Resumo: O homem civilizado já não consegue manter-se ativamente integrado à sociedade sem utilizar-se dos modernos meios de comunicação eletrônica. Seus hábitos diários mais comuns dependem necessariamente do uso da tecnologia da informação. Em vista disso, indaga-se, neste trabalho, se os procedimentos judiciais de resolução de conflitos sociais podem permanecer indefinidamente alheios ao emprego dos sistemas de informatização disponibilizados pela sociedade da informação. Respondendo que os meios eletrônicos são instrumentos de grande utilidade para se otimizar a Justiça, segue a exposição indicando as leis e regulamentos que já autorizam a substituição do processo de papel pelo processo digital. Nesse primeiro contato com a futura reformulação da praxe forense são indicados os novos pressupostos de autenticidade e de validade do processo digital. Aponta-se a rápida expansão dessa sistemática nos processos civil e trabalhista, bem como o recente ingresso da tecnologia na instrução do processo penal, tudo sem causar danos à garantia do devido processo legal.[1]
Palavras-chave: Processo digital; computação forense; tecnologia da informação; videoconferência; processo penal e tecnologia.
Abstract: The civilized man can no longer keep themselves actively integrated into society without using the modern electronic medias. Men daily habits depend necessarily on the use of the technology of information. In view of this, it is inquired in this paper, if the judicial procedures to resolute the social conflict can indefinitely remain not using the systems of computerization made available by the society of information. Answering that electronic media is an instrument of great utility to optimize Justice, this paper indicates the laws and regulations that already allow the replacement of the paper by the digital process. In this first contact with the future revision of the forensic custom is indicated the new conditions of authenticity and validity of the digital process. Note the rapid expansion of this systematic in civil and labor procedures, as well as the recent ingress of technology in the investigation of criminal proceeding, all without causing damages to the guarantee of due process of law.
Keywords: Eletronic judicial process; digital process; the society of information; video conference; video interrogation.
Sumário: 1. Infoera e justiça – 2. Primeiros passos rumo à informatização do processo judicial: 2.1 Assinatura eletrônica; 2.2 Assinatura digital e assinatura digitalizada; 2.3 Garantia de autenticidade da transmissão eletrônica; 2.4 Autoridade Certificadora da OAB; 2.5 Assinatura em cadastro do Judiciário – 3. Meios eletrônicos admitidos no processo penal: 3.1 Videoconferência; 3.2 Videodepoimento; 3.3 Carta precatória e videoconferência; 3.4 Videointerrogatório – 4. Conclusão.
1. Infoera e justiça
O Professor titular da área de Eletrônica do Departamento de Engenharia Elétrica da Escola Politécnica da USP, doutor João Antonio Zuffo, é um exímio analista das fantásticas maravilhas e dos inevitáveis problemas que podem resultar da chamada Infoera, ou “Era da Informação”. Sua explanação sobre a rápida consolidação da Infoera, na qual se nota claramente a imensa efervescência resultante das transformações determinadas por um nível de desemprego sem precedentes em âmbito mundial e pelas grandes transformações nas relações comerciais e sociais, é um convite irrecusável à nossa reflexão.
No limiar deste milênio, o professor Zuffo, baseando-se em seus estudos aprofundados, vaticinou que o mundo virtual criado pela sociedade da informação, associado às enormes dívidas governamentais, estava acelerando uma desvinculação crescente entre o universo produtivo e o financeiro. Tal desvinculação começou a se desenvolver desde as Eras Industrial e Pós-Industrial. Entretanto, um conjunto de fatores (evolução da facilidade das comunicações e do endividamento governamental, política de abertura de mercados e liberalização do fluxo de capitais) motivou e acelerou a geração de instabilidades econômicas. Por força de mercados de ações supervalorizadas e negócios especulativos; da crescente valorização dos ativos intangíveis, baseados em conhecimento; da transferência extremamente rápida de recursos financeiros virtuais; e, ainda, da existência de mercados de títulos instáveis e altamente voláteis, criou-se um estado de coisas reconhecidamente oscilatório na área econômico-financeira. Não existindo mais a antiga vinculação rígida entre o capital financeiro e os recursos de investimentos necessários ao setor produtivo, a possibilidade de emergência de sucessivas crises tornou-se uma certeza. Em nível mundial, já dizia o mencionado autor, “vivencia-se uma verdadeira corrente da felicidade, geradora de lucros fáceis, que em qualquer momento pode ter seu sentido revertido transformando-se numa corrente viciosa de perdas e falências”. Hoje, apenas alguns anos após a publicação desses seus pensamentos, o prognóstico se tornou realidade.
As consequências desse quadro são para nós imprevisíveis. É certo que muitas páginas ainda deverão ser escritas por filósofos, pensadores e escritores de escol para desenhar corretamente as causas e os efeitos do período histórico mundial que agora vivemos. Todavia, mantendo o apoio na explanação feita por Zuffo, podemos visualizar duas evidências caracterizadoras da Infoera. Resumidamente vamos destacar os dois lados dessa medalha.
De um lado menciona-se o forte impacto evolutivo da moderna tecnologia, ou seja, o lado que contempla as maravilhas que ela produz. A começar pela Internet e a Teia de Âmbito Mundial, sistemas interativos virtuais que se apóiam sobre a rede física de telecomunicações, que ao se somarem à rápida expansão da capacidade de processamento dos micros pessoais, se transformam nos principais agentes das mutações sociais que estamos vivenciando. Formulando hipóteses viáveis para o nosso mundo real, o mencionado autor imagina a sociedade que “emergirá do emprego em larga escala de sistemas de realidade virtual, hápticas ou tácteis, com o uso generalizado de sistemas de redes neurais, e de sistemas que utilizam algoritmos genéticos”. Já estão sendo anunciados, por exemplo, novos sistemas virtuais “interativos comandados por voz, que serão introduzidos com a terceira geração (3G) de telefonia móvel. Existe grande expectativa com o desenvolvimento do comércio móvel (M-Commerce). Num ritmo frenético estão sendo desenvolvidos novos servidores e logicionarias (software) para a teia, incluindo-se folheadores (browsers) sofisticados e ferramentas para a criação de sítios elaborados. Estamos nos aproximando, cada vez mais, do momento em que assistiremos a popularização de outros sistemas que utilizam técnicas de inteligência artificial na implementação de clones pessoais com perfil psicológico de seus donos, bem como de uso de avatares nos sistemas de teleconferências”. A persistir a velocidade na qual se executam esses progressos tecnológicos, em menos de duas décadas, não será tão simples distinguir o mundo real do virtual.
Agora, o outro lado da medalha, que a nosso ver é mais preocupante. Para esse douto cientista, “o crescente uso dos computadores pessoais na criação de mundos virtuais e a intensa divulgação e vulgarização da violência pelos meios de comunicação estão gerando indivíduos alienados do universo físico, e, por isso, incapazes de distinguir a fantasia da realidade. A imensa acessibilidade aos meios de comunicações, notadamente impulsionada pelo fácil acesso à Internet, está possibilitando não só a criação de comunidades e associações virtuais humanitárias, e mesmo de entidades com finalidades comerciais legalmente constituídas, mas também a criação de sociedades virtuais criminosas, associações políticas virtuais de natureza radical e sociedades secretas, também virtuais. Além disso, o fácil acesso às comunicações irrestritas está permitindo a criação de partidos políticos constituídos de criminosos cuja influência e poder se irradiam mesmo dentro dos presídios, além da formação de grupos terroristas virtuais, envolvendo ações em todas as regiões do planeta. Desse modo, a vivência virtual tende cada vez mais a viciar o individuo no controle de realidades inexistentes e a afastar o infocidadão do mundo real. E tais condições são propícias para insensibilizar este infocidadão com relação à dor alheia e às tragédias humanas que ocorrem no dia-a-dia, no mundo real”.
