Art. 15 do NCPC: A integração do processo do trabalho na perspectiva da teoria das lacunas do sistema jurídico

Resumo: O presente artigo objetiva analisar o alcance do art. 15 do NCPC e seus reflexos sobre o processo do trabalho, focando nos critérios adotados pela doutrina para distinguir a aplicação subsidiária da aplicação supletiva. Após a análise crítica do texto legal, da doutrina e da jurisprudência relativa ao tema, este estudo conclui que o parâmetro baseado na distinção entre lacunas normativas, ontológicas e axiológicas revela-se o critério mais adequado, por permitir o aperfeiçoamento do processo do trabalho.

Palavras-chave: Novo Código de Processo Civil. Aplicação supletiva. Aplicação subsidiária. Lacunas do sistema jurídico. Autonomia do processo do trabalho.

Abstract: This article aims to analyze the reach of the Article 15 of the New Civil Procedure Code and its reflexes on labor process, focused on the criteria adopted by the doctrine to distinguish supplementary and subsidiary applications. After the critical analysis of the legal texts, the doctrine and the jurisprudence relating to the theme, this study concludes that the parameter based on distinction of normative, ontologic and axiologic gaps shows the best adequation, for allowing the enhancement of labor process.

Keywords: New Civil Procedure Code. Supplementary application. Subsidiary application. Gaps of law. Autonomy of the labor process.

Sumário: Introdução. 1. Aplicação supletiva x subsidiária: sistematização dos critérios distintivos adotados pela doutrina. 2. Os desafios da sistematização. 3. A teoria das lacunas na concepção de Maria Helena Diniz. 4. A interpretação histórica e teleológica do art. 15 do CPC/15. 5. A máxima concretização de princípios constitucionais. 6. A compatibilidade com o art. 769 da CLT. 7. O incremento da autonomia do processo do trabalho. 8. Abordagem crítica dos parâmetros adotados pela doutrina. 9. Superação das objeções ao parâmetro da natureza da lacuna do direito. 10. A posição do Tribunal Superior do Trabalho. Conclusão. Referências.

Introdução

Em 16 de Março de 2017 completou-se um ano de vigência da Lei 13.105/15 (Código de Processo Civil), diploma que funciona desde então como "a principal fonte do direito processual no ordenamento jurídico brasileiro"[1].

A antiga discussão quanto à aplicabilidade das normas de processo civil ao processo do trabalho ganhou fôlego e novos contornos neste primeiro ano de vigência do Novo Código de Processo Civil (NCPC), notadamente em virtude da redação do seu art. 15: "Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente"[2].

O dispositivo, inexistente nos códigos processuais anteriores, inova ao adentrar matéria que costuma ser tratada pelos sistemas normativos receptores, já que a estes, em regra, cabe estabelecer qual fonte será aplicada para suprir suas lacunas e em que medida tal colmatação se verificará.

A opção do legislador vem sendo criticada por parcela dos processualistas laborais, sob o argumento de que o CPC/15, na condição de regra geral processual, invadiu competência de um ramo especializado (trabalhista) já materializada no art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho e sistematizada pela jurisprudência especializada[3], colocando em risco a autonomia científica do processo do trabalho.

No presente estudo, parte-se da tentativa de sistematizar os parâmetros utilizados pela doutrina para a compreensão das aplicações supletiva e subsidiária (art. 15 do NCPC), obtendo-se pelo menos nove prismas distintos.

Busca-se, em seguida, delimitar o alcance do dispositivo, em análise que enfatiza o exame crítico dos parâmetros distintivos identificados, especialmente aquele que toma por base a espécie de lacuna do sistema jurídico a ser colmatada. Quanto a este, é feita a avaliação de seus reflexos em relação à autonomia do processo do trabalho e ao aperfeiçoamento da integração deste ramo processual, dentre outros atributos que o habilitam como parâmetro interpretativo mais adequado.

Por fim, analisa-se brevemente a posição atual do Tribunal Superior do Trabalho, no intuito de clarificar o critério utilizado pelo tribunal.

1. APLICAÇÃO SUPLETIVA X SUBSIDIÁRIA: SISTEMATIZAÇÃO DOS CRITÉRIOS DISTINTIVOS ADOTADOS PELA DOUTRINA.

A Lei nº 13.105/15, almejando reger a relação entre a lei geral do processo civil e outras leis adjetivas, utilizou-se das expressões "subsidiária" e "supletiva" em seu art. 15, sem, contudo, diferenciá-las, fomentando intenso debate entre os processualistas.

Buscando-se sistematizar as posições doutrinárias, é possível apontar a existência de pelo menos nove diferentes pontos de vista quanto ao significado e abrangência daquelas expressões, com diversos pontos de aproximação e divergência nem sempre bem definidos.

Os principais critérios adotados pela doutrina são os seguintes[4]:

a) Sinonímia: Sob este prisma, diversos doutrinadores defendem a inexistência de distinção relevante entre as expressões.

Os juristas que asseveram a sinonímia o fazem em tom crítico, apontando falta de técnica legislativa. Contudo, diante da presunção de inexistência de palavras inúteis no texto legal, acabam por forçar uma distinção entre os termos.

É o caso do desembargador do trabalho Salvador Franco de Lima Laurino, que, diante da necessidade de superar a sinonímia, indica como critério distintivo o da imperatividade da integração[5].

b) Continência: Tal enfoque considera que a aplicação subsidiária contém a aplicação supletiva.

É essa a linha de raciocínio dos processualistas Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello, para quem a aplicação subsidiária seria cabível em hipóteses de omissão e, também, quando da possibilidade de enriquecimento da interpretação da norma a partir dos princípios fundamentais do processo civil. Já a aplicação supletiva abarcaria tão somente as hipóteses de omissão, de modo que bastaria ao legislador ter feito referência à aplicação mais abrangente (subsidiária)[6].

c) Imperatividade da integração: O jurista Salvador Franco de Lima Laurino, buscando superar a aparente sinonímia que observa entre os termos, elege como critério discriminante a imperatividade da integração.

Conforme seu entendimento, haverá aplicação subsidiária quando estiver em causa um imperativo jurídico de integração, ou seja, obrigatoriedade de aplicação do processo civil para solução de lacunas em matérias essenciais ao exercício da jurisdição, como o regime de coisa julgada.

Já a aplicação supletiva parte da compatibilidade de procedimentos e tem duplo fundamento: inexistência de lacuna propriamente dita e prevalência de um juízo de conveniência voltado ao aprimoramento do processo do trabalho à luz da Constituição e em conformidade com a pauta de valores estabelecida pelo novo Código de Processo Civil.

Em síntese, Salvador Laurino defende que a aplicação subsidiária seria imperativa, ao passo em que a supletiva envolveria juízo de conveniência[7].

d) Amplitude da integração, com maior abrangência da aplicação subsidiária: Os defensores desta corrente baseiam-se no critério da amplitude da lacuna, que se reflete na amplitude da integração. Segundo seus adeptos, a aplicação subsidiária seria mais ampla do que a supletiva, porque aplicada a lacunas mais abrangentes.

Deste modo, a aplicação subsidiária seria adotada em caso de completa omissão das normas trabalhistas (lacuna integral ou absoluta), exigindo a importação de um maior número de regras e institutos do processo civil. Já a aplicação supletiva seria cabível em casos de mera incompletude do processo do trabalho (lacuna parcial ou relativa).

É grande o número de doutrinadores alinhados com este pensamento, podendo-se citar, por todos, o escólio de Edilton Meireles:

Assim, em suma, neste ponto, podemos concluir que a regra subsidiária visa preencher a lacuna integral (omissão absoluta) do corpo normativo. Já a regra supletiva tem por objeto dar complementação normativa ao que foi regulado de modo incompleto (omissão parcial). Ali falta a regra, aqui a regra é incompleta. Ali, supre-se a ausência da regra; aqui, complementa-se a regra que não esgota a matéria[8].

Note-se que, distanciando-se do critério abordado no item "b", a presente posição não acolhe a continência entre os conceitos, pois a aplicação subsidiária somente seria aplicável às lacunas integrais, não abarcando a hipótese de lacuna parcial.

e) Amplitude da integração, com maior abrangência da aplicação supletiva: Os juristas que endossam a presente corrente, numerosos entre os processualistas civis, também adotam o critério da amplitude da lacuna/integração, mas invertem a posição defendida pela corrente anteriormente citada.

Com espeque na análise do campo semântico das palavras empregadas pelo legislador, entendem que o saneamento de lacunas totais ou absolutas é feito pela aplicação supletiva, enquanto as lacunas parciais são resolvidas pela aplicação subsidiária.

O pensamento é nitidamente encampado por José Miguel Garcia Medina, cultor do processo civil:

“(…) Aplicar supletivamente é mais que subsidiariamente, e disso dá conta o próprio sentido de tais expressões: naquele caso, está-se a suprir a ausência de disciplina na lei omissa; a aplicação subsidiária, por sua vez, é auxiliar, operando como que a dar sentido a uma disposição legal menos precisa. Ambas as figuras, de algum modo, acabam englobadas pela analogia (prevista no art. 4.º do Dec.-Lei 4.657/1942 – Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). Refere-se o art. 15 do CPC/2015, de todo modo, tanto à aplicação supletiva quanto à aplicação subsidiária”.[9]

Entre os juslaboralistas, é esta a posição de Sérgio Pinto Martins, abaixo transcrita com os grifos originais:

“A palavra supletivo vem do latim supletius, o que serve para complementar, servir de complemento, suprir, suplementar. A palavra subsidiário vem do latim subsidiarius, tendo o sentido que é o de reserva, quem vem na retaguarda, que é de reforço, ou seja, que auxilia, que ajuda, que socorre, que apoia ou reforça. Subsidiário significa a aplicação do CPC para uma norma que já existe, mas é insuficiente no seu conteúdo para resolver o caso concreto”.[10]

f) Complementaridade em prol da eficiência (perspectiva teleológica): Manoel Carlos Toledo Filho, partindo da análise lexical dos vocábulos, sustenta que "supletivo" denota complementação, enquanto "subsidiário" denota auxílio. Os significados seriam distintos, porém necessariamente complementares. Para o jurista, ambos os termos são compatíveis e devem ser aplicados simultaneamente com o objetivo de agregar eficiência ao processo do trabalho.

