Resumo: Este artigo científico disseca o instituto da súmula vinculante, instituída com introdução do art. 103-A à Constituição Federal de 1988 por meio da Emenda Constitucional nº45, de 2004, conhecida como a Reforma do Poder Judiciário. As súmulas vinculantes não chegam a ser uma novidade na história do Direito, existindo outros institutos semelhantes no direito alienígena e tiveram intenção de minorar a situação de sobrecarga de processos e com a morosidade na concessão de uma reposta judiciária efetiva e em tempo razoável, para com isso, promover a celeridade processual, segurança jurídica e isonomia aos jurisdicionados. É perceptível o propósito específico de uniformizar a jurisprudência e solucionar com o problema das demandas múltiplas. Com introdução do novo CPC/2015, outros mecanismos vinculantes foram previstos, sempre com o intuito de aproximar o Common Law ao nosso ordenamento jurídico, o cumprimento do princípio da razoável duração do processo e efetiva prestação da tutela jurisdicional.
Palavras-Chave: Súmula vinculante. Uniformização da Jurisprudência. Celeridade processual.
Sumário: 1. Introdução. 2.Breve elucidação histórica. 3. A súmula como Fonte do Direito. 4. Aspectos conceituais e sua natureza jurídica. 5. Súmula Vinculante versus Súmula Impeditivo de Recursos. 6. Previsão Constitucional e Regulamentação da Súmula Vinculante. 7. Súmula Vinculante sob a ótica do novo CPC/2015. 8. Considerações finais. 9. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
O presente artigo científico trata-se da súmula de efeito vinculante, introduzida em nosso ordenamento jurídico através da emenda constitucional de n°45/2004 e inserida no novo CPC/2015, fortalecendo-se como mecanismo garantidor dos precedentes judiciais.
Apesar de datar de 2004, a doutrina ainda abaliza pontos positivos e negativos desse instituto jurídico, uns aceitando e outros execrando tal mecanismo de vinculação. Entretanto, novos institutos trazidos pelo novo CPC/2015 reforçam os precedentes vinculantes, a despeito do Incidente de Resolução de Demanda Repetitivas ou de Assunção de Competência, além dos já aclamados julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.
O propósito de sua criação foi o de dar maior efetividade ao processo, aliada à uniformização da jurisprudência, através de seu efeito vinculante, tanto no Judiciário como na administração direta e indireta, e, com isso, trazendo celeridade ao processo, mesmo diante de algumas críticas de renomados autores, principalmente no que diz respeito à confrontação aos princípios constitucionais, tais como: independência do magistrado, livre convencimento do juiz, afronta ao duplo grau de jurisdição e o confronto com o princípio da separação dos poderes.
Porém, com o decorrer desse artigo é notório a importância desse instrumento incorporado ao nosso ordenamento jurídico.
Em um primeiro momento, explanou-se uma breve elucidação histórica sobre a origem do instituto, a partir dos principais sistemas de direito do mundo ocidental contemporâneo, examinando-se os institutos que anteciparam as súmulas vinculantes.
Posteriormente, fez-se uma análise da súmula vinculante, conforme a Emenda Constitucional nº45/2004, conceituando-a, comparando-a com a lei e jurisprudência, comentando sobre sua natureza jurídica. Faz-se um paralelo entre a súmula vinculante e a impeditiva de recurso, demonstrando as distinções substanciais, sendo essa extinta com a vigência do novo CPC, dando lugar aos precedentes vinculantes. Aborda-se também a previsão constitucional e o regulamento legal do instituto, este indicando o procedimento a ser seguido para a edição, revisão e cancelamento das súmulas de efeito vinculante, e, mencionando quais autoridades competentes para exercerem as atividades ligadas ao respectivo instituto, e faz uma análise sob a ótica do novo CPC/2015.
Por fim, traz os pontos positivo das súmulas vinculantes, trazendo as vantagens plausíveis para o ordenamento jurídico, a exemplo, celeridade e efetividade processual, segurança jurídica e uniformização de jurisprudência. Os apontamentos críticos doutrinários são repelidos com argumentos contundentes e conclui-se este estudo através do valor acerca dos benefícios trazidos pelo inovador fenômeno jurídico.
2. Breve elucidação histórica
Antes de tratarmos especificamente da súmula vinculante traremos uma breve consideração histórica sobre o instituto, aspectos importantes da evolução histórica.
2.1 Civil Law e Common Law
Conforme entendimento de Sílvio de Salvo Venosa, sistema jurídico vem a ser:
“Um agrupamento de ordenamentos unidos por um conjunto de elementos comuns, tanto pelo regulamento da vida em sociedade, como pela existência de instituições jurídicas e administrativas semelhantes. Os vários tipos de ordenamentos podem ser reduzidos a certos tipos, certos sistemas”.[1]
Alguns autores preferem empregar a terminologia “famílias jurídicas” para esses diversos institutos de direitos deixando a palavra sistema tão-só para os ramos de determinado direito nacional.
O mundo Ocidental é dividido em dois grandes sistemas de direito, originados de culturas distintas. Os dois fenômenos são de ordem histórica. Começaremos o presente trabalho abrangendo os dois sistemas que anteciparam as súmulas vinculantes.
Dois dos mais importantes sistemas jurídicos do mundo contemporâneo ocidental são o Common Law e o Civil Law. Estes modelos de ordenamento possuem regimentos diferentes. O Common Law tem como pioneira a Inglaterra, sendo posteriormente seguido pelos países colonizados, que o recepcionaram. Inicialmente se baseava em costumes, mas, atualmente, podemos afirmar que é um método jurisprudencial, de precedentes judiciais.
Segundo Miguel Reale[2] a tradição dos povos anglo-saxões (Common Law), o direito se revela muito mais pelos usos e costumes e pelo precedente judicial do que pelo trabalho abstrato e genérico dos parlamentos.
As duas tradições já anteriormente mencionadas se divergem do ponto de vista estrutural, cultural e da forma da aplicação do direito. No direito Inglês não há as divisões entre civil e comercial e tampouco entre direito público e privado.
Diferente do que se pode pensar, o direito inglês possui códigos, mas não, da mesma forma do direito romanístico, não pretendendo ser completos, querendo esgotar toda possibilidade de aplicação. O magistrado não precisa encontrar fundamento na lei para decidir, há a valorização da prática jurisprudencial, que são os precedentes. Essa valorização é da essência do sistema Common Law.
A doutrina do Stare Decisis é também fundamento do Common Law. A decisão nos países dessa doutrina fixa um precedente, com força vinculante, de modo a garantir, que um caso semelhante venha a ser decidido da mesma forma. Tal instituto tem maior repercussão nos países que adotam o Common Law, que são eles: Inglaterra, Estados Unidos, Austrália, Canadá.
Entre os países que adotam o mesmo sistema, se percebe algumas peculiaridades, por exemplo, no caso da Inglaterra e Estados Unidos.
