Arma de brinquedo, Lei 10.826/2003 e roubo qualificado

Resumo: Trata o presente artigo sobre a revogação do dispositivo legal que versava a respeito do delito da utilização de arma de brinquedo na prática de crimes; da não inserção deste tipo legal na nova Lei de Armas; e, na problemática de se enquadrar como roubo qualificado o uso de arma de brinquedo.

Sumário: 1. Introdução 2. Arma de brinquedo e a Lei 9.437/97 3. A Lei 10.826/2003 4. A qualificadora “arma” no crime de roubo 5. Bibliografia

1. Introdução

Com a entrada em vigor da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003, na data de sua publicação, ressurgiu a discussão a respeito do uso da arma de brinquedo na prática de crimes, uma vez que revogado o dispositivo legal que descrevia a sua utilização como crime autônomo.

2. Arma de brinquedo e a Lei 9.437/97

A Lei 9.437/97 previa em seu inciso II, § 1º, do art. 10, o crime de utilização de arma de brinquedo, na qual a considerava como aquela capaz de atemorizar outrem na prática de crimes, levando-se sempre em consideração o concurso com o delito praticado.

Porém, esse dispositivo legal foi sepultado com a velha Lei de armas, não se preocupando a nova legislação em discipliná-la, ou seja, foi levianamente desconsiderada.

O que nossos ilustres legisladores não levaram em consideração foi o retorno do grande caos fático-jurídico que irá ocorrer de agora em diante, vez que a prática de crimes com a utilização de arma de brinquedo é uma realidade concreta que assola toda a coletividade, não sendo jamais considerados condutas periféricas ou isoladas.

O Estado perdeu a oportunidade de continuar a coibir os delitos praticados com arma de brinquedo, como o fizera a sábia lei revogada, embora para parte da doutrina com imperfeições, já que a consideravam como letra morta, tendo em vista a ocorrência de bis in idem.

É dessa forma, segundo esse posicionamento, pois o tipo penal incriminador descrevia a conduta típica como sendo aquela que só iria ser concretizada se a arma de brinquedo fosse utilizada na prática de crimes e jamais como figura propriamente autônoma, vez que, dependia sempre da prática de outro delito, sendo normalmente absolvido pelo delito de maior gravidade. Pois bem.

Ocorre que esse posicionamento é precipitado, porque se extrai do tipo penal que houve uma antecipação da conduta, ou seja, a vontade do Legislador foi a de criar um tipo penal para que a conduta típica de utilizar arma de brinquedo com o fim de cometer crimes fosse punida quando ainda estivesse nos atos preparatórios.

Foi uma solução de certa forma inteligente, para combater o já enraizado uso de armas de brinquedo no cometimento de crimes, nascendo um tipo penal incriminador de condutas que, se praticadas inteiramente sós, não ofereceriam lesividade alguma, já que um brinquedo feito de plástico, por si só, nenhum perigo causa, exigindo a certeza de que o agente está tornando um objeto sem importância, um simples brinquedo em uma arma em potencial, eficaz na consumação de vários delitos.

Esse ato, entretanto, se somado com a finalidade de cometer crimes, transforma aquela conduta outrora inofensiva, em um perigo iminente para uma dada coletividade.

O tipo ora em estudo assemelha-se com o crime capitulado no art. 288 do CP, denominado formação de quadrilha, sendo um tipo autônomo, independente de qualquer crime que os agentes venham a praticar.

Os agentes não necessitam praticar um crime sequer para amoldar-se no tipo do art. 288 do CP, bastando a finalidade, pois o ideal é que fossem punidos antes da prática de delitos futuros.

Nessa mesma linha de raciocínio encaixa-se o crime do art. 10, § 1º, inc. II, da Lei 9.437/97, já que é formado pela soma de atos preparatórios a uma finalidade criminosa.

Era para ser corrigido o erro banal que fizera a legislação nova e voltar a considerar como crime autônomo a utilização de arma de brinquedo visando a prática de crimes, uma vez que o seu uso importa em uma grande potencialidade de perigo para a coletividade, já que é perfeitamente capaz de atemorizar as vítimas, que se sentem impotentes perante a grave ameaça que lhes ronda, afetando-lhes psicologicamente de uma forma tão profunda, que efetivamente, o esse crime merecia guarida em nossa legislação.

3. A Lei 10.826/2003

A única disciplina jurídica que possui a nova Lei de Armas sobre o brinquedo perigoso é o art. 26, no qual prescreve que: “São vedadas a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com elas se possam confundir”.

Com isso chega-se a seguinte conclusão: é proibida a prática de atos comerciais tendo por objeto arma de brinquedo que possa ser confundida com arma de fogo. Logo, se for cometido algum crime com a utilização de arma de brinquedo, o agente só responderá pelo crime que efetivamente cometer, não podendo a utilização da arma de brinquedo ser objeto de elementar ou circunstância do crime.

A falta de técnica legislativa para a elaboração da Lei está muito aquém do aclamado pela sociedade. Explico.

Se o legislador proibiu a prática empresarial de arma de brinquedo é porque esta possui uma lesividade considerada. Então, porque não impor uma sanção própria como fez a revogada Lei?

