Resumo: O presente trabalho se propõe a analisar a aposentadoria especial do servidor público, cuja regulamentação legal ainda não foi editada. No intuito de suprir referida deficiência legislativa o Supremo Tribunal Federal conferiu eficácia concretista ao Mandado de Injunção 721/DF, o que representou significante alteração nos efeitos daquele instituto legal. Não obstante, a decisão do mesmo alterou ainda as decisões acerca da aposentadoria especial do servidor público, inclusive para o Poder Executivo. A presente pesquisa pretende explicar as alterações advindas do Mandado de Injunção 721/DF, comparando a aposentadoria especial do servidor público com a aposentadoria do regime geral da previdência social, através de breve exposição das obras mais relevantes sobre o tema.
Palavras-chave: Direito previdenciário. Aposentadoria Especial. Servidor público.
Abstract: This study aims to analyze the special retirement of civil servants, whose legal regulation has not been edited. In order to overcome that disability legislation the Supreme Court gave to the effectiveness of Concrete 721/DF Writ of Injunction, which represented a significant change in the effects of that institute legal. Nevertheless, the decision of the same modified further decisions about the special retirement of public servants, including the executive branch. This research attempts to explain the changes resulting from the Writ of Injunction 721/DF comparing the special retirement of civil servants with the retirement of the general welfare through brief exposure of the most relevant works on the subject.
Keywords: social security law. Special retirement. Public servant.
Sumário: 1- Introdução; 2- Aposentadoria Especial; 2.1- Aposentadoria Especial no RGPS; 2.1.1- Requisitos da aposentadoria especial; 2.1.2- Salário de benefício da aposentadoria especial; 2.1- Aposentadoria especial do servidor público; 3- Mandado de Injunção 721/DF; 3.1 Da eficácia da decisão de mérito proferida em mandado de injunção; 4- Considerações finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO
A aposentadoria especial é um direito constitucional assegurado àqueles que se sujeitam a trabalho exercido “sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física” do segurado (art. 201, §1º da CR/88).
Em relação ao servidor público, vinculado ao Regime Próprio de Previdência Social – RPPS, a aposentadoria especial encontra-se garantida pelo artigo 40, §4º, II e III da CR/88.
As disposições acerca do instituto já foram alvo de inúmeras modificações legislativas, o que fez com que a jurisprudência se dividisse em alguns casos. Relevante discussão, por exemplo, é aquela que se refere à inconstitucionalidade do art. 5º, parágrafo único da Lei 9.717/98, que veda a concessão da aposentadoria especial ao servidor público até que sobrevenha lei complementar federal que discipline a matéria.
No que tange à aposentadoria especial do segurado vinculado ao RPPS, em virtude de atividades perigosas que comprometem a saúde e a integridade do servidor, a Corte Constitucional brasileira reconheceu, por meio do julgamento do mandado de injunção 721/DF, tido pela doutrina como paradigmático, que “inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral – artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91”.
Como se observa, o STF reconhece a possibilidade de aplicação, no que couber, do §1º, do artigo 57, da Lei 8.213/91, para a concessão de aposentadoria especial a servidores públicos, a fim de implementar o disposto no artigo 40, §4º da CR/88.
Note-se que as reiteradas decisões neste sentido culminaram na edição do projeto de Súmula Vinculante nº 45, por meio do qual se determina:
“Enquanto inexistente a disciplina específica sobre a aposentadoria especial do servidor público, nos termos do art. 40, §4º da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional nº 47/2005, impõe-se a adoção daquela própria aos trabalhadores em geral (art. 57, §1º da Lei nº 8.213/91).”
A repercussão de tais decisões resultou, ainda, na expedição da Orientação Normativa nº 10/2010 pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, a qual representa uma orientação aos órgãos e entidades integrantes do SIPEC sobre a concessão de aposentadoria especial de que trata o art. 57 da Lei 8.213/91, aos servidores públicos federais amparados por Mandados de Injunção.