“Nos Estados Unidos, ao contrário da tradição inglesa, A Constituição é um documento normativo, uma fonte de direito, uma norma escrita e conscientimente elaborada, portanto, a tradição jurídica norte-americana efetua um processo de aproximação com a cultura do direito romano-germânico, mas, entretanto, na solução dos litígios, aplica-se também os precedentes”.[3]
No país norte-americano há códigos, mas, não há vinculação para os magistrados fundamentarem suas decisões nos respectivos códigos, por seguir esse país a doutrina do Stare Decisis, da prática jurisprudencial. Com exceção, do atual Estado da Louisiana, que foi convertido em Estado em 1812 e manteve a tradição francesa que é o sistema romanístico. Outra particularidade em relação aos Estados Unidos e Inglaterra que adotam o sistema Common Law e que vem a repercutir nesse âmbito do direito interno é a divisão organizacional do Estado. O país norte-americano por ser uma Federação, estar-se descentralizado o poder, tendo a estrutura judiciária dividida em Federal e Estadual, respectivamente, tendo a jurisdição Federal e Estadual. Ocorrendo de forma diferente na Inglaterra essa organização judiciária.
Já em nosso país, foi adotado o sistema legalista Civil Law. Este, além de ser adotado pelo Brasil, é aplicado em quase todo continente Europeu, na América Latina, Central e grande parte da Ásia e África. Argumento Venosa:
“Nesses países, as normas surgem vinculadas a preocupações de justiça e moral. Há predominância da lei como fonte do direito. As obras de doutrina, e isto é uma constante entre nós, preocupam-se em ser dogmáticas e interpretar os textos legislativos, relegando a jurisprudência e a prática do direito a plano secundário.”[4]
Esse modelo do Civil Law caracteriza-se pelo primado do processo legislativo, atribuindo valor secundário às demais fontes do direito. A tradição Civil Law acentuou-se especialmente após a Revolução Francesa, quando a lei foi considerada a única forma autêntica da nação, expressada pela vontade geral.
O sistema supracitado consagra o primado da lei. Toda decisão do magistrado deve se ter como base à lei, pois possui grande autoridade nesse modelo. As normas positivadas são as fontes principais no sistema romanístico.
Os dois modelos que colocamos em comparativo, representam expressões culturais distintas e vêm sendo contagiados mutuamente nos últimos anos. Enquanto as bases legais ganham mais força no sistema Anglo-Saxão, a doutrina do stare decisis vem ganhando destaque no modelo legalista, do Civil Law.
Assim também se manifesta Rodolfo de Camargo Mancuso a respeito da constante aproximação entre os sistemas jurídicos em exame, ao afirmar que “impede reconhecer que a dicotomia civil law / common law hoje não é tão nítida e radical como foi outrora, sendo visível uma gradativa e constante aproximação entre aqueles regimes”.[5]
Como assinala René David[6], no passar dos tempos têm sido constantes os laços entre as duas famílias. Os direitos têm mostrado certa tendência de aproximação, podendo-se falar hoje “de uma grande família de direito ocidental” que englobe as duas.
Da mesma forma, André Ramos Tavares, em discussão sobre o stare decisis do direito norte-americano, reflete que, a partir da aproximação entre os dois modelos jurídicos ora mencionados, deve-se mensurar o porquê da introdução da súmula vinculante no direito brasileiro.[7] Com a aproximação dos dois sistemas jurídicos, Civil Law e Common Law, repercussão essa que tem se expandido pela maioria dos países, constata-se, por conseguinte, a introdução da súmula de efeito vinculante em nosso ordenamento jurídico.
3. A Súmula como Fonte do Direito
Pela expressão “jurisprudência” em sentido estrito, devemos entender como sendo a revelação do direito que se origina através do exercício da jurisdição, em decorrência das sucessivas decisões dos tribunais.
“É a razão pela qual o Direito jurisprudencial não se forma através de uma ou três sentenças, mas exige uma série de julgados que guardem, entre si, uma linha essencial de continuidade e coerência. Para que se possa falar em jurisprudência de um tribunal, é necessário certo número de decisões que coincidam quanto à substância das questões objeto de seu pronunciamento”.[8]
É por essa razão que alguns autores entendem que a expressão “jurisprudência dominante” mencionada em enunciados legislativos é um equívoco, por ser a jurisprudência em si, dominante.
Se uma regra é, no fundo, a sua interpretação, isto é, o que vem a ser o seu significado, não há como negar ser a jurisprudência fonte do direito. O magistrado cria direito através de sua interpretação da lei, gerando aí, uma norma jurídica particular no caso concreto, do qual derivou de seu entendimento em face da lei.
O jurista Miguel Reale[9] menciona não ter sentido continuar a apresentar a jurisprudência ou o costume como fontes acessórias ou secundárias. Outros autores ainda enquadram a jurisprudência como fonte secundária, seguindo o pensamento do sistema legalitário (civil law), de forma isolada, sabendo-se que na atualidade está havendo a aproximação entre os dois sistemas em quase todos países.
Uma realidade que foi colocada antes da súmula vinculante pelos tribunais foram às súmulas com caráter persuasivo, sem o mencionado efeito vinculante que tem força obrigatória, tendo apenas força persuasiva, como orientações jurisprudenciais a ser seguidas para dar uniformidade às decisões dos órgãos do judiciário. Essa realidade surgiu por causa dos entendimentos divergentes dos tribunais em face de questões de fatos e de direito absolutamente idênticos, sendo diferentes unicamente as partes do processo, onde gerava perplexidade por parte dos jurisdicionados. Por fim, as súmulas supracitadas vieram para solucionar o desastroso fenômeno da “jurisprudência lotérica”.
Já a súmula vinculante introduzida a partir da emenda de nº 45/2004, difere da comentada súmula persuasiva dos tribunais. Aquela Súmula só será editada pelo Supremo Tribunal Federal, órgão esse, máximo do judiciário e guardião da Constituição. Para a edição de tal súmula necessitara do quorum de dois terços dos membros do Supremo. A súmula vinculante será sempre sobre matéria constitucional. A tese sumulada vincula os demais órgãos do judiciário e a Administração Pública direta e indireta, com isso, tendo o efeito erga omnes, com isso, tendo efeito erga omnes (contra todos)5/2004elos tribunais em questoes ncia atribuindo de força obrigatória, força essa, que a súmula persuasiva não tem. Mas, com a vigência do novo CPC/2015 isso muda, tendo em vista o artigo 927, inciso IV desse diploma.
Assim reza o artigo 927, inciso IV do novo CPC/2015[10]:
“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: […]
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;”
Essa norma infraconstitucional está dando força vinculante aos enunciados que até então, não eram obrigatórios seguir, desta forma, por não haver previsão constitucional dessa eficácia vinculante, alguns doutrinadores já questionam sua constitucionalidade que será exposta em momento oportuno.
E a mencionada súmula vinculante não ocasionará a estagnação do direito, por ela poder ser revista ou cancelada pelo próprio Supremo ou então pelos legitimados expressos na lei de nº 11.417/2006. Posteriormente, faremos o estudo detalhado da previsão constitucional e da regulamentação da respectiva súmula vinculante.
4. Aspectos Conceituais e sua Natureza Jurídica
O vocábulo súmula contém dois sentidos em nosso direito pátrio. A primeira, e mais comum delas, dar ao vocábulo o significado de resumo.