Chega-se ao absurdo de se proibir a prática de comércio com a arma de brinquedo e ser totalmente livre a sua utilização na prática de crimes. Seria o mesmo que considerar proibida a venda de entorpecente e ser liberado o seu uso.

4. A qualificadora “arma” no crime de roubo

No que tange a utilização da arma de brinquedo na execução do crime de roubo, considerando o recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, nos dá conta de que a ameaça produzida por arma de brinquedo não é hábil a configurar a qualificadora do art. 157, § 2º, inc. I, pois trata-se na verdade de uma grave ameaça, ínsita ao caput do artigo, estando esse ponto, de certa forma, pacificado na doutrina.

Na seção do dia 24/10/2001, a 3º Seção, no julgamento do Resp nº 213.054/SP, tendo como relator o então Ministro José Arnaldo, foi deliberado por maioria o cancelamento da Súmula nº 174/STJ que afirmava: “No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento de pena”.

E, neste passo, já decidiu o STJ, por suas Turmas:

“Processual Penal e Penal. Habeas Corpus. Roubo Circunstanciado. Pretensão do exame de provas. Inadmissibilidade. Ordem não conhecida. Uso de arma de brinquedo. Aumento de pena indevido. Jurisprudência desta Corte. Ordem concedida de ofício. É inadmissível o confronto com as decisões anteriores, porquanto isto resultaria exame aprofundado das provas colhidas na fase cognitiva e não permitido por esta via procedimental. O uso de arma de brinquedo, de acordo com o recente entendimento deste Tribunal, não pode ser circunstância de aumento da pena. Ordem concedida de ofício.”(STJ-HC 23798/SP, DJ 25/11/2002, Ministro relator José Arnaldo da Fonseca).

O emprego de arma de brinquedo para levar a efeito o roubo praticado tão somente se constituiu em grave ameaça, configurando-se em abalo psicológico à vítima, que viu sua vida à mercê do acusado, já que a arma empregada teria que ser a própria – sendo aquela criada para o ataque ou defesa (arma de fogo, faca, bombas) – ou imprópria – que são aquelas que não possuem a finalidade de ataque ou defesa, porém, capaz de ofender a integridade física de uma pessoa (machado, faca de cozinha, facão) jamais uma arma de brinquedo.

Para Bento de Faria (Código Penal Brasileiro, Livraria Jacintho Editora, Rio de Janeiro, 1954, vol. IV, p. 61), arma de fogo é todo o objeto cujo fim especial é matar ou ofender, tendo um poder ofensivo suficiente para realizar a violência ou a ameaça, cujo objetivo nem sempre é a vida da pessoa roubada, pouco importando que o agente, não a trazendo consigo, se valha da que encontrar no local de delito.

Tais circunstâncias, assim caracterizadas, não merecem acolhimento para a qualificação do delito.

O que se desprende do tipo qualificado é a possibilidade daquela arma usada na prática do crime vir a causar danos à integridade física da vítima.

Ora, a arma de brinquedo jamais poderia causar algum dano físico em suas vítimas, já que é incapaz de machucá-las. Dessa forma, forçoso concluir que esse brinquedo já está previsto como elementar do tipo, na figura do emprego da grave ameaça, que é a promessa de prática de mal grave e iminente.

Segundo Nelson Hungria, em sua obra de direito Penal, volume VII, página 56, afirma que a ameaça deve ser capaz de “tornar-se inidônea, pelo menos no caso concreto, a paralisar a reação contra o agente”.

Ora, dessa forma encaixa-se perfeitamente o sustentado nesse tópico, porque a arma de brinquedo idêntica a de verdade causa grande temor para a vítima, neutralizando qualquer reação que queira praticar.

Verifica-se, nessa mesma linha, que a aplicação da qualificadora do emprego de arma redunda em uma dupla condenação pela mesma causa.

Ademais, há que se perquirir, na espécie, quanto ao dolo e grau de culpabilidade do agente pelo emprego da arma de brinquedo, uma vez que se o que queria era intimidar a vítima, o faria com uma arma verdadeira e não com a de brinquedo.

Logo, não se trata de resolver a questão da qualificadora do crime de roubo pelo uso de arma de brinquedo pela elástica aplicação do favor rei, dirimindo-se a controvérsia da forma mais favorável ao acusado e sim, de uma interpretação legal responsável e equilibrada sob pena de se ferir o princípio elementar da reserva legal e violação ao princípio da proporcionalidade.

5. Bibliografia:

CAPEZ, Fernando, Arma de fogo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
DAMÁSIO, E. De Jesus, Direito Penal, v. I. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
GUILHERME, Pena, Teoria da Constituição, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003.
MIRABETE, Julio Fabbrini, Código Penal Interpretado, 1ª ed. 1999, 3ª Tiragem, São Paulo: Atlas S.A., 2000.
CAPEZ, Fernando, Direito Penal, v. II, São Paulo: Saraiva, 2003.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Nelson Canedo Motta

 

Acadêmico de Direito do 9º período da Associação de Ensino Superior da Amazônia – AESA/FARO- Porto Velho/RO.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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