Nessa perspectiva, o Novo CPC somente será aplicável ao processo do trabalho quando concomitantemente completá-lo e auxiliá-lo na consecução de seu objetivo. A aplicação será necessariamente supletiva/subsidiária.

Para Toledo Filho, a nova regra estaria apenas consagrando a perspectiva teleológica sustentada pela corrente reformista em relação à interpretação do art. 769 da CLT. Percebe-se, pois, uma aproximação entre a ideia de compatibilidade presente no art. 769 e a noção de subsidiariedade trazida pelo art. 15 do NCPC[11].

g) Complementaridade limitada pela segurança jurídica: Maria Doralice Novaes posiciona-se igualmente pela inafastável complementaridade entre os termos, mas adverte que o auxílio (subsídio) somente pode servir de suplemento (supletivo). Assim, a aplicação do NCPC ao processo do trabalho teria como premissa insuperável a existência de omissão legislativa absoluta.

Segundo este posicionamento, a supletividade (suplementação de lacuna) seria uma condição para a subsidiariedade, de modo que é repelida a aplicação subsidiária com o único objetivo de melhoramento da norma já existente. Semelhante tentativa de "enriquecimento" do processo trabalhista acarretaria mudanças estruturais geradoras de insegurança jurídica[12].

Diverge frontalmente, portanto, da posição de Manoel Carlos Toledo Filho, que defende a aplicação supletiva/subsidiária mesmo quando inexistente lacuna absoluta, desde que voltada para o aprimoramento do processo laboral. Também há nítida incompatibilidade com o critério defendido por Teresa Wambier et al., já que estes juristas atrelam a subsidiariedade à possibilidade de enriquecimento da norma existente.

h) Função integrativa ou interpretativa: Parcela da doutrina considera que a função da aplicação supletiva é permitir que o NCPC locuplete as lacunas do ramo especializado, ao passo em que a aplicação subsidiária enseja a utilização do processo civil como fonte de interpretação de normas do ramo processual principal.

Alinhando-se a este pensamento, Paulo Cézar Pinheiro Carneiro entende que a aplicação supletiva "se destina a suprir algo que não existe em uma determinada legislação", enquanto a subsidiária "serve de ajuda ou de subsídio para a interpretação de alguma norma ou mesmo um instituto"[13]. Assim, enquanto a função da aplicação supletiva seria integrativa, a da aplicação subsidiária seria interpretativa.

A compreensão é muito próxima daquela exposta no item "b". Entretanto, enquanto os defensores da relação de continência reúnem as funções interpretativa e integrativa na ideia de subsidiariedade, juristas como Paulo Cézar Pinheiro Carneiro parecem conferir à aplicação subsidiária apenas a função interpretativa, delimitando melhor a distinção entre os termos.

i) Natureza da lacuna do sistema jurídico: Por fim, cuida-se aqui de ponto de vista que toma por base a classificação consagrada por Maria Helena Diniz, que qualifica as lacunas do sistema jurídico em três espécies: normativa, ontológica e axiológica[14].

Cada espécie de lacuna reflete falhas em um dos três subsistemas que compõem o sistema jurídico (normativo, fático e valorativo).

Aqueles que acolhem esta posição, que tem significativa adesão entre os operadores do processo do trabalho, entendem que a aplicação subsidiária tem por finalidade o saneamento das lacunas normativas, ao passo em que a aplicação supletiva objetiva resolver as lacunas ontológica e axiológica.

Portanto, nessa perspectiva, o critério distintivo tem por base a espécie de lacuna do sistema de direito (lacuna sistêmica) que se busca solucionar por meio da heterointegração entre os subsistemas processuais.

2. OS DESAFIOS DA SISTEMATIZAÇÃO

É preciso destacar, em primeiro lugar, que o rol de parâmetros retrocitados encontra-se longe de abarcar as nuances que informam os posicionamentos dos processualistas.

Cuida-se, na verdade, de mera tentativa de simplificação do tema, feita com intuito didático e que tende a evoluir a reboque do próprio desenvolvimento da doutrina, ainda em construção.

Em segundo plano, ressalte-se que os critérios não são empregados de maneira estanque pelos juristas, sendo corriqueira a conjugação de parâmetros distintos e a adoção de posições fluidas, que não se enquadram perfeitamente em nenhuma das categorias apontadas.

Assim é que muitos defensores da adoção do critério da natureza da lacuna sistêmica a associam ao critério da amplitude da integração, considerando que a lacuna secundária (ontológica ou axiológica) seria uma espécie de lacuna parcial[15].

A concomitância de parâmetros também está presente, por exemplo, no texto de Salvador Franco de Lima Laurino, que faz a defesa do critério da imperatividade da integração ao mesmo tempo em que adere à ideia de que a subsidiariedade se relaciona às lacunas completas, enquanto a supletividade incide sobre a lacuna parcial[16].

Além disso, muitos estudiosos do processo do trabalho, adotando a interpretação evolutiva do art. 769 da CLT, vinculam o parâmetro da espécie de lacuna sistêmica ao critério da continência, por considerar que o termo “subsidiariedade" já é empregado naquele dispositivo com sentido que engloba a colmatação de todas as espécies de lacunas do sistema jurídico.

Como se percebe, a adoção paralela de critérios diversos e a própria sutileza das distinções lançadas pelos juristas dificultam o enquadramento das posições doutrinárias em uma classificação simplificada.

A fluidez dos conceitos não é, por si só, um aspecto negativo. A riqueza do fenômeno das lacunas e a necessidade de solucioná-lo demanda grande esforço exegético do intérprete/aplicador da norma, de modo que a complexidade da construção teórica reflete a grandiosidade do desafio.

Por outro lado, a heterogeneidade milita em desfavor da segurança jurídica, tendo em vista que a indefinição quanto à amplitude da interpretação do art. 15 do NCPC repercute intensamente sobre os processos trabalhista, eleitoral e administrativo.

Faz-se pertinente, por isso, organizar os parâmetros interpretativos e estabelecer limites mais precisos ao alcance do dispositivo em apreço.

No presente trabalho, sustenta-se que o critério da natureza da lacuna do sistema jurídico traz a melhor solução para o problema, como se verá adiante.

3. A TEORIA DAS LACUNAS NA CONCEPÇÃO DE MARIA HELENA DINIZ

Após a análise panorâmica do debate realizada até o momento, pode-se afirmar que o escopo da inovação legislativa foi subsidiar uma maior efetividade da heterointegração entre os sistemas processuais.

Por "heterointegração" entende-se o método de colmatação de lacunas de um sistema normativo dominante (no caso, o direito processual do trabalho) a partir da aplicação de normas de fonte distinta (o novo Código de Processo Civil)[17].

A compreensão deste novo cenário exige, preliminarmente, uma breve análise da teoria das lacunas, aqui realizada a partir da concepção exposta por Maria Helena Diniz.

Em sua influente obra "As Lacunas do Direito"[18], a jurista adota como premissas a definição de "ordenamento jurídico" de Norberto Bobbio, a noção de "sistema" explanada por Tércio Sampaio Ferraz Júnior e a "tridimensionalidade jurídica" formulada por Miguel Reale, para inicialmente sustentar uma concepção dinâmica e complexa do ordenamento jurídico, compatível com a ideia de incompletude.

Tal construção teórica reconhece o direito como uma realidade complexa, contendo não só a dimensão normativa, como também fática e axiológica. Nessa linha, o sistema do direito é entendido como resultado da composição entre subsistemas interdependentes (isomórficos), de modo que falhas na correlação entre os subconjuntos levam ao aparecimento de "vazios", situações não solucionadas expressamente pelo ordenamento, porque não previstas pelo legislador.

Ao defender o sistema jurídico como um sistema aberto e dinâmico, Maria Helena Diniz afasta o entendimento endossado, dentre outros, por Hans Kelsen, no sentido de que o sistema normativo seria um todo ordenado, fechado e completo, capaz de conferir determinação deôntica para toda e qualquer ação.

A autora posiciona-se, assim, pela superação do postulado da plenitude hermética do direito, para então afirmar que as lacunas não se tratam de mera ficção jurídica que atende a necessidades práticas, mas constituem um problema inerente ao próprio sistema jurídico.

Para Maria Helena Diniz, lacuna é a "quebra de isomorfia entre a norma, o valor e o fato, que passam a ser heteromórficos"[19]. Quer, com isso, dizer que, diante da necessária correlação entre os subsistemas, basta que um deles seja afetado para que o vazio na ordem jurídica se apresente.

Em consonância com tal conceito, a jurista identifica três hipóteses principais de lacunas, surgidas quando a quebra da isomorfia no sistema do direito derivar do acometimento dos subsistemas normativo, fático ou valorativo.

Nas palavras da doutrinadora:

“No nosso entender, ante a consideração dinâmica do direito e a concepção multifária do sistema jurídico, que abrange um subsistema de normas, de fatos e de valores, havendo quebra da isomorfia, três são as principais espécies de lacunas: Ia) normativa, quando se tiver ausência de norma sobre determinado caso; 2a) ontológica, se houver norma, mas ela não corresponder aos fatos sociais, quando, p. ex., o grande desenvolvimento das relações sociais, o progresso técnico acarretarem o ancilosamento da norma positiva; e 3a) axiológica, no caso de ausência de norma justa, ou seja, quando existe um preceito normativo, mas, se for aplicado, sua solução será insatisfatória ou injusta”. [20]

As lacunas normativas são também denominadas pelos doutrinadores como originárias, primárias ou subjetivas, ao passo em que as lacunas ontológicas e axiológicas são chamadas derivadas, posteriores, objetivas ou secundárias[21].

A compreensão de Maria Helena Diniz acerca da problemática das lacunas no direito não pretende ser definitiva ou absoluta, conforme alerta da própria jurista, que a entende como "uma questão sem saída" em razão das diferentes abordagens que a pluridimensionalidade do direito propicia[22].

Apesar disso, seu ponto de vista tem influenciado fortemente a doutrina brasileira que se propõe ao enfrentamento do tema da heterointegração.

Na seara do processo do trabalho, a repercussão da teoria das lacunas é especialmente intensa em razão do ancilosamento e da iniquidade das normas processuais celetistas.

