Jaqueline de Paula e Silva – Acadêmico de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins – UNEST – União Educacional de Ensino Superior do Médio Tocantins.
Orientador: Bruno Vinicius Nascimento Oliveira
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo a verificação da Inconstitucionalidade do artigo 12-C da Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006, por possivelmente estar infringindo os Princípios da Jurisdicionalidade, do Devido Processo Legal e da Isonomia. Assim a problemática a ser investigada no presente trabalho acadêmico, discorre acerca da alteração da Lei Maria da Penha, pela Lei nº 13.827/19 e pela Lei 14.188/21, que inclui o artigo 12-C e seus incisos I, II e III, ser ou não inconstitucional, por infringir os Princípios supramencionados. Para o desenvolvimento da pesquisa, o método utilizado foi o de abordagem dedutiva, o tipo de pesquisa foi à exploratória, em análises quantitativas. Ao final dos estudos, verificou-se que no artigo 12-C da Lei Maria da Penha, não infringe os princípios da jurisdicionalidade e do devido processo legal. Porém, o princípio da isonomia sofre violação pelo inciso II, do artigo 12-C, por tratar de maneira desigual mulheres que se encontram em situações iguais de violência doméstica e familiar.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Medidas Protetivas de Urgência. Autoridades policiais. Princípios.
Abstract: The present work aims to verify the unconstitutionality of article 12-C of Law 11,340 of August 7, 2006, for possibly violating the Principles of Jurisdiction, Due Process of Law and Isonomy. Thus, the issue to be investigated in the present academic work, discusses the amendment of the Maria da Penha Law, by Law No. whether or not it is unconstitutional, as it violates the above-mentioned Principles. For the development of the research, the method used was the deductive approach, the type of research was exploratory, in quantitative analysis. At the end of the studies, it was found that article 12-C of the Maria da Penha Law does not violate the principles of jurisdiction and due process of law. However, the principle of isonomy is violated by item II of article 12-C, for treating women who are in equal situations of domestic and family violence unequally.
Keywords: Maria da Penha Law. Emergency Protective Measures. Police Authorities. Principles.
Sumário: Introdução. 1 Histórico Da Lei Maria Da Penha. 1.1. Breve Histórico Da Violência Contra A Mulher No Brasil. 1.2 Lei Maria Da Penha: Conceito De Violência, Ambiente, As Circunstância E As Formas De Violência Contra A Mulher. 1.3 Tipos De Medidas Protetivas De Urgência: Medidas Que Obrigam O Agressor E Medidas Que Protegem A Vítima. 2 Análise Da Constitucionalidade Da Decretação Do Agressor De Seu Lar Ou Domicílio Pelo Delegado De Polícia E Seus Agentes. 2.1 Concessão Da Medida De Afastamento Do Agressor De Seu Lar Ou Domicílio Antes Da Aprovação Da Lei Nº 13.827 De 2019. 2.2 Concessão Da Medida De Afastamento Do Agressor De Seu Lar Ou Domicílio Pelo Delegado De Polícia E Seus Agentes. 2.3 A Inclusão Do Artigo 12 – C Na Lei Maria Da Penha E Seus Reflexos Nos Princípios Constitucionais E Processuais Penais Da Jurisdicionalidade, Do Devido Processo Legal E Da Isonomia. Considerações Finais. Referências.
Introdução
A Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, traz em seu arcabouço Medidas Protetivas de Urgência nos seus artigos 22, 23 e 24, com o objetivo de promover efetividade a proteção de mulheres vítimas de violência doméstica. No ano de 2019, a Lei Maria da Penha passou por alterações normativas com a inclusão do artigo 12-C pela Lei 13.87/2019, que autoriza o delegado de polícia, bem como o policial, aplicar medida protetiva de urgência, afastando o agressor de seu lar ou domicílio, quando em situações de violência doméstica ou familiar existir risco atual ou iminente, a vida ou integridade física, da vítima ou seus dependentes.
De Acordo com Alice Bianchini (2014), a retirada do agressor de seu domicílio, contribui para o combate e a prevenção da violência doméstica, além de aproximar a vítima da Justiça.
Neste contexto, cabe a verificação da constitucionalidade do artigo 12-C, da Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006, por possivelmente incorrer na violação dos Princípios Constitucionais e Processuais Penais da Jurisdicionalidade, do Devido Processo Legal e da Isonomia. Os princípios são, além de fontes de garantias e direitos, compõem as normas que servem como bases do ordenamento jurídico. (OLIVEIRA, 2011).
Com tudo, tem-se a problemática a ser investigada no presente trabalho acadêmico: A alteração da Lei Maria da Penha, pela Lei nº 13.827/19 e pela Lei 14.188/21, que inclui o artigo 12-C, é inconstitucional, por infringir os Princípios Constitucionais e Processuais Penais da Jurisdicionalidade, do Devido Processo Legal e o Princípio da Isonomia?
Com os objetivos tem-se, a verificação da Inconstitucionalidade do artigo 12-C, da Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006, por possível infração dos Princípios Constitucionais e Processuais Penais da Jurisdicionalidade, do Devido Processo Legal e da Isonomia, além de, discorrer acerca da relevância do artigo 12-C, da Lei 11.340/06, na proteção à mulher vítima de violência doméstica.
Para realização deste estudo será utilizado o método de abordagem dedutiva, que parte do geral para um particular. Desta forma, extrai o conhecimento a partir de pressupostos gerais e aplica-os em situações concretas. Em se tratando do tipo de pesquisa, será utilizada a espécie exploratória, em análises qualitativas, coletando os dados em pesquisas bibliográficas e documentais, estes predominam o exame rigoroso de doutrinas, legislações e jurisprudências, buscando interpretações possíveis para chegar à conclusão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 12-C da Lei Maria da Penha. (BITTAR, 2019).
A presente pesquisa se justifica pelo crescimento dos casos de violência doméstica no Brasil nos últimos anos. Dados da Central de Atendimento à mulher registrou 1,3 milhão de chamadas em 2019 e consta que a violência doméstica e familiar no Brasil, representar 78,96% das violações registradas na central. (BRASIL, 2020)
Para melhor explanação do tema em análise, foi de fundamental importância discorrer sobre o histórico da violência sofrida pela mulher no Brasil, com o intuito de compreender a importância da Lei Maria da Penha em nossa sociedade. Sendo também imprescindível elucidar alguns conceitos apresentados pela Lei Maria da Penha, como o conceito de violência doméstica, os tipos de violência doméstica e familiar, bem como o ambiente onde essas ocorrem. Além disto, apresentação dos princípios da jurisdicionalidade, do devido processo legal e da isonomia, com referência em doutrinadores.