Desse ambiente social turbulento, destituído de valores humanos e espirituais, resulta uma desvalorização sem precedentes do ser humano e uma onda de crimes e massacres horrorosos. Em vista dessas rápidas mudanças, estão se cristalizando: a inquietação crescente no mundo; a revolta popular incontida por meio do aumento da violência gratuita; e um espocar de tumultos sem causa e organização aparentes, mesmo em países considerados altamente civilizados e tradicionalmente estáveis. Por ora, os estudiosos desse fenômeno admitem a necessidade de se percorrer um trajeto turbulento e incerto até que se atinja um novo ponto de equilíbrio, e, a partir de então, todos poderão usufruir da nova estrutura social ditada pela Infoera. Afinal, a esperança que presentemente se tem é de que “tais mudanças sejam acompanhadas da melhor distribuição dos conhecimentos e das riquezas geradas, de tal sorte que o infocidadão possa usufruir uma qualidade de vida baseada em novos valores, sendo certo que a filosofia, as humanidades, as artes e a espiritualidade serão os cardinais da infovivência.”[2]
Vislumbrando um cenário mundial tão complexo, no qual o Brasil está decisivamente incluído, começamos a pensar se é possível aceitar, que os mais variados escalões do Poder Público e do Poder Privado da Nação, possam ignorar a presença da Justiça na formulação dos ideais básicos que movem as etapas do desenvolvimento tecnológico e informacional. É claro que o sentimento de justiça está umbilicalmente centrado no pensamento filosófico, na preservação dos direitos humanitários e na própria espiritualidade escolhidos por um povo. Portanto, sob esta ótica, parece que os fundamentos basilares da ética e da justiça estão implicitamente presentes no moderno contexto tecnológico, fato que nos libera do comentário a respeito dos valores que lhe são inerentes. Tampouco pretendemos detalhar a imperiosa necessidade de se aparelhar adequadamente a estrutura ou de se efetivamente modernizar a “máquina” do Judiciário para corresponder às exigências ditadas pela sociedade da informação. Na verdade, o que nos move nesta empreitada é o propósito de colocar em destaque tão-somente algumas das recentes alterações legislativas, que guardam sim, efetiva sintonia com a realização de atos processuais praticados com o auxílio da moderna tecnologia da informação.
Nunca deve ser esquecido que o exercício da função jurisdicional reflete o pronunciamento de uma parcela da soberania estatal, e que para declarar o direito, o Estado-Juiz deve se submeter obedientemente aos estreitos limites fixados pela lei. É dizer que o funcionamento do Judiciário está subordinado às regras processuais e aos procedimentos legais, os quais devem ser integralmente respeitados. Mas, esses procedimentos são obviamente sensíveis aos impactos políticos e econômicos que naturalmente cercam a sociedade em determinado momento de sua existência. Desse modo, para se atingir a tão sonhada otimização da Justiça (ou da prática forense), se torna necessário que os ritos procedimentais sejam constantemente adaptados e que se tornem sensíveis ao progresso cientifico contemporâneo para melhor adequar-se à realidade vivenciada na época de sua aplicação.
Por força de um conjunto de normas editadas pelo legislador nos últimos anos, claramente se demonstra, que está prevalecendo a vontade de se manter a justiça brasileira agregada ao vasto contexto de causas e efeitos proporcionados pela melhor utilização de novos meios tecnológicos. Frente à apontada dualidade refletida nos avanços e retrocessos dos quais emanam boa parcela dos conflitos sociais de nossa geração, a adoção de modelos eletrônicos de processo judicial passou a ser abertamente cobrada pela sociedade da informação. E já não se pode abrir mão desse avanço nas regras processuais para que o Estado-Juiz possa executar, com certo grau de eficiência, o seu devido papel na solução de litígios e na manutenção da paz social.
2. Primeiros passos rumo à informatização do processo judicial
Partindo da premissa de que a atividade jurisdicional é naturalmente intrincada pelo acúmulo de normas, ritos, rotinas forenses e restrições garantistas, que visam proteger os consectários próprios da cláusula constitucional do devido processo legal, qualquer reforma na área processual, ainda que mínima, somente se consuma de forma lenta e jamais ao ritmo frenético da tecnologia da informação. Aliás, mesmo depois de autorizada pela lei, a aceitação da reforma nem sempre é imediata e geralmente sofre críticas severas dos operadores do Direito. Obviamente, não há atenuação desse quadro critico em relação ao processo eletrônico.
Do ponto de vista da informatização do processo judicial, a reformulação dos meios procedimentais, até agora legalmente autorizada, não vai além de seus primeiros passos. O estágio atual do processo eletrônico foi precedido de uma fase embrionária, que teve sua origem em algumas unidades da Federação, nas quais se verificou uma boa dose de flexibilização do rigor formalístico que era imposto por superados sistemas de funcionamento. Pouco a pouco, diversos tribunais foram aderindo ao movimento reformador do Judiciário, de tal sorte que a desburocratização, simplificação e agilização no atendimento aos jurisdicionados pôde ser sentida em atos e serviços não atingidos pela solenidade formal, o que proporcionou grande economia de energia e de tempo. Seja para a administração pública seja para os interessados em geral, os ganhos obtidos em atividades de custo-benefício se tornaram positivamente nítidos. Exemplo disto ocorreu no campo das expedições de certidões judiciais em geral (cível, criminal, fiscal, trabalhista etc.) quando passaram a ser solicitadas e concedidas por via digital. Para além desse exemplo, muitas outras ações semelhantes foram determinadas pelos tribunais, porém, quase sempre restritas à modernização eletrônica da atividade administrativa dos órgãos do Judiciário.
Faltava, na verdade, surgir uma lei que autorizasse a utilização de novos recursos eletrônicos na execução de sua atividade fim, isto é, no exercício da própria jurisdição. E essa carência foi, afinal, preenchida ao ser editada a Lei 11.419, de 19.12.2006, conhecida entre nós como Lei de Informatização do Processo Judicial. Pois é com base neste diploma legal e sem a pretensão de esgotar a análise do tema sobre o qual nos propusemos escrever, que nas linhas abaixo destacaremos alguns pontos que fundamentam a aurora da informatização da atividade jurisdicional brasileira.
Diga-se logo que o uso de meio eletrônico (ou seja, qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais) é admitido: a) na tramitação de processos judiciais; b) na comunicação de atos; c) na transmissão de peças processuais. Esta última (transmissão eletrônica de peças processuais) corresponde à comunicação a distância feita com a utilização de redes, preferencialmente a rede mundial de computadores. Aplica-se tal autorização, proveniente da mencionada lei, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição.
Daí o surgimento da regra mais consentânea com a informatização do processo judicial, a qual diz que todos os atos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico (§ 2º, art. 154, CPC).
Como se sabe, o momento culminante da produção das provas se dá com a realização da audiência de instrução e julgamento. Por isso, a Lei de Informatização do Processo Judicial, ao introduzir o § 4.º no art. 457, CPC, também estabeleceu quais são as formalidades que devem ser cumpridas no termo da audiência de instrução e julgamento, determinando que, em caso de processo eletrônico, se observe o disposto nos §§ 2.º e 3.º do art. 169, do Código de Processo Civil. Vale dizer, quando se tratar de processo total ou parcialmente eletrônico, a audiência de instrução e julgamento pode ser produzida e armazenada de modo integralmente digital em arquivo eletrônico inviolável, na forma da lei, mediante registro em termo que será assinado digitalmente pelo juiz e pelo escrivão ou chefe de secretaria, bem como pelo Ministério Público e advogados das partes. Tudo com a ressalva de que eventuais contradições na transcrição deverão ser suscitadas oralmente durante o transcurso da própria audiência, devendo o juiz decidir de plano, registrando-se a decisão no termo.
No catálogo dos atos processuais que podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico, inclui-se a elaboração do mandato eletrônico. Admite-se que a procuração outorgada pela parte nomeando seu defensor seja assinada digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada. Outrossim, podem ser expedidas por meio eletrônico, desde que devidamente autenticadas pela assinatura eletrônica do magistrado, a carta de ordem, a carta precatória e a carta rogatória.
Para efeito de se comprovar a realização de ato processual eletrônico é de ser expedido o respectivo protocolo eletrônico pelo órgão receptor, contendo a indicação do dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário. Tratando-se de petição eletrônica enviada para atender prazo processual, será considerada tempestiva se for transmitida até as 24 (vinte e quatro) horas do seu último dia. Na verificação da tempestividade do ato, considera-se como data da publicação, o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico. Inicia-se a contagem do prazo no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data da publicação.
Quando o processo for eletrônico, a distribuição da petição inicial e a juntada da contestação, dos recursos e das petições em geral, todos em formato digital, podem ser feitas diretamente pelos advogados públicos e privados, sem necessidade da intervenção do cartório ou secretaria judicial, situação em que a autuação deverá se dar de forma automática, fornecendo-se recibo eletrônico e protocolo.
Observa-se desta rápida introdução que a realização formal do ato processual eletrônico deve ser submetida à nova sistemática procedimental. Ou seja, é preciso garantir a sua autenticidade e validade. Logo, exige-se a satisfação de determinados pressupostos inerentes à própria informatização do processo judicial. É sobre esses pressupostos de autenticidade e de validade do procedimento eletrônico que faremos alguns comentários a seguir.
2.1 Assinatura eletrônica
Devemos inicialmente mencionar a imprescindibilidade da assinatura eletrônica. Para o envio de petições ou recursos e para a prática de atos processuais eletrônicos em geral, é indispensável a assinatura eletrônica. Logo, a validade de ato processual informatizado tem por pressuposto a autenticidade da assinatura eletrônica da autoridade ou da parte que o subscrever.
