Izabella de Sousa Coimbra Nascimento e Paulo Ricardo da Rocha Machado
RESUMO
O presente artigo pretende dissertar acerca das medidas atípicas encontradas no sistema processual civil brasileiro, fazendo uma interpretação de modo que esteja em consonância com os direitos fundamentais expressos no texto constitucional de 1988. Partimos de uma exegese acerca dos instrumentos previstos no ordenamento jurídico pátrio, conjugando-o com o processo como verdadeira garantia da qualidade de vida do indivíduo, utilizando como meio de acesso à justiça e busca pela reparação de direitos lesados ou ameaçados de lesão. Por fim, discorremos acerca das medidas atípicas e seu manejo dentro do sistema judiciário brasileiro, consignando não haver jurisprudência majoritária, assim como ocorre na doutrina pátria, que ainda não represente alguma corrente dominante quanto ao manejo de tal instituto. Conclui-se, portanto, que tais meios devem ser utilizados respeitando uma margem de segurança dentro dos limites impostos pelos direitos fundamentais do indivíduo, insculpidos na Carta Política de 1988.
Palavras-chave: Medidas Atípicas. Processo Civil. Processo como qualidade de vida. Direitos Fundamentais.
SUMMARY
This article intends to dissert about the atypical measures found in the Brazilian civil procedural system, making an interpretation in a way that is in line with the fundamental rights expressed in the 1988 constitutional text. -with the process as a true guarantee of the quality of life of the individual, using as a means of access to justice and seeking to redress injured or threatened rights of injury. Finally, we discuss about the atypical measures and their management within the Brazilian judicial system, noting that there is no majority jurisprudence, as occurs in the homeland doctrine, which still does not represent any dominant current regarding the management of such an institute. Therefore, it is concluded that such means must be used respecting a safety margin within the limits imposed by the fundamental rights of the individual, inscribed in the 1988 Political Charter.
Keywords: Atypical Measures. Civil Procedure. Process as quality of life. Fundamental rights.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO, 1.A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA E O PROCESSO COMO INSTRUMENTO GARANTIDOR DE QUALIDADE DE VIDA, 2.AS MEDIDAS ATÍPICAS, 3.ANÁLISE QUANTO A INCIDÊNCIA PRÁTICA DAS MÉDICAS ATÍPICAS, CONCLUSÃO, REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
A sociedade como um todo está em permanente transformação, tanto no que se refere às questões sociais, quanto as culturais, políticas e também individuais. Assim, é possível afirmar que vivenciamos um meio dinâmico, estando eminentemente submetidos a constantes mudanças, de tal forma, o ordenamento jurídico precisa caminhar nessa mesma perspectiva de modo a adaptar-se a essa realidade.
Diante dessa premissa, a Constituição Federal ilumina o ordenamento jurídico pátrio com inteligências que possibilitam a inovação e a adequação dos institutos normativos à realidade que lhe é apresentada. Assim, por exemplo, resta insculpido o princípio da liberdade como direito fundamental do indivíduo, fortalecendo e ampliando sua autonomia.
Nesse contexto, a vida negocial, a partir da garantia dessa liberdade, busca privilegiar não apenas a prática dos atos civis, mas também suas consequências. Ocorre que, a prática de determinados atos, como acontece a partir do descumprimento da obrigação assumida, usualmente gera consequências a outrem e deve ser reparada.
Desse modo, o poder constituinte primário ao fazer nascer o processo, da a ele uma estrutura não apenas de garantia de respeito aos destinos assumidos pela Carta Constitucional, mas também o contorna como meio de reparação, quando seus preceitos – ou de qualquer outra norma; estejam em vista de serem feridos ou tenham sofrido qualquer tipo de lesão. Assim, é plenamente consignável que não basta a existência do instrumento do processo, mas, muito além disso, meios que garantam efetividade e de algum modo ofereça ao lesado a satisfação de seu direito solapado.
Consciente de tal fundamentação, o processo é, em suma, instrumento que busca atingir a qualidade de vida individual, que deve ser conjugada a partir da interpretação ampla do princípio da dignidade humana.
A partir da lesão – fruto da vida cotidiana; se faz necessária a reparação por parte daquele que cometeu o ato danoso, e após o processo de conhecimento onde ocorre toda a dilação probatória, chega-se, portanto, a fase executiva dessas demandas, onde muitas vezes existem barreiras que dificultam a satisfação do direito anteriormente reconhecido.
Nesse ínterim, apenas o rol taxativo previsto na legislação processual como meio de atacar ao patrimônio do devedor não se mostra suficiente para resolver os litígios levados ao Judiciário. Por várias vezes, o patrimônio do devedor pode ter sido dissolvido ou foram criados meios para que não sejam encontrados e, por conseguinte, impede dar a efetiva satisfação processual ao credor e ao instrumento processual, criado pela Constitucional Federal.
Cientes de tal carência, os legisladores criam instrumentos, que atuam como margens de poder destinadas a atuação dos magistrados, para compelir o devedor a respeitar os mandamentos emanados pelo Poder Judiciário, são criadas, assim, as medidas atípicas.
Dessa forma, o presente trabalho visa discorrer acerca das medidas atípicas utilizadas como meio de satisfação dos direitos do credor em consonância com os ditames previstos no ordenamento jurídico pátrio, que por sua vez está iluminado pelos mandamentos previstos na Constituição Federal.