Outro ponto de fundamental importância para a análise do tema, foi apresentar o entendimento da Associação dos Magistrados Brasileiros, que a expressou em forma de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, bem como o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal Justiça, acerca da alteração da Lei Maria da Penha, introduzida pela Lei 13.87/2019, que autoriza o delegado de polícia, bem como o policial, aplicar medida protetiva de urgência, afastando o agressor de seu lar ou domicílio.
Assim, diante da realidade apresentada pelos dados expostos acima, vislumbra-se a expressiva necessidade do estudo acerca da atualização da Lei Maria da Penha, trazida pelo Artigo 12-C e seus incisos, dado que, trata-se de uma temática acerca do estudo minucioso sobre direitos e princípios fundamentais, além de contribuir para a segurança jurídica de mulheres e de seus familiares, que se encontrarem em situação de violência doméstica, sofrendo um risco atual ou eminente à sua vida ou à sua integridade física ou psicológica. O trabalho trouxe a atualização da Lei Maria da Penha, com a inclusão do artigo 12-C e seus incisos, e seus reflexos na reserva de jurisdição, no princípio do devido processo legal e da isonomia.
Neste título será abordado o histórico da violência contra a mulher, no âmbito nacional, bem como os aspectos da Lei Maria da Penha, com relação ao conceito de violência doméstica e familiar, o ambiente e as circunstâncias da ocorrência desse tipo de violência, bem como as formas de violência que a Lei regulamenta.
1.1 Breve Histórico da Violência Contra Mulher no Brasil
A Misogenia, preconceito de gênero, é um dos mais antigos preconceitos inseridos na sociedade. Teve seu surgimento com o patriarcado, que se deu pelo desenvolvimento da agricultura, e em consequência a transição da vida nômade para o sedentarismo. Nesta nova realidade, a mulher passou a ocupar um papel considerado secundário para o desenvolvimento social, e o homem passa então a ser a autoridade dentro do lar. (LIRA, 2015)
Ao passo que, as divisões de tarefas, dentro deste novo modelo de vida, sedentarismo, eram delimitadas, a mulher passa a ser considerada propriedade de seu pai, e posteriormente, após o matrimonio, propriedade de seu marido. Diante destas circunstâncias, as mulheres, desde os tempos remotos, eram diariamente submetidas a violências físicas, morais e psicológicas, que ocorriam, tanto no convívio familiar, como no convívio com a sociedade, que obrigava a mulher a comportar-se de forma submissa ao homem. (LIRA, 2015)
No Brasil Colônia, a igreja católica implementou o início da educação no país. Porém, a mulher não tinha o direito a participar da educação da época. Com o passar dos tempos, a luta das mulheres, na busca de garantir direitos aos poucos alcançou novos horizontes, como exemplo, no século XIX, foram editados os primeiros jornais escritos por mulheres, que na época, serviam como o principal meio de divulgação de suas lutas por igualdade. (LIRA, 2015)
Ainda no século XIX, as mulheres passam a trabalhar em indústrias brasileiras. No ano de 1918 inicia-se um movimento feminino reivindicando o direito da mulher ao voto, que contribuiu para a aprovação do Código Eleitoral em 1932, assegurando o direito da mulher de votar e ser votada. (LIRA, 2015)
A Constituição de 1934 estabelece o Princípio de Igualdade de Gênero, em seu artigo 113, 1, que repudiava os privilégios e distinções por motivo do sexo. Em 1936, foi instituído o Estatuto da Mulher, por Hertha Lutz, que rejeitava o projeto nº 177, onde era estabelecido, que para a mulher casada, exercer a profissão de corretor de seguros, era necessário o consentimento do marido. (LIRA, 2015)
Em 1970 a luta feminina foi pela Anistia, em 1975 a ONU cria O Ano Internacional da Mulher. Em 1977 é promulgado no Brasil, a lei do divórcio, que oportunizava as mulheres casadas, vítimas de violência doméstica, praticadas por seu marido, solicitarem o fim da união conjugal. Com a Carta Magna de 1988, a mulher adquire direitos como cidadãs e trabalhadoras. (LIRA, 2015)
Entretanto, a mais significativa lei promulgada no Brasil, que tem por objetivo a proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar e a Lei 11.340 de 17 de agosto de 2006, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”. A referida lei, nasceu da indiferença da justiça brasileira em punir o agressor da cidadã brasileira Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vítima de diversas tentativas de homicídios disferidas por seu companheiro, que a deixou paraplégica.
Diante deste cenário de negligência do Legislativo brasileiro, Maria da Penha, após publicar um livro que contava a sua trajetória de sofrimento constante de violência doméstica, recorreu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em busca de justiça. O órgão internacional, condenou o Brasil no ano de 2002, e determinou que o país promulgasse leis e políticas públicas, que fossem voltadas a proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar.
1.2 Lei Maria da Penha: Conceito de Violência, Ambiente, As Circunstâncias e as Formas de Violência Contra a Mulher
Como brevemente demonstrado no título anterior, a violência contra a mulher é presente na sociedade desde os tempos remotos. Em acordo com Damásio de Jesus (2015), a violência contra a mulher constitui um fato social, que ocorre tanto no Brasil, quanto no mundo; e que o conceito de violência está em constante mudança, pois em diferentes épocas, diferentes comportamentos são enquadrados como práticas violentas.
Ainda segundo o autor, a divisão tradicional de tarefas reservadas ao gênero feminino, que em muitos anos, se limitavam a esfera familiar e à maternidade, contribuiu para que a violência contra a mulher, em regra, ocorresse no seio familiar, tendo como principal agressor o próprio companheiro. (JESUS, 2015)
A violência doméstica contra a mulher tem severas consequências sobre a saúde e o desenvolvimento da cidadania das mulheres, e por isto deve ser combatida com leis severas e políticas públicas eficazes, que buscam proteger a mulher em seu ambiente familiar.