Impõe destacar que a expressão “assinatura eletrônica” deve ser compreendida em seu sentido amplo, como gênero de todo método de identificação apropriado e confiável empregado na transmissão de dados eletrônicos. De acordo com o art. 1º, § 2º, III, da Lei 11.419/2006, a assinatura eletrônica inclui as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:
“a) assinatura digital, baseada em certificado digital emitido por autoridade certificadora credenciada, na forma de lei específica;
b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.”
Convém preliminarmente esclarecer o que consta da parte final da alínea a acima, a fim de se lembrar que a expressão “na forma da lei específica” corresponde, neste caso, à Medida Provisória 2.200-2, de 24.08.2001. Em conformidade com o disposto no art. 1.º desta Medida Provisória, que ainda se encontra em vigor, foi criada a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), com as seguintes características:
“Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras”.
Sendo assim, a ICP-Brasil constitui-se de um conjunto de regras e normas, baseadas em padrões públicos internacionais, que são definidas por um comitê gestor composto por representantes do governo e da sociedade civil. Considera-se que por força dessa Medida Provisória implantou-se o Sistema Nacional de Certificação Digital no País, sendo resultante de um conjunto de técnicas, práticas e procedimentos que têm o objetivo de garantir a autenticidade, confidencialidade e integridade das informações contidas em documentos produzidos em forma eletrônica.
Em sua estrutura hierárquica, pode-se dizer que a ICP-Brasil compõe-se de um grupo de autoridades certificadoras, que se submetem às diretrizes estabelecidas pelo Comitê Gestor, em todos os níveis da cadeia de certificação. No topo dessa estrutura de certificação figura a Autoridade Certificadora-Raiz (AC-Raiz). Seu órgão executor é o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), autarquia federal vinculada à Casa Civil da Presidência da República, cabendo-lhe executar as políticas de certificados e normas técnicas e operacionais aprovadas pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil. Vale dizer, ao ITI foi atribuída a responsabilidade de credenciar empresas, tornando-as aptas a fornecer certificados padrão ICP-Brasil.
2.2 Assinatura digital e assinatura digitalizada
Além de revelar-se o modelo de tecnologia mais reconhecido de assinatura eletrônica, a assinatura digital apresenta um elevado grau de segurança para as trocas de dados em redes abertas. Funciona como um “selo eletrônico”, que permite ao usuário a certificação dos dados enviados eletronicamente, verificando a sua origem (certificação) e a confirmação da integridade dos dados (é possível detectar se os dados foram alterados após a assinatura).
Esta modalidade de assinatura eletrônica baseia-se em sistema criptográfico assimétrico composto de um algoritmo, por força do qual é gerado um par de chaves, sendo uma privada e outra pública. A verificação da autenticidade é levada a cabo por uma entidade certificadora que estabelece um sistema de confirmação tecnicamente seguro, garantindo que a comunicação foi efetivamente expedida por quem diz tê-la expedido. Para cada nova assinatura cria-se um novo par de chaves. A chave privada é codificada, instala-se no computador, no qual permanece guardada e deve ser usada apenas pelo seu proprietário. Sua utilização necessita de uma password (senha, contra-senha), sendo que o emissor assina com a chave privada enquanto o receptor verifica a autenticidade com a chave pública do emissor. Por este sistema, a confirmação da assinatura digital só se verifica quando a chave privada do remetente foi usada para assinar a mensagem, e quando a mensagem não foi alterada. Se esta operação não puder ser feita, o software vai identificar a verificação como falsa.[3]
Parece proveitoso ressaltar, ainda, que a assinatura digital de que estamos falando não se confunde com a assinatura eletrônica sem certificação digital e nem com a assinatura digitalizada. Estas não são válidas para efeito de utilização na realização de atos processuais. É que a assinatura eletrônica sem certificação digital não possui a necessária credibilidade, pois se encontram ausentes as mencionadas características tecnológicas do certificado digital. Ou seja, a sua identificação se faz por meio de identificação pessoal (login) e uma senha. Vale dizer, os dados assinados eletronicamente com este recurso trafegam na rede sem criptografia e, por este motivo, podem ser interceptados e alterados sem deixar vestígio de qualquer adulteração. De outro lado, a assinatura digitalizada é um arquivo de imagem gerado a partir da digitalização de uma imagem contendo a assinatura grafotécnica, aposta primeiramente em um papel, ao contrário das assinaturas com e sem certificado digital, que são geradas originariamente no meio eletrônico. Logo, a assinatura digitalizada não é propriamente assinatura eletrônica.[4]
No plano da autenticidade, os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, serão considerados originais para todos os efeitos legais. Por outro lado, os extratos digitais e os documentos digitalizados e juntados aos autos: pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares; pelo Ministério Público e seus auxiliares; pelas procuradorias; pelas autoridades policiais; pelas repartições públicas em geral; e por advogados públicos e privados têm a mesma força probante dos originais, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização (art. 11, § 1º, da Lei 11.419/2006).
2.3 Garantia de autenticidade da transmissão eletrônica
Sabe-se que a certificação digital é a atividade de reconhecimento em meio eletrônico. Ela se caracteriza pelo estabelecimento de uma relação única, exclusiva e intransferível firmada entre o cliente e a autoridade certificadora (AC), tendo por base o uso de uma chave de criptografia. De acordo com diretrizes publicadas, a ICP-Brasil utiliza um processo de codificação e decodificação, que consiste na aplicação de modelo matemático de algoritmo criptográfico, baseado no conceito de chaves e executado por um programa de computador. Com a inserção da chave criptográfica, o arquivo enviado se torna ilegível, sendo necessário ter conhecimento do algoritmo de decifragem (a chave) para recuperação dos dados originais.
Afirma-se, então, que a ICP-Brasil adota o padrão criptográfico assimétrico, o qual funciona a partir de complexos métodos matemáticos. Os algoritmos trabalham com duas chaves geradas simultaneamente utilizadas (uma pública e outra privada), respectivamente para cifrar e decifrar a informação. A chave privada fica em poder do proprietário do sistema, que terá exclusividade no seu uso. Já a chave pública poderá ser distribuída a todos aqueles com quem o proprietário precise manter uma comunicação segura ou identificada. Tais chaves são inseridas em pequenos programas de computador, que integram os editores normais de correio eletrônico e são postas em funcionamento mediante um simples clique do mouse no ícone respectivo.
Infere-se que o certificado digital emitido pela AC credenciada pela ICP-Brasil, perfaz um documento de identidade eletrônica que armazena os dados pessoais de seu titular, associando essa identificação a uma chave pública. Noutras palavras, todo usuário que aderir ao sistema recebe duas chaves: uma pública e outra privada. A pública é de conhecimento de todas as pessoas e a privada deve ser mantida sob seu uso e conhecimento exclusivos. Na prática, a chave privada, quando utilizada para assinar documento eletrônico, faz incluir um código numérico no documento. Este código numérico corresponde à própria assinatura digital e consiste no resultado da aplicação de um algoritmo matemático ao texto do documento. Note-se que somente a chave pública relacionada à chave privada que criou o código numérico pode decifrá-lo. É dessa forma que se garante a origem do documento. Dito com outras palavras, o remetente usa a chave pública do destinatário (que consiste num programa gerador de um código de encriptação) para codificar (assinar) sua mensagem de dados; esta mensagem transita codificada até chegar ao seu destino (endereço eletrônico do destinatário); valendo-se de sua chave privada (uma espécie de contra-senha) o destinatário torna-se habilitado a decodificar a mensagem.
Note-se que as informações contidas nos certificados digitais são acessíveis por meio da utilização da senha pessoal eleita pelo titular. Ademais, a Medida Provisória 2.200-2 (§ 1.º do art. 10), estabelece que as declarações de vontades expressas em documentos eletrônicos que se utilizam dos certificados qualificados e disponibilizados por meio da ICP-Brasil presumem-se verdadeiras em relação aos signatários, gozando da presunção de validade oponível erga omnes. Daí afirmar-se que o mecanismo tecnológico em questão concede a necessária segurança quanto à autoria e integridade do documento eletrônico, vinculando indissociavelmente a assinatura ao documento. Em caso de tentativa de modificação do documento eletrônico, o certificado digital detectará a violação e não lhe conferirá autenticidade.
De acordo com esse traçado, a autoridade certificadora credenciada fornece meios para a criação das chaves, emite os certificados de assinatura, assegura a respectiva publicidade numa lista que possa ser consultada por qualquer interessado e presta outros serviços relativos a assinaturas digitais. Toda autoridade certificadora credenciada atua em nível imediatamente inferior à já mencionada AC-Raiz (ITI). Atribui-se à AC a responsabilidade de expedir, revogar e gerenciar os certificados digitais. É sua obrigação, ainda, elaborar, divulgar e fazer cumprir a política de segurança, a declaração de práticas de certificação e a política de certificados.