A partir da promulgação da Constituição de 1988 ocorre o retorno e fortificação dos direitos fundamentais pautados no princípio da dignidade humana. Desse modo, o indivíduo é finalmente alçado ao centro do ordenamento jurídico, passando a ser detentor de uma série de direitos postos à sua disposição e inseridos em seu interior sem a possibilidade de renúncia.
Assim, para além de meras letras escritas no texto constitucional, se faz necessária a atuação dos poderes instituídos, dentro de sua margem de competência. Isto pois, é preciso garantir eficácia aos preceitos fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, respeitando, portanto, a individualidade de cada um dentro do panorama social brasileiro.
No entanto, no contexto das relações cotidianas, não raramente, a lesão ou ameaça aos mandamentos insculpidos no texto constitucional ocorre de maneira reiterada. De tal modo, cria-se a obrigação de reparação, como meio de manutenção da pacificação social.
Por outro lado, em tempos pretéritos, o meio de reparação se dava por meio da força autônoma, que por sua vez cabia aquele que tivera seu direito ferido buscar a devida reparação. Nesse sentido, Grinnover consigna que:
Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares; por isso, não só inexistia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia sequer as leis (normas gerais e abstratas impostas pelo Estado aos particulares). Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão.[1]
Portanto, deveria se utilizar de sua força pessoal para persuadir o devedor a reparar o dano causado. No entanto, não raramente, o modo de buscar a reparação não era adequado ao que fora lesado, por diversas questões, inclusive aquelas que se espraiavam na noção de força e poder. Nessa toada, Cintra afirma com perfeição que:
Por séculos, a humanidade presenciou as mais diversas formas de solução de conflitos. Nos primórdios da vida em sociedade, a lei do mais forte ditava as regras e não havia como moderar o que era justo ou não, quem era culpado ou inocente. A autotutela, chamada de justiça pelas próprias mãos, fazia com que a relação de convívio interpessoal fosse uma sucessão de temores dos mais fracos em relação aos mais fortes.[2]
Sendo assim, não era possível vislumbrar nenhum critério de proporcionalidade e razoabilidade existente entre a lesão e a reparação, estando afastado, ainda, de qualquer garantia de direitos, o que era perceptível em relação ao credor e mais ainda quando se tratava do devedor. De tal modo, tais competências estavam adstritas ao entendimento particular, ficando dentro da margem individual de meios e formas de reparação à luz do que lhe parecia ser mais conveniente.
A partir da entrada e consequente interferência do Estado no âmbito das relações privadas, por óbvio, não deixaram de existir lesões, sejam patrimoniais ou não, entretanto, a maneira como passou a se buscar a conservação dos direitos do credor restou reservada ao texto legal. Assim, foi repassado ao ente superior, figura detentora do poder de força e coerção, a incumbência de criar institutos com finalidade de reparar os danos causados.
Nesse diapasão, o acesso à justiça, e principalmente a garantia a esse acesso, surge como meio de solução dos conflitos existentes e se revela de maneira a apresentar instrumentos pacificadores das lides, seja com ou sem a necessidade de ação interventiva direta do Estado. Confirmando tal assertiva, Reichelt afirma que:
Impõe-se diferenciar o direito fundamental à inafastabilidade do controle jurisdicional em relação ao direito humano e fundamental ao acesso à justiça. O direito humano e fundamental ao acesso à justiça compreende o acesso efetivo a todos os meios pelos quais as pessoas possam reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios. Nesse sentido, há que se considerar, desde logo, que a tutela de direitos ora reclama a presença de meios para solução de conflitos (o que, por sua vez, pode acontecer com ou sem a intervenção do Estado), ora simplesmente se manifesta sob a forma de criação de situações jurídicas subjetivas mediante a presença de prestação estatal (como, por exemplo, nos casos de providências em sede de julgamento de ações constitutivas necessárias).[3]
Resta evidente, no entanto, que por vezes, para a solução dessas controvérsias se faz necessária a intervenção do Estado. Além disso, quando se consegue chegar a uma solução sem intermédio estatal, não é possível, em grande parte dos casos, alcançar uma satisfação completa do indivíduo, o que acaba interferindo de maneira profunda na qualidade de vida daquele que teve seu direito afetado.
Desta lavra nasce o fruto da inafastabilidade de jurisdição, que por sua vez fortalece a necessidade do respeito aos preceitos insculpidos na Constituição Federal ao passo que busca a reparação do dano causado. Para tanto, utiliza-se o Estado dos meios previstos no texto legal, no intuito de restaurar o status quo que fora rompido.
Portanto, uma vez que se considera inócuos os meios de resolução de demandas sem provocação do Poder Judiciário, os indivíduos partem para a contenda no âmbito do poder legitimado para solucionar conflitos.[4]
Logo, entende-se que tal princípio é condição sinequa non para garantir à sociedade qualidade de vida, ainda que mínima, na esteira dos conflitos travados nas relações privadas, uma vez que as soluções sem necessidade de atuação do Estado foram se mostrando infrutíferas.