Trata-se de realidade geradora de uma profusão de lacunas ontológicas e axiológicas, não solucionadas sob o prisma interpretativo conservador, diante da limitação de seu aparato teórico voltado apenas ao enfrentamento de lacunas normativas.

A interação entre o art. 15 do NCPC e os dispositivos celetistas pode trazer valiosa contribuição para a superação deste desafio, desde que se adote a postura interpretativa mais fecunda.

4. A INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA E TELEOLÓGICA DO ART. 15 DO CPC/15

Os processualistas que se debruçam sobre o estudo do alcance do art. 15 do NCPC costumam conferir destaque à análise lexical das expressões "subsidiário" e "supletivo". A preponderância do critério gramatical é clara, por exemplo, nos escólios de José Miguel Garcia Medina, Paulo Cézar Pinheiro Carneiro e Sérgio Pinto Martins, já transcritos.

     Em que pese o respeito à posição destes juristas, percebe-se que, no presente caso, a análise da precisão etimológica não pode ser a pedra de toque na distinção entre os termos.

Primeiro, porque as expressões possuem definições muito próximas, sendo comumente utilizadas como sinônimas. Tanto é assim que são empregadas de modo indistinto em outras passagens da Lei 13.105/15, a exemplo do art. 318; do art. 771, parágrafo único; e do art. 1.046, §2º. Em todos estes dispositivos, o termo denota o mesmo teor, referindo-se à colmatação de lacunas legislativas, sem atentar para a especificação quanto à modalidade ou alcance da integração normativa[23].

A segunda razão para atenuar o impacto da interpretação gramatical no estudo do art. 15 é o fato de que se mostra mais proveitosa a utilização de interpretação histórica, baseada na evolução da redação do texto legal no decorrer do trâmite legislativo, conjugada com a interpretação teleológica.

No projeto original (PLS 166/2010, do Senado Federal), a redação do artigo não contemplava a aplicação subsidiária, nem a referência ao ramo especializado do processo do trabalho. Ambas as alusões foram incluídas apenas no texto do relatório geral do projeto na Câmara dos Deputados (PL 8.046/2010).

Tal fato permite inferir que a adição da expressão “subsidiariamente” foi feita com os olhos voltados para o processo do trabalho, o que leva a entender que o art. 769 da CLT foi o parâmetro utilizado. Por este raciocínio, vê-se que o legislador cuidou de acrescentar ao dispositivo civilista a consagrada aplicação subsidiária celetista, que, em sua clássica acepção, indica a aplicação do processo comum nas hipóteses de lacuna normativa ou de regulação (lacunas originárias ou primárias).

Seguindo este raciocínio, a aplicação supletiva, cuja previsão já constava do projeto original, precisou receber novo significado, de modo a evitar sobreposição em relação à aplicação subsidiária, harmonizando o uso concomitante das expressões.

Conclui-se que sua manutenção na redação do dispositivo teve por escopo resolver questão polêmica que diz respeito à possibilidade de aplicação do processo civil mesmo quando não verificada a lacuna normativa propriamente dita, isto é, na hipótese de insuficiência, inadequação ou senilidade da norma trabalhista posta (lacunas secundárias).

Esta compreensão é extraída da manifestação do deputado federal Reinaldo Azambuja (PSDB/MS) no bojo do PL 8046/2010[24], quando apresentou justificação à emenda que deu origem à inclusão das expressões “trabalhistas” e “subsidiariamente”.

Em seu texto, o congressista esclarece que a modificação redacional pretendeu conferir maior aplicabilidade e eficácia ao art. 15 do novo código, com o intuito de sanar, dentre outras, a confusão que envolve a compatibilização do instituto do cumprimento de sentença (execução) com o processo do trabalho.

A justificação deixa evidente que a alteração redacional foi impulsionada pelas lacunas existentes no processo do trabalho, inclusive aquelas que dizem respeito à execução. Por outro lado, é cediço que as mencionadas "celeumas e confusões" envolvendo a aplicação do CPC à execução trabalhista não se limitam à resolução de lacunas primárias, mas também secundárias.

É exemplo disso o infindável dissenso em torno da aplicabilidade ao processo do trabalho do art. 475-J do Código de Processo Civil de 1973 (atual §1º do art. 523 do CPC de 2015). Este debate é um dos principais focos da disputa entre aqueles que adotam interpretação restritiva dos arts. 769 e 889 da CLT em relação a certos temas, e aqueles que defendem uma interpretação evolutiva que reconheça, no caso, a existência de lacuna axiológica e ontológica a ser locupletada pelo Código de Processo Civil.

A manifestação do legislador revela que a utilização conjunta das expressões "supletiva e subsidiariamente" quer subsidiar esta última corrente, servindo o primeiro termo para explicitar uma hipótese que para muitos já estava abarcada pela aplicação subsidiária (arts. 769 e 889 da CLT), mas que ainda sofria (e sofre) resistência por boa parte da doutrina e jurisprudência, inclusive o Tribunal Superior do Trabalho.

A análise da evolução histórica do dispositivo revela, pois, que o legislador pretendeu minorar conflitos da heterointegração entre os ramos processuais, notadamente o trabalhista. Esta pacificação, por outro lado, somente pode ser obtida por meio do enfrentamento do ancilosamento do processo do trabalho. Se a velha aplicação subsidiária prevista no art. 769 da CLT tem se mostrado insuficiente neste mister, espera-se, sob o prima da interpretação teleológica, que a inclusão da aplicação supletiva sirva justamente ao enfrentamento do problema representado pelas lacunas secundárias.

A “ausência de normas” aludida no texto legal se refere, portanto, às lacunas normativas, ontológicas e axiológicas, de modo que o NCPC pode ser aplicado subsidiariamente para colmatação das lacunas primárias, e supletivamente para solução das lacunas secundárias.

Registre-se, por fim, que muitos juristas chegam à mesma conclusão a partir da interpretação gramatical, pois consideram que o adjetivo "supletivo" se refere àquilo que serve de complemento. A atividade de complementar, por seu turno, envolveria a colmatação de lacunas secundárias[25]. Esse, aliás, parece ter sido o sentido referido pelo deputado federal Reinaldo Azambuja (PSDB/MS), ao afirmar que a "aplicação supletiva ou complementar ocorre quando uma lei completa a outra".

Em que pese o acerto obtido pela doutrina nesse caso, observa-se que o mesmo método pode levar a conclusões diametralmente opostas, como se constata no posicionamento do processualista José Miguel Garcia Medina, transcrito anteriormente.

Isso se deve à já mencionada aproximação semântica entre os termos, fato que reduz a utilidade do método gramatical na solução da contenda e exige a conjugação de outros métodos que permitam uma diferenciação mais acurada, como se buscou fazer no presente tópico.

5. A MÁXIMA CONCRETIZAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

A interpretação histórica e teleológica do art. 15 do NCPC não é o único fundamento em prol da posição que associa o dispositivo à colmatação de todas as espécies de lacunas do sistema jurídico.

O critério da natureza da lacuna sistêmica também atende à necessidade de interpretar a legislação infraconstitucional a partir da Constituição, em consonância com o fenômeno da filtragem constitucional.

De fato, tal parâmetro interpretativo confere ao artigo maior compatibilidade com a Constituição de 1988, ao permitir a máxima concretização do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da CRFB e art. 3º do NCPC) e dos princípios da duração razoável do processo e da efetividade (art. 5º, LXXVIII da CRFB e 4º do NCPC).

Extraídos a partir da cláusula geral do devido processo legal, estes princípios, compreendidos em conjunto, estabelecem a exigência de um processo que confira efetiva tutela ao direito material, produzindo decisões justas e eficazes.

Em uma visão moderna, estabelecem que o processo deve ir além da mera garantia formal de acesso ao Poder Judiciário, para assegurar ao jurisdicionado o acesso à ordem jurídica justa, de modo a promover ativamente a dignidade da pessoa humana também no âmbito processual.

Ao viabilizar o preenchimento de lacunas ontológicas e axiológicas, a aplicação supletiva prevista no art. 15 do NCPC, na acepção aqui defendida, evita a manutenção de soluções jurídicas ultrapassadas e geradoras de injustiça, a exemplo daquelas que negam ao hipossuficiente credor trabalhista o acesso a instrumentos processuais mais eficazes oferecidos aos demais credores.

A previsão do novo dispositivo, portanto, possibilita a utilização do novo Código de Processo Civil como medida de incremento da tutela jurisdicional trabalhista, no que promove a desejada "sintonia fina"[26] com a Constituição.

Além disso, a expressa previsão da aplicação supletiva no ordenamento jurídico confere maior transparência e segurança jurídica na heterointegração do processo do trabalho, ao oferecer aos operadores deste subsistema processual argumento legal para fundamentar a solução de lacunas ontológicas e axiológicas.

6. A COMPATIBILIDADE COM O ART. 769 DA CLT

A necessidade de ajustar o processo do trabalho aos ditames constitucionais já vinha orientando uma mudança na interpretação da CLT.

Antes do advento do novo código, a solução para as lacunas do processo do trabalho tinha como únicas fontes os arts. 769 e 889 da CLT, notadamente o primeiro, de polêmica interpretação.

Em relação àquele, a cizânia doutrinária se formou entre as correntes restritiva (conservadora) e evolutiva (sistemática ou ampliativa).

A posição restritiva encontra no dispositivo celetista uma rígida cláusula de contenção, permitindo a aplicação subsidiária do processo comum ao processo trabalhista apenas em casos de lacuna normativa absoluta, respeitado o princípio da compatibilidade ideológica.

A segunda corrente, impulsionada pela necessidade de obter máxima concretização dos princípios da efetividade e do acesso à Justiça, defende a aplicação do processo comum mesmo quando inexistente lacuna normativa, quando "a norma do processo trabalhista apresenta manifesto envelhecimento que, na prática, impede ou dificulta a prestação jurisdicional justa e efetiva deste processo especializado"[27].

Assim, os adeptos da corrente ampliativa passaram a sustentar a existência de lacunas ontológicas e axiológicas no sistema processual trabalhista, de modo que a "omissão" prevista no art. 769 da CLT deveria receber nova interpretação para abarcar tais espécies de lacunas, ensejando uma aplicação mais profícua do processo comum.