2 APOSENTADORIA ESPECIAL
Para Carlos Alberto Pereira de Castro, entende-se por regime previdenciário:
“[…] aquele que abarca, mediante normas disciplinadoras da relação jurídica previdenciária, uma coletividade de indivíduos que têm vinculação entre si em virtude da relação de trabalho ou categoria profissional a que esta submetida, garantindo a esta coletividade, no mínimo, os benefícios essencialmente observados em todo sistema de seguro social — aposentadoria e pensão por falecimento do segurado.” (CASTRO, 2009, p. 113).
Castro (2009; p. 113-114) expõe que o sistema previdenciário brasileiro é dotado de dois regimes básicos de previdência, a saber: (i) o Regime Geral de Previdência Social (RGPS); e (ii) os regimes de previdência de agentes públicos ocupantes de cargos efetivos ou vitalícios, também denominados pela doutrina em geral como Regimes Próprios de Previdência de Servidores (RPPS).
O primeiro, o Regime Geral, é o mais amplo, responsável pela proteção da grande massa dos trabalhadores brasileiros. È organizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social — INSS, autarquia vinculada ao Ministério da Previdência Social (IBRAHIM, 2010, p. 35). Constitui o principal regime previdenciário de ordem interna, abrangendo, obrigatoriamente, todos os trabalhadores da iniciativa privada (CASTRO, 2009, p. 113).
Já os Regimes Próprios de Previdência de Servidores decorrem de tratamento diferenciado concedido pela Constituição da República[1] ao prever a instituição de regimes previdenciários próprios aos agentes públicos ocupantes de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como o das autarquias e fundações públicas. A instituição de regime de previdência próprio também aplica-se aos agentes públicos ocupantes de cargos públicos vitalícios, quais sejam, os membros de Tribunais de Contas, os magistrados e membros do Ministério Público, por força dos artigos 73, § 3º, 93, inciso VI e 129, § 4º da Lex Legum (CASTRO, 2009, p. 114).
Fábio Zambitte Ibrahim vê com certo receio a condição de patrocinador — mediante cota específica — do regime básico dos servidores atribuída aos Entes Federativos (à semelhança do que ocorre no RGPS) pela Constituição, pois:
“[…] uma das razões que justificaram a criação de regimes próprios de previdência por diversos Entes, em especial após a Constituição de 1988, foi justamente escapar à cota patronal que seria devida ao RGPS. Assumindo a responsabilidade previdenciária pelos próprios servidores, houve um evidente ganho de curto prazo, com o fim da contribuição ao regime geral, mas criou-se uma verdadeira bomba relógio, que veio a eclodir neste momento, não tendo o Poder Público o menor pudor em eleger seus próprios servidores como culpados”. (IBRAHIM, 2010, p. 778).
Ibrahim (2010, p. 36) propugna pela unificação dos regimes básicos da previdência brasileira, preservadas as características de algumas categorias — com carreiras típicas de Estado —, desta forma pondo fim à miscelânea de regimes existentes na atualidade da previdência brasileira. O referido autor explica que a raiz desta segregação é de ordem histórica: originariamente, a aposentadoria do servidor era concedida a título de prêmio para aqueles agentes públicos que cumprissem com diligência suas tarefas durante determinado lapso de tempo. Já a previdência dos trabalhadores em geral, desde sua origem no sistema alemão, exigia contribuição dos beneficiários, característica, que, via de regra, subsiste até hoje. A unificação dos regimes justificar-se-ia pelo fato de que, atualmente, tal distinção não possui mais fundamento, pois, por força da Constituição da República, o caráter de contributividade aplica-se também aos Regimes Próprios de Previdência de Servidores[2].
Outro argumento ventilado pelo referido autor é que a união dos regimes findaria com a irresponsabilidade previdenciária de alguns Entes Federativos no que diz respeito à concessão de benefícios sem a respectiva fonte de custeio (IBRAHIM, 2010, p. 778).
Um destes benefícios seria a aposentadoria especial, a qual reduz o tempo de contribuição para aquelas pessoas que estão em contato constante com agentes nocivos físicos, químicos ou biológicos.