Tais documentos atestam ao público o cumprimento obrigatório das diretrizes emanadas pela ICP-Brasil, especialmente no que se refere aos processos e práticas que estabelecem regras para emissão de certificados e exigências de segurança, garantidores da confiabilidade das operações da AC. Vale ressaltar que toda AC está sujeita à auditoria anual obrigatória. Vinculada à AC opera, obrigatoriamente, uma autoridade registradora (AR), que tem a incumbência de identificar e cadastrar usuários presencialmente, devendo submeter a solicitação de certificados àquela autoridade a que estiver subordinada.
Concede-se o licenciamento para operar como AC ou AR a órgãos e entidades públicas, bem como a pessoas jurídicas de direito privado. As entidades prestadoras de serviço de certificação credenciadas se obrigam ao cumprimento de um conjunto de diretrizes de segurança definido pela ICP-Brasil. O objetivo principal é o de manter e preservar os instrumentos garantidores de segurança e de confiabilidade de todas as operações praticadas pela cadeia de certificação. Logo se vê que a principal função a ser executada pela AC é a de garantir a autenticidade da operação, certificando que uma chave pública ou um certificado digital pertence a uma determinada pessoa. De se notar que o certificado digital, também denominado identidade digital, pode ser adquirido por qualquer cidadão, empresa ou entidade diretamente de qualquer AC.
São válidos os ensinamentos dados por Demócrito Reinaldo Filho,[5] para quem, na prática, “a verificação da autenticidade funciona mediante aplicativo de software incorporado ao computador do usuário”. De acordo com o juiz de Direito do Recife, “normalmente, o software que faz a verificação de um certificado digital possui algum mecanismo ou função para confiar em AC”. No seu exemplo esclarecedor, o programa utilizado para navegar na Internet (conhecido como browser) contém uma lista das AC em que confia. “Quando o usuário visitar o site do tribunal e for apresentado ao navegador um Certificado Digital, ele verificará a AC que emitiu o respectivo certificado; se a AC estiver na listagem de autoridades confiáveis, o navegador aceitará a identidade do site e exibirá a página da web. Não estando incluída na listagem, o navegador exibirá uma mensagem de aviso, perguntando ao usuário se deseja confiar na nova AC. Geralmente o programa navegador oferece opções para confiar permanente ou temporariamente na AC, ou não confiar. Portanto, o usuário tem o controle sobre quais AC deseja confiar, porém, o gerenciamento da confiança é feito pelo aplicativo de software (nesta hipótese, pelo navegador)”.
Após termos mencionado alguns dados relativos à organização estrutural dos órgãos reguladores que garantem a autenticidade da assinatura eletrônica, podemos indagar: de que forma se viabiliza a confiabilidade do sistema e a autenticidade da assinatura digital do usuário no processo judicial eletrônico?
Novamente é preciso aduzir que o primeiro passo para se obter a assinatura digital consiste na aquisição de um certificado digital, a ser expedido por uma das empresas credenciadas junto à ICP-Brasil. Qualquer empresa credenciada dessa natureza é conhecida como autoridade certificadora (AC), ou seja, aquela que presta serviços baseados no sistema de “criptografia de chaves públicas”, cuidando da geração, distribuição e gerenciamento das chaves públicas e dos certificados digitais. Sendo o usuário pessoa detentora de certificado digital, seu acesso ao procedimento judicial eletrônico estará garantido, desde que atenda às demais formalidades legais e regulamentares. Porém, em se tratando de usuário advogado regularmente inscrito na OAB, é mister atentar para as observações feitas no próximo subitem.
Sem dúvida alguma, o sistema de informatização implementado pelo Poder Judiciário está em franco desenvolvimento. De se lembrar que, por força da Res. 41, de 11.09.2007, o próprio CNJ chamou para si o encargo de gerir a implementação do modelo de gestão e o estabelecimento das diretrizes e normas voltadas para a integração e unificação dos sítios eletrônicos, além de acompanhar, analisar e controlar a concessão dos domínios às instituições do Judiciário. Uma de suas providências resultou na modificação dos portais e sítios, localizados na Internet.
É claro que a questão da segurança do sistema de informatização é uma preocupação constante. Nesse sentido, representantes do CNJ ressaltam que a iniciativa configura grande ganho para o Judiciário, especialmente no tocante à confiabilidade das informações nos portais. É que foi obtida junto ao Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.BR), a aprovação da criação do domínio primário “.jus.br” no âmbito da Internet no Brasil, com a obrigatoriedade de agregar o sistema DNSSEC. Cuida-se de um padrão internacional, que amplia a tecnologia DNS e de um sistema de resolução de nomes mais seguro, que reduz o risco de manipulação de dados e furto de informações por terceiros. A operação do serviço de registro e de publicação de domínios “.jus.br” foi entregue ao CGI.BR com a finalidade deste tomar as providências necessárias por intermédio do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC-BR) (art. 3.º da Res. CNJ 41). Acrescenta-se que a padronização dos endereços eletrônicos do Judiciário foi objeto da Res. CNJ 45, de 18.12.2007. Com tal medida se pretende garantir a integração e a padronização dos nomes eletrônicos dos tribunais espalhados pelo território nacional, facilitando o acesso para a população.
Encontrando-se o sistema do processo judicial eletrônico baseado na tecnologia de criptografia de chaves públicas, o que se pretende é coibir os ataques de hackers às páginas oficiais, como já aconteceu anteriormente nos portais do Tribunal Superior Eleitoral e Superior Tribunal de Justiça (STJ).[6]
Lembremo-nos de que no âmbito da Justiça Federal, já está em operação a Autoridade Certificadora da Justiça (AC-JUS), devidamente reconhecida pelo ITI (autoridade-Raiz). Esta AC integra o Conselho da Justiça Federal (CJF), o STJ e os cinco Tribunais Regionais Federais do País. Também aderiram à esta AC o STF e outros tribunais superiores, sendo que já se iniciou o trabalho de distribuição de certificados e chaves para juízes federais e servidores. Trata-se da primeira AC do mundo criada e mantida pelo Poder Judiciário. É responsável pela implantação da certificação digital do Judiciário em todas as suas esferas. Desenvolve aplicações específicas para comunicação e troca de documentos, bem como adota políticas de certificação com validade legal, que viabilizam a implantação do processo judicial de informatização.
Em São Paulo, o Tribunal de Justiça aderiu à Autoridade Certificadora Serasa (AC-Serasa), entidade credenciada e submetida ao padrão de ICP-Brasil. Entre julho e agosto de 2007, todos os magistrados da 1.ª Instância (1.680) e todos os desembargadores obtiveram a emissão da certificação digital.[7]
No intuito de facilitar a disseminação e a massificação da certificação digital no Brasil, em reunião realizada em 29.10.2007, o Comitê Gestor da ICP-Brasil (Cotec), órgão vinculado ao ITI, que regula o funcionamento da Certificação Digital no Brasil, deliberou permitir a emissão de certificados digitais para a população brasileira pelos notários e registradores. A autoridade certificadora notarial (AC notarial) reunirá os notários brasileiros; já a autoridade certificadora brasileira de registro (ACBR) abrangerá os registradores públicos brasileiros (Registro Imobiliário, Registro Civil e Registro de Títulos e Documentos). Dessa forma, os cartórios previstos no art. 236 da Constituição Federal, podem solicitar e obter autorização para funcionar como “Instalações Técnicas”, formalmente vinculadas às suas respectivas autoridades de registro (AR) credenciadas, sendo os serventuários autorizados a atuar como agentes de registro. Para os efeitos regulares dessa atividade, considera-se “instalação técnica” o ambiente físico de uma AR, cujo funcionamento foi devidamente autorizado pelo ITI, onde serão realizadas as atividades de validação e verificação da solicitação de certificados. Tais serviços só poderão ser oferecidos pelas serventias que atenderem os requisitos necessários para obter a concessão e autorização de funcionamento junto ao Cotec, devendo, ainda, atender às determinações do Conselho Nacional de Justiça e da Corregedoria Nacional de Justiça, no tocante aos parâmetros jurídicos para a delegação desta nova atribuição aos notários e registradores.[8]
2.4. Autoridade certificadora da OAB
Relativamente à prática de atos processuais por advogado, acrescente-se que a OAB defende a tese de que para essa finalidade somente deve ser admitido o certificado eletrônico expedido pela própria entidade, já que, por lei, lhe foi atribuída a competência exclusiva para promover a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados de toda a República Federativa do Brasil (art. 44, II, da Lei 8.960/94). A novidade é que a entidade já se encontra em condições de emitir o certificado eletrônico.