“Do latim summula (resumo, epítome breve), tem o sentido de sumário, ou de índice de alguma coisa. É o que de modo abreviadíssimo explica o ter, ou o conteúdo integral de uma coisa.
Assim, a súmula de uma sentença, de um acórdão, é o resumo, ou a própria ementa da sentença ou do acórdão (…)”[11]
Verificando sob o âmbito da ciência jurídica e, consequentemente, apresentando outra significação, a expressão é o mesmo que orientações da jurisprudência pacífica de um tribunal, ou seja, enunciados elaborados pelo tribunal com entendimento consolidado transpassado através da súmula. A organização das súmulas nos tribunais se dá por verbetes numerados. Para alguns juristas, os verbetes dos tribunais devem ser chamados de enunciados ou orientações e não de súmula, por mera obediência técnica.
Transcrevendo ainda o pensamento de De Plácido e Silva sobre o tema: “No âmbito da uniformização da jurisprudência, indica a condensação de série de acórdãos, do mesmo tribunal, que adotem idêntica interpretação de preceito jurídico em tese (…)”[12]
Quando determinada matéria divergente impulsiona aos tribunais decidir de forma uniforme (idêntica) trazendo uma jurisprudência consolidada, conforme supracitado, com isso, acaba adquirindo a credibilidade da sociedade por ter uma jurisprudência estável em razão do entendimento comum fixado nos variados processos repetidos. Com esse entendimento evitará o fenômeno da jurisprudência lotérica, que é a discrepância de entendimentos nos mais variados tribunais.
Agora vamos deixar claro o que vem a ser jurisprudência, nas palavras de De Plácido e Silva.
“(…) Assim é que se entende a jurisprudência como sábia interpretação e aplicação das leis a todos os casos concretos que se submetam a julgamento da justiça. Ou seja, o hábito de interpretar e aplicar as leis aos fatos concretos, para que, assim, se decidam as causas.
Desse modo, a jurisprudência não se forma isoladamente, isto é, pelas decisões isoladas. É necessário que se firme por sucessivas e uniformes decisões, constituindo-se em fonte criadora do Direito e produzindo um verdadeiro jus novum. É necessário que, pelo hábito, a interpretação e explicação das leis a venham formar (…)
Mas, a verdade é que a jurisprudência firmada, em sucessivas decisões, vale como verdadeira lei.
Jurisprudência. Extensivamente assim se diz para designar o conjunto de decisões acerca de um mesmo assunto ou a coleção de decisões de um tribunal.”[13]
Como afirma o autor acima, a jurisprudência não se forma de modo isolado, ou seja, pelas decisões isoladas. Necessitam de firmes decisões uniformes dos tribunais para constituir uma verdadeira fonte criadora do Direito.
Os órgãos judiciários interpretam os textos legislativos enxergando seus sentidos, e transpassando aos casos concretos, formando aí, normas jurídicas. Sabemos que a norma jurídica é resultado da interpretação, diferenciando-se do texto ou enunciado da norma. Para uma melhor ilustração, Cézar Fiúza expõe que “norma é comando, regra de conduta. Expressa a vontade do Estado, por intermédio do legislador. Esta vontade é materializada na lei, que é, portanto, meio de expressão da norma. É a norma escrita”.[14]
As leis são regras gerais, impessoais e abstratas que deve emanar de um poder competente, que no caso, são os órgãos legislativos, e possuem força obrigatória.
“É regra abstrata porque regula uma situação jurídica abstrata. O legislador tem em mira condutas sociais futuras a serem alcançadas pela lei. Ela será aplicada a todas as situações concretas que se subsumirem em sua descrição.”[15]
Podemos conceituar a lei como uma regra geral de direito, abstrata, impessoal e permanente, atribuída de sanção, emanada de uma autoridade competente que em nosso sistema é o Poder Legislativo, e tendo força obrigatória. A Lei necessita ser escrita, para tipificar as condutas que sujeitarão a ela.
Por ser a lei uma regra geral, ela repercute a um número indeterminado de pessoas. Contudo, o alcance dela pode ser maior ou menor, sem que isso retire sua generalidade.
Lecionada as devidas distinções, podemos enxergar que a súmula e a lei se diferenciam em vários aspectos. A súmula persuasiva ainda é uma realidade em nosso judiciário brasileiro, pronunciando um entendimento pacífico na jurisprudência dos tribunais para posterior aplicação pelas instâncias inferiores. Só que tal súmula não tem o efeito vinculante. Não tendo tal efeito, as instâncias inferiores poderão decidir contrariamente a súmula persuasiva, com isso, não solucionando a desastrosa jurisprudência lotérica, situação essa, que muda com a vigência do novo CPC/2015, dando força obrigatória a esses enunciados, conforme artigo 927, IV desse novo diploma processual.
Igualando-se em parte com as súmulas vinculante que tem aplicabilidade obrigatória e vinculação aos órgãos do judiciário, ajudará, verdadeiramente, descongestionar os tribunais. O Poder Judiciário necessitava de mais um instrumento eficaz e célere como esse para desafogar os tribunais em seus processos repetitivos e acabar com a denominada jurisprudência lotérica, assegurando segurança jurídica e igualdade para as decisões judiciais.
A súmula vinculante tem um caráter peculiar e mais restrito, tem efeito erga omnes (contra todos) e têm como finalidade a manifestação do tribunal constitucional em matéria constitucional acerca de seu entendimento pacífico para desafogar os tribunais judiciários, fazendo decidir de modo uniforme as decisões das instâncias inferiores e da Administração Pública direta e indireta. E o artigo 927 do novo CPC traz outras hipóteses para ajudar na uniformização das decisões judiciais.
Até então só as súmulas vinculantes e as decisões em controle concentrado constituíam de efeito vinculante. Com a introdução do novo CPC, outros precedentes terão eficácia vinculante, representando uma inovação em nosso direito, visto que, até então, esses precedente somente tinham caráter persuasivo.
O que verdadeiramente ocorre é que uma mesma norma é interpretada de maneira diversa por vários juízes, em casos idênticos, o que gera certa insegurança jurídica e também um tratamento desigual. Poderíamos citar casos de divergência dentro do mesmo Fórum ou Tribunal. É preciso que a lei seja aplicada de maneira isonômica para todos cuja situação seja a mesma, não decidindo casos idênticos de forma diferente para não gerar a famosa jurisprudência lotérica. A súmula vinculante e o novo CPC vem para tentar solucionar essa situação de insegurança jurídica. E é nesse sentido, que estamos a favor do tratamento igual para que essa realidade seja superada.
“A cultura segundo a qual os homens que se encontram na mesma circunstância fática devem receber pela lei o mesmo tratamento, sem privilégios, já está incorporada historicamente.
Casos iguais ou muito semelhantes não podem receber tratamento judicial diferenciado de acordo com a vara, câmara ou seção de julgamento.