2.1 Aposentadoria especial no RGPS
O primeiro diploma legal a instituir a aposentadoria especial foi a Lei 3.807 de 26 de agosto de 1960, a qual determina em seu artigo 31:
“A aposentadoria especial será concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinqüenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições tenha trabalhado durante 15(quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços, que, para esse efeito, forem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.”
A Carta Política de 1988 no artigo 201, §1º, determina que:
“É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.”
Dessa forma, mencionado artigo deixa ao legislador infraconstitucional a atribuição para legislar; sendo, portanto, uma norma de eficácia limitada.
A aplicabilidade da mencionada norma constitucional ocorre pela Lei 8.213/91, a qual determina que a aposentadoria especial seja concedida, conforme artigos 57 de 58, ao segurado que tiver trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos em atividade sujeita a condições especiais que causem danos à saúde ou à integridade física.
O artigo 58 da Lei 8.213/91 dispõe que a relação de atividades profissionais prejudiciais a saúde ou à integridade física seria objeto de Lei específica, mas nenhuma Lei foi editada, sendo usado o anexo do Decreto 53.831/64 e Anexos I e II do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto 83.080/79.
Com a Emenda Constitucional nº 20/98, que veda qualquer outra adoção de requisitos e critérios para concessão de aposentadoria, manteve-se a exceção com relação à aposentadoria especial, instituto este que ainda se submeterá aos artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91 até que seja editada Lei complementar definindo essas atividades:
“Art. 15. Até que a Lei complementar a que se refere o art. 201, § 1°, da Constituição Federal, seja publicada, permanece em vigor o disposto nos arts. 57 e 58 da Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, na redação vigente à data da publicação desta Emenda.”
Em seguida, foi editado o Decreto 3.048/99, dispondo que a relação dos agentes que causam danos à saúde ou à integridade física, para concessão de aposentadoria especial, será os constantes no Anexo IV do referido regulamento, cujas dúvidas devem ser sanadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, bem como pelo Ministério da Previdência e Assistência Social.
A doutrina se divide quanto a relação constante do Anexo IV ser taxativa ou ser apenas exemplificativa, contudo Maria Helena Carreira Alvim Ribeiro afirma que o entendimento majoritário defende ser um rol apenas exemplificativo, concluindo que se “a exposição regular do segurado à possibilidades de um evento, de um acidente tipo, que, em ocorrendo, já traz como conseqüência o infortúnio, é suficiente para a configuração como especial do tempo de serviço.” (RIBEIRO, 2009, p. 297).
É importante ressaltar que outros regulamentos referentes à aposentadoria especial foram editados, como o Decreto 4.032/01, que definiu o conceito de perfil profissiográfico, e o Decreto 3.668/00, que atribuiu poderes ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para inspecionar os estabelecimentos a fim de verificar a veracidade das informações constantes nos formulários e laudos técnicos das condições ambientais do trabalho.
Como ensina Maria Helena Carreira Alvim Ribeiro (2009) “não existem dúvida quanto ao direito do segurado à aposentadoria especial (…) que continuará a requerer o benefício de aposentadoria computando o tempo de serviço de acordo com as normas legais vigentes à época”. Assim, após mais de uma década ainda não existe Lei complementar definindo o que sejam as “atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”, permanecendo em vigor, desse modo, o disposto nos artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91.
2.1.1 Requisitos da aposentadoria especial
A partir da publicação da Lei nº 9.032/95, que alterou o caput e o parágrafo 3º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, passou-se a exigir que o segurado comprovasse, perante o INSS, os seguintes requisitos de exposição aos agentes nocivos que possibilitam a aposentadoria especial: a permanência, a habitualidade (ou não-ocasionalidade) e a não-intermitência.
Segundo Maria Helena Carreira Alvim Ribeiro, a permanência significa continuidade da exposição do trabalhador ao agente nocivo, e citando Sérgio Pinto Martins, afirma que a permanência pode ser entendida como o fato do exercício da atividade em condições de nocividade à saúde deve ser diário ou durante toda a extensão da jornada de trabalho, com exposição efetiva do trabalhador aos agentes nocivos. Afirma ainda que a não-ocasionalidade e a não intermitência podem ser entendidas como a não suspensão ou interrupção da atividade expositora aos agentes nocivos, de forma a não ocorrer alternância entre atividade comum e especial. (RIBEIRO, 2009, p. 256).