Com vistas a assegurar a garantia de acesso ao Poder Judiciário, atuando ele como verdadeiro meio garantidor de qualidade de vida, o constituinte originário o insculpiu como verdadeiro direito fundamental, estando, portanto, expresso no art. 5º, XXXV da Constituição Federal.[5] Nesse sentido, Guilherme Marinoni comenta:
Portanto, a norma constitucional que afirma que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV) significa, de uma só vez, que: i) o autor tem o direito de afirmar lesão ou ameaça a direito; ii) o autor tem o direito de ver essa afirmação apreciada pelo juiz quando presentes os requisitos chamados de condições da ação pelo art. 267, VI, do CPC; iii) o autor tem o direito de pedir a apreciação dessa afirmação, ainda que um desses requisitos esteja ausente; iv) a sentença que declara a ausência de uma condição da ação não nega que o direito de pedir a apreciação da afirmação de lesão ou de ameaça foi exercido ou que a ação foi proposta e se desenvolveu ou for exercitada; v) o autor tem o direito de influir sobre o convencimento do juízo mediante alegações, provas e, se for o caso, recurso; vi) o autor tem o direito à sentença e ao meio executivo capaz de dar plena efetividade à tutela jurisdicional por ela concedido; vii) o autor tem o direito à antecipação e à segurança da tutela jurisdicional; e viii) o autor tem o direito ao procedimento adequado à situação de direito substancial carente de proteção. [6]
De tal forma, como meio de assegurar os direitos fundamentais e provocar a jurisdição estatal, o processo além de instrumento a serviço da paz social[7] possui dimensões amplas em questões acerca da sociedade, da política, bem como, sem pretensão de estender demasiadamente seu conceito, tem efeito psicológico. Gaio Junior confirma tal premissa afirmando que:
Pois bem, a dimensão social pelo qual o processo deva ser vetorizado, hodiernamente, é noção necessária deste instrumento da jurisdição, exatamente porque nele é que o jurisdicionado deposita confiança – ainda que, por vezes, em forma diminuta – esperando alcançar sua verdade em tempos onde o descumprimento de uma obrigação acertada é bom negócio para muitos. Espera o cidadão ainda mais: a satisfação decorrente desta verdade, na medida em que, uma vez reconhecida e não cumprida pela parte recalcitrante, necessitará ele, novamente, de um instrumento apto a transformar a declaração formal de seu direito em atividade dinâmica e realizadora concreta, no mundo dos fatos, do direito devido.[8]
De maneira similar e mais aprofundada, o referido doutrinador nos traz os seguintes apontamentos:
Não olvidando as fundamentais transformações conceituais e pragmáticas pelas quais vem a Ciência Processual experimentando, a partir, sobretudo, de novos contornos em institutos formadores de sua própria “Trilogia Estrutural” – Ação, Jurisdição e Processo – impende notar que o próprio alcance desta “nova” perspectiva metodológica do processo e o movimento pela sua instrumentalidade (DINAMARCO, 2009, p. 17-25) rumo a um processo civil de resultados, marca a urgência na modificação de posturas não somente dos operadores do direito, como também de todo o aparato estatal, seja por meio de inovadoras performances nas estruturas física e administrativa dos foros em geral e ainda na produção legiferante qualitativa, apta a mirar, indubitavelmente, como centro das atenções, a efetividade, entendida aqui como instrumentalização racional e razoável de entrega do bem da vida a quem, exatamente, dele necessita. Afinal, o Direito (aqui, o Processo) deve ser instrumento a tornar as pessoas mais felizes ou menos infelizes!
Por outro lado, há que se debruçar sobre a perspectiva do direito como instrumento estatal potencializador de reais e efetivas políticas afirmativas no sentido de propiciar melhoria na qualidade de vida do cidadão comum, aptidão hoje inevitável, inclusive do próprio desenvolvimento do Estado.[9]
Logo, a ótica do Estado acerca dos litígios criados entre particulares é essencial para garantir que o ente detentor de coerção e legitimidade se pronuncie acerca das contendas que ocorrem no cotidiano do particular.
Tem-se que, a sentença transitada em julgado, funciona como instituto que encerra as fases processuais e estabelece diretrizes para determinar quem é o detentor do direito, bem como, determina aquele que deve proceder com a devida reparação – nos casos em que a demanda se debruça para reconhecimento de determinada lesão.
Assim, o trânsito em julgado surge como verdadeiro instrumento que alivia a ansiedade do litigante, além de gerar expectativa acerca da possível reparação do direito lesado. No plano narrado, Plácido e Silva ensina que, como sentença entende-se:
Vem do latim ‘sententia’ (modo de ver, parecer, decisão), a rigor da técnica jurídica, em amplo conceito, sentença designa a decisão, a resolução, ou a solução dada por uma autoridade a toda e qualquer questão submetida à sua jurisdição. Assim, toda sentença importa num julgamento, seja quando implica numa solução dada à questão suscitada, ou quando se mostra uma resolução da autoridade, que a profere.[10]
Desse modo, sendo satisfeita a reparação através da intervenção do poder judiciário ou ainda de maneira voluntária por aquele que restou sucumbente, há encerramento da atividade processual, vislumbrando, portanto, que foi possível restaurar o status quo que fora modificado em virtude do sofrimento de lesão a determinado direito.
Por outro lado, quando não ocorre o cumprimento da obrigação que buscava restaurar ou compensar a lesão sofrida surge uma nova questão. Isto pois, não raramente, o sentimento de ansiedade do detentor do direito se mantém, considerando que ainda que exista um título executivo judicial – ou extrajudicial, nos casos que há resolução sem necessidade de provocação do Poder Judiciário – muitas vezes o exequente ou credor não consegue lograr êxito em impelir o devedor a satisfazer suas diretrizes.
Sendo assim, diante o contexto narrado, o legislador dispôs meios para compelir o devedor a cumprir com sua obrigação de reparação do dano causado. No entanto, ainda assim, é cediço afirmar que a fase executória processual é demasiadamente lenta no que concerne a atacar o patrimônio do devedor e conseguir satisfazer os direitos do credor.