A Convenção de Belém do Pará, em seu Artigo I, traz o conceito de violência contra a mulher; configurando como qualquer ato ou conduta que seja baseada no gênero, e que venha a causar a morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada. (BRASIL, 1996)
A Lei Maria da Penha, em seu artigo 5º, delimita a violência doméstica e familiar contra a mulher, como qualquer ação ou omissão que seja baseada no gênero e que venha a causar a morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, bem como dano moral ou patrimonial. (BRASIL, 2006).
Importante esclarecer que, a Lei Maria da Penha, não pune toda e qualquer violência contra a mulher. A referida lei, tem por objetivo, punir a violência doméstica e familiar que ocorre por motivos de gênero. A violência doméstica e familiar é uma espécie de violência contra a mulher. Suas características mais relevantes são:
“a) decorre de uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher; b) esta relação de poder advém dos papéis impostos às mulheres e aos homens, reforçados pela ideologia patriarcal, os quais induzem relações violentas entre os sexos, já que calcados em uma hierarquia de poder; c) a violência perpassa a relação pessoal entre homem e mulher, podendo ser encontrada também nas instituições, nas estruturas, nas práticas cotidianas, nos rituais, ou seja, em tudo que constitui as relações sociais; d) a relação afetivo-conjugal, a proximidade entre vítima e agressor (relação doméstica, familiar ou íntima de afeto) e a habitualidade das situações de violência tornam as mulheres ainda mais vulneráveis dentro do sistema de desigualdades de gênero, quando comparado a outros sistemas de desigualdade (classe, geração, etnia).(BIANCHINI, 2014, p.50).”
Para que o agressor de uma mulher seja enquadrado na Lei Maria da Penha, além da violência ser motivada por uma questão de gênero, ela também deve ocorrer em circunstâncias domésticas, familiar ou em uma relação de íntimo afeto. O âmbito doméstico é compreendido pelo espaço físico onde pessoas, com ou sem vínculo de parentesco, convivem de maneira durável e ininterrupta. (BIANCHINI, 2014).
Também é caso de incidência da Lei Maria da Penha a agressão ocorrida entre familiares, ou seja, a vítima e o agressor pertencem à mesma família ou mantêm uma estreita ligação com os membros da família, podendo ser por afinidade ou vontade expressa. Como exemplos, um cunhado que agride uma cunhada, um irmão que agride uma irmã, um filho que agride uma mãe. (BIANCHINI, 2014)
O Superior Tribunal de Justiça, também coaduna com este entendimento, como demonstrado em jurisprudência:
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL EM
AMBIENTE DOMÉSTICO SUPOSTAMENTE COMETIDO POR FILHO CONTRA MÃE.
APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA. PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE DA
MULHER. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Para os efeitos de incidência da Lei Maria da Penha, o âmbito da
unidade doméstica engloba todo espaço de convívio de pessoas, com ou
sem vínculo familiar, ainda que esporadicamente agregadas. Ademais,
a família é considerada a união desses indivíduos, que são ou se
consideram aparentados, por laços naturais, afinidade ou vontade
expressa e o âmbito doméstico e familiar é caracterizado por
qualquer relação íntima de afeto, em que o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
2. Esta Corte Superior entende ser presumida, pela Lei n.
11.340/2006, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em
contexto de violência doméstica e familiar. É desnecessária,
portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que
seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha. Isso porque
a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema
hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido
diploma legal busca coibir.
3. Na espécie, deve ser reconhecida a competência do Juizado de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, tendo em vista que o
suposto delito foi cometido dentro do âmbito da família, por filho
contra mãe.
4. Agravo regimental não provido. (STJ – AgRg no REsp 1931918/GO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2021/0105808-3, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 28/09/2021, Data de Publicação/Fonte: DJe 30/09/2021) “Sempre importante destacar que não é necessário que haja coabitação entre vítima e o agressor, entendimento já sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça: Súmula 600 “Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da lei 11.340/2006, lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima” (SÚMULA 600, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/11/2017, DJe 27/11/2017)Em seu artigo 7º, a Lei Maria da Penha elucida as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.“Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”(BRASIL, 2006)
Este dispositivo não é taxativo, pois em sua discrição trás o enunciado “entre outras”. Bianchini (2014), em seu livro “ Saberes Monográficos: Lei Maria da Penha”, traz exemplos de violência contra a mulher, que se enquadram na Lei Maria da Penha, porém não estão expressamente mencionadas no artigo 7º da Lei Maria da Penha: a violência espiritual é uma delas, e ocorre quando uma mulher é impedida por seu companheiro de seguir determinada religião ou crença, por ele entender que ela não tenha capacidade de escolher sua própria religião.