Ivan Kertzman, em sua obra Curso Prático de Direito Previdenciário, considera trabalho permanente “aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço.” (KERTZMAN, 2010, p. 395).
Importante frisar que estas exigências, trazidas pela Lei nº 9.032/95, só podem ser aplicadas ao tempo de serviço prestado durante a sua vigência, não podendo retroagir seus efeitos ao tempo de atividade prestado pelo segurado anteriormente a sua publicação[3], sob pena de se ferir o ato jurídico perfeito e o direito adquirido[4], previstos no art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição Federal de 1988.
Alexandre de Moraes, citando Celso Bastos (1994, p. 43), assim disserta acerca do direito adquirido:
“Constitui-se num dos recursos de que vale a Constituição para limitar a retroatividade da Lei. Com efeito, esta está em constante mutação; o Estado cumpre o seu papel exatamente na medida em que atualiza as suas Leis. No entanto, a utilização da Lei em caráter retroativo, em muitos casos, repugna porque fere situações jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, e esta é uma das fontes principais da segurança do homem na terra” (MORAES, 2009, p.86).
Sobre o ato jurídico perfeito, Moraes assim define:
É aquele que se aperfeiçoou, que reuniu todos os elementos necessários a sua formação, debaixo da Lei velha. Isto não quer dizer, por si só, que ele encerre em seu bojo um direito adquirido. Do que está o seu beneficiário é de oscilações aportadas pela Lei nova (MORAES, 2009, p.86).
Portanto, as alterações dadas pela Lei n. 9.032/95 e as disposições introduzidas pela MP 1.633-10 e EC 20/98 não poderão alcançar fatos consolidados que ocorreram antes da vigência destas normas, sob pena de ser desconsiderada a situação de vulnerabilidade a que está sujeito o segurado da aposentadoria especial, violando consequentemente a dignidade da pessoa humana, princípio balizador da Constituição de 1988.
2.1.2 Salário de benefício da aposentadoria especial
O salário de benefício nada mais é do que o valor efetivamente pago pelo INSS ao segurado, a título de aposentadoria ou auxílio doença, calculados tendo por base os salários de contribuição do trabalhador. O valor do benefício não poderá ser menor que um salário mínimo e nem superior ao limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício. Nos termos do art. 31 do (RPS):
“Salário-de-benefício é o valor básico utilizado para cálculo da renda mensal dos benefícios de prestação continuada, inclusive os regidos por normas especiais, exceto o salário-família, a pensão por morte, o salário-maternidade e os demais benefícios de legislação especial.”
O Salário de Benefício consiste, para as aposentadorias por invalidez e especial, auxílio-doença e auxílio-acidente na média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, tudo conforme estabelecem os artigos 31 e 32 do Decreto Lei 3048/99 em seus incisos I. Referido salário é calculado na forma do art. 39 do RPS, e equivalerá a 100% (cem por cento) do salário de benefício.
Os segurados que fazem jus ao recebimento de salário de benefício por Aposentadoria Especial estão compreendidos entre o segurado empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual, este somente quando cooperado filiado a cooperativa de trabalho ou de produção que tenha trabalhado durante quinze, vinte ou vinte e cinco anos, conforme o caso, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. A relação de todos estes agentes estão previstas no Anexo IV do RPS.
As condições especiais que prejudicam a saúde, estão previstas no art. 68 do Decreto Lei 3048/99, são condições de trabalho em que há exposição à agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física.
O segurado deve comprovar a exposição às condições adversas explicitadas acima, pelo período equivalente para a concessão do benefício, devendo a exposição ter ocorrido de forma permanente.