Dentre os juristas que embasavam sua posição evolutiva no reconhecimento de lacunas secundárias, cita-se, por todos, a lição de Carlos Henrique Bezerra Leite, exposta no contexto das reformas processuais ocorridas sob influência da Emenda Constitucional nº 45/2004.

Atualmente, porém, a realidade é outra, pois o processo civil, em virtude das recentes alterações legislativas, passou a consagrar, em muitas situações, a otimização do princípio da efetividade da prestação jurisdicional, de modo que devemos, sempre que isso ocorra, colmatar as lacunas ontológicas e axiológicas das regras constantes da CLT e estabelecer a heterointegração do sistema mediante o diálogo das fontes normativas com vistas à efetivação dos princípios constitucionais concernentes à jurisdição justa e tempestiva.[28]

Neste cenário, a corrente evolutiva alcançou proeminência, sendo, por exemplo, incorporada pelo Enunciado n. 66 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual, promovida em novembro de 2007 pela ENAMAT, ANAMATRA, CONEMATRA[29].

O Novo Código de Processo Civil não rompeu o panorama normativo que ensejou a posição evolutiva. Muito pelo contrário, a Lei 13.105/15, ao consolidar avanços anteriores e instituir outras inovações, robustece o distanciamento entre os ramos processuais, evidenciando ainda mais a incômoda posição retardatária do processo do trabalho no que tange à efetividade de alguns dos seus institutos e procedimentos.

Por tal motivo, os processualistas que já defendiam o reconhecimento das lacunas secundárias reiteraram seu posicionamento após a publicação do novo código, desta feita com o valioso reforço argumentativo embasado no art. 15 do NCPC e sua aplicação supletiva.

Veja-se, nessa linha, a atualizada manifestação de Carlos Henrique Bezerra Leite, associando a ideia de “complementação” presente na aplicação supletiva prevista no art. 15 do NCPC à colmatação de lacunas secundárias:

“Lexicamente, o adjetivo ‘supletivo’ significa ‘que completa ou serve de complemento’, ‘encher de novo, suprir’, enquanto o adjetivo ‘subsidiário’ quer dizer ‘que auxilia’, ‘que ajuda’, ‘que socorre’, ‘que contribui’.

Poderíamos inferir, então, que o Novo CPC não apenas subsidiará a legislação processual trabalhista como também a complementará, o que abre espaço, a nosso ver, para o reconhecimento das lacunas ontológicas e axiológicas, máxime se levarmos em conta a necessidade de adequação do Texto Consolidado, concebido em um Estado Social, porém, ditatorial, ao passo que o novel CPC foi editado em um Estado Democrático de Direito”[30].

Em suma, a posição que já despontava como majoritária entre os juslaboralistas vem sendo confirmada e enriquecida a partir do Novo Código de Processo Civil[31].

O critério interpretativo fundado na diferenciação entre lacunas primárias e secundárias, aplicado ao art. 15 do CPC/15, permite uma compatibilização entre os dispositivos regentes da heterointegração do processo do trabalho. Mais que isso: enseja a manutenção de um diálogo entre as fontes normativas[32], permitindo uma troca enriquecedora de influências que sedimenta a interpretação evolutiva dos dispositivos celetistas, ao tempo em que estabelece limites ao ímpeto dominador identificado por alguns no NCPC.

Quanto a este último aspecto, alude-se ao fato de que tanto a aplicação supletiva quanto a subsidiária se submetem às balizas principiológicas impostas pelo ramo processual que recepciona as regras complementares.

Isso em razão da premente vinculação ao princípio da isonomia, já que as normas especiais buscam oferecer tratamento diferenciado àqueles que necessitam, atrelado às particularidades do próprio direito material que busca tutelar. A simples e indiscriminada aplicação do NCPC às disciplinas específicas implicaria em extinguir o tratamento diferenciado, igualando jurisdicionados em situação de desigualdade, em inaceitável retrocesso.

Portanto, a barreira imposta pelo art. 769 da CLT, ao vetar a importação de normas do processo comum “naquilo em que for incompatível com as normas” do processo trabalhista, ainda remanesce como o principal parâmetro para a heterointegração entre os sistemas.

Os arts. 769 e 889 da CLT não foram revogados pelo art. 15 do NCPC, pois a relação existente entre estas normas não é de exclusão. O que há é uma interação dialética que permite contribuições mútuas: enquanto o art. 15 deixa expresso que a aplicabilidade do NCPC ao processo do trabalho objetiva não apenas suprir lacunas normativas, mas oxigenar e otimizar o sistema laboral a partir do enfrentamento das lacunas secundárias, os dispositivos celetistas (notadamente o art. 769 da CLT) fixam o critério da compatibilidade entre os sistemas e esclarecem que todo o direito processual comum pode ser fonte de aplicação subsidiária na fase de conhecimento (e não apenas o CPC/2015).

7. O INCREMENTO DA AUTONOMIA DO PROCESSO DO TRABALHO

No período anterior à vigência da Lei 13.105/15, a autonomia do processo laboral no Brasil vinha sendo reconhecida pela maior parte da doutrina trabalhista com base em cinco pilares: a) autonomia científica, diante da presença de princípios, finalidades e institutos próprios; b) autonomia jurisdicional, em decorrência da existência da Justiça do Trabalho, órgão especializado do Poder Judiciário com competência material particular (art. 114 da CRFB); c) autonomia legislativa, já que, mesmo na ausência de um Código de Processo do Trabalho, a CLT possui título próprio dedicado às normas processuais, que juntamente com a legislação esparsa conformam um sistema legislativo especial; d) autonomia doutrinária, tendo em vista que a ciência do processo do trabalho é desenvolvida por rica doutrina, responsável pela produção de numerosa e variada bibliografia. e) autonomia didática, por ser objeto de disciplina específica nos currículos dos cursos jurídicos.

Em relação à autonomia científica, calha referir que, para a corrente monista, as particularidades do processo do trabalho não se revelam suficientes para descolá-lo do processo civil, já que os institutos básicos (jurisdição, ação, defesa e processo) são comuns. Além disso, pesa em desfavor da autonomia a verificação do compartilhamento de princípios constitucionais, métodos de aplicação e interpretação, assim como da própria finalidade do sistema, voltada para a tutela jurisdicional.

A corrente dualista, em suas variadas vertentes, não ignora a comunhão quanto à teoria geral do processo. Entretanto, afirma que a autonomia do direito material do trabalho reflete-se na particularização do instrumento (processo) que busca concretizá-lo, conferindo-lhe feições voltadas para a promoção do equilíbrio entre partes que, na relação material original, ocupam os polos desiguais de uma relação de poder.

O advento do art. 15 do NCPC reavivou o debate por abrir espaço para um maior influxo das normas do processo comum no microssistema processual trabalhista (ou, pelo menos, por consolidar uma abertura que já existia). Esta inovação, segundo algumas interpretações, poderia levar à aniquilação da autonomia do processo laboral.

Contudo, adotado o critério interpretativo baseado na teoria das lacunas, entende-se que o novo código, ao contrário de promover o esmaecimento da autonomia do processo trabalhista, a consagra e resguarda, na medida em que:

1) confere ao subsistema processual trabalhista o status de norma principal no seu âmbito de aplicação, relegando a incidência das normas do NCPC à condição de subsidiariedade ou supletividade. Deste modo, reconhece expressamente que a aplicabilidade da Lei 13.105/15 ao processo do trabalho ocorre apenas em hipóteses específicas, ao prever uma incidência meramente oblíqua dos dispositivos daquela. Há reforço, pois, da autonomia legislativa do processo do trabalho[33].

2) estabelece um "diálogo virtuoso"[34] com os arts. 769 e 889 da CLT, clarificando o significado e alcance destes últimos, sem extirpar a exigência dos dispositivos celetistas quanto à compatibilidade entre as normas importadas e o sistema normativo receptor. Assim, atualiza o sistema laboral ao mesmo tempo em que evita que normas do processo civil stricto sensu inundem o processo do trabalho sem qualquer filtro de adequação principiológica e ideológica. Avigora-se a autonomia legislativa e, também, a autonomia científica, evidenciando-se diferenças ideológicas entre os ramos;

3) Possibilita o arejamento e a renovação do processo laboral, o que preserva a sua efetividade e compatibilidade com o direito material que busca concretizar, acompanhando-o em sua evolução dinâmica. Obsta, portanto, a superação da sistemática trabalhista pelo renovado processo civil comum, hipótese que significaria teratológica inversão do ordenamento jurídico, já que o crédito de natureza privilegiada dos trabalhadores seria tutelado de forma menos eficaz que o crédito comum. O engessamento do processo do trabalho, quando comparado ao dinamismo do direito material subjacente, tornaria a lei adjetiva laboral inútil ou até mesmo indesejada, esmaecendo o próprio sentido da busca por autonomia.

Além disso, os demais elementos configuradores da singularidade deste ramo processual não foram afetados pelo novo código. Os institutos e princípios próprios não sofreram qualquer influência, o que garante a incolumidade da autonomia científica. Também a estrutura da Justiça do Trabalho e suas instituições mantém-se inalteradas.

Já a riqueza do tratamento doutrinário em relação à matéria não apenas subsiste, como foi incrementada pela inovação legislativa, sendo perceptível na doutrina a proliferação de obras recentes que defendem a resistência da autonomia do processo do trabalho.

8. ABORDAGEM CRÍTICA DOS PARÂMETROS ADOTADOS PELA DOUTRINA

Até aqui, buscou-se demonstrar que, dentre os critérios utilizados pelos processualistas para compreender o alcance das aplicações supletiva e subsidiária, destaca-se a superioridade do parâmetro baseado na diferenciação entre lacunas primárias e secundárias.

Sua prevalência funda-se em argumentos diversos, minudenciados em linhas passadas: a) extração do parâmetro a partir da interpretação histórica e teleológica da norma; b) consonância com o fenômeno da filtragem constitucional, por maximizar a concretização de princípios constitucionais; c) compatibilidade com a interpretação evolutiva do art. 769 da CLT; d) incremento da autonomia do processo do trabalho.