O Capítulo II da Lei Maria da Penha, e reservado as tratativas das Medidas Protetivas de Urgência. Em seu artigo 18, vêm estabelecido o prazo de 48 horas, para que o juiz conceda a aplicação de medidas protetivas de urgência, que venham a ser requeridas pelo Ministério Público ou mediante pedido da ofendida. As medidas protetivas de urgência, podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa. No próximo tópico será abordado as medidas protetivas de urgência que tem por objetivo obrigar o Agressor, bem como as medidas que são direcionadas a proteção da vítima de agressão doméstica e familiar. (BRASIL, 2006)
1.3 Tipos Medidas Protetivas de Urgência: Medidas que Obrigam o Agressor e Medidas que Protegem a Vítima
O entendimento doutrinário acerca das Medidas Protetivas de Urgência, é de que estas constituem uma tutela de urgência autônoma, pois independem de vinculação à inquéritos policiais ou até mesmo a processos cíveis ou criminais. Sua natureza jurídica é cível, e devem permanecer enquanto forem necessárias na garantia da integridade física, psicológica, moral, sexual e patrimonial da vítima de agressão de gênero, ocorridas no âmbito domésticos e familiar, ou em uma relação íntima de afeto. (DINIZ, 2020)
Este também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER.MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). INCIDÊNCIA NO ÂMBITO CÍVEL. NATUREZA JURÍDICA. DESNECESSIDADE DE INQUÉRITO POLICIAL, PROCESSO PENAL OU CIVIL EM CURSO. 1. As medidas protetivas previstas na Lei n. 11.340/2006, observados os requisitos específicos para a concessão de cada uma, podem ser pleiteadas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor. 2. Nessa hipótese, as medidas de urgência pleiteadas terão natureza de cautelar cível satisfativa, não se exigindo instrumentalidade a outro processo cível ou criminal, haja vista que não se busca necessariamente garantir a eficácia prática da tutela principal. “O fim das medidas protetivas é proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e das situações que a favorecem. Não são, necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. Não visam processos, mas pessoas” (DIAS. Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012). 3. Recurso especial não provido. (Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,DJe 07/04/2014 REVPRO vol. 232 p. 497 RMDCPC vol. 59 p. 123 RSTJ vol. 235 p. 450 Decisão: 11/02/2014) “
Importante mencionar que, em se tratando de Medidas Protetivas de Urgências que se encontram regulamentadas no artigo 22 nos incisos I, II e III, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é que estas medidas possuem natureza jurídica Penal, porquanto deverá ser atrelada à inquérito policial ou processo penal em andamento, pois trata-se de medidas que limitam o direito de ir e vir do agressor, como bem coloca o Ministro FISCHER em sede de Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial:
“PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LEI N. 11.340/06. MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE INQUÉRITO POLICIAL OU AÇÃO PENAL EM CURSO. MANUTENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA JURÍDICA PENAL. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DESFAVORÁVEL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. I – Dentre as medidas previstas no art. 22 da Lei 11.340/06, evidencia-se que as constantes dos incisos I, II e III têm natureza eminentemente penal, visto que objetivam, de um lado, conferir proteção à vida e à integridade física e psicológica da vítima e, de outro, impõem relevantes restrições à liberdade e ao direito de locomoção do agressor, bens jurídicos esses merecedores da maior proteção do direito penal. II – Ademais, as medidas protetivas possuem natureza apenas cautelar, restringindo-se a sua aplicação a casos de urgência, de forma preventiva e provisória. III – Esta Corte Superior de Justiça firmou entendimento de que “as medidas protetivas fixadas na forma do art. 22, incisos I, II e III, da Lei 11.340/2006 possuem caráter penal e, por essa razão, deve ser aplicado o procedimento previsto no Código de Processo Penal” (AgRg no REsp n. 1.441.022/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe de 2/2/2015). IV – In casu, o eg. Tribunal de origem consignou que mantidas as medidas protetivas desde 23.02.2017, em razão de atos ocorridos naquele ano, não consta, entretanto, tenha sido instaurada ação penal referente à infração criminal. V – Com efeito, as medidas protetivas impostas, em que pese tenham força apenas cautelar, têm limitado a liberdade e o direito de ir e vir do agravado, conquanto não exista ação penal em curso nem se tenha perspectiva de deflagração do jus persecutionis. A imposição das restrições de liberdade ao recorrido, por medida de caráter cautelar, de modo indefinido e desatrelado de inquérito policial ou processo penal em andamento, resulta em constrangimento ilegal. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n 1761375/MG, Quinta Turma, Rel. Ministro Felix Fischer, Dje: 09/03/2021, Data de Publicação: 22/03/2021)”
As medidas protetivas mencionadas no parágrafo anterior constituem:
“I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, II -afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, III – proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida. (BRASIL, 2006).”
As medidas protetivas de urgência podem ser dividas em: Medidas que obrigam o agressor e medidas protetivas de urgência que protegem a vítima. Esta última, nos ensinamentos de BIANCHINI, pode ser subdividida em: “b) medidas dirigidas à vítima, de caráter pessoal; c) medidas dirigidas à vítima, de caráter patrimonial; d) medidas dirigidas à vítima nas relações de trabalho.” (BIANCHINI, 2014, p.341)
As medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, encontram-se enumeradas no artigo 22 da Lei Maria da Penha, são estas: suspensão da posse ou restrição do porte de armas; afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas; bem como, a proibição do contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; além de o agressor não poder frequentar determinados lugares; restrição, e até mesmo a suspensão do direito de visitação à dependentes menores; prestação de alimentos; comparecimento do agressor em programas de recuperação; além de acompanhamento psicossocial do mesmo.(BRASIL, 2006).
As medidas protetivas de Urgência que são direcionadas à vítima, estão regulamentadas no artigo 23 e 24 da Lei Maria da Penha, e nenhuma delas possuem natureza criminal, podendo ser aplicadas de forma cumulativas com outras, dependendo da complexidade e do perigo de cada caso. Essas medidas têm por finalidade a proteção física e psicológica da ofendida. (BIANCHINI, 2014).
É de suma importância salientar que, o artigo 13 da Lei Maria da Penha, traz a possibilidade de aplicação nas causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil, bem como a legislação aplicada à criança, ao adolescente e ao idoso. No Estatuto do Idoso e o Estatuto da Criança e do Adolescente, também são descritas algumas medidas, que se necessário, podem ser aplicadas de forma complementar às medidas protetivas estabelecidas na Lei Maria da Penha. (BIANCHINI, 2014).
Por fim, a Lei Maria da Penha, em seu artigo 22, descreve medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, e em seus artigos 23 e 24, elucida medidas protetivas que são voltadas a proteção da vítima de violência doméstica e familiar. As medidas protetivas voltadas para as vítimas de violência doméstica e familiar não são taxativas, podendo o juiz, conforme consta no caput do artigo 23, aplicar, quando necessário, outras medidas. Já as medidas que podem ser aplicadas ao agressor estão descritas, especificadamente na Lei Maria da Penha, e podem ser aplicadas de forma cumulativa, a depender do entendimento do juiz.
2. Análise da Constitucionalidade da Decretação do Afastamento do Agressor de seu Lar ou Domicílio pelo Delegado de Polícia e seus Agentes
A Lei Maria da Penha regulamenta medidas protetivas de urgência, entre elas, a decretação do afastamento do agressor de seu lar ou domicílio. Esta medida consta no artigo 22, inciso II, que determina a competência do Juiz em decretar esta, entre outras medidas, de imediato, ao agressor, sempre que for detectado à pratica de violência doméstica e familiar.
Neste capítulo, será abordado como era a decretação do afastamento do agressor de seu lar ou domicílio antes da aprovação da Lei nº 13.827 de 2019, onde a competência para determinar a referida medida protetiva era reservada apenas à um juiz, bem como as mudanças introduzidas na Lei Maria da Penha pela Lei nº 13.827 de 2019, especificadamente, a ampliação da competência aos delegados de polícia e autoridades policiais na decretação do afastamento do agressor de seu lar ou domicílio.