Em 05 de setembro de 2008, concedeu-se autorização para que a OAB passe a atuar como Autoridade Certificadora de segundo nível, vinculada à AC Certising de primeiro nível e detentora de nova plataforma criptográfica. Dessa forma, a OAB foi credenciada como AC na Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e, por força disto, a OAB poderá fornecer aos advogados de todo o país a assinatura digital para que atuem nos tribunais, fóruns e varas que adotem sistemas de processos judiciais informatizados.[9]
Segundo comunicado divulgado pela Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Federal da OAB, centenas de milhares de advogados inscritos e não suspensos de suas atividades terão de substituir sua carteira funcional. Essa substituição incluirá a confecção de nova carteira, contendo um chip que substituirá o polegar do advogado, permitindo que este faça a assinatura digital para realizar as práticas processuais. Outras novidades da carteira encontram-se na utilização do policarbonato, material mais resistente do que PVC, e na fotografia do profissional, outrora impressa e colorida, será gravada a laser, o que dará maior fidelidade à imagem. Reunindo tais informações, a carteira será acoplada a um leitor de cartão conectado ao computador e uma vez inserida a senha pelo advogado, suas petições poderão ser assinadas digitalmente e dessa forma remetidas eletrônica e diretamente aos tribunais, com a garantia de serem protegidas por um sistema criptografado, que dificultará a ação de eventuais fraudadores de mensagens, pois ações dessa natureza deixarão vestígios que poderão auxiliar na identificação de hackers.[10]
Desta forma, tal como ocorre com a AC-JUS, com segurança e confiabilidade a AC-OAB pode autenticar as assinaturas digitais de todos os advogados regularmente inscritos na instituição. Aproveita dizer que no Estado de São Paulo, a AASP, entidade que em 2007 congregava mais de oitenta mil advogados, inaugurou, na sede da entidade, o funcionamento da Autoridade de Registro (AR-AASP) devidamente cadastrada na ICP-Brasil. A partir disso, tornou-se habilitada a atender, identificar e cadastrar os advogados associados, interessados em adquirir o certificado digital, documento essencial para se poder enviar aos tribunais as petições e recursos eletrônicos.[11]
Também para a OAB, a questão da segurança é de primordial importância. A entidade se prepara para conceder a assinatura digital aos afiliados inscritos e pretende cumprir esta tarefa com total segurança. O sistema a ser adotado não foge à regra, ou seja, gera um par de chaves criptográficas, sendo uma pública e outra privada, e, por isso, a assinatura digital é o resultado de uma operação matemática baseada em dois parâmetros: um é o resumo matemático do documento que vai ser assinado (conhecido por Hash); e o outro é a chave privada. O resumo matemático do documento criptografado mais a chave privada dão conformidade à assinatura digital, que é própria e única. Quanto à autenticidade da assinatura digital a ser verificada no computador receptor, é preciso que este aparelho extraia do documento o resumo matemático (Hash),[12] e aplique a chave pública para obter a mesma assinatura do emissor. Argumenta-se, ainda, que o sistema assegura até mesmo a integridade do documento, isto é, se ele tiver sido alterado, ainda que minimamente (por exemplo, se tiver um espaço a mais), a seqüência matemática se apresentará modificada e a assinatura digital não será confirmada, ao contrário, será invalidada por não coincidir com o original.[13]
Mesmo diante de todas essas garantias de segurança do sistema,[14] pondera-se que o modelo de confiabilidade montado para colocar em prática a informatização do processo judicial não pode ser considerado absolutamente indevassável. Por melhor que seja a técnica de criptografia instalada em qualquer sistema digital do mundo, sempre haverá um grão de vulnerabilidade em sua estrutura, capaz de ser descoberto e violado pelo hacker. E certamente sempre haverá o aprimoramento dos mecanismos de proteção para evitar prejuízo às partes e ao Estado-Juiz.
Prevalece, no entanto, o entendimento no sentido de que o certificado digital é um documento eletrônico que oferece a oportunidade ao usuário de utilizar a assinatura digital, permitindo a troca de documentos, com autenticação, sigilo e integridade de conteúdo.
2.5. Assinatura em cadastro do Judiciário
A análise se volta agora para o outro modelo de assinatura eletrônica de identificação inequívoca do signatário, isto é, aquele no qual a assinatura eletrônica se perfaz mediante cadastramento do usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos (alínea b do inc. III do § 2.º do art. 1.º da Lei 11.419/2006).
Primeiramente deve-se conciliar a interpretação da regra acima com outra também prevista na própria Lei de Informatização do Processo Judicial, que se apresenta nos seguintes termos: “O envio de petições e recursos, bem como a prática de atos processuais em geral, por meio eletrônico, serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos” (art. 2.º, caput, da Lei 11.419/2006).
Ora, se formos interpretar esse dispositivo ao pé da letra, a assinatura eletrônica somente poderá ser obtida pelo advogado mediante cadastramento junto ao Poder Judiciário, eis que obrigatório (é o que diz o texto, conflitando com a letra a do inc. III do § 2.º do art. 1.º da Lei 11.419/2006).
Tal raciocínio conduziria à conclusão de que a assinatura eletrônica obtida em sua forma digital (letra a) seria inócua, para fins processuais, já que o credenciamento perante o Judiciário (letra b) constituiria sempre a forma obrigatória de obtenção.[15] Não é desta forma que pensamos. Quando ocorre conflito de normas expedidas pela mesma lei, a interpretação que se deve dar é aquela mais consentânea com a própria finalidade do diploma legal e desde que seja a menos onerosa para as partes. No caso, a Lei de Informatização do Processo Judicial tem por escopo simplificar a tramitação de processos e facilitar a comunicação de atos e a própria transmissão de peças processuais. Em vista disso, se a assinatura digital do advogado basear-se em certificado digital emitido por AC credenciada, torna-se desnecessário o credenciamento prévio no Poder Judiciário (prevalece o disposto na letra a em prejuízo da “obrigatoriedade” anotada na letra b).
Preferimos pensar que o legislador quis encontrar uma saída coerente para o longo período de transição que o novo sistema demandará até concluir todas as etapas de implantação do processo judicial eletrônico na totalidade do território brasileiro. Devemos considerar, ainda, que mesmo durante a tramitação do projeto de lei que resultou na edição da Lei de Informatização do Processo Judicial, alguns tribunais e juízos já haviam implantado sistemas informatizados de processamento e acompanhamento de ações judiciais.[16] Daí por que o legislador preferiu optar pelas duas espécies de assinatura eletrônica, notadamente para não desautorizar as experiências tecnológicas já em funcionamento e bem-sucedidas.[17]
Estando o sistema plenamente apto a produzir processos informatizados ou semi-informatizados e havendo indefinição do interessado quanto a obter o acesso ao sistema mediante a obtenção de assinatura digital autenticada por AC, a assinatura eletrônica (gênero) poderá ser obtida por via do credenciamento do usuário junto ao Tribunal. Tudo isto sem importar indevida interferência do Judiciário no controle da atividade profissional do operador do direito. Efetuado o credenciamento, bastará ao credenciado digitar o login e a sua senha para ter acesso ao sistema, que foi planejado para operar com segurança. Respeitamos o entendimento contrário manifestado por alguns dignos especialistas,[18] mas, a nosso ver, esse credenciamento tem finalidade certa, restrita, necessária no caso de impossibilidade de se obter a assinatura pela via digital. Ele não é desproporcional, e, com a devida vênia, nenhum prejuízo acarreta para a OAB e para os advogados, ressalvada, é claro, a opção pela obtenção da assinatura digital perante a AC-OAB, conforme anotamos no subitem anterior. [19]
3. Meios eletrônicos admitidos no processo penal
Nas linhas acima tivemos oportunidade de destacar diversas modificações inseridas pela Lei 11.419/2006 no Código de Processo Civil. Tais providências impulsionaram com maior vigor a informatização do processo trabalhista e do próprio processo civil. Nessas áreas da Justiça começam a despontar pelo País as Varas Judiciais Digitais, bem como os Juizados Especiais Informatizados, suficientemente equipados para operacionalizar os processos eletrônicos, fato este que tem permitido a obtenção de excelentes resultados no oferecimento da prestação jurisdicional. Também se nota que os Tribunais Superiores (especialmente o STF e o STJ) já implementaram sistemas que permitem a tramitação de recursos interpostos contra decisões de Tribunais de Instâncias inferiores, bem como a propositura de ações de sua competência, tudo por meio de sistema eletrônico. Enquanto o sistema de peticionamento eletrônico se consolida nas áreas mais dinâmicas do Judiciário, na Justiças Estaduais, notadamente no âmbito da Justiça Penal, o progresso tem sido mais lento.