A doutrina nacional insiste que tal disparidade na aplicação do direito traz insegurança jurídica e, ancorados neste embate, apresenta-se à súmula vinculante”.[16]
A súmula já é uma realidade e entendemos que elas vieram para ajudar um sistema afogado por demandas repetidas, contribuindo através da vinculação feita perante o Judiciário e Executivo. A regra da vinculação é muito importante para nosso sistema jurídico e tem como principal objetivo resguardar a segurança jurídica para os jurisdicionados.
As súmulas e os precedentes vinculantes apesarem de mostrar sinais que fazem com que ela se assemelhe à norma, não se pretende comparar com a lei, uma vez que o precedente somente determina a sua real forma de aplicação. Tem como objetivo acabar com os vários sentidos que alguma norma legal possa causar, fixando aí, o entendimento pacífico. Destarte, a lei poderá contrariar a súmula e, quando ocorrer tal fato, esta terá que se adequar aos novos parâmetros ditados por aquela, pelo fato de a lei estar num patamar superior na hierarquia. Assim, começará um novo caminho jurisprudencial.
Com relação à natureza jurídica, a renomada autora Mônica Sifuentes enxerga o fenômeno da súmula vinculante como ato normativo do Poder Jurisdicional, pois segundo seu pensamento o que diferenciaria o ato jurisdicional do normativo seria sua capacidade de extrapolar as fronteiras do caso concreto, atribuindo a seu feitio as características da generalidade e abstração, e com um atributo especial que é a cogência.[17] Por ter essa força obrigatória e sobressair para fora do caso concreto, e tendo essa característica da generalidade e abstração assemelhando-se aos atos legislativos, entendemos conforme a autora supra que o instituto da súmula vinculante se enquadra como um ato normativo no âmbito da função jurisdicional. Mas, sendo, esse ato normativo resultado da interpretação, diferenciando-se dos atos de natureza legislativa, que são atribuídos de ampla liberdade para criação.
Esse instituto traz uniformidade na interpretação da lei para os casos idênticos, com isso, eliminando a insegurança jurídica. Deve-se ter toda uma cautela para que as súmulas não confrontem com a norma que irão interpretar, porque assim, constituirão súmulas contra legem.
O eminente Glauco Salomão Leite elucida de forma coerente sobre a natureza jurídica da súmula vinculante, expõe:
“(…) Parte-se da premissa de que existe uma diferença entre texto ou enunciado da norma e norma jurídica, ou seja, que a norma jurídica é resultado da interpretação. Assim, verifica-se produção normativa pela prática da interpretação jurídica, cujo grau de criatividade pode ser elevado quando se trata de precisar o alcance dos enunciados da Constituição. Logo, não é novidade que o Supremo Tribunal Federal cria direito, inclusive em nível constitucional, por força de sua própria condição de “guardião precípuo” da Constituição brasileira, objeto de seu labor hermenêutico diário. Apenas em uma visão mecanicista, típica do modelo de Estado Legalitário, não se reconheceria aos juízes poder de criação normativa, concepção que, conforme visto, restou superada, especialmente com o advento do Estado Constitucional e a ulterior proliferação de órgãos judiciais incumbidos de salvaguardar suas respectivas Constituições (…)”.[18]
Pelas palavras do renomado autor, percebe-se, claramente, que as súmulas vinculantes se encaixam no âmbito da função jurisdicional, ou seja, sendo um ato tipicamente jurisdicional e exercido pela função jurisdicional, não infringido o princípio da separação dos poderes. E essa criação normativa é resultado da interpretação jurídica realizada nos enunciados da Constituição, diferentemente do que ocorre nos atos legislativos, que são elaborados pelos legisladores com ampla liberdade, devendo-se aplicar o mesmo pensamento aos precedentes vinculantes inseridos no novo CPC.
5. Súmula Vinculante versus Súmula Impeditiva de Recursos
As decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas no âmbito de seu controle difuso não geravam força vinculante em relação aos demais órgãos do Judiciário, muito menos, aos órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta. Ou seja, mesmo que o Supremo declarasse em reiterados casos concretos submetidos à sua apreciação, a inconstitucionalidade de uma lei, os juízes de primeiro grau e os respectivos tribunais, bem como a Administração Pública não estão obrigados a aplicar o entendimento do Supremo, podendo aplicar tal lei, por entenderem constitucional. Numa situação como essa, o interessado para ver aplicado o entendimento do Supremo a sua situação concreta, deveria percorrer através da via recursal, o encaminhamento do processo ao conhecimento do Supremo para que seja declarada a inconstitucionalidade da lei, e consequentemente, seja cassada a decisão do juízo inferior ou anulado o ato administrativo.
Com essa ausência de força vinculante das decisões proferidas por nossa Corte Constitucional no âmbito do controle concreto, ocasiona a multiplicação de processo sobre o mesmo objeto, e chega ao nosso Supremo para declarar entendimento que já vinham sido declaradas reiteradas vezes em outros processos. Não é difícil perceber que esse quadro acarreta insegurança jurídica e morosidade na prestação jurisdicional.
Na intenção de combater essa situação de insegurança jurídica e conferir maior celeridade à prestação jurisdicional, a Emenda Constitucional n° 45/2004 criou o instituto da súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, nos termos seguintes:
“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por “provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.”[19]
A aprovação, revisão e cancelamento de súmula vinculante pelo Supremo foi regulamentada pela Lei nº 11.417, de 19/12/2006.
O Supremo Tribunal Federal poderá aprovar, rever ou cancelar súmula vinculante: por sua própria iniciativa ou por manifestação de qualquer dos legitimados na Constituição e na lei.
E para a edição de súmula vinculante, a Constituição exige cinco requisitos cumulativos, são eles: legitimidade ativa; matéria constitucional; existência de reiteradas decisões do Supremo do Supremo Tribunal Federal sobre essa matéria constitucional; existência de controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública; e a controvérsia que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. É de se notar a natureza constitucional desse instituto.
E agora para ajudar nessa problemática veio também o novo CPC, dando eficácia vinculante a outros precedentes judiciais expostos no artigo 927 desse novo diploma processual.
Já a súmula impeditiva de recurso tinha natureza infraconstitucional, sendo regulamentada pela Lei nº 11.276, de 07/02/2006, uma inovação no antigo Código de Processo Civil. O novo texto legal expressa que o juiz não conhecerá o recurso quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal (antigo CPC, art.518, § 1º).[20]
Também fica clara a distinção entre os dois institutos em relação à sua natureza, um decorrente unicamente de lei, sem previsão constitucional expressa e o outro sendo expresso na Constituição Federal (art. 103-A). Uma diferença substancial entre os dois institutos, é que a súmula vinculante possui força obrigatória e a impeditiva não. Essa obrigatoriedade da súmula vinculante abrange todos os demais órgãos do Poder Judiciário, bem como a Administração Pública direta e indireta.
O autor Rodolfo de Camargo Mancuso expressa que à principal distinção que se observa entre súmula vinculante e impeditiva de recurso diz respeito ao seu alcance. Enquanto as vinculantes possuem eficácia erga omnes, para atingir extra processualmente, com destinatários diretos e indiretos, as impeditivas de recurso projetam seus efeitos apenas inter partes, no âmbito da relação processual[21].