Ainda neste capítulo, serão abordados os reflexos do artigo 12-C nos princípios constitucionais e processuais penais da Jurisdicionalidade, do Devido Processo Legal e da Isonomia, como também o entendimento do Supremo Tribunal Federal no que concerne a Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pela Associação Brasileira dos Magistrados, questionando a constitucionalidade do artigo 12-C e seus incisos II e III da Lei Maria da Penha.
2.1 Concessão da Medida de Afastamento do Agressor de seu Lar ou Domicílio antes da Aprovação da Lei Nº 13.827 De 2019
O afastamento do agressor de seu lar, domicílio ou local em que mantenha convivência com a ofendida, encontra-se regulado no artigo 22, incisos II da Lei Maria da Penha. Essa medida tem o propósito de resguardar a saúde física e psicológica da mulher em situação de violência doméstica, diminuindo significativamente o risco de reiterados atos de violência, tanto física como psicológica, pois o agressor não estará convivendo no mesmo espaço físico que a ofendida, contribuindo assim com o acesso da vítima à justiça. (BIANCHINI, 2014).
Antes da edição da Lei nº 13.827 de 2019, o afastamento do agressor de seu lar, domicílio ou local em que convivesse com a ofendida, era decretado apenas pelo juiz, no prazo de até 48 horas, a pedido do Ministério Público ou da ofendida. Nesta realidade, a ofendida, muitas das vezes, após efetivar sua denúncia, retornava ao convívio com seu agressor.
Com a edição da Lei nº 13.827 de 2019, que inclui o artigo 12-C na Lei Maria da Penha, isso não irá mais ocorrer, pois a mesma autoriza a aplicação de medida protetiva de urgência tanto pela autoridade judicial quanto pela autoridade policial, nos quais estes pertencem os policiais civis e militares.
Esta nova redação legal da Lei Maria da Penha, proporcionou mais celeridade ao processo de aplicação da medida protetiva de urgência, evitando um ciclo de violência sofrido por vítimas que convivem com seus agressores. Está mudança também ajuda motivar as vítimas de violência doméstica à procurarem a delegacia de polícia para denunciarem seus agressores, pois terão a certeza de que estarão protegidas, não precisando após a denúncia, voltar a convivência com seu agressor quando regressar a sua residência.
2.2 Concessão da Medida de Afastamento do Agressor de seu Lar ou Domicílio pelo Delegado de Polícia e Autoridades Policiais
A possibilidade da concessão da medida protetiva de afastamento do agressor de seu lar ou domicílio, pela autoridade judicial ou policial, foi criada pela Lei 13.827 de 13 de maio de 2019. Está lei altera a Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006(Lei Maria da Penha), incluindo o Artigo 12-C que regulamenta o seguinte:
“Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: I – pela autoridade judicial; II – pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou III – pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia. § 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente. § 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso. (BRASIL, 2019). ”
De acordo com o artigo supracitado, o delegado de polícia e o policial, são competentes para decretar de imediato o afastamento do agressor de lar ou domicilio, quando for averiguado que a vida ou integridade física de uma mulher ou de seus dependentes, encontre-se em risco atual ou iminente, por encontrar-se em situação de violência doméstica e familiar.
Em acordo com o inciso II do artigo 12-C da Lei Maria da Penha, o delegado somente poderá decretar o afastamento do agressor de seu lar ou domicilio, caso o Munícipio não seja sede de comarca. Já no inciso III, do mesmo artigo, o policial poderá determinar o afastamento do agressor de seu lar ou domicilio, quando o munícipio não for sede de comarca e não houver um delegado disponível no exato momento da denúncia de violência doméstica e familiar para realizar a decretação da medida. Foureaux (2019), interpretou a legitimidade dessas autoridades policiais como sendo condicionada.
Na hipótese da decretação do afastamento do agressor de seu domicílio, ocorrer pelo Delegado de Polícia ou pelo Policial, o juiz deverá ser comunicado da ocorrência no prazo de 24 horas, e no mesmo lapso temporal o juiz é quem irá decidir pela revogação ou manutenção da medida protetiva.
Importante destacar que, o Policial legitimado no inciso III, do artigo 12-C da Lei Maria da Penha, para decretar a referida medida protetiva, engloba tanto os policiais cíveis como os militares. Estes, podem ser um Escrivão, um Agente de Polícia, e do Soldado até o Coronel da Polícia Militar. (FOUREAUX, 2019).
Foureaux (2019), listou os pressupostos para a concessão da medida protetiva pelo Delegado de polícia e os policiais, e a classificou como um poder-dever, pois no entendimento do magistrado, a autoridade policial quando diante dos pressupostos legais, tem o dever de aplicar a medida protetiva, afastando o agressor de seu lar ou domicílio.
Os pressupostos são: “Risco atual ou iminente à vida ou à integridade física; vítima mulher ou seus dependentes; situação de violência doméstica e familiar e legitimidade condicionada da autoridade policial. ” (FOUREAUX, 2019, não paginado).
O principal objetivo da inclusão do artigo 12-C e seus incisos na Lei Maria da Penha, é dar mais celeridade e eficiência a mesma, e com isto aperfeiçoar a proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar. No entanto, as mudanças trazidas com a promulgação da Lei 13.827/2019, com a inclusão do artigo 12-C na Lei Maria da Penha, levantou-se algumas divergências doutrinarias acerca de sua Constitucionalidade.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB, 2019), ajuizou perante o Supremo Tribunal Federal, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de Medida Cautelar, alegando que a alteração da Lei Maria da Penha pela Lei 13.827/2019, que incluiu o artigo 12-C e seus incisos naquela, autorizando os Delegados e Policiais decretar o afastamento do agressor de seu lar ou domicílio, é inconstitucional por ferir os princípios da reserva de jurisdição e do devido processo legal. De acordo com entendimento da Associação, está competência é exclusiva do Poder Judiciário, e o Delegado de Polícia e os policiais são agentes públicos do Poder Executivo. Na concepção da AMB, a separação dos poderes também estaria sendo violada, ferindo o Estado Democrático de Direito. Em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a AMB argumenta que:
“Conferir, porém, ao delegado de polícia ou ao policial tal competência, implica clara ofensa ao inciso XI (“a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em flagrante delito ou desastre, ou, durante o dia, por determinação judicial”) e LIV (“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”), do art. 5º, da CF. Com efeito, não se pode cogitar da possibilidade de um policial ou delegado vir a “penetrar” no “lar, domicilio ou local de convivência”, sem ordem judicial, para retirar alguém do ambiente e ainda mantê-lo afastado, privando-o da sua liberdade, antes do devido processo legal. A lei não pode conter tal autorização, porque a Constituição somente estabeleceu as exceções nela previstas (flagrante delito, desastre ou autorização judicial). (AMB, 2019, p.2).”
