) para sua configuração (ex.: estelionato + ameaça).
Desta forma, não tendo a legislação exigido a reincidência específica / da mesma natureza, a nova condenação por crime hediondo ou equiparado exigia o cumprimento de 3/5 (três quintos) da pena para fins de progressão de regime. O assunto já estava pacificado nos tribunais:
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. PROGRESSÃO DE REGIME. PRAZOS DA LEI N.º 11.464/2007 QUE DEVEM SER RESPEITADOS. RÉU CONDENADO ANTERIORMENTE POR DELITO COMUM. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA NÃO CONFIGURADA. DESNECESSIDADE. DISTINÇÃO NÃO REALIZADA PELA LEGISLAÇÃO. PRIMARIEDADE NÃO CARACTERIZADA. NECESSIDADE DE CUMPRIMENTO DE 3/5 DA PENA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. I. Praticado delito hediondo na vigência da Lei n.º 11.464/2007, devem ser respeitados os lapsos temporais de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, para a progressão de regime, bem como o prazo disposto no art. 44, parágrafo único, da Lei n.º 11.343/2006 para o livramento condicional. II. O legislador, ao impor a fração de 3/5 de pena cumprida aos reincidentes, para fins de obtenção da progressão de regime, não distinguiu as modalidades de reincidência, tendo apenas exigido a condição de primário àqueles agentes condenados pela prática de delito hediondo, para que o lapso temporal utilizado para o cálculo da concessão do benefício fosse o de 2/5. III. A Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que o § 2º do art. 2º da Lei n.º 8.072/90, modificado pela Lei n.º 11.464/2007, não faz distinção entre reincidência comum ou específica, devendo, portanto, incidir a fração de 3/5 a todos os agentes reincidentes, independentemente da natureza do delito antes cometido. IV. Tendo o réu praticado delito hediondo e diante de sua condição de reincidente, deve ser respeitado o lapso temporal de 3/5 de pena cumprida para fins de obtenção da progressão de regime, não havendo, portanto, constrangimento ilegal a ser sanado. V. Ordem denegada. (HC 176.123/MS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 13/3/2012, DJe 20/3/2012).
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DA PENA. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROGRESSÃO DE REGIME. EXIGÊNCIA DO CUMPRIMENTO DE 3/5 DA PENA. ART. 2º, § 2º DA LEI N. 8.072/1990, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.464/2007. REQUISITO OBJETIVO. DESNECESSIDADE DE QUE A REINCIDÊNCIA SEJA ESPECÍFICA EM CRIME HEDIONDO OU EQUIPARADO. ORDEM DENEGADA. 1. A Lei 11.464/2007, introduzindo nova redação ao art. 2º, § 2º, da Lei dos Crimes Hediondos, previu lapsos mais gravosos à progressão de regime, ao estabelecer que a transferência do modo prisional dar-se-á após o resgate de 2/5 (dois quintos) da pena corporal, se o condenado for primário, e 3/5 (três quintos), se reincidente. 2. A Quinta Turma deste Sodalício já se posicionou no sentido de que aludido dispositivo legal não fez qualquer menção à necessidade da reincidência ser específica em crime hediondo ou equiparado. 3. In casu, a paciente ostenta condenação anterior por roubo circunstanciado, fundamento suficiente para a incidência do requisito objetivo previsto no art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90. 4. Ordem denegada. (HC 143.138/MT, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 16/08/2011, DJe 31/08/2011).
HABEAS CORPUS. NARCOTRAFICÂNCIA. PROGRESSÃO DE REGIME. EXIGÊNCIA DO CUMPRIMENTO DE 3/5 DA PENA. REQUISITO OBJETIVO. ART. 2o., § 2o. DA LEI 80.72/90 COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.464/07. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DA REINCIDÊNCIA PORQUE O PRIMEIRO DELITO NÃO É HEDIONDO OU EQUIPARADO. IMPOSSIBILIDADE. NÃO SE EXIGE QUE REINCIDÊNCIA SEJA ESPECÍFICA EM CRIME HEDIONDO OU EQUIPARADO. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo o disposto no art. 2o, § 2o. da Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei 11.464/07, a progressão de regime para o condenado por crime hediondo dar-se-á após o cumprimento de 3/5 da pena, se reincidente. Não se exige que a condenação anterior tenha sido por crime hediondo ou equiparado. Coordenação de Comissões Permanentes – DECOM – P_3630 CONFERE COM O ORIGINAL AUTENTICADO PL-5193/2013 4 2. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial. (HC 179.576/MS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 16/11/2010).
I – REINCIDÊNCIA GENÉRICA X ESPECÍFICA
A reincidência pressupõe a existência de uma sentença condenatória transitada em julgado pela prática de um crime. Dessa forma, somente há reincidência quando o agente comete nova infração penal após sentença condenatória que não caiba mais recurso.