A análise comparativa revela que a prevalência do critério da natureza sistêmica se justifica, também, pela superação de vicissitudes observadas nos demais prismas doutrinários[35].

As posições fundadas estritamente nas relações de sinonímia e continência, por exemplo, além de possuírem esteio na interpretação lexical, que não provê base sólida para o enfrentamento da questão, pecam por não apresentar a melhor solução diante do preceito que afasta a presunção de palavras inúteis na lei (Verba cum effectu, sunt accipienda).

Além disso, a crítica limitada à falta de técnica legislativa pode acabar por desprestigiar, em alguns casos, a oportunidade de construir na zona cinzenta criada pelo legislador o espaço útil para a modernização da heterointegração entre os ramos processuais.

Nesse contexto, o critério que associa a aplicação supletiva às lacunas ontológicas e axiológicas segue caminho mais profícuo, aproveitando o debate para consolidar visão evolutiva que permite o enfrentamento das lacunas secundárias.

No caso do parâmetro da imperatividade da integração, seu mérito é perceber que a aplicação supletiva abre espaço para um maior protagonismo dos julgadores, já que a verificação da ancilose ou iniquidade da norma exige uma análise complexa do sistema jurídico, permitindo ao juiz manusear mais elementos no ato de interpretar/aplicar a norma.

De fato, o preenchimento de lacunas secundárias envolve juízo valorativo do magistrado sobre as normas em um caso concreto, conferindo-lhe, por via oblíqua, maior espaço de decisão.

Contudo, a ideia de que a aplicação supletiva se submete a um juízo de conveniência não parece ser a mais correta, permissa venia. Verificada a lacuna de qualquer espécie, sua colmatação será sempre imperiosa. Se o juiz concluir pela desatualização da norma, por exemplo, não poderá insistir em sua aplicação, sob pena de ofensa ao devido processo legal em seu sentido substantivo ou material.

Inexiste, pois, espaço de conveniência do magistrado quando o ordenamento jurídico viabiliza o aprimoramento do processo por meio da heterointegração. A aplicação supletiva, na hipótese, é também cogente, ainda que a lacuna que a evoca seja de mais complexa verificação.

As correntes que elegem a amplitude da integração ou da lacuna locupletada como fator distintivo, apesar de endossadas por grande parcela dos juristas, têm em seu desfavor o recurso aos conceitos ambíguos de “lacuna parcial” ou de “incompletude da norma”, que abrem espaço para dissensos geradores de insegurança jurídica.

A perspectiva viabiliza ainda posições restritivas do potencial modernizador do dispositivo, tendo em vista que sua abordagem é, na maioria das vezes, limitada ao enfrentamento de lacunas normativas, deixando sem solução o urgente problema das lacunas ontológicas e axiológicas.

Outro ponto negativo é o fato de que tal prisma induz à falsa percepção de que a colmatação das ditas lacunas parciais envolve uma operação heterointegrativa mais simples, de menor repercussão processual[36].

Em contraposição, o critério que considera a natureza da lacuna sistêmica, além de atentar para a questão das lacunas secundárias, aproveita-se do aparato teórico já construído pelos adeptos da interpretação evolutiva do art. 769 da CLT para empregar conceitos razoavelmente consolidados, reduzindo o dissenso em torno do alcance da aplicação supletiva.

De outra ponta, promove a equivalência entre as lacunas no que tange aos efeitos no ordenamento jurídico, reconhecendo que lacunas normativas, ontológicas ou axiológicas resultam igualmente em vazios no sistema jurídico, diante da relação de interdependência existente entre os subsistemas normativo, fático e valorativo. Deste modo, tal critério permite a imediata percepção de que a aplicação supletiva pode ser tão complexa, dificultosa e relevante quanto a subsidiária.

As posições alicerçadas na complementaridade entre os termos, além do esteio na pouco eficiente análise gramatical, acabam por olvidar que o objetivo da inovação legal foi ampliar o espaço para a importação normativa, conforme interpretação histórica e teleológica do artigo.

A necessária associação entre as aplicações supletiva e subsidiária relega a uma delas um efeito limitador da heterointegração, contrariando a declarada intenção ampliativa do legislador.

Nesse sentido, vale frisar que a barreira fundada nas exigências de compatibilidade e melhoramento do sistema trabalhista é inquestionável, mas deve ser extraída do art. 769 da CLT, e não dos conceitos de supletividade ou subsidiariedade.

Tal distorção não macula o parâmetro da natureza da lacuna do sistema jurídico, visto que os distintos campos de atuação das aplicações supletiva e subsidiária são bem delimitados e independentes.

Também o entendimento que relega à aplicação supletiva uma função meramente interpretativa é igualmente discutível, pois faz letra morta da expressão "ausência de normas", contida no texto do art. 15 do NCPC. O dispositivo deixa claro que a aplicação supletiva somente pode ser acionada em hipótese de vazio normativo, sendo certo que não se pode interpretar uma norma inexistente.

Mais uma vez, cuida-se de censura que não se aplica ao critério da lacuna sistêmica, que atribui um significado mais flexível à expressão referida, sem, contudo, anulá-la.

No caso das posições jurídicas que buscam compatibilizar diferentes parâmetros, nota-se que, além de reproduzir alguns dos aspectos já aqui criticados, tais arranjos sincréticos podem ainda gerar novas situações problemáticas.

É o caso da difundida associação entre os critérios da amplitude da lacuna/integração e o critério da natureza da lacuna do sistema jurídico. Segundo este pensamento, as lacunas ontológicas e axiológicas seriam lacunas parciais, colmatadas por meio da aplicação supletiva do NCPC ao ramo principal.

Esta posição não é compatível com a teoria das lacunas. Conforme escólio de Maria Helena Diniz, já aludido em diferentes passagens deste trabalho, a lacuna do sistema jurídico decorre de quebra da isomorfia entre os subsistemas. Assim, as lacunas axiológicas e ontológicas geram vazios sistêmicos tão profundos e amplos quanto aqueles criados pela inexistência da norma em si.

Há, pois, impropriedade na afirmação de que uma lacuna ontológica ou axiológica seria “parcial” ou “relativa”, enquanto a lacuna normativa seria “integral” ou “absoluta”, pois qualquer falha na correlação entre os sistemas produz lacunas de igual abrangência no sistema jurídico. Pode-se dizer, em suma, que a lacuna, em qualquer destas três hipóteses, será sempre “integral”.

9. SUPERAÇÃO DAS OBJEÇÕES AO PARÂMETRO DA NATUREZA DA LACUNA DO DIREITO

Não se pode ignorar que também o parâmetro da lacuna sistêmica sujeita-se a objeções.

De partida, a adoção do critério leva a uma tautologia, em razão do uso da expressão "na ausência de normas" na redação do art. 15 do CPC/15. Se as aplicações supletiva e subsidiária têm por premissa a existência de lacunas, a referência ao vazio normativo é redundante. Bastaria ao legislador ter dito que o NCPC se aplica supletiva e subsidiariamente aos demais ramos processuais.

Como contraponto, afirma-se que a repetição teve o objetivo de reforçar o sentido colmatador das expressões, o que se mostra salutar em um texto polissêmico.

Mais denso é o argumento de que o parâmetro amplia sobremaneira a ingerência de normas exógenas no processo do trabalho, ensejando a desconfiguração do ramo especial.

A preocupação é relevante, mas não se sustenta diante do diálogo que o art. 15 do NCPC deve manter com os arts. 769 e 889 da CLT.

A mais importante barreira para a heterointegração do processo do trabalho continua sendo a compatibilidade entre norma absorvida e o sistema receptor. A importação somente pode alcançar normas civilistas que avigorem o caráter protetivo do processo laboral, aperfeiçoando e enriquecendo a tutela do direito material do trabalho.

O maior influxo de normas exógenas poderá, unicamente, ressaltar a peculiar eficácia do processo do trabalho na tutela de direitos sociais, robustecendo sua autonomia científica.

Adotado este ponto de vista, a crítica perde força.

A terceira objeção é quanto à ofensa ao princípio da separação dos poderes, pois, ao preencher lacunas secundárias, o juiz estaria invadindo espaço legislativo por extirpar do ordenamento jurídico normas ainda vigentes.

Também aqui a crítica não subsiste, pois a colmatação da lacuna é feita no caso concreto. A lacuna não é resolvida em absoluto, apenas superada no bojo de um processo, em observância a ditames constitucionais, dentre eles o princípio do devido processo legal em seu viés substancial.

Ademais, a atuação do magistrado na aplicação supletiva é alicerçada na proibição do non liquet. Constatada a ausência de previsão adequada para situação específica no sistema jurídico, não poderá o julgador aplicar norma ultrapassada ou injusta, sob pena de amparar um vazio sistêmico. Dizendo de outro modo: julgar deliberadamente com fundamento em norma falha, desprezando a existência de solução adequada obtida a partir da heterointegração, equivale a não julgar, o que é vedado pelo princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV da CRFB).

Em acréscimo, é de se notar que o comportamento do juiz tem autorização na própria lei. O legislador, por meio de normas como o art. 15 do NCPC e do art. 769 da CLT, legitima a atuação do magistrado na colmatação de lacunas secundárias. Há, portanto, uma harmonização entre as funções jurisdicional e legislativa.

Finalmente, o mais espinhoso problema é o da subjetividade envolvida no reconhecimento das lacunas ontológicas e axiológicas.

Argumenta-se que a análise do ancilosamento ou da iniquidade da lei envolve juízo de valor, instigando a arbitrariedade judicial (decisionismo) e promovendo insegurança jurídica.

É inegável que o espaço de decisão acaba ampliado no caso da aplicação supletiva. A lacuna puramente normativa é mais fácil de ser constatada, pois a norma costuma ser expressa[37]. Já as lacunas ontológicas e axiológicas exigem que se vislumbre aquilo que está além do texto legal, empreitada cujo resultado depende, em certo grau, da percepção pessoal do intérprete/aplicador do direito.

Apesar disso, a heterointegração alicerçada na teoria das lacunas não concede ao juiz ampla discricionariedade para manipular o ordenamento jurídico.

Mauro Schiavi lembra que, ao aplicar o Código de Processo Civil, o juiz do trabalho "não está criando regras, está apenas aplicando uma regra processual legislada mais efetiva que a Consolidação das Leis do Trabalho, e é sabido que a lei é do conhecimento geral (art. 3º, LICC)"[38].