Na perspectiva de Foureaux, existem três correntes acerca da constitucionalidade do artigo 12-C, incisos II e III, da Lei Maria da Penha. A primeira corrente alega que o artigo é inconstitucional, pois a competência para a decretação de medidas protetivas de urgência é exclusiva da autoridade judiciária. A segunda corrente sustenta ser inconstitucional, pois entende ser competente para decretar o afastamento do agressor de seu lar ou domicílio, apenas a autoridade judicial e o Delegado de Polícia, por este ser legitimado para confeccionar auto de prisão em flagrante e arbitrar fiança. A terceira corrente, acredita que o artigo 12-C é inconstitucional, por trata de “forma desigual mulheres que se encontram na mesma situação fática”, quando determina que o Delegado de polícia somente poderá decretar a medida de afastamento do agressor de seu lar ou domicílio, apenas em munícipios que não for sede de comarca. (FOUREAUX, 2019, não paginado).
A promulgação da Lei 13.827/2019, houve significativas mudanças na decretação da medida protetiva de afastamento do agressor de lar ou domicílio, quando de verificado a ocorrência de violência doméstica e familiar. Antes dessa, apenas o juiz detinha a competência para sua decretação, como ainda consta, no artigo 22, inciso II, da Lei Maria da Penha. Com sua entrada em vigor da Lei 13.827/2019, o delegado de polícia e os policiais também passarão a ter a competência para decretar a referida medida protetiva.
Á vista disso, a Associação dos Magistrados Brasileiros, ajuizou perante o Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade, que tem por objetivo a decretação da inconstitucionalidade dos incisos II e III do artigo 12-c da Lei Maria da Penha. Adiante, será abordado os reflexos do então artigo, bem como seus incisos, nos princípios da jurisdicionalidade, do devido processo legal e da isonomia, como também, acerca de sua possível inconstitucionalidade.
2.3 A Inclusão do Artigo 12 – C na Lei Maria da Penha e seus Reflexos nos Princípios Constitucionais e Processuais Penais Da Jurisdicionalidade, Do Devido Processo Legal e da Isonomia
A Lei 13.827, de 13 de maio de 2019, alterou a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2016, mais conhecida como Lei Maria da Penha, autorizando o Delegado de Polícia e os policiais a decretarem o afastamento do agressor de seu lar ou domicílio, quando a mulher, vítima de violência doméstica, ou seus dependentes, encontrarem-se diante de uma situação que coloquem em risco, atual ou iminente, à sua vida ou à sua integridade física.
Porém, com a promulgação da Lei 13.827, de 13 de maio de 2019, a Associação dos Magistrados Brasileiros, impetrou perante o Supremo Tribunal Federal, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, alegando que a referida lei é inconstitucional, pois fere os princípios Constitucionais e Processuais Penais da Jurisdição e do Devido Processo Legal.
Neste tópico serão analisados os reflexos do artigo 12-C da Lei Maria da Penha, nos princípios Constitucionais e Processuais Penais da Jurisdicionalidade, do Devido Processo Legal e da Isonomia. Para melhor exploração do tópico, importante transcrever o artigo 12-c e seus incisos, que diz:
“Art. 12-C Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: I – pela autoridade judicial; II – pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou III – pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia. § 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente. § 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso. ”
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), alega ser inconstitucional os incisos II e III, bem como o § 1º, do artigo 12-C da Lei Maria da Penha, pois estes estariam violando o princípio da reserva de jurisdição, bem como o devido processo legal, por autorizar que autoridade policial tenha a “competência para ingressar no lar ou domicilio do cidadão, retirá-lo e mantê-lo afastado”. (AMB, 2019, p.1). Ainda, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a AMB alega que, a hipótese de alguém adentrar no domicilio de outrem e restringir a sua liberdade, somente pode ser prescindida de autorização judicial, e que se trata de uma “reserva constitucional absoluta de jurisdição”. (AMB, 2019, p. 5)
Para Aury Lopes Jr. a Jurisdicionalidade, representa, entre outras coisas, uma exclusividade do poder jurisdicional ao juiz natural, que garante a independência da magistratura, devendo o juiz submissão exclusivamente à Lei. O Autor complementa que, o princípio da jurisdição estabelece a ” inderrogabilidade do juízo, no sentindo de infungibilidade e indeclinabilidade da jurisdição.” (JR., 2021, p.90)
Ou seja, no entendimento do Doutrinador, a jurisdição, deve ser entendida como um direito-dever do Juiz, que deve aplicar a lei diante de um caso concreto de violação da mesma, não podendo este declinar-se a não aplicação do Direito, e nem mesmo ser substituído, no momento da aplicação da Lei, por qualquer outro agente do direito, como um Advogado, Defensor Público, ou até mesmo autoridades policiais; sendo portanto, o juiz, o único competente para a aplicação da Lei diante de ocorrência de fatos jurídicos.
Esse também é o entendimento dos doutrinadores Arruda e Pereira, que compreendem o poder jurisdicional como pertencente ao Poder Judiciário, que o exerce por meio de seus juízes. (JÚNIOR, 2015, P.21).
Carneiro, em suas palavras sustenta o mesmo entendimento: “Sendo indeclinável a jurisdição, não poderá o juiz delegar suas atribuições ou eximir-se de julgar, salvante, como dito, os casos de incompetência, impedimento e suspeição.” (CARNEIRO, 2013, p.42)
Em se tratando do princípio do devido processo legal, este vem preconizado na Constituição Federal no artigo 5ª, inciso LIV, que determina que: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Nas palavras de Arruda, isso significa dizer, que o magistrado é quem detém a competência para impulsionar o feito, seguindo uma forma já pré-estabelecida em lei. (JÚNIOR, 2015, p.21).