Entretanto, as súmulas do Supremo que não são atribuídas de efeito vinculante, arraigadas apenas de força persuasiva servirão como súmula impeditiva de recurso como consta no art. 518, § 1º, do antigo Código de Processo Cível[22], ou seja, aplicando-se às súmulas do Superior Tribunal de Justiça e às súmulas, sem efeito vinculante, do Supremo.
Como bem assevera Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:
“A regra de súmula impeditiva de recurso não obsta que o juízo de primeiro grau decida diferentemente do que estiver disposto em enunciado de uma súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal (não vinculante).” [23]
Essa elucidação dos eminentes autores esclarece a não obrigatoriedade das súmulas comuns (persuasivas). Essa não obrigatoriedade é justamente por não ter efeito vinculante à retro mencionada súmula impeditiva de recursos. Como é sabido, para a súmula ter efeito vinculante é necessário cumprir os requisitos constitucionais, requisitos esses que foram mencionados anteriormente, e, que serão tratados no próximo tópico.
Enfim, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[24] apontam que a regra de súmula impeditiva de recurso aplica-se somente ao recurso de apelação, isto é, dirige-se apenas ao juízo de primeiro grau, porque a apelação é o recurso cabível contra a sentença. A súmula vinculante do Supremo, diferentemente, aplica-se a todos os órgãos do Poder Judiciário e ainda em face da Administração Pública direta e indireta.
Com a entrada do novo CPC/2015, há alteração substancial, essa súmula impeditiva de recurso deixa de existir, tendo em vista que o legislador extinguiu a admissibilidade recursal do juízo a quo, conforme previsão no artigo 1.010, §3º, daquele diploma. Noutro modo, traz força aos precedentes, esse novo diploma processual, introduzindo eficácia vinculante aos precedentes, previsto no artigo 927 do novo CPC[25], que assim dispõe:
“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.” GRIFEI
Desta forma, os precedentes que até então só tinham força persuasiva, começam a ter efeito vinculante perante os juízos e tribunais.
6. A Previsão constitucional e regulamentação da Súmula Vinculante
Com a intenção de minorar a situação de sobrecarga de processos no âmbito do Poder Judiciário e também com o intuito de diminuir a morosidade na concessão da prestação da tutela jurisdicional efetiva e em tempo razoável, para assim, promover, a celeridade e economia processual, bem como a isonomia dos jurisdicionados e a segurança jurídica, foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio o instituto da súmula vinculante, por intermédio da Emenda Constitucional nº 45/2004, como dito alhures, a qual acrescentou à atual Constituição Federal o art. 103-A.
Há a preocupação em se acabar com a “jurisprudência lotérica” perante os casos idênticos, vez que gera insegurança jurídica e descrédito perante a sociedade em geral, e também desrespeito a princípios constitucionais relevantes, tais como o princípio da legalidade e isonomia.
O princípio da legalidade aponta que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, o que implica dizer que a lei é o instrumento adequado, para se pautarem condutas. Se a lei comporta interpretações variadas, e o sistema não fixa meios eficazes de uniformização, fazendo com que uma delas prevaleça, a complicação reside no fato de que, ao invés de uma forma de conduta, o jurisdicionado terá tantas formas de condutas quantas forem às várias interpretações acerca da matéria, ocasionando, no caso sub judice, ofensa aos princípios da legalidade e da isonomia.[26]
Para que a lei seja aplicada da mesma forma para todos, é necessária uma interpretação uniforme da mesma pelos membros do Judiciário para os casos idênticos, para com isso se respeitar o direito à isonomia dos jurisdicionados. A súmula vinculante tem esse propósito específico, de uniformizar a jurisprudência e pôr fim às demandas múltiplas.
Conforme o artigo 103-A e seus parágrafos da Constituição Federal, transcritos anteriormente, depreende-se do caput deste dispositivo acima que, quem detém o poder de editar súmulas vinculantes é apenas o Supremo Tribunal Federal com sua competência exclusiva, que poderá fazê-lo de ofício ou por provocação e apenas no que se refira a matéria constitucional, devendo, após reiterada divergência, submetê-la ao voto de dois terços dos seus integrantes, ou seja, oito ministros, para aprovação em sessão plenária. Para que tenha efeito vinculante em face dos demais órgãos do Poder Judiciário e aos órgãos e entidades da Administração Pública, é imprescindível sua publicação na imprensa oficial.
Atente-se que o legislador constituinte deixou ao legislador ordinário a disciplina infraconstitucional da súmula vinculante, com o intuito de regulamentar os procedimentos de edição, revisão e cancelamento do dispositivo sumulado, conferindo-lhe, não obstante, certa flexibilização, para evitar o perigo de estagnação da jurisprudência. Contudo, coube à Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, regulamentar o procedimento da referida súmula vinculante.
É importante frisar que as súmulas, previstas no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, permanecerão em vigor, bem como nada impede que outras sejam criadas. É oportuno mencionar que as súmulas não vinculantes do Supremo Tribunal Federal, já existentes, podem ser conferidas de tal efeito vinculante, desde que se submetam aos mesmos requisitos fixados pelo art. 103-A, supracitado, quais sejam, legitimidade ativa, versar sobre matéria constitucional, representar controvérsia atual entre órgãos judiciário ou entre estes e a Administração Pública. Determinada controvérsia deve estar ocasionando ou deverá vir a ocasionar grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica, deverão ser submetidas à confirmação por dois terços dos membros da Suprema Corte e deverão também ser publicadas na imprensa oficial. E as súmulas anteriores a EC nº45/2004 só terão eficácia erga omnes e efeito vinculante, desde que respeitados os requisitos e procedimentos daquela.
Os professores José Miguel Garcia Medina, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier[27], ao tratarem sobre o objeto das súmulas vinculantes, divergem que as mesmas versem exclusivamente sobre matéria de índole constitucional e entendem que tanto podem versar sobre matéria constitucional quanto infraconstitucional, pois o legislador constituinte teve a intenção de dizer mais do que expressou no enunciado, dispondo as súmulas sobre matéria constitucional em sentido amplo.
Consoante o previsto no §1º, do dispositivo constitucional transcrito no tópico anterior, a súmula vinculante terá por objetivo dispor sobre validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas e será oportuna, tão somente, quando em relação a tais normas houver evidente e atual controvérsia entre órgãos judiciários ou entre estes e a Administração Pública, acarretando grave insegurança e relevante multiplicação de processos com idêntica questão.
Em resumo, conforme o eminente autor André Ramos Tavares[28], a essência da súmula vinculante será alcançada com a transposição do concreto para o abstrato-geral, em que as peculiaridades dos casos concretos, as particularidades e os interesses versados nas decisões anteriores serão desprezados para fins de criação de um enunciado abstrato e com efeitos erga omnes. No mesmo sentido, Glauco Salomão Leite leciona que “as súmulas promovem um trespasse da jurisdição constitucional difuso-concreta (processo subjetivo) para o abstrato-concentrado (processo objetivo)”. [29]
Então fica perceptível, que a edição de súmulas vinculantes será sobre teses que exprimam situações capazes de se repetir no decorrer do tempo de forma idêntica, a exemplo de algumas questões relativas às matérias tributárias, previdenciária, administrativa, consumidor, entre outras. Sendo pouco aproveitado tal instituto, na edição de súmulas, por exemplo, a questões relativas a direito de família e penal, que dificilmente implicam situações idênticas, com incidência de variáveis fáticas, pois neste caso, em havendo situações passíveis de constantes alterações sociais, é compreensível a diversidade de decisões e alteração de entendimento pelos tribunais.