Na trilha deste pertinente raciocínio, constata-se que a liberdade do juiz na atividade heterointegrativa é restringida, pois a fonte normativa supridora é delimitada pela própria lei. Além disso, a fonte subsidiária ou supletiva é de conhecimento geral, de modo que fica minimizada a insegurança jurídica causada por sua aplicação.

Não se pode olvidar, igualmente, que a atividade jurisdicional se submete invariavelmente aos preceitos constitucionais e princípios processuais, razão pela qual, em seu esforço para colmatar lacunas, o magistrado não poderá desrespeitá-los.

Reconhece-se, porém, que mesmo diante das balizas legais, constitucionais e principiológicas impostas ao juiz, a tarefa de colmatação de lacunas ontológicas e axiológicas propicia-lhe liberdade incomum no sistema românico-germânico (civil law). Este maior protagonismo do magistrado na heterointegração, contudo, é plenamente compatível com a visão contemporânea do Direito, fundada no paradigma do pós-positivismo.

Refere-se, aqui, ao denso e complexo tema da crise das fontes do Direito e da falibilidade do Direito positivo, cujo aprofundamento escapa às pretensões deste artigo.

Entretanto, em breves linhas, é possível constatar que as normas gerais e abstratas, típicas do civil law, não são capazes de definir com precisão todos os comportamentos futuros, razão pela qual é inevitável o ocasional desajuste da norma à regulação de situações imprevistas ou mal tratadas pelo legislador.

Diante de tal realidade, o ordenamento jurídico passou gradativamente a buscar formas eficazes de remediar sua falibilidade, depositando suas fichas na decisão judicial como solução viável, em aproximação ao commom law.

Nesse contexto de hibridização do sistema político-jurídico, há uma reconfiguração do papel do juiz, que se torna partícipe ativo da construção da norma.

É o que se constata, exempli gratia, na consagração das cláusulas gerais no ordenamento jurídico, cujo amplo campo semântico concede ao juiz delegação para complementar o sentido da norma e estabelecer seus efeitos no caso concreto. Neste método legislativo, o magistrado atua de forma criativa, porém não discricionária, já que seu poder é limitado por parâmetros trazidos pela lei.

A heterointegração do processo do trabalho a partir da teoria das lacunas, na forma prevista no art. 15 do NCPC, revela-se, igualmente, técnica que promove uma abertura do sistema, ao possibilitar atuação mais ativa do juiz diante da norma posta, sem, contudo, permitir discricionariedades.

Assim como a cláusula geral demanda do juiz um poder construtivo para locupletar seu sentido, exigência esta trazida e parametrizada pela própria lei, a aplicação supletiva do NCPC nas hipóteses de lacunas axiológicas e ontológicas exige semelhante comportamento proativo do juiz, também regulado pela legislação, agora no desígnio mais amplo de colmatar o sistema jurídico.

Portanto, a heterointegração de lacunas secundárias, se compreendida no bojo do panorama pós-positivista, mostra-se adequada ao novo papel criativo da atividade judicante, possibilitando a superação de falhas do ordenamento para, assim, viabilizar a concretização de direitos fundamentais.

Carlos Henrique Bezerra Leite analisa esta tendência no contexto do fenômeno da constitucionalização do processo, encampado pela Lei 13.105/15, que, no escopo de fomentar a adequação, tempestividade e efetividade do acesso individual e coletivo ao Poder Judiciário brasileiro, impõe ao juiz o dever de suprir a omissão legal que impede a proteção de um direito fundamental, com a consequente ampliação de seus poderes[39].

Em contrapartida, é cogente que a atividade construtiva do juiz seja exercida de forma responsável e sóbria, sob consequência de degenerar-se em arbitrariedade. Nesse desiderato, ao lado dos parâmetros legais, constitucionais e principiológicos, ganha importância o papel norteador da jurisprudência e seus instrumentos de uniformização e estabilização, consagrados em recentes alterações legislativas, como o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) previsto no art. 976 do CPC.

Assim, não apenas os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente (art. 926 do CPC/15), como os juízes devem se esforçar para reproduzir tal conformação nas instâncias inferiores, notadamente quando no exercício do poder criativo inserido na heterointegração do processo do trabalho.

Reduz-se, por este caminho, o espaço para a discricionariedade geradora de insegurança jurídica.

10. A POSIÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

Dentre os nove critérios identificados no primeiro tópico deste texto, perquire-se qual deles foi adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho.

A resposta pode ser extraída, em um primeiro momento, da Instrução Normativa nº 39/2016, que dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de forma não exaustiva.

Trata-se de norma administrativa, de caráter meramente indicativo, com a declarada pretensão de "transmitir segurança jurídica aos jurisdicionados e órgãos da Justiça do Trabalho", assim como "prevenir nulidades processuais em detrimento da desejável celeridade"[40].

Em seu art. 1º, a IN 39/2016 dispõe acerca da heterointegração entre os ramos processuais nos seguintes termos:

“Art. 1° Aplica-se o Código de Processo Civil, subsidiária e supletivamente, ao Processo do Trabalho, em caso de omissão e desde que haja compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, na forma dos arts. 769 e 889 da CLT e do art. 15 da Lei nº 13.105, de 17.03.2015”[41].

A redação do dispositivo muito pouco esclarece acerca do significado das expressões ou do critério distintivo utilizado. Evidencia, contudo, a excepcionalidade das aplicações supletiva e subsidiária, já que cabíveis apenas no caso de omissão.

O texto endossa também a necessidade de compatibilização da regra importada com normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, além de indicar que os dispositivos celetistas não foram revogados pelo art. 15 do CPC/15. Desta forma, se bem compreendido, o art. 1º da IN 39/2016 ratifica a necessária relação de complementaridade dialógica entre os dispositivos.

Outras duas passagens da Instrução Normativa, ao aludirem à aplicação supletiva, dão melhor pista do critério distintivo adotado:

“Art. 9º O cabimento dos embargos de declaração no Processo do Trabalho, para impugnar qualquer decisão judicial, rege-se pelo art. 897-A da CLT e, supletivamente pelo Código de Processo Civil (arts. 1022 a 1025; §§ 2º, 3º e 4º do art. 1026), excetuada a garantia de prazo em dobro para litisconsortes (§ 1º do art. 1023).

Art. 13. Por aplicação supletiva do art. 784, I (art. 15 do CPC), o cheque e a nota promissória emitidos em reconhecimento de dívida inequivocamente de natureza trabalhista também são títulos extrajudiciais para efeito de execução perante a Justiça do Trabalho, na forma do art. 876 e segs. da CLT”[42].

Como se percebe, nas duas hipóteses abrangidas pela norma administrativa, a ideia inicialmente vinculada à supletividade é a de colmatação de lacunas normativas parciais.

No caso dos embargos de declaração (art. 9º da IN nº 39/2016), a norma celetista revela-se incompleta ao deixa de regular, por exemplo, o cabimento dos embargos na hipótese de obscuridade, a dispensa de preparo, as situações que configuram omissão da decisão, etc. Todas estas lacunas devem ser preenchidas pela aplicação de normas do NCPC, em acréscimo àquelas contidas na CLT, ainda hígidas, mas insuficientes.

O mesmo raciocínio é aplicado ao rol de títulos executivos extrajudiciais (art. 13 da IN nº 39/2016), somando-se aos títulos previstos na CLT (art. 876 e seguintes) dois dos títulos estampados no art. 784, I do CPC/15 (cheque e nota promissória), desde que emitidos em reconhecimento de dívida inequivocamente de natureza trabalhista. Portanto, a regra celetista existe e não deve ser desconsiderada, apenas complementada.

Em contrapartida, para o TST, a aplicação subsidiária se volta aparentemente à colmatação de lacunas integrais. É o que se depreende de trecho da breve exposição de motivos lavrada pelo Ministro João Oreste Dalazen, ao relatar que a "Comissão reputou inafastável a aplicação subsidiária ao processo do trabalho da nova exigência legal de fundamentação das decisões judiciais (CPC, art. 489, § 1º)"[43].

É verdade que a CLT estabelece a necessidade de fundamentação da decisão em seu art. 832, caput. O texto celetista não informa, entretanto, o que é uma decisão fundamentada, ou quando ela deixa de ser fundamentada, sendo este o tema do art. 489, §1º do CPC. Pode-se dizer, sob o prisma do critério da amplitude da integração, que há na CLT, quanto ao tema da fundamentação de decisões, uma lacuna integral, daí porque cabível a aplicação subsidiária do NCPC.

Ressalta-se, entretanto, que o estudo da IN nº 39/16 não elucida por completo a questão, pois não esclarece se o critério da amplitude da integração com maior abrangência da aplicação subsidiária foi o único adotado, ou se o critério da natureza da lacuna do sistema jurídico é utilizado de forma associada.

A questão é fomentada pela Súmula nº 303 do Tribunal Superior do Trabalho[44], com redação adaptada ao CPC/15 a partir da Resolução nº 211/2016.

A súmula trata da colmatação de lacuna do processo do trabalho quanto ao tema do reexame necessário, não tendo sido modificada em sua essência com a nova redação.

O assunto é tratado de forma insuficiente pelo art. 1º, V do Decreto-Lei nº 779/69, que estabelece como privilégio da Fazenda Pública a obrigatoriedade do recurso ordinário "ex officio", sem abrigar exceções. Por tal razão, o Tribunal Superior do Trabalho optou, quando da edição da Súmula nº 303, pela aplicação das hipóteses de dispensa do reexame necessário previstas no art. 475 do CPC/73, posteriormente adaptando o entendimento à nova redação do art. 496 do CPC/15.

 Há dissenso quanto ao tipo de lacuna colmatada nesse caso. Parte da doutrina considera que haveria, aí, hipótese de lacuna normativa, pois a legislação trabalhista teria deixado de cuidar das exceções ao reexame necessário[45].

Parece mais acertado o entendimento de que a situação é de lacuna axiológica, tendo em vista que a omissão do legislador foi proposital (silêncio eloquente), diante da intenção de proteger o interesse público. Ao nada dizer, a lei pretendeu repelir exceções, o que culminou por submeter o credor trabalhista a processo mais burocrático do que o ordinário, produzindo injustiça (falha no subsistema valorativo).