Quanto ao processo penal, pode-se dizer que o legislador agiu inicialmente com exagerada timidez. A bem da verdade, a edição da mencionada Lei do Processo Judicial Informatizado, ao contrário do que foi feito em relação à lei processual civil, não provocou qualquer inovação ou modificação explicita de dispositivo do Código de Processo Penal. Esta cautela decorre do entendimento de que no embate existente entre o jus puniendi e o jus libertatis, presente em toda ação penal, o direito à liberdade sobressai como bem de inestimável valor para a humanidade. Daí o cuidado em se deixar para momento posterior a autorização que faculte a introdução de métodos eletrônicos. Mas eles também já começaram a penetrar no processo penal.
Exemplo disto pode ser encontrado na norma que dispõe sobre a realização da audiência de instrução e julgamento, na qual se dá a concentração de atos pertinentes à produção das provas, mediante as quais, as partes procuram demonstrar a veracidade de suas alegações. Deu-se um importante passo rumo à admissão dos meios tecnológicos para a simplificação dos atos, pois, sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios e recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. E no caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição (art. 405, §§ 1º e 2º do CPP, com a redação dada pela Lei 11.719/2008). Destarte, estando tudo gravado, mesmo em caso de prova colhida pelo juízo deprecado, o julgador da causa, e o próprio tribunal, em caso de recurso, poderão rever todos os atos e provas com o apoio da tecnologia.
Mais a mais, em seu aspecto formal, isto é, no tocante ao modo como podem ser os atos praticados, evidentes são os sinais de que o processo penal passa a ser moldado por uma nova legislação que o conduz inevitavelmente ao estágio de processo semi-informatizado. Papel relevante nessa moldagem é de ser atribuído à edição da Lei n. 11.900, de 08 de janeiro de 2009, que prevê a possibilidade de realização não apenas do interrogatório, mas também de outros atos processuais por sistema de videoconferência. Dessa forma, foram modificados e inseridos alguns dispositivos no Código de Processo Penal, a respeito do quais vamos aduzir alguns comentários nos subitens abaixo.
3.1 Videoconferência
Define-se a videoconferência (ou teleconferência) como uma sessão de comunicação em vídeo entre duas ou mais pessoas geograficamente separadas. Trata-se de mais um meio tecnológico ligado à Internet, que já foi posto em prática por alguns tribunais brasileiros com o objetivo de otimizar a realização de atos processuais e também para facilitar a própria comunicação entre os seus órgãos.
Consideramos que a convalidação do uso da videoconferência no processo penal foi selada com o surgimento da Lei de Informatização do Processo Judicial. Segundo dispõe este diploma, são válidos os atos processuais praticados por meio eletrônico, desde que tenham atingido sua finalidade e não tenha havido prejuízo para as partes (art. 19 da Lei 11.419/2006). Ora, a aplicação analógica e a interpretação extensiva (ambas autorizadas pelo art. 3º, CPP) são benéficas para se atingir os fins objetivados pelo processo penal e pela justiça penal. Assim, podemos afirmar que a combinação dessas normas dá fôlego às iniciativas processuais pioneiras adotadas pelos tribunais e varas criminais espalhados pelo País no tocante à utilização do sistema de videoconferência na realização de atos.
É óbvio que para ser colocado em operação, interligando na rede a comunicação audiovisual entre as varas judiciais e edifícios externos, o sistema de audiência por videoconferência demanda necessariamente o uso de câmeras de vídeo, aparelhos de televisão, aparelhos telefônicos e computadores, além da adaptação de salas especiais apropriadas ao funcionamento dessa tecnologia. Parece relevante acrescentar que o sistema informatizado em análise não é uma iniciativa pioneira de nossos tribunais. Muitos países vêm regulamentando e autorizando a realização de atos processuais com o emprego de tecnologias audiovisuais, sempre com o intuito de facilitar a distribuição da Justiça e acelerar a resposta penal adequada para os criminosos.
Por exemplo, nos EUA, desde 1983, está prevista a utilização do vídeo-link em matéria processual, tanto no âmbito federal quanto no estadual, sendo permitida a realização de depoimentos e interrogatórios com o fito de evitar o contato das vítimas com seus agressores, servindo a medida também para preservar a integridade dos acusados nos casos de grande repercussão social.
Na Itália, primeiro país europeu a introduzir a utilização da videoconferência, convertendo-se no marco da atuação judicial contra a máfia, já em 1992, passou a admitir que as testemunhas prestassem seus depoimentos em lugares remotos e secretos, a fim de lhes garantir a segurança.[20] Atualmente emprega-se essa tecnologia para a oitiva de presos perigosos, em hipóteses estritamente definidas por sua legislação. Mais um exemplo: Lei italiana 11, de 07.01.1998, que trata da videoconferência (participação processual a distância), promulgada para reduzir o deslocamento de presos e obter economia processual. Giovanni Buonomo, ao discorrer sobre o processo telemático italiano, afirma que a tecnologia da informação (que permite ver por meio da videoconferência os sujeitos fisicamente distantes) constitui “instrumento de atuação dos valores da democracia ínsitos no contraditório entre as partes. E que esses valores são, em outros termos, o instrumento pelo qual se garante a eficiência do serviço judiciário, o diálogo do juiz com as partes, a oralidade das tratativas e a imediatidade de uma decisão colada na realidade social da qual o juiz é parte vivente”.[21]
Ampliando a adoção dessa sistemática, a União Européia ratificou, em 2000, o Tratado de Assistência Judicial em matéria penal, o qual, em seu art. 10, criou a possibilidade de realização de atos processuais com a utilização de tecnologia audiovisual. Em França, por força da Lei de 15.11.2001, deu-se a reforma do Código de Processo Penal (art.706.71), estando previsto que, “quando as necessidades do inquérito ou da instrução o justifiquem, pode utilizar-se a videoconferência para a inquirição ou interrogatório de uma ou várias pessoas”. A própria lei dispõe que “estas disposições são igualmente aplicáveis para a execução simultânea, em um ponto do território da República e outro situado no exterior, de demanda de cooperação judicial internacional proveniente de autoridades judiciais estrangeiras ou de petições formuladas a autoridades judiciais francesas para execução no estrangeiro”. E a mesma lei ainda autoriza a utilização desta tecnologia para a proteção de determinadas testemunhas.[22]
Igualmente no Reino Unido, por força da Lei Geral sobre Cooperação Internacional em matéria criminal, desde 2003 admite-se a coleta de depoimentos testemunhais por meio de videoconferência na Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e no País de Gales. Na Espanha, a Lei Orgânica do Poder Judiciário (art. 230) admite a tomada de depoimentos por videoconferência na jurisdição criminal, especialmente para a preservação de vítimas e testemunhas, a fim de que não sejam vistas e/ou ameaçadas pelos acusados. José De La Mata Amaya, estudioso dessa matéria, diz que a “Austrália, Canadá e a Índia, países caracterizados por suas dimensões geográficas extraordinárias, também implementaram o sistema como uma resposta ao seu próprio gigantismo geográfico, com inversão imprescindível para garantir o acesso a Justiça em comunidades remotas, ou para reduzir os custos do processo. E acrescenta que em outros casos, como em Singapura, a aposta integral nas novas tecnologias incorpora a videoconferência dentro de seus planos de modernização da justiça”.[23]
Também está prevista a possibilidade da utilização da videoconferência no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, em vigor no âmbito internacional desde 1.º.07.2002, e que teve seu texto aprovado pelo nosso Direito por meio do Dec. Legislativo 112/2002, sendo em seguida promulgado entre nós pelo Dec. Presidencial 4.388, de 25.09.2002. Nele está estabelecido que o Tribunal pode permitir que uma testemunha preste declarações oralmente ou por meio de gravação em vídeo ou áudio, sem que isto importe em prejuízo para os direitos do acusado e nem ser incompatíveis com eles (cf. arts. 68, n. 2, e 69, n. 2).
Muitas são as evidências de que a utilização da videoconferência vem sendo validamente reconhecida no direito de nações estrangeiras. Além do quanto já foi anotado, não podemos olvidar que a ONU a inseriu em diversos documentos internacionais. É o que se verifica na Convenção da ONU contra a Corrupção, de dezembro de 2003, também chamada de Convenção de Mérida, que traz disposições sobre o sistema de videoconferência, em seus arts. 32, § 2.º, e 46, § 18. Igualmente na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, denominada Convenção de Palermo, está previsto o uso da videoconferência. Segundo dispõe o seu art. 18, n. 18, “quando houver necessidade de oitiva por autoridade judicial de uma pessoa de outro país, na qualidade de testemunha ou perito, poderá ser requerida sua audição por videoconferência.” E mais: nos termos desta Convenção, os países-partes podem acordar em que a audição seja conduzida por autoridade judicial do país requerente, assistida por outra do país requerido. Vale a pena ressaltar que essa Convenção de Palermo foi ratificada pelo Brasil, sendo desta forma introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pelo Dec. 5.015, de 12.03.2004.