O art. 103-A, ao tratar sobre a legitimidade para edição, revisão ou cancelamento, estabelece no caput que as propostas podem ser feitas de ofício pelos próprios membros do Supremo, ou pelos mesmos legitimados para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade (§2º), abrangidos pelo Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, autorizando, portanto, que lei ordinária amplie esse rol de legitimados.
Porventura, a Lei nº 11.417/2006, em seu art. 3º, acabou acrescentando o rol de legitimados, adicionando o Defensor Público-Geral da União (inciso VI), os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estado ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares (inciso XI), bem como o município, incidentalmente em processo que seja parte, não autorizando a suspensão do processo (§1º, art. 3º, da Lei nº 11.417/2006, Anexo A).
Convém relatar que, quando a proposta para edição, revisão ou cancelamento não for formulado pelo Procurador-Geral da República, é necessário que o mesmo atue como custos legis (fiscal da lei), manifeste-se previamente sobre a proposta de enunciado de súmula vinculante (art.2º, §2º, da Lei nº 11.417/2006, Anexo A).
Identifica-se que, no que se refere à edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o legislador ordinário dispensou a manifestação ulterior do Procurador-Geral da República nas provocações que ele próprio houver formulado perante o Supremo Tribunal Federal.[30]
É de se observar que na hipótese do §2º, do artigo 3º, da Lei nº 11.417/2006, que prevê ao relator a possibilidade de admitir, por decisão irrecorrível, nos procedimentos de edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante, a manifestação de terceiros. A utilização do vocábulo “terceiros” não foi adequada ao instituto, podendo levar à confusão com a figura dos terceiros, típica dos processos subjetivos. No caso das súmulas vinculantes, a priori, em se tratando de processo objetivo. Nesse diapasão, estar-se-á perante a figura do amicus curiae (amigo da corte), que poderá, porventura, ser pessoas, órgãos ou entidades. Tal fenômeno está presente no processo de controle abstrato de normas (artigo 7º, §2º, da Lei nº 9.868/1999).[31]
A seu respeito, o ministro Celso de Mello já teve a oportunidade de destacar o aspecto legitimador que contém o amicus curiae na atuação do Supremo Tribunal Federal enquanto Corte Constitucional:
“No estatuto que rege o sistema de controle normativo abstrato de constitucionalidade, o ordenamento positivo brasileiro processualizou, na regra inscrita no art.7º, parágrafo 2º, da Lei nº 9.868/99, a figura do amicus curiae, permitindo, em conseqüência, que terceiros, investidos de representatividade adequada, sejam admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional.
A regra inscrita no art. 7º, parágrafo 2º, da Lei nº 9.868/99 – que contém a base normativa legitimadora da intervenção processual do amicus curiae – tem por objetivo pluralizar o debate constitucional, permitindo que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da controvérsia.
Vê-se que a aplicação da norma legal em causa – que não outorga poder recursal ao amicus curiae – não só garantirá maior efetividade e legitimidade às decisões deste tribunal, mas, sobretudo, valorizará, sob uma perspectiva eminentemente pluralística, o sentido essencialmente democrático dessa participação processual, enriquecida pelos elementos de informação e pelo acervo de experiência que esse mesmo amicus curiae poderá transmitir à Corte Constitucional (…).”[32]
Desse modo, além do rol de legitimados ativos para provocar o Supremo Tribunal Federal com o intento de criar, rever ou cancelar súmula vinculante, ainda poderá contar com a colaboração de outras pessoas, entidades ou órgãos, que atuarão na qualidade de amicus curiae (amigo da corte), apoiando no fornecimento de elementos imprescindíveis a solução da questão jurídica discutida. Para Glauco Salomão Leite, “em síntese, o amicus curiae constitui importante elemento de democratização no regime jurídico das súmulas vinculantes”.[33]
A súmula de efeito vinculante tem eficácia imediata, conforme artigo 4º da Lei nº 11.417/2006, podendo o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.
Verificando o texto constitucional, é importante atentar ao §3º, do artigo 103-A, onde prevê o cabimento de reclamação ao Supremo Tribunal Federal em face de ato administrativo, bem como de decisão judicial que contrariá-las ou indevidamente aplicá-las, podendo, ocorrer com isso, em sendo julgada procedente, a anulação do primeiro ou a cassação da segunda, determinando que outra seja proferida em seu lugar, com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso. Esse instituto da reclamação tem por escopo assegurar a observância das súmulas vinculantes pelos órgãos do Poder Judiciário e pela Administração Pública direta e indireta, por ser de caráter obrigatório, não podendo tais entidades e órgãos decidir de forma contrária à súmula vinculante, estando sujeitos os mesmos a tal instituto.
Da mesma forma, a Lei nº 11.417/2006 reza, em seu artigo 7º, que, de decisão judicial ou ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação.
A reclamação constitucional é uma ação de competência originária do Supremo e tem como escopo resguardar as competências dessa Corte e garantir a autoridade de suas decisões. Glauco Salomão Leite menciona que “a reclamação constitucional serve à efetividade das súmulas vinculantes, mantendo a sua autoridade e integridade, ao permitir que o Supremo Tribunal Federal anule os atos que violarem”.[34] A legitimidade ativa para sua propositura será de qualquer interessado, prejudicado por decisão judicial ou ato administrativo em dissonância com tais súmulas. Nesse sentido, o artigo 13 da Lei n° 8.038/90 expressa, que cabe ao Ministério Público ou à parte interessada a interposição da reclamação. No que se refere a essa problemática, em questão de ordem, sustentou o Ministro Maurício Corrêa que:
“O conceito de parte interessada, a que aludem os arts. 13 da Lei nº 8.038/90 e 156 do RISTF, ganha abrangência idêntica ao dos efeitos do julgado a ser preservado, alcançando todos aqueles que comprovem prejuízo em razão de pronunciamento dos demais órgãos do Poder Judiciário, desde que manifestamente contrário ao julgamento da Corte.”[35]
Além disso, em consonância com o artigo 7º em comento, é cabível a reclamação sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação, indicando que, nos casos em que cabe a reclamação, o emprego de recursos e outros meios de impugnação não estão impedidos, até porque, aqueles e estes possuem destinação e pressupostos diversos.
Com o propósito de uma melhor elucidação, ilustramos o exemplo exposto pelos professores José Miguel Garcia Medina, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier[36], acerca dessas possibilidades, em que ressaltam que, diante de acórdão que ofende súmula vinculante, a parte pode lançar mão do recurso extraordinário e de reclamação. O primeiro terá o efeito específico de impedir a formação da coisa julgada e reformar a decisão, ao passo que a segunda terá o objetivo de cassar a decisão que a descumpre.