Consciente de tais dificuldades, para além dos meios executivos disponíveis no ordenamento processual vigente, as medidas atípicas surgem como meio de forçar o devedor a cumprir com a obrigação imposta. Entretanto, essa questão acaba se chocando, por vezes, com direitos fundamentais do próprio devedor.
As medidas atípicas estão expressas no art. 139, IV, do Novo Código de Processo Civil, que dispõe:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.[11]
A breve leitura do preceito legal permite, desde logo, afirmar que as medidas atípicas estão, na verdade, sujeitas ao mero poder discricionário do magistrado. Consigna-se, portanto, que o único limite imposto à conduta do juiz, no que concerne a dar vida a tal preceito, é a própria Constituição Federal, em especial, os direitos fundamentais do devedor. Isto pois, a lei específica não pormenoriza e nem delimita os limites para a utilização das referidas medidas.
Ademais, o princípio da inafastabilidade de jurisdição impõe não apenas que seja possível o acesso ao Poder Judiciário. Para além disso, determina que as medidas por ele determinadas sejam dotadas de eficácia e, de fato, resguarde e restabeleça o direito daquele que foi de alguma forma lesionado no seu campo privado.
Desse modo, a simples garantia de pronunciamento jurisdicional não é o bastante para satisfazer o princípio constitucional em comento, tendo em vista que se fazem necessários meios efetivos que sejam realmente capazes de sanar os direitos lesados. Nesse sentido, Humberto Theodoro Junior comenta com perfeição que:
As leis têm de traçar procedimentos simples, claros, ágeis. Mas, para fazê -los operar não pode a Justiça depender apenas do gênio individual de cada juiz ou auxiliar. É necessário que a organização dos serviços da Justiça se faça segundo os preceitos técnicos da ciência da administração e com o emprego dos meios e recursos tecnológicos disponíveis.
Não serão, como é intuitivo, as simples reformas das leis de procedimento que irão tornar realidade, entre nós, as garantias cívicas fundamentais de acesso à justiça e de efetividade do processo. O tão sonhado processo justo, que empolgou e dominou todos os processualistas no final do século XX continua a depender de reformas, não de leis processuais, mas da justiça como um todo.
Cabe, agora, à sociedade do século XXI, exigir dos responsáveis pela Justiça brasileira que a façam “passar pela mesma revolução tecnológica por que estão passando as modernas administrações públicas e privadas, sob o impacto do planejamento, coordenação, controles, estatística, economia, ciência da administração, teoria das comunicações, informática, cibernética, processamento de dados, etc.”. É preciso que os juristas tenham a humildade e a sabedoria de reconhecer que a modernização e aperfeiçoamento da Justiça não é tarefa que eles sozinhos possam executar. [12]
As normas que visam fazer com que o processo alcance sua finalidade, ou seja, a busca por qualidade de vida individual estão, de fato, positivadas. No entanto, é necessário que existam mecanismos mais concretos para garantir o alcance a sua eficácia plena.
Assim, é nesse contexto o nascedouro das medidas atípicas, isto é, é latente a necessidade contínua de atingir um resultado prático e útil do processo, devendo ser observado e respeitado o que fora manifestado pelo magistrado. Isto pois, apenas as normas positivadas não dão fim à lide e por si só não satisfazem os direitos do credor, sendo necessária a concretização dessa execução.
Entretanto, importante salientar que para a utilização das medidas atípicas de maneira discricionária pelo magistrado é preciso que os meios executórios dispostos em lei já tenham sido esgotados e que com eles não tenha sido possível a satisfação do direito do exequente.
Desta forma, de maneira confirmatória a premissa de esgotamento anterior de todos os meios executivos disponíveis no ordenamento para após dar vida às medidas atípicas, pontua Gajardoni que:
Por isso – a prevalecer a interpretação potencializada do art. 139, IV, do CPC/15 – , o emprego de tais medidas coercitivas/indutivas, especialmente nas obrigações de pagar, encontrará limite certo na excepcionalidade da medida (esgotamento dos meios tradicionais de satisfação do débito), na proporcionalidade (inclusive à luz da regra de menor onerosidade ao devedor do art. 805 do CPC/2015), na necessidade de fundamentação substancial e, especialmente, nos direitos e garantias assegurados na Constituição Federal (v.g., não parece possível que se determine o pagamento sob pena de prisão ou de vedação ao exercício da profissão, do direito de ir e vir, etc).[13]
Outrossim, discorrendo acerca da funcionalidade existente nas medidas atípicas, Talamini observa:
Enquadrar ou não os meios coercitivos (a “execução indireta”) no âmbito da execução propriamente dita depende da perspectiva que se adote. Carnelutti, em sucessivas obras, destacou o caráter híbrido dessas medidas, comparando-as com a “estrutura” e a “função” da “execução” (por sub-rogação, “restituição”) e da “pena” (“punição”, “penitência”). Sob o aspecto funcional, a “execução” é meio adotado a fim de que se atinja a situação a que o direito tende com o comando desobedecido; a “pena”, ao invés, emprega-se porque aquela situação não se verificou. A “execução”, em outros termos, visa à “satisfação” do direito violado; a “pena” impõe uma “aflição” em virtude da violação. Estruturalmente, a “execução” sacrifica o mesmo interesse (ou interesse equivalente ao) que se afetaria caso observado o comando; a “pena” golpeia um interesse diverso. A medida coercitiva constitui um terceiro gênero, entre a “pena” e a “execução”. Apresenta em comum com a “pena” sua estrutura, pois recai sobre bem do devedor diferente daquele que é objeto do dever violado. Já funcionalmente, identifica-se com a “execução”: tem finalidade “satisfativa”, antes que “aflitiva.”[14]
Percebe-se, portanto, que a aplicação das medidas atípicas é meio que visa atingir o resultado útil do processo, ou seja, a satisfação do credor, quando esse teve seu direito comprovadamente reconhecido.