Para os segurados que tenham sido inscritos até 24/07/1991, e que implementaram todas as condições para se aposentar até 2006, o período de carência, exigida será de 150 contribuições. Esta carência, contudo, sofre aumento em seis contribuições a cada ano, podendo chegar até 180 contribuições. Para aqueles que se inscreveram após 24/07/1991, a carência será sempre de 180 contribuições mensais.
Há ainda os casos em que o segurado exerceu, sucessivamente, duas ou mais atividades sujeitas a condições especiais, sem, contudo, completar o prazo mínimo exigido para aposentadoria especial. Nestas hipóteses os respectivos períodos serão somados, após conversão, conforme tabela do INSS, considerada a atividade preponderante.
2.2 Aposentadoria especial do servidor público
A aposentadoria especial do servidor público encontra-se prevista no artigo 40, §4º da Constituição da República, e somente é concedida a certas categorias de profissionais, dada a especialidade e peculiaridade das atividades desempenhadas.
A redação original da Constituição de 1988 dispunha no artigo 40, §1º, que lei complementar poderia estabelecer exceções às regras de aposentadoria para o caso de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas. Esta redação foi revogada pelo disposto na Emenda Constitucional 20/98, pela qual o §4º do artigo 40 da CR/1988 passou a dispor que era vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo Regime Próprio de Previdência Social, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física, a serem definidos em lei complementar. Esta redação, por sua vez, foi revogada pela Emenda Constitucional 47/2005, que deu nova redação ao §4º do artigo 40, in verbis:
“Art. 40 – […]
§4º – É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:
I – portadores de deficiência;
II – que exerçam atividade de risco;
III – cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.”
Portanto, vigora a regra de que não há como se adotar requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servidores do Regime Próprio de Previdência Social, a não ser por leis complementares nos casos e hipóteses elencados nos incisos supracitados.
Ibrahim (2010, p. 636) menciona o fato de que comumente a aposentadoria do professor[5] é chamada de especial. Esta denominação é errônea, pois:
“[…] a aposentadoria especial é nome restrito da aposentadoria concedida aos segurados expostos a agentes nocivos, físicos, químicos ou biológicos.
O que existe, em verdade, é uma aposentadoria constitucional diferenciada do professor; criada em virtude do desgaste maior provocado pela função, e não por se considerarem alunos como agentes nocivos”. (IBRAHIM, 2010, p. 636).
Conforme dispõe o artigo 24, inciso XII e §1º da CR/1988, caberá às leis complementares federais dispor sobre normas gerais, e conforme dispõe o artigo 24, inciso XII e §2º da CR/1988, caberá às leis estaduais dispor sobre as normas suplementares, acerca da aposentadoria especial dos servidores. Porém, cabe às leis complementares dos Estados disporem plenamente sobre esta espécie de aposentadoria diante da inexistência de lei complementar federal, nos termos do artigo 24, inciso XII e §3º da CR/1988, sendo que, neste caso, a superveniência de lei complementar federal sobre normas gerais acerca da matéria suspenderá a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
No caso dos Municípios, a questão se resolve pelo princípio da autonomia federativa, já que a despeito de não se integrarem ao sistema de repartição constitucional de competências concorrentes, estes entes políticos têm competência suplementar, como se denota do artigo 30, inciso II da CR/1988, e a eles compete legislar sobre assuntos de interesse local. Assim, os Municípios também têm competência para tratar de aposentadoria especial dos seus respectivos servidores públicos, nos mesmos limites que os Estados os têm.
Desta maneira, mostra-se inconstitucional o disposto no artigo 5º, parágrafo único, da Lei 9.717/98, que veda a concessão de aposentadoria especial, nos termos do artigo 40, §4º da CR/1988, até que lei complementar federal discipline a matéria. Isto porque o mencionado dispositivo de lei ofende frontalmente o artigo 24, inciso XII e seus parágrafos 1º ao 4º da CR/1988.
E, sendo patente a omissão de leis complementares federais que tratam sobre a aposentadoria especial do servidor público vinculado ao Regime Próprio de Previdência Social, nos moldes exigidos pela redação do §4º do artigo 40 da CR/1988, restou aos servidores que se encontravam nestas condições, acionarem o Judiciário, buscando obter a garantia de aposentadoria especial.