Da mesma forma, Glauco Salomão Leite menciona que:
“Se a súmula vinculante for violada pela prática de ato administrativo, o particular poderá se valer, além da reclamação constitucional perante o Supremo Tribunal Federal, de qualquer outro meio de impugnação, como um mandado de segurança, por exemplo, seguindo as normas processuais que determinam a competência jurisdicional para processar e julgar esse writ. Do mesmo modo, se o ato que descumpriu a súmula vinculante for uma decisão judicial, caberá o recurso para a instância superior, além da reclamação perante o Supremo Tribunal Federal”.[37]
É interessante atentar para o fato de que o artigo 103-A, parágrafo 3º, da Constituição Federal refere-se a ato administrativo como elemento violador da súmula vinculante. Essa observação é pertinente porque a Lei nº 11.417/2006, em seu artigo 7º, parágrafo 1º, utiliza a expressão ato da administração. No âmbito doutrinário, há considerável distinção entre atos administrativos e atos da administração Pública.[38]
De fato, atos da Administração são todos aqueles oriundos dos órgãos da Administração Pública, direta e indireta. Nesse conjunto, incluem-se os atos regidos pelo direito privado, os atos materiais (fatos administrativos), os atos normativos (regulamentos e instruções normativas, por exemplo), os atos bilaterais (contratos administrativos, por exemplo), os atos políticos ou de governo e os atos administrativos propriamente ditos.[39]
Os atos administrativos, por outro lado, são definidos como atos jurídicos, individuais e concretos, expedidos pelo Estado, ou por quem o representem, sob a égide do regime jurídico-administrativo. Nessa acepção, o ato administrativo não depende dos órgãos que integram a Administração Pública (órgãos do Poder Executivo), podendo ser praticados pelo Poder Judiciário e pelo Poder Legislativo, quando do exercício de função administrativa (punição de um servidor público pertencente aos seus quadros, por exemplo). Em síntese, nem todo ato da Administração é considerado ato administrativo, nem todo ato administrativo provém da Administração Pública.[40]
Sendo assim, mister promover interpretação corretiva do enunciado constante do artigo 7º, parágrafo 1º, da Lei nº 11.417/2006, a fim de compatibilizá-lo com o preceito constitucional do artigo 103-A, isto é, de considerar apenas os atos administrativos como possíveis elementos violadores de súmula vinculante. Trata-se, aqui, do manejo da técnica da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, no sentido de admitir apenas os atos administrativos e não todo e qualquer ato proveniente dos órgãos da Administração Pública.[41]
Não há instrução, quando da propositura de reclamação, e a prova, que será apenas documental, deve ser juntada de plano na exordial. O relator requisitará informações da autoridade que cometeu o ato violador, tendo este o prazo de 10 (dez) dias e depois será dado vista dos autos ao Ministério Público. O mesmo ordenará se necessário, para evitar dano irreparável, a suspensão do processo ou do ato impugnado. Este procedimento está em consonância com o que expressa a Lei nº 8.038/99.
Sobre o que foi dito acima em relação à “parte interessada” referente ao artigo 13 da Lei nº 8.038/90[42], discute-se, de maneira preocupante, acerca de um provável aumento de reclamações que porventura venham a ser impetradas, diante de um acesso mais amplo e direto ao órgão de cúpula do Poder Judiciário.
No que se refere a tal preocupação, percebe-se que a lei nº 11.417/2006 previu, no § 1º do artigo 7º, um contencioso administrativo obrigatório, que é a necessidade do esgotamento das vias administrativas pelo interessado prejudicado, para depois poder interpor a reclamação constitucional. A intenção do legislador foi justamente a de não provocar uma demanda exagerada do instituto perante o Supremo Tribunal Federal. É interessante lembrar que este requisito é apenas para atos administrativos a serem questionados por oposição à súmula vinculante, não se aplicando, quando a reclamação for interposta em face de decisão judicial, pois, como exposto anteriormente, a mesma é cabível sem prejuízo de recursos ou outros meios de impugnação.
Quando da interposição de recurso em processo administrativo, se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria enunciado de súmula vinculante caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada ou a reconsiderar, ou explicitar as razões de aplicabilidade ou inaplicabilidade, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, nos dizeres do artigo 8º, da Lei em comento.
Em caso de descumprimento de súmula vinculante por agentes administrativos, estes podem incidir em violação de dever funcional. No tocante aos órgãos judiciários não há previsão constitucional e nem legal para a responsabilização pessoal no que se refere ao descumprimento, sendo omissa a Emenda Constitucional nº 45/2004 e a Lei nº 11.417/2006. Percebe-se a tentativa de excluir os órgãos do Poder Judiciário de qualquer espécie de responsabilização pessoal nas hipóteses de violação às súmulas, na qual devem obediência. Na obra de Glauco Salomão Leite comenta-se “que na esfera cível, há quem sustente que o magistrado responderia por perdas e danos quando procedesse com dolo ou fraude, no exercício de suas funções (artigo 133, I, do CPC)”[43]. Nesse caso não seria apenas o descumprimento da súmula vinculante, mas sim, a intenção de o magistrado causar dano alguém mediante o descumprimento da mesma. Além desse caso, é possível sustentar outra situação que configuraria a responsabilização do magistrado. Caso o particular sofra algum grave prejuízo em decorrência do descumprimento de súmula vinculante pelo juiz, poderá exigir reparação do Estado pelos danos sofridos (responsabilidade objetiva) que, se condenado, o Estado terá seu direito de regresso contra o magistrado quando houver culpa ou dolo (artigo 37, § 6º, da CF).
Já em relação ao agente administrativo, a Lei 11.417/2006 deixou evidente a possibilidade de responsabilização nas esferas cível, administrativa e penal. Segundo Salomão, o artigo 9º, que acrescentou o artigo 64-B à Lei nº 9.784/99, reza que:
“Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal”.[44]
Como se depreende desse enunciado, uma vez julgada procedente a reclamação constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em virtude de violação da súmula vinculante por agente administrativo (nesse caso, o responsável pela apreciação última do recurso administrativo), ele deverá, a partir desse momento, adotar a orientação fixada pela Corte nos outros casos semelhantes que vier a atuar. Cuida-se de uma espécie de “efeito transcendente” da decisão em sede de reclamação constitucional.[45]
Espera-se que a previsão para a responsabilização pessoal dos agentes administrativos iniba as decisões contrárias às súmulas vinculantes, para, com isso, contribuir para uma maior efetividade da jurisprudência e para a segurança jurídica.
Sobre a revisão e cancelamento, é importante indagar se seriam necessárias reiteradas decisões para rever ou cancelar súmula vinculante, tal como se exige para sua edição. Ou seja, se há necessidade de o Supremo Tribunal decidir reiteradamente de forma contrária à súmula, para, só depois, modificá-la ou cancelá-la, ou se esses processos dispensam tal requisito. Pensamos da mesma forma que Glauco Salomão Leite[46], onde menciona que “mais adequado é que haja uma discussão prévia (e séria) sobre a revisão ou cancelamento da súmula, para, só depois, proferir decisões em um sentido diferente do anteriormente estabelecido”.