Na esteira da aplicação das medidas atípicas, a margem interpretativa oferecida ao magistrado permite que sejam aplicadas diversas medidas como meio de compelir o devedor a satisfazer os direitos do credor.
Além disso, essas medidas buscam assegurar a utilidade processual, isto é, objetivam não permitir que o instituto seja utilizado como meio enfraquecedor da atividade do Poder Judiciário, colocando-a em questionamento. Muito pelo contrário, o verdadeiro intuito é fortalecer a atividade jurisdicional através do efetivo cumprimento de suas decisões.
Neste plano, é de extrema importância a observância de decisões acerca do tema. Portanto, vejamos como os tribunais brasileiros vêm aplicando essas medidas a partir de diferentes perspectivas.
A título de exemplo, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação não viola o direito constitucional à liberdade de locomoção, conforme entendimento exarado no Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 98.876/SP, que vem assim ementado:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. CPC/2015. INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COM O ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL. SUBSIDIARIEDADE, NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE. RETENÇÃO DE PASSAPORTE. COAÇÃO ILEGAL. CONCESSÃO DA ORDEM. SUSPENSÃO DA CNH. NÃO CONHECIMENTO. 3. O CPC de 2015, em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou o ordenamento jurídico com a previsão, em seu art. 139, IV, de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda, inclusive as de pagar quantia certa. 4. As modernas regras de processo, no entanto, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. 5. Assim, no caso concreto, após esgotados todos os meios típicos de satisfação da dívida, para assegurar o cumprimento de ordem judicial, deve o magistrado eleger medida que seja necessária, lógica e proporcional. Não sendo adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação das decisões judiciais, será contrária à ordem jurídica. 6. Nesse sentido, para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual. 7. A adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar-se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e à medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental. 8. A liberdade de locomoção é a primeira de todas as liberdades, sendo condição de quase todas as demais. Consiste em poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para outro, ou permanecer cá ou lá, segundo lhe convenha ou bem lhe pareça, compreendendo todas as possíveis manifestações da liberdade de ir e vir. 9. Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária. 11. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular, sendo, assim, inadequada a utilização do habeas corpus, impedindo seu conhecimento. É fato que a retenção desse documento tem potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que tem na condução de veículos, a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza.[15]
Destaca-se, no entanto, que na origem do julgamento da lide a medida que autorizava a coerção quanto ao cumprimento da obrigação imposta pelo magistrado abarcaria também a apreensão do passaporte do devedor. Todavia, a partir de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, o Superior Tribunal de Justiça consignou que apreensão do documento de transito internacional seria, no caso analisado, um grande impeditivo da liberdade de locomoção e que, portanto, essa apreensão não deveria prosperar no caso em comento.
É fundamental, ainda, analisar a maneira com que os tribunais vêm observando a questão e perceber que até então não é possível consignar que haja algum entendimento majoritário.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por exemplo, em determinadas ações, observa que não são razoáveis a aplicação de algumas medidas atípicas, como ocorre com a suspensão da CNH, apreensão de passaporte e cancelamento de cartões de crédito. Isto ocorre uma vez que, o referido Tribunal considera que tais medidas fere direitos e garantias fundamentais. Senão vejamos:
Agravo de Instrumento. Recurso contra decisão que, em fase de execução, indeferiu o pedido de aplicação de medidas coercitivas requeridas pela parte exequente, ora recorrente, consistentes na suspensão da CNH da agravada, na apreensão de seu passaporte e no cancelamento de seus cartões de crédito. Anulação do decisum, por invocar motivos que se prestariam a justificar 2 qualquer outra decisão. Aplicação do art. 489, § 1º, III, do CPC/2015. Ausência de fundamentação. Ofensa à exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, da Constituição da República). Análise da questão de mérito, que, todavia, se impõe. Aplicação da causa madura. Precedente do STJ. Medidas pretendidas pelo agravante que se mostram extremas e desarrazoadas, ferindo normas fundamentais do processo civil (arts. 5° e 8° do CPC/2015), inclusive garantias constitucionalmente asseguradas, como o direito de ir e vir. Anulação do decisum. Negado provimento ao recurso, todavia, no que toca à questão de mérito”.[16]
AGRAVO. ALIMENTOS. EXECUÇÃO. DECISÃO QUE DEFERIU MEDIDAS RESTRITIVAS DE SUSPENSÃO DE CNH, APREENSÃO DE PASSAPORTE E CANCELAMENTO DE CARTÕES DE CRÉDITO DO DEVEDOR. INADMISSIBILIDADE. AS MEDIDAS COERCITIVAS PREVISTAS NO ART. 139, IV DO CPC NÃO SE SOBREPÕEM ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. Os princípios norteadores da aplicação do direito processual estão definidos na Constituição da República e devem ser observados na prestação jurisdicional de forma a evitar lesões a direitos fundamentais e danos irreparáveis. Em que pese a nova sistemática trazida pelo art. 139, IV do CPC/2015, as medidas ali autorizadas não podem deixar de observar os preceitos de ordem constitucional. Dentre os Direitos e Garantias Fundamentais elencados no art. 5º da Carta 7 Magna, está o direito de ir e vir, assegurado em seu inciso, XV que dispõe: “É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou sair com seus bens”, que ora se vislumbra violado pela decisão agravada ao determinar a suspensão da CNH do agravante e apreensão de seu passaporte. Sopesando os bens jurídicos em confronto, é forçoso concluir que descabe sacrificar o direito fundamental de ir e vir do executado em favor do direito ao crédito da exequente. De outro lado, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade insculpidos no art. 8º do CPC, que impõe à autoridade judicial, na aplicação do ordenamento jurídico, a proteção da dignidade da pessoa humana, não restaram observados no que toca ao cancelamento dos cartões de crédito do executado/agravante, notadamente ante a existência de outras medidas específicas previstas no mesmo diploma, tais como as referidas em seus arts. 517, 529 § 3º e 782 § 3º. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO”[17]
A partir do observado nos casos apresentados, é possível constatar que os direitos e garantias fundamentais, em especial aquelas de limitam o direito de ir e vir do individuo, devem ser sobrepostos aos direitos do exequente, no que tange à satisfação de seu crédito.