Como um exemplo, cita-se o Mandado de Injunção 758 impetrado por um servidor público federal submetido a condições insalubres de trabalho, requerendo a aposentadoria especial com tempo de 25 anos. O STF julgou procedente o pedido e assentou, de forma mandamental, o direito do impetrante à contagem diferenciada do tempo de serviço em decorrência de atividade em trabalho insalubre em seu regime estatutário, para fins de aposentadoria especial. O Ministro Relator, Marco Aurélio Mello, apontou que a lacuna da legislação do Regime Próprio deve ser suprida com as normas do Regime Geral de Previdência Social.
No entanto, o caso que merece maior destaque no tocante a esta matéria é o Mandado de Injunção 721, considerado paradigmático, e que será analisado a seguir.
3 MANDADO DE INJUNÇÃO 721/DF
No que tange à aposentadoria especial nas atividades perigosas, que comprometam a saúde e a integridade do servidor, o direito já foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, decidindo diversos Mandados de Injunção. O primeiro deles foi o Mandado de Injunção 721/DF, cuja ementa da decisão ora se transcreve, a saber:
“MANDADO DE INJUNÇÃO – NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada. MANDADO DE INJUNÇÃO – DECISÃO – BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA – TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS – PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR – INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR – ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral – artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91.” (STF. MI 721 / DF – DISTRITO FEDERAL MANDADO DE INJUNÇÃO Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO Julgamento: 30/08/2007 Órgão Julgador: Tribunal Pleno.)
A impetrante do referido Mandado de Injunção era uma servidora do Ministério da Saúde, lotada na Fundação das Pioneiras Sociais – Sarah Kubitschek, em Belo Horizonte. A servidora exerceu, desde 22 de outubro de 1986, a função de auxiliar de enfermagem na instituição referida, atuando em ambiente insalubre. Evocando o disposto no artigo 40, § 4º, da Constituição Federal, a impetrante ressaltou que a inexistência de lei complementar inviabilizava o exercício do direito à aposentadoria, implementado o período consentâneo com o desgaste decorrente do contato com agentes nocivos à saúde, com portadores de moléstias infecto-contagiosas humanas e materiais e objetos contaminados. Desta maneira, a impetrante pleiteou fosse suprida a lacuna normativa, asseverando o direito à aposentadoria especial, em virtude do trabalho, por mais de 25 anos, em atividade considerada insalubre. Sucessivamente, requereu a observância do regime geral de previdência social.
No mesmo sentido do abordado Mandado de Injunção 721, têm-se hoje inúmeros outros casos, como por exemplo, os Mandados de Injunção de números 758 (já mencionado), 795, 797, 809, 828, 841, 850, 857, 879, 905, 927, 938, 962 e 998, decisões estas que marcam a história deste remédio constitucional, considerando que o STF deixa de proferir decisões meramente declaratórias da mora do legislador, reconhecendo a inconstitucionalidade por omissão e comunicando ao Congresso Nacional, para então dar efeitos concretos à sua decisão, uma ação mandamental em que a declaração deixa de ser o objeto de sua impetração para ser somente uma premissa da ordem a ser cumprida.
O STF reconhece a possibilidade de aplicação, no que couber, do §1º, do artigo 57, da Lei 8.213/91 para a concessão de aposentadoria especial a servidores públicos. Isso porque há omissão de disciplina específica exigida pelo §4º, do artigo 40, da CR/1988, na redação dada pela Emenda Constitucional 47/2005.
O Ministro Gilmar Mendes destacou que o “crescimento exponencial de mandados de injunção sobre a matéria no Tribunal ensejou inclusive a autorização em Plenário para que os ministros decidam monocrática e definitivamente os casos idênticos”. Assim, Gilmar Mendes propôs o enunciado de súmula vinculante, “considerando que não há tentativas em suprir a omissão constitucional reiteradamente reconhecida por este Tribunal” e que o STF, conforme o artigo 103-A da CR/1988 e o artigo 2º da Lei 11.417/06, pode editar de ofício enunciado de súmula que terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta, federal, estadual e municipal.