Para a AMB, o artigo 12-C e seus incisos II, III da Lei Maria Penha, fere o princípio do Devido Processo Legal, pois autoriza, de imediato, a retirada do agressor de seu lar ou domicílio, sem uma autorização judicial., como estabelecido nas exceções do artigo 5ª, inciso LIV da CF/88. Nas palavras da Associação“ […] o dispositivo legal está admitindo que um delegado de polícia ou um policial, restrinjam essa liberdade do agressor, sem que tenha sido instaurado um processo e proferida uma decisão judicial. ” (AMB, 2019, p. 5)
Em se tratando da violação ao princípio da isonomia, pelo artigo 12-C, e seus incisos II e III da Lei Maria da Penha, tem se o entendimento, segundo FOUREAUX (2019), de alguns doutrinadores, que o artigo em questão, trata mulheres que se encontram em situações semelhantes de maneira diferentes, ao estabelecer que, para o delegado de polícia decretar o afastamento do agressor de seu lar ou domicílio, a cidade não poderá ser sede de comarca.
Cunha (2013), entende que o princípio da isonomia não instaura a igualdade para todos os seres humanos. Nas palavras do autor, uma lei que tratar desigualmente um grupo ou uma classe de pessoas, em detrimento de um todo, não estará ferindo o princípio da isonomia. “O princípio da isonomia significa: a) a lei é geral, impessoal; b) o modo como a lei dispõe a respeito dos grupos de pessoas pode ser diverso, desde que não discriminatório.” (CUNHA, 2013, p.298)
As vítimas protegidas pela Lei Maria da Penha podem ser enquadradas em uma classe de mulheres vítimas de violência. Esta classe é a das “mulheres vítimas de violência doméstica e familiar”. O artigo 12-C da Lei Maria da Penha, vêm com a finalidade de proteger uma classe de mulheres dentro da categoria de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Esta classe é composta por mulheres que se encontram em situação de violência doméstica e familiar, onde sua vida ou de seus dependentes, bem como sua integridade física, estão em eminente perigo.
O Superior Tribunal Federal, por unanimidade, julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade 6138, impetrada pela AMB., que questionava a Constitucionalidade do artigo 12-C, incisos II e III, da Lei Maria da Penha. Em seu voto, o ministro relator Alexandre de Morais, argumentou que, a decretação do afastamento do agressor de seu lar ou domicílio pelos delegados de polícia, e os policiais, não são inconstitucionais, pois, após a decretação da medida preventiva, o juiz deverá analisar o fato concreto no prazo de 24 horas, e decidir sobre sua manutenção ou revogação. (STF, 2022, não paginado)
O ministro classificou a atuação do delegado de polícia e dos policiais como sendo de caráter “supletivo” e de fundamental importância para o encerramento de um ciclo de violência doméstica. Além disto, o ministro complementou alegando que a Constituição permite a invasão do lar sem uma prévia autorização, complementa ainda, argumentando que a Carta Magna, em seu artigo 226, parágrafo 8º, estabelece a dever do Estado de promover a assistência familiar, por meio de mecanismos que venham coibir a violência no âmbito de suas relações. (STF,2022, não paginado)
Com o exposto, pode-se inferir que, o artigo 12-C da Lei Maria da Penha, não é inconstitucional por violar os princípios da jurisdicionalidade e do devido processo legal, pois a decretação do então afastamento do agressor de seu lar ou domicílio pelas autoridades policiais, será avaliada por um juiz competente, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, de acordo com o § 1º do já mencionado artigo:
“Art. 12 – C § 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente. (BRASIL,2006).”
A inconstitucionalidade do artigo 12 – C e seus incisos II e III, também é insustentável, sob o ponto de vista da violação ao princípio da jurisdicionalidade, pois a própria Carta Magna em seu artigo 5ª, inciso LIV, confere a outrem, que não as autoridades judiciais, a decretar a prisão em situações que envolvam hipóteses de flagrante delito, de transgressão militar ou de crime propriamente militar.
O Código de Processo Penal, em seu artigo 301, esclarece que as autoridades policiais e seus agentes deverão prender qualquer pessoa que se encontre em flagrante delito. No mesmo código, no artigo 304, o delegado de polícia é o competente para lavra o auto de prisão em flagrante, e em decorrência de fundamentada suspeita contra o suposto autor de crime, o delegado mandará recolhê-lo à prisão. (BRASIL, 1941, não paginado)
Importante também destacar a competência do delegado de polícia para aplicar medidas cautelares diversa da prisão. Como exemplo, o artigo 322 do Código de Processo Penal, que autoriza a autoridade policial conceder fiança quando se tratar de infrações que cominam em pena privativa de liberdade máxima não superior a 04 (quatro) anos. (BRASIL, 1941, não paginado)
No entanto, o artigo 12-C da Lei Maria da Penha, vêm violar o princípio da isonomia, pois procede de maneiras diferentes com mulheres que se encontram em situações fáticas semelhantes de violência doméstica e familiar, quando estabelece que o Delegado de Polícia somente poderá decretara o afastamento do agressor de seu lar ou domicílio, em locais que não for sede de comarca. Este também é o entendimento do magistrado RODRIGO FOUREAUX, que frisou que este critério não poderá ser interpretado de forma rígida, pois de acordo com o magistrado, a realidade do país é de um território muito extenso, com cidades grandes, e moradores que residem em locais que são distantes da sede da comarca, ressaltando ele as áreas rurais. (FOUREAUX, 2019, não paginado)
Contudo, uma melhor redação ao artigo 12-C e seus incisos II e III, seria a possibilidade do delegado de polícia, que se encontrar diante de vítima de violência doméstica, onde a sua integridade física ou sua vida ou de seus dependentes estejam sob risco ou perigo eminente, este, independentemente da cidade ser ou não sede comarca, decretar desde logo o afastamento do agressor de seu lar ao domicilio, evitando que a vítima ou seus dependentes sejam expostos a mais violência, interrompendo assim, um possível ciclo de violência doméstica e familiar, que é muito comum nessas situações.