É possível identificar também uma lacuna ontológica. A estruturação da advocacia pública propicia, nos dias de hoje, suficiente consultoria e assessoramento jurídico aos entes públicos, razão pela qual o privilégio absoluto do reexame necessário não mais se justifica. A norma não se adéqua aos fatos, daí porque há quebra da isomorfia também no subsistema fático.

Caso prevaleça o segundo entendimento (existência de lacunas ontológicas e axiológicas), o Tribunal Superior do Trabalho terá encampado a possibilidade de colmatação de lacunas secundárias[46], ainda que sem expressa alusão à tese jurídica em questão. Nesse caso, a Súmula nº 303 do TST, analisada sob o âmbito do art. 15 do NCPC, representaria exemplo da aplicação supletiva do processo civil, já antes praticada, mas agora embasada de forma segura em preceito legal.

A questão poderá ficar mais clara a partir da análise da aplicabilidade ao processo do trabalho do parágrafo único do artigo 523 do novo CPC, que determina multa de 10% a quem não pagar a dívida definida em condenação judicial no prazo de 15 dias.

O tema é objeto de processo em trâmite no Tribunal Superior do Trabalho, afetado ao Tribunal Pleno e ainda pendente de julgamento na presente data, no qual foi acolhida proposta de Incidente de Recurso de Revista Repetitivo (IRR – 1786-24.2015.5.04.0000). A questão jurídica discutida é: "A multa prevista no artigo 523, parágrafo 1º, do CPC de 2015 é compatível com o processo do trabalho? A definição quanto à aplicação efetiva dessa multa deve ocorrer na fase de execução trabalhista?".

A aplicação da referida multa ao processo do trabalho é tida por muitos adeptos do parâmetro da natureza da lacuna sistêmica como exemplo de aplicação supletiva do NCPC ao processo do trabalho, em razão das lacunas axiológica e ontológica existentes.

Assim, caso o Colendo Tribunal Superior do Trabalho, revertendo a jurisprudência que vinha se consolidando sob a égide do CPC/73, acolha a importação da norma, restará evidenciada a adoção de um conceito de aplicação supletiva compatível com a teoria das lacunas e mais condizente com o espírito modernizador do art. 15 do NCPC.

Conclusão

Considerados os apontamentos anteriores, conclui-se que:

1 – É possível identificar pelo menos nove critérios utilizados pela doutrina para correlacionar as expressões “supletiva” e “subsidiariamente” (art. 15 do NCPC), quais sejam: a) sinonímia; b) continência; c) imperatividade da integração; d) amplitude da integração, com maior abrangência da aplicação subsidiária; e) amplitude da integração, com maior abrangência da aplicação supletiva; f) complementaridade em prol da eficiência (perspectiva teleológica); g) complementaridade limitada pela segurança jurídica; h) função integrativa ou interpretativa; i) natureza da lacuna do sistema jurídico;

2 – Tais parâmetros são empregados pelos processualistas de forma isolada ou conjugada, sendo comum a adoção de posições fluidas, o que dificulta a sistematização da matéria;

3 – A partir de uma interpretação histórica e teleológica do art. 15 do NCPC, observa-se que a aplicação supletiva pretende atuar sobre o problema das lacunas axiológicas e ontológicas do processo do trabalho, possibilitando sua renovação, sem olvidar o necessário filtro ideológico trazido pelo art. 769 da CLT;

4 – Além de possuir fundamento na interpretação histórica e teleológica do dispositivo, o critério baseado na teoria das lacunas revela-se adequado por viabilizar a máxima concretização de princípios constitucionais, como o da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da CRFB e art. 3º do NCPC), da duração razoável do processo e da efetividade (art. 5º, LXXVIII da CRFB e 4º do NCPC);

5 – O parâmetro baseado na teoria das lacunas compatibiliza-se com o art. 769 da CLT, mantendo com este uma relação de complementaridade (diálogo das fontes) em prol do aperfeiçoamento da tutela dos direitos trabalhistas;

6 – A correta compreensão do alcance do art. 15 do CPC/15, especialmente considerando sua relação dialógica com o art. 769 da CLT, permite perceber que o novo código, ao contrário de reduzir a autonomia do processo trabalhista, a torna mais consistente;

7 – A superioridade do critério da natureza da lacuna do sistema jurídico decorre da superação de falhas, limitações e incongruências presentes nos demais parâmetros utilizados pela doutrina. Além disso, as próprias objeções ao critério da lacuna sistêmica não subsistem se adotado ponto de vista compatível com uma concepção contemporânea do ordenamento jurídico, aliada ao incremente da força dos precedentes no ordenamento brasileiro.

8 – O Tribunal Superior do Trabalho, por meio da IN nº 39/2016, parece endossar o critério da amplitude da integração, com maior abrangência da aplicação subsidiária. A posição será melhor elucidada quando do julgamento do tema relativo à aplicabilidade da multa do art. 523 do NCPC ao processo do trabalho.

 