Hoje, trata-se do projeto, ainda em andamento, de Súmula Vinculante – PSV nº 45, tendo as citadas decisões como precedentes. Tal proposta foi apresentada pelo então presidente da Corte, com a sugestão do seguinte texto:
“Enquanto inexistente a disciplina específica sobre a aposentadoria especial do servidor público, nos termos do art. 40, §4º da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional nº 47/2005, impõe-se a adoção daquela própria aos trabalhadores em geral (art.57, §1º da Lei nº 8.213/91).”
3.1 Da eficácia da decisão de mérito proferida em mandado de injunção
O julgamento do MI 721/DF traz à baila um dos temas mais polêmicos do constitucionalismo pátrio, após a promulgação da vigente Constituição da República, qual seja, a questão da eficácia da decisão de mérito proferida em Mandado de Injunção.
Alexandre de Moraes (2008, p. 174 e ss.) sintetiza as teses jurídicas sobre o assunto a partir de dois grandes grupos, a saber: concretista e não concretista.
Por muito tempo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal adotou — com supedâneo em uma interpretação assaz estrita do princípio da separação dos Poderes — a posição não-concretista, ou seja, no sentido de atribuir tão-somente ao mandado de injunção a finalidade específica de ensejar o reconhecimento formal da inércia do Poder Legislativo. Destarte, o Poder Judiciário não poderia suprir a lacuna, nem assegurar ao impetrante o exercício do direito desprovido de norma regulamentadora, tampouco obrigar o Poder Legislativo a legislar. A adoção dessa acanhada orientação recebeu duras críticas da doutrina em função da pouca efetividade conferida ao writ (ALEXANDRINO; PAULO, 2010, p. 224).
“Com a mudança em sua composição, o STF reformulou o entendimento sobre a eficácia de suas decisões em mandado de injunção, passando a adotar a corrente concretista” (ALEXANDRINO; PAULO, 2010, p. 225). Através dessa posição:
“[…] presentes os requisitos constitucionais exigidos para o mandado de injunção, o Poder Judiciário através de uma decisão constitutiva, declara a existência da omissão administrativa ou legislativa, e implementa o exercício do direito, da liberdade, ou da prerrogativa constitucional até que sobrevenha regulamentação do poder competente. Essa posição divide-se em duas espécies: concretista geral e concretista individual, conforme a abrangência de seus efeitos.” (destaque do autor) (MORAES, 2008, p. 175 e 176).
Pela posição concretista geral, a decisão emanada do Judiciário deveria ter eficácia erga omnes, “possibilitando, mediante um provimento judicial revestido de normatividade, a concretização do exercício do direito, alcançando todos os titulares daquele direito, até que fosse expedida a norma regulamentadora do órgão competente” (ALEXANDRINO; PAULO, 2010, p. 224).
Já pela posição concretista individual, “a decisão do poder Judiciário só produzirá efeitos para o autor do mandato de injunção, que poderá exercer plenamente o direito, liberdade ou prerrogativa prevista na norma constitucional” (MORAES, 2008, p. 176).
Ao seu turno, a posição concretista individual divide-se em duas espécies, a saber: (i) concretista individual direta — o Judiciário, ao julgar procedente o writ, concretiza direta e imediatamente a eficácia da norma constitucional para o titular; (ii) concretista individual intermediária— julgado procedente o writ, fixa-se ao Congresso Nacional prazo para elaboração da norma regulamentadora, findo esse prazo, e subsistindo a inércia, o Judiciário deve estabelecer as condições necessárias ao exercício do direito pelo autor.
Constata-se que o Supremo Tribunal Federal efetivamente abandonou o posição não-concretista. Todavia, ainda não existe um consenso sobre o alcance da decisão — eficácia erga omnes ou inter partes, e, nessa última hipótese, de modo direto ou intermediário (ALEXANDRINO; PAULO, 2010, p. 226).