O entendimento é razoável quando observado que o indivíduo na realidade está alçado ao centro do ordenamento jurídico por meio do princípio da dignidade humana. Sendo assim, tem-se que, os meios para satisfação dos direitos creditícios devem estar inteiramente dotados de proporcionalidade e razoabilidade, bem como, devem observar as condições pessoais do devedor. Resta evidente, no entanto, que todas essas questões precisam estar, indispensavelmente, em plena consonância com os mandamentos constitucionais.
Em determinados julgados colhidos no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, as medidas atípicas acabam por observar a mesma lógica do tribunal contida nas decisões prolatadas pelo Tribunal Carioca, vejamos:
Execução de título executivo extrajudicial. Ausência de bens penhoráveis. Bloqueio da CNH Carteira Nacional de Habilitação.Deferimento. Agravo de instrumento. Art. 139, IV, CPC/2015.Princípios da proporcionalidade e da razoabilidade que se sobrepõem, no caso, ao princípio da efetividade da execução.Inviabilidade de se impor restrição ao direito individual, direito de locomoção, ainda que de forma reflexa bloqueio da CNH.Jurisprudência do TJSP. Decisão reformada. Recurso provido.[18]
Entretanto, não é possível afirmar que o entendimento acerca da prevalência do direito individual do devedor é voz uníssona, uma vez que há entendimentos destoantes dentro do próprio tribunal citado. Conforme destacado alhures.[19]
Logo, se a discussão não possui uma linha contígua dentro dos tribunais, o mesmo ocorre com os entendimentos doutrinários. Portanto, ainda é possível observar um relevante conflito de posicionamentos, além de que, ainda não se reconhece uma corrente dominante acerca da utilização de tais medidas como meio de dar eficácia às decisões judiciais.
Por um lado, uma parte da doutrina valoriza a eficácia atrelada ao princípio constitucional do devido processo legal, com seu início, desenvolvimento e seu resultado útil. E valoriza, ainda, a eficiência, no sentido de reconhecer a atividade pública jurídica. Tudo isso, em detrimento dos direitos e garantias fundamentais que interferem de maneira maior no plano da individualidade.
Em contrapartida, outra corrente inclina-se e defende que a atividade judiciária deve lograr êxito respeitando o ensinamento de Chiovenda “o processo deve dar, quando for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir”[20]. Ou seja, encontra a valorização da reparação da lesão ocorrida, mas dentro de determinados limites que não devem ser ultrapassados.
De tal modo, acerca dessa questão Alexandre Freitas da Câmara entende que não há razoabilidade na utilização e nem mesmo na existência desse instrumento processual disponível no ordenamento jurídico pátrio, por se tratar de verdadeira e direta afronta ao texto constitucional. Vejamos, in verbis, o tratamamento dado pelo doutrinador:
Diante do quanto se expôs até aqui, deve-se buscar interpretar, então, o art. 139, IV, do Código de Processo Civil. Por força de seu texto normativo, como já dito, deve-se admitir, para o cumprimento de decisões judiciais, o emprego de “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. E essas medidas, coercitivas ou sub-rogatórias, devem, necessariamente, ter caráter patrimonial, sob pena de violar-se o princípio da patrimonialidade da execução, criando-se uma responsabilidade não patrimonial onde só se admite que o executado responda com seus bens. Resulta daí a absoluta incompatibilidade entre o modelo constitucional de processo brasileiro e decisões que imponham a suspensão da inscrição do devedor no cadastro de pessoas físicas (CPF) – o que impediria o devedor, por exemplo, de apresentar sua declaração anual de imposto de renda – ou o cancelamento de seus cartões de crédito (o que o impediria, por exemplo, de organizar as compras de produtos essenciais, como medicamentos e alimentos, de forma a concentrar o pagamento em data posterior ao recebimento de seu salário – o qual, registre-se, é impenhorável até o limite de cinquenta salários-mínimos). Do mesmo modo, é inadmissível a suspensão da carteira de habilitação (que poderá implicar uma absoluta vedação ao desenvolvimento de atividade profissional como motorista, por exemplo, além de impedir o executado de dirigir automóvel que não lhe pertença, mas que pode lhe ser emprestado por amigo ou pessoa da família para, por exemplo, levar um filho doente ao hospital). Aliás, a questão que aqui se põe é a de saber como, e em que condições, impedir o executado de apresentar a declaração de imposto de renda, comprar medicamentos ou levar um filho doente ao médico seriam medidas capazes de tornar a atividade executiva mais eficiente e efetiva. Parece evidente que a resposta, aqui, é a de que não há qualquer possibilidade de que tais medidas ampliem a efetividade e a eficiência da execução.[21]
Na visão do professor, as medidas atípicas são dotadas de maior utilidade quando utilizadas como medidas executivas quando o devedor se tratar de pessoa jurídica. Contudo, ainda assim, devem ser utilizadas tão somente após esgotadas as medidas que tenham como fundamento natureza patrimonial.[22]
Noutro giro, nas demandas em que estejam presentes pessoas naturais, assevera o autor: “Evidentemente, é também possível o emprego de medidas executivas atípicas quando o é pessoa natural. Devem tais medidas, contudo, ter caráter exclusivamente patrimonial.”