A regra é estabelecida nos artigos 63 do CP e 7º da LCP:
Art. 63 do CP. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.
Art. 7º da LCP. Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção.
De forma simplificada, podemos ilustrar com a seguinte tabela:
Sentença anterior com trânsito em julgado | Infração penal posterior | Reincidência | Fundamento |
Crime cometido no Brasil | Crime | SIM | Art. 63 do CP |
Crime cometido no exterior | Crime | SIM | Art. 63 do CP |
Crime cometido no Brasil | Contravenção | SIM | Art. 7º da LCP |
Crime cometido no exterior | Contravenção | SIM | Art. 7º da LCP |
Contravenção cometida no Brasil | Contravenção | SIM | Art. 7º da LCP |
Contravenção cometida no exterior | Contravenção | NÃO | – |
Contravenção cometida no Brasil | Crime | NÃO | – |
Contravenção cometida no exterior | Crime | NÃO | – |
Quanto a natureza jurídica, trata-se de circunstância agravante genérica de caráter subjetivo ou pessoal. Por ser uma circunstância subjetiva, não se comunica ao partícipe ou ao coautor.
A reincidência específica, que no geral recebe tratamento mais severo, ocorre quando os crimes que se sucedem são da mesma espécie. O termo é equívoco e pode comportar diferentes significados, conforme leciona Fernando Capez em sua obra Curso de Direito Penal (CAPEZ, 2008, p. 410):
Reincidência específica: o termo é equívoco, comportando diferentes significados. Está previsto Lei de Crimes Hediondos e consiste na reincidência em qualquer dos crimes previstos na Lei 8.072/90. Reincidente específico para a Lei 8.072/90 é, portanto, o reincidente em qualquer crime nela previsto, e seu efeito é o de impedir o livramento condicional. (…) Na Lei 9.714, de 25 de novembro de 1998, que introduziu o §3º no art. 44 do CP, a reincidência específica voltou a ser prevista, com o efeito de proibir substituição de pena privativa de liberdade por pena alternativa, em caso de reincidência específica. Entretanto, nesse caso reincidente específico será o reincidente em crime previsto no mesmo tipo incriminador (furto e furto, lesão corporal culposa e lesão corporal culposa etc.)
II – ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS
A redação original da Lei 8.072/1990 previa o regime “integralmente” fechado para os condenados por crimes ali previstos e os equiparados (tráfico de drogas, tortura e terrorismo).
Referido dispositivo foi objeto de análise perante o Supremo Tribunal Federal e julgado inconstitucional por violação ao princípio da individualização da pena:
PENA – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA – CRIMES HEDIONDOS – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – ÓBICE – ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 – INCONSTITUCIONALIDADE – EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena – artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90. (STF – HC: 82959 SP, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 23/02/2006, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 01-09-2006 PP-00018 EMENT VOL-02245-03 PP-00510)
Após, a Lei 11.464/2007 alterou para “inicialmente” fechado, com direito de progressão ao regime menos gravoso quando cumprido o montante de 2/5 da pena para os primários e de 3/5 para reincidentes, dando nova redação ao art. 2º da LCH.
A partir de então a discussão passou a ser a aplicabilidade de referido dispositivo para autores de crimes hediondos ou equiparados cometidos antes de sua entrada em vigor.
A fim de estabelecer um parâmetro, o STF editou a súmula vinculante nº 26, que assim dispõe:
Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
Em seguida, a Lei 13.769/2018 alterou a parte final do art. 2º, §2º da LCH, permitindo a progressão de regime especial com o cumprimento de apenas 1/8 da pena, desde que preenchidos os requisitos do art. 112, §3º da LEP. Referida alteração beneficiou mulheres presas gestantes ou mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência, quando o crime cometido por elas não seja cometido com violência ou grave ameaça, além de não ter sido cometido contra filho ou dependente e, por fim, que a presa possua bom comportamento carcerário e não integre organização criminosa.
Com o advento da Lei 13.964/2019, houve revogação do §2º da Lei 8.072/1990 e todas as frações de cumprimento da pena passaram a constar no art. 112 da LEP:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
I – 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
II – 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
III – 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
IV – 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
V – 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;
VI – 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
VII – 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;
VIII – 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.
I – não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II – não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III – ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;
IV – ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;
V – não ter integrado organização criminosa.
III – LEX MITIOR
Da leitura dos artigos 5º, XL da Constituição Federal[4] (CF/88) e art. 2º, p. único, do CP[5] extraímos que, em regra, a lei penal não retroagirá, exceto se for em benefício do réu. A nova lei que eventualmente vier a beneficiar o condenado não respeitará sequer trânsito em julgado.