Referências
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Notas
[1] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 58. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017, v.1. p. 99.
[2] BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo, Brasília, DF, 17 de março de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 17 mar. 2017.
[3] Cite-se, por exemplo, a posição crítica de Manoel Antônio Teixeira Filho: "É sempre preferível que o processo do trabalho declare quais as normas do CPC que lhe convêm, do que o CPC, com certa soberba, arvorar-se em elemento colmatador do processo do trabalho no tocante aos pontos lacunosos que este apresenta, sem considerar, para esse efeito, a sua compatibilidade" (TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Comentários ao Novo Código de Processo Civil sob a perspectiva do processo do trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 49).
[4] Ressalte-se que a doutrina citada não faz menção expressa aos critérios aqui identificados, nem adota a terminologia utilizada neste trabalho. Os parâmetros enumerados são extraídos do raciocínio usado pelos juristas em suas obras e identificados por meio de expressões-chave que buscam sintetizar a correlação lógica entre a aplicação supletiva e a subsidiária, em consonância com cada apontamento doutrinário.
[5] LAURINO, Salvador Franco de Lima. A querela em torno da relação entre o artigo 15 do Novo Código de Processo Civil e o artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 1, n. 5, 2015, p. 1269-1293.
[6] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, R. L. T.; CONCEICAO, M. L. L.. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 84.
[7] Segue excerto da lição do jurista, com grifos no original: “Adotando como critério a maneira tradicional como o vocábulo 'subsidiário' é usado na jurisprudência dos tribunais do trabalho, podemos avançar que há aplicação subsidiária quando está em causa um imperativo jurídico de integração, ao passo que há aplicação supletiva quando, em nome de um aprimoramento processo do trabalho e suposta a compatibilidade com seus procedimentos, está em causa um juízo de conveniência de integração” (grifos no original) (LAURINO, Salvador Franco de Lima. A querela em torno da relação entre o artigo 15 do Novo Código de Processo Civil e o artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 1, n. 5, 2015, p. 1269-1293).
[8] MEIRELES, Edilton. O novo CPC e sua aplicação supletiva e subsidiária no processo do trabalho. In: Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. MIESSA, Elisson (Org). Salvador: Juspodivm, 2015. p. 31-54.
[9] MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 36.
[10] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho. 39 ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 75.
[11] TOLEDO FILHO, Manoel Carlos. Os poderes do juiz do trabalho face ao novo Código de Processo Civil. In: Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. MIESSA, Elisson (org). Salvador: Juspodivm, 2015. p. 327-342.
[12] NOVAES, Maria Doralice. O artigo 15 do CPC/2015 e sua repercussão no ramo especializado do Processo do Trabalho. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 61, n. 92, p. 203-211, jul./dez. 2015. p. 207-208.
[13] CARNEIRO, Paulo Cézar Pinheiro. Das Normas Fundamentais do Processo Civil (arts 1º ao 12); Da Aplicação das Normas Processuais (arts 13 ao 15). In: WAMBIER, Tereza Carreira Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo. DANTAS, Bruno. Breves Comentários ao Código de Processo Civil de 2015, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 46.
[14] DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
[15] Entende-se que tal hipótese de sincretismo enseja equívocos, conforme críticas que serão detalhadas em tópico específico.
[16] LAURINO, Salvador Franco de Lima. A querela em torno da relação entre o artigo 15 do Novo Código de Processo Civil e o artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 1, n. 5, 2015, p. 1269-1293.
[17] Segue-se, pois, o sentido consagrado por Luciano Athayde Chaves e Carlos Henrique Bezerra Leite, que toma por premissa a ideia de que a CLT e o Código de Processo Civil são fontes distintas. Noberto Bobbio, usando a terminologia de Carnelutti, traz concepção diversa, pois considera que a heterointegração consiste na integração operada: a) através do recurso a ordenamentos diversos (ex: um ordenamento estatal cita normas de outro ordenamento estatal ou do Direito canônico); b) ou pelo reenvio a fontes diversas daquela que é dominante, geralmente a Lei (ex: recurso ao costume como fonte subsidiária da Lei). (BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 6 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995. p. 146-148). Como se vê, Bobbio considerou que a heterointegração, na maior parte das vezes, envolve o recurso a fonte diversa da legislativa. Por tal critério, a utilização de normas do Código de Processo Civil para colmatar lacunas da CLT representaria, na verdade, aplicação do método de auto-integração, já que a solução teria sido obtida dentro do próprio âmbito legislativo.
[18] DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
[19] DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 91.
[20] DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 94.
[21] A distinção entre lacunas originárias e secundárias é referida por Maria Helena Diniz nos seguintes termos: "A doutrina alemã distinguiu as lacunas em primárias (originárias) e secundárias (derivadas ou posteriores). As primárias são as existentes na ordem normativa desde o momento de sua gênese, e as secundárias são as que aparecem posteriormente, seja em consequência de uma modificação da situação fática (p. ex.: em virtude de progresso econômico e técnico), ou de aparecimento de figuras contratuais que não se encaixem nos tipos jurídicos predeterminados de um sistema, ou devido a uma mutação de valores em relação à ordem jurídica, hipóteses essas que trazem em si questões novas que o legislador não poderia ter previsto, dando lugar às lacunas" (DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 88). Há, como se percebe, uma aproximação entre as lacunas originárias e as normativas, assim como entre as lacunas secundárias e as lacunas ontológicas/axiológicas, razão pela qual tal correlação será seguida neste trabalho. Segue-se, pois, a postura adotada por Luciano Athayde Chaves, evidenciada na seguinte passagem de sua obra: "Noutras palavras: se buscamos a compreensão de um método cientificamente válido para entender, em toda a sua extensão e complexidade, o conceito de lacuna no Direito Processual do Trabalho, temos que ter em vista que a heterointegração de seu conteúdo normativo não tem lugar apenas na hipótese de uma lacuna primária, normativa ou subjetiva; mas também, e principalmente, na presença de lacunas objetivas, secundárias (axiológicas ou ontológicas), o que permite ao intérprete e ao aplicador do Direito Judiciário do Trabalho valer-se desse método para, mesmo na existência de normas específicas deste ramo da processualística, socorrer-se de dispositivos presentes em outros sistemas para manejo na seara trabalhista" (CHAVES, Luciano Athayde. A recente reforma no processo comum e seus reflexos no Direito Judiciário do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 258).
[22] DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 129.
[23] No caso do art. 15, o uso concomitante das duas palavras exige que se busque uma distinção que não foi observada em outras passagens do código, já que a lei não possui palavras inúteis.
[24] "Justifica-se a alteração redacional do citado dispositivo porque, como é do pleno conhecimento dos operadores do direito que o processo trabalhista é lacunoso, em especial, no cumprimento (execução) da sentença e ou acórdão; sendo que neste caso específico tem sido utilizada a Lei nº 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal), que causa, com frequência, muita celeuma e confusão. Acrescentamos o termo ‘subsidiariamente’, visando uma maior aplicabilidade e eficácia do dispositivo, em especial, quanto ao exposto acima.Com frequência, os termos ‘aplicação supletiva’ e ‘aplicação subsidiária’ têm sido usados como sinônimos, quando, na verdade, não o são. Aplicação subsidiária significa a integração da legislação subsidiária na legislação principal, de modo a preencher os claros e as lacunas da lei principal. Já a aplicação supletiva ou complementar ocorre quando uma lei completa a outra". (COMISSÃO ESPECIAL DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PL 8046/2010. Emenda. Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/922280.pdf. Acesso em: 17 mar. 2017).
[25] Posição adotada, entre outros, por Carlos Henrique Bezerra Leite (LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017).
[26] BRASIL. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Código de Processo Civil: anteprojeto. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 17 mar. de 2017.
[27] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. As recentes reformas do CPC e as lacunas ontológicas e axiológicas do processo do trabalho sob a perspectiva da efetividade do acesso à justiça. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 73, n. 1, p. 98-106, jan./mar. 2007. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/ dspace/bitstream/handle/1939/2276/leitecarloshenrique.pdf?sequence=1>. Acesso em: 17 mar. 2017.
[28] Idem, ibidem.
[29] "APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DE NORMAS DO PROCESSO COMUM AO PROCESSO TRABALHISTA. OMISSÕES ONTOLÓGICA E AXIOLÓGICA. ADMISSIBILIDADE. Diante do atual estágio de desenvolvimento do processo comum e da necessidade de se conferir aplicabilidade à garantia constitucional da duração razoável do processo, os artigos 769 e 889 da CLT comportam interpretação conforme a Constituição Federal, permitindo a aplicação de normas processuais mais adequadas à efetivação do direito. Aplicação dos princípios da instrumentalidade, efetividade e não retrocesso social".
[30] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A hermenêutica do novo CPC e suas repercussões no processo do trabalho. In: Novo CPC: repercussões no processo do trabalho. LEITE, Carlos Henrique Bezerra (Org.). São Paulo: Saraiva, 2015. p. 15-29.
[31] Além de Carlos Henrique Bezerra Leite, endossam este entendimento juslaboralistas do porte de Mauro Schiavi, Cléber Lúcio de Almeida, José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva,  Leonardo Tibo Barbosa Lima e Cássio Colombo Filho.
[32] Defende-se, na esteira de Carlos Henrique Bezerra Leite, que a interação entre os dispositivos é compatível com a teoria do diálogo das fontes. Trata-se de concepção desenvolvida por Erik Jayme, na Alemanha, e trazida para o Brasil por Cláudia Lima Marques, professora da UFRGS, que defende uma relação de complementaridade entre normas de diferentes ramos jurídicos, em substituição ao critério da especialidade (norma especial revoga norma geral). Diz-se que a relação é de diálogo em razão da manutenção de influências recíprocas entre as fontes, havendo "aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção pela fonte prevalente ou mesmo permitindo uma opção por uma das leis em conflito abstrato – solução flexível e aberta, de interpenetração, ou mesmo a solução mais favorável ao mais fraco da relação (tratamento diferente dos diferentes)” (MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 89/90).
[33] A conclusão é ratificada pela observação de Leonardo Tibo Barbosa Lima. O autor assevera que, durante o processo legislativo, os debates quanto à referência ao processo do trabalho no art. 15 do CPC/15 levaram ao surgimento de interpretação radical que atribuía à exclusão da menção ao ramo laboral o significado de revogação de toda a parte processual da CLT. Assim, como o nítido propósito de evitar a aniquilação do processo trabalhista, decidiu-se pela redação atual do dispositivo (LIMA, Leonardo Tibo Barbosa. Lições de Direito Processual do Trabalho: teoria e prática. 3 ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 33).
[34] Expressão utilizada por Carlos Henrique Bezerra Leite (LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 136).
[35] Advirta-se que a crítica feita neste tópico se aplica os critérios isoladamente considerados, e não propriamente sua abordagem pelos doutrinadores, já que estes costumam associar diferentes parâmetros no intuito de superar suas limitações. Os juristas que aludem à sinonímia ou à continência, por exemplo, o fazem em tom crítico para, ato contínuo, apresentar soluções que superem a falta de técnica legislativa.
[36] O equívoco fica evidente quando são comparados os efeitos da importação para o processo do trabalho das normas que regulam a tutela provisória no NCPC (hipótese de lacuna integral, conforme a doutrina) e os efeitos da importação das normas relativas à distribuição do ônus da prova  (considerada hipótese de lacuna parcial, diante da insuficiência do art. 818 da CLT).  Como se percebe, os efeitos processuais desta última operação são equiparados, ou até mais proeminentes do que os efeitos daquela. Primeiro, porque as regras de distribuição do ônus da prova norteiam toda a fase probatória do processo, tida por muitos como cerne da própria atividade jurisdicional. Segundo, por seu maior campo de aplicação, vez que nem todo processo comporta pedido de tutela provisória, enquanto as regras de distribuição do ônus da prova são sempre utilizadas – se não pelo juiz na hipótese de inexistência de prova nos autos, pelo menos pelas partes quando formulam sua estratégia no que tange à produção probatória.
[37] Não se ignora, contudo, as hipóteses de silêncio eloqüente, que também dificultam sobremaneira a conclusão quanto à existência de verdadeira lacuna normativa parcial.
[38] SCHIAVI, Mauro. A aplicação supletiva e subsidiária do Código de Processo Civil ao Processo do Trabalho. In: Novo Código de Processo Civil e seus reflexos no Processo do Trabalho. MIESSA, Elisson (Org). Salvador: JusPodivm, 2015. p. 55-64.
[39] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A hermenêutica do novo CPC e suas repercussões no processo do trabalho. In: Novo CPC: repercussões no processo do trabalho. LEITE, Carlos Henrique Bezerra (Org.). São Paulo: Saraiva, 2015. p. 15-29.
[40] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Resolução n. 203, de 15 de março de 2016 [Instrução Normativa n. 39]. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, n. 1939, 16 mar. 2016. Caderno Judiciário do Tribunal Superior do Trabalho, p. 1-4. Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/ bitstream/handle/1939/81692/2016_res0203_in0039.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 17 de mar. de 2017.
[41] Idem, ibidem.
[42] Idem, ibidem.
[43] Idem, ibidem.
[44] Súmula nº 303 do TST – "FAZENDA PÚBLICA. REEXAME NECESSÁRIO (nova redação em decorrência do CPC de 2015) – Res. 211/2016, DEJT divulgado em 24, 25 e 26.08.2016. I – Em dissídio individual, está sujeita ao reexame necessário, mesmo na vigência da Constituição Federal de 1988, decisão contrária à Fazenda Pública, salvo quando a condenação não ultrapassar o valor correspondente a: a) 1.000 (mil) salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; b) 500 (quinhentos) salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados; c) 100 (cem) salários mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público. II – Também não se sujeita ao duplo grau de jurisdição a decisão fundada em: a) súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Tribunal Superior do Trabalho em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente deresolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; d) entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa. III – Em ação rescisória, a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho está sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório quando desfavorável ao ente público, exceto nas hipóteses dos incisos anteriores. (ex-OJ nº 71 da SBDI-1 – inserida em 03.06.1996); IV – Em mandado de segurança, somente cabe reexame necessário se, na relação processual, figurar pessoa jurídica de direito público como parte prejudicada pela concessão da ordem. Tal situação não ocorre na hipótese de figurar no feito como impetrante e terceiro interessado pessoa de direito privado, ressalvada a hipótese de matéria administrativa. (ex-OJs nºs 72 e 73 da SBDI-1 – inseridas, respectivamente, em 25.11.1996 e 03.06.1996)”.
[45] Posição de José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva (SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira; COSTA, Fábio Natali; BARBOSA, Amanda. Magistratura do trabalho: formação humanística e temas fundamentais do direito. São Paulo: LTr, 2010. p. 69), Élisson Miessa e Henrique Correia (CORREIA, Henrique; MIESSA, Elisson. Súmulas e OJs do TST comentadas. 6 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 2241).
[46] Posição defendida, entre outros, por Carlos Henrique Bezerra Leite (LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 139).

Informações Sobre o Autor

Bruno Ítalo Sousa Pinto

Pós-graduando em “Direito do Trabalho e Previdenciário na Atualidade” PUC-MG. Especialista em Direito Civil e Processual Civil UCDB-MS.Bacharel em Direito UFPI. Analista Judiciário do TRT da 16 Região


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