Na mesma vertente leciona Leonardo Greco, no entanto, acrescenta determinados requisitos específicos para concessão de tais medidas, ou seja, é possível a ocorrência de relativização dos direitos fundamentais quando confrontados ao resultado útil do processo. Sendo assim, o autor ensina que:
Por outro lado, não são legítimas, medidascoercitivas, ainda que previstas em lei, que sejam determinadas pelo juiz de ofício ouapós a audiência das partes, sem que este tenha verificado in concreto a ocorrência de todos os pressupostos acima expostos: necessidade, adequação, conexão instrumentalespecífica, proporcionalidade,razoabilidade,subsidiariedade, excepcionalidade, devido processo legal, aferição e proteção do periculum in mora inverso.[23]
Por outro lado, Daniel Assumpção entende que tais medidas devem ser encaradas como meio de posicionar e compelir o devedor a cooperar com o resultado útil do processo, no que se refere a dar fim à execução. Nesse sentido, expõe o doutrinador:
É importante registrar que a adoção de medidas executivas coercitivas que recaiam sobre a pessoa do executado não significa que seu corpo passa a responder por suas dívidas, o que, obviamente, seria um atentado civilizatório. São apenas medidas executivas que pressionam psicologicamente o devedor para que esse se convença de que o melhor a fazer é cumprir voluntariamente a obrigação. Mostra-se óbvio que, como em qualquer forma de execução indireta, não são as medidas executivas que geram a satisfação do direito, mas sim a vontade, ainda que não espontânea, do executado em cumprir a sua obrigação. [24]
A partir do que fora exposto, observa-se que a discussão se encontra em estágio inicial, portanto é necessário, ainda, um maior aprofundamento acerca do tema. Assim, é fundamental que seja feita uma interpretação ampla sobre a sua aplicabilidade, bem como, que seja realizada análise minuciosa dos futuros fundamentos utilizados na ADIn 5941 que aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal.
CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988 buscou privilegiar o indivíduo em seus mandamentos. Ao insculpir o princípio da dignidade humana, o particular foi alçado ao centro do ordenamento jurídico como dotado de direitos fundamentais, sendo necessários meios capazes de garantir seu pleno desenvolvimento.
Sendo assim, essa garantia de uma gama de direitos, bem como instrumentos de sua proteção, fortalecem a necessidade de uma postura ativa do Estado para ser capaz de dar eficácia aos seus mandamentos. No entanto, a vida em sociedade acaba se posicionando de maneira a reconhecer o choque contínuo existentes entre diferentes atores sociais, revelando a necessidade de reparação como meio de garantia da pacificação social.
Ocorre que, essa reparação é morosa, e por vezes, ela nem mesmo acontece, o que ocorre por gerar forte descontentamento e críticas acerca do poder normativo do que está positivado na Constituição Federal, esvaziando, por conseguinte, seu conteúdo material.
Dentro deste panorama, o nascimento de cláusulas gerais, como aquela que trata das medidas atípicas, surge como fundamental e de grande valia para que haja mecanismos – mesmo que existentes aqueles típicos – de compelir ao devedor a cumprir sua obrigação, que por ele foi originado ao lesar o direito de outrem.
Entretanto, mesmo que fiel ao entendimento de que a efetividade do processo e o respeito aos mandamentos da Justiça estão em harmonia com os princípios constitucionais, é necessária maior adequação e observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Além disso, devem ser analisadas as condições pessoais do devedor para que sejam aplicadas tais medidas, em especial, aquelas que contrariam os direitos fundamentais individuais.
É cristalino, que em um Estado Democrático de Direito, a relativização dos direitos fundamentais devem ter caráter extraordinário e ocorrer apenas como ultimaratio. Para tanto, o magistrado deve se valer da doutrina e jurisprudência, os utilizando com prudência, dentro de uma margem de coerência.
Ao quebrar o núcleo dos direitos fundamentais por questões eminentemente patrimoniais estará a se romper com o ideal presente na Constituição Federal do indivíduo como centro do ordenamento jurídico, passando a permitir, cada vez mais, que sejam relativizadas outras garantias.
Portanto, mesmo que diante da comprovada lesão ou ameaça a direito, o meio de reparação deve guardar fundamento no texto constitucional, sendo ponderados aqueles que guardem respeito ao que preceitua o texto escrito pelo constituinte originário.
REFERÊNCIAS
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[1]CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo . 28.ed. São Paulo: Malheiros, 2012. P. 29.
[2]CINTRA, Nailan. Autotutela versus Autocomposição. Disponível em: http://www.conima.org.br/arquivos/15873. Acesso em 05. Mai.2019.