É sabido que o legislador procurou, em aspectos gerais, aumentar o rigor para a progressão de regime de alguns tipos penais e criminosos[6]. Sinalizava-se desde o início, inclusive pelo próprio Ministério da Justiça e Segurança Pública de que a proposta era a de recrudescer o tratamento penal e, consequentemente algumas regras para progressão de regime prisional, em especial para aqueles crimes considerados hediondos e assemelhados.
No entanto, sem entrar no mérito dos crimes hediondos com resultado morte, com agente que exerce comando em organização criminosa e, por fim, daqueles que são reincidentes em crimes hediondos ou equiparados (art. 112, VI e VII da LEP, respectivamente) houve o que podemos denominar de novatio legis in mellius para aqueles que são reincidentes pela prática de crimes comuns e são condenados por crimes hediondos.
Com efeito, ao analisarmos o contido no inciso V do artigo de lei acima transcrito, verifica-se que o legislador, por erro ou até mesmo de forma proposital (silêncio eloquente), suprimiu o termo reincidente (“…V – 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário…”), não havendo mais a previsão de progressão diferenciada nestes casos.
Num primeiro momento, referida interpretação faz crer que condenados por crimes hediondos e assemelhados, mesmo que também condenados por crimes comuns, sejam tratados como criminosos primários obtendo a mesma fração de progressão de regime prevista para estes.
Em que pese a possibilidade de defesa de que referida forma de interpretar o novo instituto possa acarretar em uma inversão da lógica e de vontade do legislador, deve prevalecer o princípio do favor rei.
CONCLUSÃO
Sendo assim, considerando a ausência de norma legal (Princípio da Legalidade), bem como tratar-se de nova lei em benefício do agente, a partir de 23 de janeiro de 2020, todos aqueles que forem reincidentes pela prática de crimes comuns e vierem a praticar crimes hediondos ou equiparados, assim como os primários, deverão ser receber o tratamento do art. 112, V da LEP, ou seja, progressão de regime após o cumprimento de 40% da pena deste último crime (antes em 3/5, o equivalente a 60%). Exemplo: Agente reincidente pelo crime de furto simples – art. 155, caput, do CP – que é condenado por tráfico de drogas – art. 33, caput, da Lei 11.343/06. Não houve, portanto, qualquer menção na lei sobre reincidência específica ou de crimes da mesma natureza em referido dispositivo.
Importante ressaltar que, apesar de não ser objeto deste estudo, também houve alteração benéfica para os condenados em crimes comuns, em especial com relação à fração de 16% (0,16), que é ligeiramente inferior a 1/6 (0,1666) de cumprimento da pena.
A existência de sentença condenatória com trânsito e julgado não impede que o juízo das execuções promova o adequado cumprimento da reprimenda às condições pessoais do apenado.
Não de outra maneira, nesses casos, é necessária a aplicação do instituto naquelas ações penais ainda em trâmite, bem como nas execuções de pena (Súmula 611 do STF[7]), independente da data do cometimento do crime, considerando que a lei nova favorece o agente e abrange fatos pretéritos a sua entrada em vigor (lex mitior).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei n° 7.210 de 11 de Julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acesso em 07/07/2020;
BRASIL. Lei n° 8.072 de 25 de Julho de 1990. Dispõe sobre os Crimes Hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%208.072%2C%20DE%2025%20DE%20JULHO%20DE%201990.&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20os%20crimes%20hediondos,Art.>. Acesso em: 07/07/2020;
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 82959. Disponível em: < http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2110217 >. Acesso em 11/08/2020.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 176.123/MS. Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?i=1&b=ACOR&livre=((%27HC%27.clap.+e+@num=%27176123%27)+ou+(%27HC%27+adj+%27176123%27.suce.))&thesaurus=JURIDICO&fr=veja >. Acesso em 07/07/2020.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 143.138/MT. Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/webstj/Processo/justica/jurisprudencia.asp?valor=200901444563 >. Acesso em 11/08/2020.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 143.138/MT. Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/webstj/Processo/justica/jurisprudencia.asp?valor=201001307283 >. Acesso em 11/08/2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n° 26. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1271#:~:text=O%20Supremo%20Tribunal%20Federal%2C%20por,refletiu%20na%20S%C3%BAmula%20Vinculante%2026. >. Acesso em: 11/08/2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n° 611. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2560>. Acesso em: 07/07/2020.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. Vol. 1. 12. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
[1] “§ 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente: I – não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; II – não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente; III – ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior”.
[2] “§ 2º A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal). ”
[3] “Art. 63 – Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. ”
[4] “XL – A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
[5] “Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.
[6] https://www.camara.leg.br/noticias/622241-camara-aprova-texto-base-do-pacote-anticrime/ e https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/12/11/senado-aprova-pacote-anticrime-que-vai-para-sancao-presidencial.
[7] Súmula 611 do STF: Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna.
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