No caso específico do MI 721/DF a Corte perfilha a posição concretista individual direta, possibilitando o efetivo exercício do direito exclusivamente para a impetrante.
Em face do posicionamento mais recente adotado pelo Supremo Tribunal Federal, bem como da persistência da mora por parte do Poder Legislativo, o Secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão expediu a Orientação Normativa nº 10, de 05 de novembro de 2010 que estabelece orientação aos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da União – SIPEC, quanto à concessão de aposentadoria especial de que trata o art. 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 (Regime Geral de Previdência Social), aos servidores públicos federais amparados por Mandados de Injunção.
Nos termos da referida orientação o provento decorrente da aposentadoria especial será calculado conforme estabelece a Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, ou seja, pela média aritmética simples das maiores remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, atualizadas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo desde a competência de julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência, até o mês da concessão da aposentadoria. O provento decorrente da aposentadoria especial não poderá ser superior à remuneração do cargo efetivo em que se der a aposentação.
O efeito financeiro decorrente do benefício terá início na data de publicação do ato concessório de aposentadoria no Diário Oficial da União, e serão vedados quaisquer pagamentos retroativos a título de proventos.
Para a concessão do benefício da aposentadoria especial e para a conversão de tempo especial em tempo comum, no caso em que o servidor esteja amparado por decisão em Mandado de Injunção julgado pelo Supremo Tribunal Federal, é obrigatória a instrução do procedimento administrativo de reconhecimento do tempo de serviço público exercido sob condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física, nos moldes disciplinados pela Instrução Normativa nº 1 (estabelece instruções para o reconhecimento do tempo de serviço público exercido sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física pelos regimes próprios de previdência social para fins de concessão de aposentadoria especial aos servidores públicos amparados por Mandado de Injunção), de 22 de julho de 2010, publicada no D.O.U de 27 de julho de 2010, da Secretaria de Políticas de Previdência Social -SPS, inclusive com a juntada dos seguintes documentos: (i) cópia da decisão do Mandado de Injunção, na qual conste o nome do substituído ou da categoria profissional, quando for o caso; e (ii) declaração ou contracheque comprovando vínculo com o substituto na ação quando for o caso.
Verificar-se que a Administração Pública acaba tendo que lançar mão da expedição de um ato normativo, via de regra, utilizado para fins de fiel execução das Leis, para adequar-se aos decisórios emanados do Poder Judiciário.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aposentadoria especial do servidor público é matéria reservada para lei complementar, porém, na ausência da referida lei a decisão do Supremo Tribunal Federal no Mandado de Injunção 721/DF fez com que a norma da aposentadoria do regime geral de previdência social (artigo 57, parágrafo 1º da Lei nº 8.213/91) fosse aplicada em caráter supletivo.
Assim, houve um marco na alteração dos efeitos do Mandado de Injunção, que passou a ter eficácia concretista individual direta, possibilitando o efetivo exercício do direito exclusivamente para a impetrante do mesmo.
Embora a decisão do Supremo Tribunal Federal represente um avanço, não se pode ignorar que a omissão legislativa para a aposentadoria especial do servidor público consiste em grave falha do Poder Legislativo, posto que referida matéria é de suma importância para a preservação dos direitos trabalhistas dos servidores públicos. Não obstante, devido ao grande contingente de servidores, trata-se de tema constante em demandas judiciais, o que demonstra uma necessidade ainda maior de regulamentação no intuito de desafogar o Poder Judiciário.
Pelo exposto, percebe-se que a ausência de disciplina legal para a aposentadoria especial do servidor público é causa de insegurança para os servidores, cujo direito a aposentadoria especial, embora constitucionalmente garantido, encontra-se desamparado pela legislação infraconstitucional, representando ameaça ao bem estar social dos mesmos.
Especialista em Direito Público pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Servidor Público
Advogada, Especialista em Direito Público pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Especialista em Direito Público pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada
Especialista em Direito Público pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogado
Especialista em Direito Público pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogado
Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Especialista em Direito Público pelo IEC PUC Minas. Advogado e membro da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/MG. Biotécnico. Professor universitário.
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