[3]Reichelt, Luis Alberto. O direito fundamental à inafastabilidade do controle jurisdicional e sua densificação no Novo CPC. Revista de Processo. REPRO VOL. 258 (AGOSTO 2016).
[4]Tavares aprofunda as funções do Poder Judiciário, afirmando que: “O Judiciário constitui um dos três poderes reconhecidos expressamente pela Constituição da República (art. 2º), sendo independente em relação aos demais; a ele foi atribuída a tarefa de declarar o Direito e de julgar. No declarar o Direito deverá, preliminarmente, defender a Constituição, inclusive contra as leis editadas em desrespeito àquela. Ademais, tendo de promover sempre o respeito à Constituição, os Tribunais e juízes devem, quanto às leis, “adaptar o conteúdo de seus preceitos aos preceitos constitucionais”, como bem observa Maria LuisaBalaguerCallejon, ou seja, admite-se “abrir o sistema de fontes à criação judicial do Direito de tal modo que os enunciados legais não serão apenas o que da literalidade de seus textos se possa deduzir mas também o que os Tribunais tenham interpretado que são como consequência de sua congruente inserção dentro do ordenamento constitucional”. Declarar o Direito é declará-lo tendo como justa medida a Constituição.
No julgar deverá oferecer as soluções para os conflitos de interesses que lhe são apresentados e para os quais é provocado a manifestar-se em caráter definitivo e cogente. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. – 10. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.P.1207-1208.
[5] O artigo 5º, XXXV da Constituição Federal dispõe que “lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito “.BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Casa Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 10.mai.2019.
[6]MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil v. 1. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.P.221.
[7] Cintra e Grinover. Op. Cit. P. 50.
[8] GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Instituições de Direito Processual Civil. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013. P. 01.
[9]GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. DIMENSÃO SOCIAL DO PROCESSO, DIREITO E DESENVOLVIMENTO. Legis Augustusv. Rio de Janeiro. V. 3, n. 2, p. 42-52, jul./dez. 2012. (grifo nosso).
[10] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 18.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. P. 745.
[11] BRASIL. Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Secretária de Editoração e Publicação. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 11 de maio de 2019.
[12] Theodoro Junior, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional: insuficiência da reforma das leis processuais. Revista de Processo, v. 30, n. 125, p. 61-78, jul. 2005.
[13] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A revolução silenciosa da execução por quantia. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A revolução silenciosa da execução por quantia. Disponivel emhttps://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-revolucao-silenciosa-da-execucao-por-quantia-24082015. Acesso em: 05.mai.2019.
[14] TALAMINI, Eduardo. Medidas coercitivas e proporcionalidade: o caso WhatsApp. Revista Brasileira da Advocacia, 2016. RBA VOL.0 (JANEIRO-MARÇO 2016).
[15] Superior Tribunal de Justiça. ROHC 97.876/SP 2018/0104023-6. 4ª Turma. Rel. Ministro Luis Felipe Salomão. Data de Julgamento 05/06/2018. Publicado em: 09/08/2018. (grifos e alterações no original).
[16] (TJRJ . Agravo de Instrumento 0051859-60.2017.8.19.0000 – – Des. Mauro Pereira Martins – Julgamento: 08/11/2017).
[17] TJRJ. Agravo de Instrumento. 0015045- 49.2017.8.19.0000 – – Des. Ferdinaldo do Nascimento – Julgamento: 17/10/2017 – Décima Nona Câmara Cível.
[18]AI n° 2143418-69, 21ª Câm. De Dir. Privado, Rel. Des. Virgílio de Oliveira Junior DJ 05/09/2017.
[19] O processo que deu origem ao julgamento do Resp. 97.876/SP ( ver cit. 14) observara que as medidas coercitivas, visando a satisfação dos interesses do credor no que tange a possuir meios para atacar o patrimônio do credor, não ferem os direitos fundamentais de ir e vir do indivíduo.
[20]CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Bookseller: Campinas, 1998, vol. I, p. 67.
[21] CÂMARA, Alexandre de Freitas. O PRINCÍPIO DA PATRIMONIALIDADE DA EXECUÇÃO E OS MEIOS EXECUTIVOS ATÍPICOS: LENDO O ART. 139, IV, DO CPC. Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro nº 1 – jun. 1985 – Rio de Janeiro, Tribunal de Justiça, 1985 – v. semestral.
[22] O autor exemplifica da seguinte maneira “Daí a importância de uma regra como a que se constrói a partir do texto normativo do art. 139, IV, do CPC. Basta pensar na possibilidade de se estabelecer, na decisão judicial condenatória, que a instituição financeira pagará ao demandante cinco mil reais a título de dano moral, acrescido de juros e correção monetária, com a advertência de que, caso o devedor seja intimado para efetuar o pagamento em quinze dias e não o faça incidirão 10% de multa e outros 10% de honorários advocatícios e, além disso, caso o atraso no pagamento chegue, por exemplo, a trinta dias, passará a incidir multa diária de dez mil reais. Nesse caso, e basta fazer a conta, a demora no cumprimento da decisão judicial deixará de ser lucrativa para o devedor, que terá todo o interesse em que a satisfação do crédito exequendo se dê rapidamente. (Op. Cit.)
[23]GRECO, Leonardo. Coações indiretas na execução pecuniária. Revista. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 109 – 134, Janeiro/Abril 2018.
[24]NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de pagar quantia certa: Art. 139, IV, do novo CPC. São Paulo: Revista de Processo, 2017.
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