Considerações Finais
A Lei Nº 11.340, promulgada em de 7 de agosto de 2006, denominada Lei Maria da Penha, é resultado de uma condenação sofrida pelo Brasil na Corte Interamericana de direitos humanos no ano de 2002, e tem como objetivo a coerção e a prevenção da violência direcionada ao gênero, que ocorre no contexto doméstico, familiar ou em uma relação íntima de afeto. Esta proteção voltada para a mulher encontra amparo jurídico no § 8º do artigo 226 da Constituição Federal, além de Convenções e Tratados Internacionais, ratificados pelo Brasil, que buscam proteger a Mulher. (BIANCHINI, 2014)
Para assegurar a efetividade da proteção da mulher, em situação de violência de gênero no âmbito doméstico, familiar ou em uma relação de íntimo afeto, a Lei Maria da Penha, trouxe em seus artigos 22, 23 e 24, Medidas Protetivas de Urgência, que nas palavras de Bianchini, constituem, acompanhado da criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, a principal inovação trazida pela lei, e sua primordial característica é o seu caráter cautelar em decorrência da urgência que a situação fática apresentada exige, ou seja, as medidas protetivas são decretadas antes do ajuizamento da ação penal . (BIANCHINI, 2014)
Antes da inclusão do artigo 12-C na Lei Maria da Penha, uma mulher que se encontrasse em situação de violência doméstica e familiar, baseada no gênero, deveria dirigir-se a uma delegacia, onde seria lavrado o boletim de ocorrência, onde este deveria ser remetido ao juiz no prazo de 48 horas, com o pedido da ofendida, para que fosse decretado medidas protetivas de urgência.Com o recebimento do expediente com o pedido da ofendida, o juiz tem mais um prazo de 48 horas para decidir sobre aplicação da medida protetiva de urgência. Durante todo esse período, a ofendida encontrava-se vulnerável, pois teria que regressar ao convívio com seu agressor.
Com a mudança trazida pela Lei nº 14.188/2021 que inclui o caput do artigo 12-C, e a inclusão dos incisos II e III pela Lei 13.827/2019, a decretação da medida protetiva de urgência que obriga o agressor, regulamentada no artigo 22, inciso II, da Lei Maria da Penha “afastamento do agressor de seu lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida”, poderá ser decretada de imediato pelo delegado de polícia e policiais, quando em situação de violência doméstica e familiar, verificar-se a existência de risco atual ou iminente a vida ou à integridade física ou psicológica da mulher ou de seus dependentes.
Esta alteração trouxe mais efetividade a Lei Maria da Penha, pois as mulheres vítimas de violência domésticas e familiar podem se sentir mais seguras ao denunciar o seu agressor, pois não teriam que retornar aos seus lares e continuar a conviver com aquele que coloca em risco sua vida ou integridade física ou psicológica, facilitando o acesso à justiça de mulheres em situação de violência.
No entanto houveram críticas aos incisos II e III do artigo 12-C da Lei Maria da Penha. A Associação dos Magistrados Brasileiro acredita que, a decretação do afastamento do agressor de seu lar ou domicílio, pelo delegado de polícia ou pelo policial, viola os princípios constitucionais da jurisdicionalidade e do devido processo legal, isto porque, a AMB, acredita que as autoridades policiais estariam praticando atos privativos do poder judiciário.
O Supremo Tribunal Federal entendeu que o artigo 12- C e seus incisos II e III da Lei Maria da Penha é Constitucional, pois de acordo com o Relator da ADI, após a decisão pela decretação da medida preventiva proferida pela autoridade policial, esta deverá ser analisada pelo juiz no prazo de 24 horas, e este é quem irá decidir sobre a manutenção ou revogação da medida. O ministro classificou a atuação do delegado como sendo acessória e de fundamental importância para o encerramento de um ciclo de violência. (STF, 2022, não paginado)
Com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, somado a competência do delegado de decretar a prisão em flagrante delito, que deverá ser aprovada pelo juiz, conferida pelo Código de Processo Penal, em seu artigo 304, § 1º, bem como a possibilidade do delegado de decretar medidas cautelares diversas da prisão, como no caso de conceder liberdade provisória em casos de flagrante, mediante fiança, em infrações em que a maior pena que poderá ser aplicada não ultrapassara a 4 anos, conforme artigo 322 do Código de Processo Penal, vislumbra-se que a autoridade policial tem competência e conhecimento jurídico suficiente para decretar o afastamento do agressor de seu lar ou domicílio. (BRASIL, 1941, não paginado)
Outro aspecto importante de se mencionar do afastamento do agressor de seu lar ou domicílio, e que este constitui uma das medidas protetivas de urgência regulamentadas pela Lei Maria da Penha em seu artigo 22, de acordo com a doutrina, estas são independentes, não sendo necessário que haja um inquérito policial, nem mesmo um processo penal em andamento para sua decretação, portanto as autoridades policias, que são os primeiros agentes a participarem da persecução penal, não estariam violando os princípios da jurisdicionalidade e nem mesmo do devido processo legal, ao cumprir o que determina o caput do artigo 12-C e seus incisos II e III da Lei Maria da Penha.
Ainda assim, a Lei 13.827/2019, que incluiu o artigo 12-C na Lei Maria da Penha, veio a tratar de maneira diferente mulheres que sofrem violência doméstica e familiar, pois aquelas que residem em municípios sede de comarca, continua valendo o prazo de 48 horas para que seu pedido chegue ao juiz, e o prazo de mais 48 horas para que o juiz analise e decida sobre o mesmo. Estas mulheres estariam nesse lapso temporal de 4 dias desprotegidas, e assim vulneráveis a ocorrências de mais um ciclo de violência doméstica.
Com isto, o artigo 12-C viola o princípio da isonomia, por colocar em situações desiguais, mulheres que se encontram em situações semelhantes de violência doméstica e familiar. Para tanto, é necessário que este requisito não seja assimilado de forma literal, e que a decretação da então medida protetiva seja aplicada pela autoridade policial a cada caso, quando verificado, que a vida ou a integridade física ou psicológica da vítima de violência doméstica, ou de seus familiares, estejam diante de um risco atual ou iminente.
Logo, consequentemente, todas as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, estariam protegidas, independente de residir ou não em sede de comarca, e o Estado estaria cumprindo seu dever constitucional de assegurar a assistência familiar e de cada pessoa da família, como estabelece o § 8º do artigo 26 da Constituição Federal de 1988.
Referências
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