Certo é que vários atos da instrução processual podem ser realizados pelo sistema de videoconferência, tais como: videodepoimento; vídeointerrogatório; vídeorreconhecimento; vídeossustentação da defesa perante tribunais. Nesta exposição vamos abordar os dois primeiros.[24]
3.2 Videodepoimento
Há situações, plenamente justificáveis, em que se torna inviável a realização da audiência única contando com a presença, no mesmo dia, local e horário, de todos aqueles que devam participar da instrução do processo (tais como a vítima, testemunhas, perito, intérprete etc.). É claro que a regra geral a ser aplicada é a de que o réu deve presenciar o depoimento da testemunha, do ofendido e das demais provas contra ele produzidas. Trata-se de respeitar o direito de confrontação, que se confere ao acusado na produção da prova oral (teoria do right of confrontation). Todavia, essa regra não é absoluta, tanto que o legislador assim a excepciona:
“Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor”. Adotando esta medida, o juiz a fará constar do termo de audiência, assim como os motivos que a determinaram (art. 217, caput, e parágrafo único, c.c. o art. 185, § 2º, III, do CPP).
Deduz-se então que o videodepoimento (da testemunha ou da vítima) poderá ser determinado desde que se coloque em risco o descobrimento da verdade mediante a possibilidade de o acusado causar: humilhação (vexame, afronta, ultraje); temor (medo); ou sério constrangimento (coação). Deverá o juiz fundamentar sua decisão numa dessas hipóteses, com expressa referência aos motivos que a determinaram, sob pena de nulidade do ato. Mais ainda: o depoimento virtual poderá ser colhido quando a testemunha ou o ofendido estiver preso (§§ 8º e 9º do art. 185, CPP).
Acrescenta-se que, antes mesmo da edição das Leis ns. 11.690/2008 e 11.900/2009 (ou seja, aquelas que introduziram as modificações previstas no art. 217 e nos parágrafos do artigo 185, CPP), a viabilidade da produção de prova oral por meio eletrônico já tinha sido textualmente admitida por alguns tribunais brasileiros. Vamos trazer, como exemplo, o Provimento COGE 74, de 11.01.2007, expedido pela Corregedoria-Geral da Justiça Federal da 3.ª Região, que autoriza os juízes federais, nos locais em que já se encontrem instalados os equipamentos próprios, a realizarem, pelo sistema de teleaudiência, a instrução penal (oitiva de testemunhas de acusação e defesa) de réus presos nos estabelecimentos prisionais Desembargador Adriano Marrey, localizado em Guarulhos, e na Penitenciária Cabo PM Marcelo Pires da Silva, sediada em Itaí, bem assim naqueles que vierem a ser integrados posteriormente.
3.3 Carta precatória e videoconferência
Toda oitiva de testemunha que resida fora da jurisdição do juízo será colhida por carta precatória, nos termos do art. 222, §§ 1º e 2º, CPP. A forma tradicional de se realizar este ato (expedição de carta escrita em papel e enviada pelo Correio) deve ser futuramente abandonada, eis que também aqui se consumou o ingresso da tecnologia para fins de agilização da tomada de depoimento. Tal modificação foi ditada pela Lei n. 11.900/2009, que incluiu o § 3º no art. 222, CPP, e, especialmente no que toca à carta precatória, quando a testemunha morar fora da jurisdição do juiz, estabelece que a sua oitiva pode ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real. Nesse caso, deve-se permitir a presença do defensor e a transmissão pode ser concretizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
Quanto às cartas rogatórias, deve-se considerar a determinação do legislador no sentido de que a expedição de tais documentos só pode ocorrer se for demonstrada previamente a sua imprescindibilidade, e em tal caso a parte requerente arcará com os custos de envio (art. 222-A, caput, CPP).
Sem embargo dessa pronta liberação legal para a aplicação do sistema, o certo é que a sua implementação, no tocante ao envio e recebimento de cartas judiciais por meio eletrônico, pressupõe a disseminação da informatização tecnológica na estrutura dos mais diversos órgãos e instâncias da justiça penal.
3.4 Videointerrogatório
Sem sombra de dúvida, o ato processual penal apoiado nos modernos sistemas de tecnologia da informação, que maior número de críticas doutrinárias recebeu até agora, é o vídeointerrogatório. Vamos traçar o resumo da problemática que se criou em torno do assunto.
Recorde-se que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, inspirando-se na Lei Estadual 11.819/2005, autorizou a realização de interrogatórios por videoconferência. Essa sistemática passou a ser adotada em algumas Varas Criminais da Capital. Diante disso, respeitáveis autores se opuseram formando uma corrente doutrinária que apontou os seguintes empecilhos à aceitação do sistema de vídeointerrogatório: (1) desrespeito ao direito da ampla defesa; (2) descrédito à dignidade da pessoa humana; (3) descumprimento da cláusula do devido processo legal; (4) ofensa aos pactos e acordos internacionais; (5) restrição à publicidade dos atos processuais.
Em contrapartida, outra corrente formada pelos defensores do videointerrogatório, além de negar a existência de inconstitucionalidade da lei ou de qualquer dos vícios acima apontados, sustentou a sua legitimidade e ainda descreveu uma série de benefícios proporcionados pelo sistema, tais como: (a) sua compatibilidade com o princípio constitucional da celeridade processual (art. 5.º, LXXVIII, CF); (b) o fato de o sistema atender, com perfeição, ao princípio da efetividade da jurisdição (art. 5.º, XXXV, CF); (c) existir pactos e acordos internacionais recentes admitindo a utilização da videoconferência na realização de atos processuais; (d) evitar o deslocamento de réus a grandes distâncias, economizando tempo e recursos materiais; (e) diminuir o risco de fuga ou resgate de criminosos perigosos; (f) propiciar maior segurança aos juízes, membros do Ministério Público, advogados, serventuários da Justiça, população e ao próprio detento; (g) liberar os policiais atuantes na condução de presos para a ação em outras missões de segurança pública e de investigação; (h) reduzir gastos utilizados na escolta e no transporte de presos.
Levou-se a questão ao conhecimento dos Tribunais Superiores. No STJ, o videointerrogatório não foi de pronto considerado ilegal, sendo editadas algumas decisões confirmando a sua validade. Já no STF, após terem sido negadas algumas liminares, surgiu o julgado que anulou um processo “ante a falta de previsão legal para a realização do interrogatório por videoconferência”.[25] Na sequência, também no STF, por maioria de votos, novamente declarou a rejeição do interrogatório pelo sistema de videoconferência, agora sob o fundamento de que a mencionada Lei Estadual 11.819/2005, padecia de vício de origem, já que compete privativamente à União legislar sobre direito processual (art. 22, I, da CF). [26] A respeito desta respeitável decisão, rogamos vênia para sustentar o nosso entendimento, no sentido de que o alegado vício de origem não existia, pois a regulamentação de que tratou referida lei estadual envolvia matéria de procedimento (ou seja, a forma como os atos podem ser praticados) e não de processo (matéria de fundo). E isto é permitido nos termos do art. 24, XI, da CF. De qualquer modo, hoje a situação é outra.
Afinal, tais acontecimentos precipitaram a edição da mencionada Lei n. 11.900, de 08 de janeiro de 2009, por força da qual, o videointerrogatório passou a ser realidade em nosso ordenamento jurídico. Todavia, esta modalidade de interrogatório virtual é autorizada em caráter excepcional, podendo o juiz, em decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:
I – prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;
II – viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;
III – impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 do CPP;
IV- responder a gravíssima questão de ordem pública (tudo conforme dispõe a atual redação do § 2º, incs. I, II, III, IV do art. 185, CPP).
Se não houver fundamentação baseada em circunstâncias reais do caso concreto, o ato será declarado nulo. Em relação às condicionantes impostas, quanto às duas primeiras não há observações adicionais a fazer. Quanto à terceira, será necessário que o juiz tenha prévio conhecimento de que o réu influenciará no ânimo de testemunha ou da vítima, pois as partes devem ser intimadas com dez dias de antecedência da realização do ato (§3º, art. 185, CPP). E sobre a quarta e última dessas motivações, ou seja, existência de “gravíssima” questão de ordem pública, trata-se de situação que fica de certa forma submetida ao critério subjetivo do julgador, a quem caberá explicitar a situação que possa ser assim considerada.
Indo além, o legislador determina que sejam tomadas as cautelas que visam preservar o regular desenvolvimento do devido processo legal, a saber:
1) Antes de se iniciar o interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e 531 do CPP;
2) Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso;
3) A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil (tudo conforme consta dos §§ 4º, 5º e 6º do referido art. 185, CPP).
Os requisitos e cautelas mencionados nos parágrafos acima serão aplicados, no que couber, na realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa. Incluem-se neste rol: a acareação; o reconhecimento de pessoas e coisas; a inquirição de testemunha; a tomada de declarações do ofendido (é o que determina o § 8º, art. 185, CPP). Em tais hipóteses se garantirá o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor (§ 9º, art. 185, CPP).
De sorte que, com a edição da Lei 11.900/2009, desapareceu o aparente vício formal de constitucionalidade (inexistência de lei federal). Ademais, convém sublinhar que o modelo operacional do sistema de videoconferência adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, supera, em muito, as cautelas do devido processo legal exigidas pela recentíssima lei federal. Atende-se perfeitamente às exigências dos postulados da legítima defesa e do contraditório. O julgador tem plenas condições de comandar os sistemas eletrônicos disponibilizados para o ato, podendo captar visualmente todas as expressões faciais do depoente ou do réu, bem como os movimentos que ocorrerem na sala de audiência. Acobertada de legalidade e como se trata de matéria processual, em nosso entendimento, pode ser aplicada retroativamente naqueles processos em que os acusados foram interrogados desta forma, convalidando-se os atos, desde que não tenha ocorrido prejuízo a sua defesa.
Acolhe-se o princípio da instrumentalidade das formas, que se inspira em regra processual basilar, segundo a qual, os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, preencherem a finalidade essencial (art. 572, II, CPP). Em razão disso e de tudo quanto foi dito acima, conclui-se que não se declara a nulidade de ato processual sem que ocorra prejuízo para a parte (art. 19 da Lei 11.419/2006, combinado com o art. 563, CPP); e muito menos se declara a nulidade de ato que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa (art. 566, CPP).
Mantemos o nosso entendimento no sentido de que o interrogatório realizado com o emprego dessa moderna tecnologia é válido. Não defendemos a sua utilização como regra geral e indiscriminada, pois o ideal é que o interrogatório seja realizado pessoalmente, na presença do juiz (como, aliás, determina o art. 185, caput, e § 1º, CPP). Mas, havendo justificativa, expressamente consignada pelo magistrado nos autos, não encontramos óbice que prejudique o pleno exercício da ampla defesa ou qualquer outro direito sagrado do réu.
Sem embargo deste posicionamento, como ainda não estamos lidando com uma questão pacificada pela jurisprudência, certamente o STF será, em breve tempo, novamente provocado a se manifestar sobre os argumentos de inconstitucionalidade e nulidade supostamente impregnados na lei em foco, aliás já levantados, como vimos, pela corrente doutrinária contrária à implantação do videointerrogatório. A nossa esperança é a de que, para o bem da sociedade da informação, seja confirmada a constitucionalidade da Lei 11.900/2009, pois, reiterando o raciocínio já exposto, a legislação em espécie não fere a garantia do devido processo legal.
4. Conclusão
Desta breve noção sobre o aproveitamento de sistemas tecnológicos no processo judicial em geral, podemos abstrair, que somente iniciamos a caminhada por uma estrada cujo percurso não está perfeitamente delimitado. A distância a ser percorrida na viagem com destino à informatização do processo ainda é uma incógnita para todos nós.
O projeto arquitetônico do processo judicial eletrônico ainda se encontra em sua fase preambular de desenvolvimento. Só temos a certeza de que a sua utilização se tornará, em apenas alguns anos, o sistema padronizado e de acesso rotineiro nos pedidos de tutela jurisdicional. A nosso ver, o processo judicial “presencial” não irá desaparecer totalmente, notadamente na área penal, mas a informatização geral da maioria dos procedimentos judiciais parece ser inevitável.
Ao finalizarmos este comentário, voltamos a mencionar o professor Zuffo. Em uma de suas crônicas futuristas (pós-Infoera), antecipando fatos e situações prováveis que ocorrerão no ano 2038, o ilustre cientista narra o seguinte acontecimento hipotético. “Naquele ano (2038), Gaspar havia assassinado um ser humano. E, mais ainda, havia permitido que toda informação contida no cérebro da vítima fosse destruída, tornando irrecuperável, mesmo no futuro, a reconstituição total dessa pessoa. O levantamento das condições em que o crime ocorrera e de suas motivações foi rápido, realizado por meio das declarações de Gaspar, das pistas e das provas encontradas, e por intermédio do perfil psicológico e características do DNA do réu. Simulações precisas permitiram a reconstituição detalhada do crime e mostravam minuciosamente, por meio de avatares, como esse ato violento fora executado. O julgamento também foi rápido. Os advogados de Gaspar, reais e virtuais, levantaram precedentes e criaram simulações alternativas por meio de variações dos parâmetros, porém a culpa do réu, nesse caso, estava cabalmente comprovada. Os jurados, embora brasileiros, encontravam-se em diferentes pontos do planeta. Todos eram humanos, pois ainda não se aceita que VANVs (VANV -Vida Artificial Neuronal Virtual) venham arbitrar questões humanas, por menores que sejam. O júri popular, em si, seguindo a tradição, é também agora colocado em isolamento, porém apenas durante algumas horas, enquanto tomam conhecimento do caso e de sua reconstituição virtual, trocam idéias e analisam situações alternativas emuladas por seus clones pessoais. Chegando à conclusão, a comunicam ao juiz, que emite a sentença. No caso de Gaspar, autor de um crime considerado hediondo, foi condenado a 25 anos de prisão virtual, cuja punição decorre de uma nova tecnologia prisional em que, por meio de uma pastilha implantada em comunicação com seu cérebro, faz com que o condenado veja-se permanentemente em uma cela individual, como se estivesse em uma prisão real. É proibida qualquer comunicação com o mundo externo, embora dependendo do tipo de condenação o presidiário possa ter acesso a programas televisivos não interativos, e a livros ou informações que possam enriquecer seu conhecimento cultural. Semanalmente existe direito ao tradicional banho de sol, agora virtual. Fisicamente, o preso pode estar em uma colônia prisional aberta, tomando sol diariamente e se alimentando bem, porém as informações que chegam ao seu cérebro são apenas aquelas ditadas pela sua sentença. Com isso, o preso vê-se sempre dentro de uma cela, com exercícios e banhos de sol semanais. Todos os demais presos que este sente e vê são na verdade avatares virtuais, com função precípua de recuperá-lo e educá-lo para a sociedade. Uma eventual agressão deste preso sobre um avatar, quer seja presidiário, quer seja guarda do presídio, coloca-o em uma cela solitária virtual. Presos mais perigosos, que poderiam ser libertados por seus comparsas, são colocados em órbita geoestacionária, com sistemas inerciais de gravidade artificial e sob a supervisão de Gaia. Há mais de dez anos não há nenhum caso de fuga, de revolta de presos ou de presos libertados à força de prisões virtuais, a não ser que sejam naturalmente integrados à sociedade.”[27]
Obviamente não temos condições de saber se o professor Zuffo fez mais uma previsão certeira, tal qual aquela mencionada no principio desta exposição, quando anteviu a ocorrência da grave crise mundial que se abateu sobre os empregos em geral. De fato, a única certeza que agora temos é a de que o desenvolvimento tecnológico deve ser aproveitado plenamente pelo Estado em seus procedimentos e nas atividades de manutenção da segurança e da paz social. Claro que a tecnologia, por si, não resolverá todos os problemas, pois à sua frente, dominando a máquina, sempre estará o homem. Mas, a Justiça dela necessita utilizar em seus procedimentos para otimizar a prestação jurisdicional.
Por derradeiro é preciso dizer, que no raio de atuação do futuro bacharel em Direito, seja qual for o ofício jurídico que vier exercer, deverá o profissional desta área demonstrar ser possuidor de plenos conhecimentos jurídico-legais, teóricos, práticos e jurisprudenciais, principalmente em relação àqueles que necessariamente envolvem a preservação das garantias públicas e os direitos fundamentais conquistados pela humanidade. Mas não é só. Será preciso demonstrar também que está tecnicamente preparado para dominar os procedimentos judiciais eletrônicos que forem implantados ao longo do tempo. Dessa realidade não será possível se afastar. Daí a atribuição relevante que desde hoje se entrega às Escolas Superiores da Magistratura, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da OAB, da Polícia, bem como às Faculdades de Direito. Todas as instituições educacionais e preparatórias da atividade técnico-jurídica devem proporcionar aos futuros operadores do Direito os melhores ensinamentos jurídicos, mas, também devem dar-lhes as condições necessárias para que possam compreender e amealhar os conhecimentos básicos necessários que os capacitem a exercer com desenvoltura e eficiência as atividades práticas em processos judiciais eletrônicos.
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