A previsão de revisão e cancelamento põe por terra a crítica no sentido de que as súmulas vinculantes engessariam a jurisprudência. Esse atributo constitucional assegura a dinâmica da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, permitindo-lhe rever seus entendimentos em prol de determinado tema. Assim sendo, vislumbra-se um equilíbrio que deve apresentar a jurisprudência constitucional, ao proporcionar, de um lado, a estabilidade e segurança jurídica aos jurisdicionados, e, de outro, a possibilidade de sua modificação, primordial para evitar a estagnação da interpretação constitucional.
Concluindo, enxerga-se que do artigo 10, da Lei nº 11.417/2006, que no procedimento de edição, revisão e cancelamento obedecerá subsidiariamente ao que estabelece o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Com entrada em vigor do novo CPC, outra norma jurídica que deu mais força aos precedentes judiciais, inclusive à súmula vinculante, estando prevista em alguns artigos do novo diploma processual. Está prevista na Tutela de Evidência, situada no artigo 311, inciso II do novo CPC. No artigo 927, inciso II, devendo os juízes observarem os precedentes judiciais, estando inclusa às súmulas vinculantes. E, por último, no artigo 988, inciso III, que trata da Reclamação.
7. Súmula Vinculante e os precedentes vinculantes no novo CPC/2015
À medida que há mudanças no nosso processo civil percebe-se a aproximação entre Civil Law e Common Law, e isso se evidenciou em mais um diploma normativo brasileiro, que foi no novo CPC/2015. Com a entrada em vigor dessa norma, seu deu ainda mais força aos precedentes judiciais. A eficácia vinculante antes aplicado apenas no caso de controle concentrado e pelas súmulas vinculantes, aumenta-se a eficácia vinculante a outros precedentes com o novo CPC/2015.
O novo CPC reza a necessidade de uniformização da jurisprudência e de manutenção de sua estabilidade, integridade e coerência (art. 926). Reafirma também a necessidade de respeito à jurisprudência (art. 927 e art. 489, § 1.º, V e VI; art. 985, I e II; art. 1.039 etc.).
Nesse sentido, o diploma amplia as hipóteses de força vinculante em sentido estrito. Tal eficácia é também atribuída às decisões proferidas nos procedimentos de recursos especiais e de recursos extraordinários repetitivos e nos incidentes de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência (arts. 985, § 1.º c/c art. 928; 947, § 3.º; 988, IV).
Na parte referente à Tutela de Evidência, situada no artigo 311, inciso II do novo CPC[47], prevê que:
“Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante”; (grifei)
Quando houver fato que possa ser provado apenas documentalmente e seja firmado por tese baseada em súmula vinculante poderá ser concedida a tutela de evidência, independentemente dos pressupostos previstos para concessão da tutela provisória.
No artigo 927, inciso II do novo CPC, assim dispõe:
“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados”. (grifei)
Depreende-se que os juízes e tribunais deverão observar os precedentes judiciais, estando incluso às súmulas vinculantes. E, por último, no artigo 988, inciso III, que trata da Reclamação. Essas são algumas das passagens trazidas pelo novo CPC do instituto da súmula vinculante.
Com a entrada em vigor do novo CPC, se criou outros precedentes com eficácia vinculante que estão previsto no artigo 927 indicado acima, tendo força obrigatória no âmbito do Poder Judiciário, diferenciando-se da súmula vinculante em parte, no que tange ao efeito, tendo em vista que essa vincula também a administração direta e indireta, e tem previsão especifica da reclamação constitucional.
O novo CPC mal acabou de entrar em vigor e a doutrina já discute a constitucionalidade dos outros precedentes com eficácia obrigatória, em razão da previsão constitucional, ser apenas das decisões em sede de controle concentrado (inciso I) e as súmulas vinculantes (inciso II). O autor Marcos Vinicius Rios Gonçalves assim entende com relação ao artigo 927 do novo CPC, dispondo que:
“O art. 927 do CPC traz outras formas de jurisprudência vinculante, que não aquelas previstas na Constituição Federal. São as tratadas nos incisos III, IV e V: os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional; e a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. A atribuição de eficácia vinculante a essas hipóteses carece de previsão constitucional. E só a Constituição poderia estabelecer outras situações de jurisprudência vinculante. Portanto, diante da inconstitucionalidade do disposto no art. 927, incisos III, IV e V, parece-nos que a jurisprudência, ainda nesses casos, deva continuar sendo considerada fonte não formal do direito. Somente a súmula vinculante e a decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade podem ser consideradas fontes formais, já que são as únicas hipóteses em que a CF reconhece eficácia vinculante à jurisprudência”.[48]
Nesse mesmo sentido, entendendo pela inconstitucionalidade, Daniel Amorin cita Tucci e Scarpinella Bueno:
“Já existe doutrina a apontar a inconstitucionalidade das normas que criam uma eficácia vinculante de precedentes e de súmulas não vinculantes sem previsão nesse sentido no texto constitucional, já que a Constituição Federal reserva efeito vinculante apenas às súmulas vinculantes, mediante devido processo, e aos julgamentos originados em controle concentrado de constitucionalidade.”[49]
Por outro lado, vários outros autores entendem ser constitucional a previsão no novo CPC, sendo majoritária pela constitucionalidade das outras hipóteses de precedente com efeito vinculante.
No livro de Daniel Amorim, assim dispõe:
“A doutrina que defende a novidade legislativa – uma das mais importantes do Novo Código de Processo Civil –, entende que o Poder Judiciário não cria norma jurídica nesses casos, não se devendo confundir a atividade de dar um sentido unívoco à norma que foi criada pela via legislativa com a tarefa de criação de norma. Entendimento em sentido contrário levaria à conclusão de que o Supremo Tribunal Federal legisla ao decidir processo objetivo e ao editar súmula vinculante, o que não parece correto”.[50]
Da mesma forma que a súmula vinculante, essa inovação no novo CPC serve para o cumprimento de princípios constitucionais, mesmo não tendo previsão expressa desses outros precedentes na Constituição Federal.
7. Visão crítica do instituto já consagrado no direito brasileiro
Mesmo com o fato de as súmulas vinculantes já ser uma realidade em nosso sistema jurídico, mantém-se as variações acerca do novo instituto. Com o intuito de mencionar seus principais objetivos, analisaremos suas maiores vantagens ou benefícios e colocaremos os que entendem que o instituto é prejudicial ao ordenamento.
7.1. Princípio da efetividade e da razoável duração do processo
A razoável duração e a efetividade são características substanciais ao processo judicial e devem estar interligados para concretizar o fenômeno da segurança jurídica. São importantes esses institutos principalmente agora, onde há uma demanda exaustiva de causas repetitivas, ocasionadas pelo próprio poder público.
Com o intuito de conferir maior celeridade e efetividade à prestação jurisdicional, o constituinte derivado, por intermédio da EC nº45/2004, acrescentou ao artigo 5º, da Constituição Federal, o inciso LXXVIII, como um direito fundamental, a razoável duração do processo, in verbis: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.[51]
Consagra-se assim o princípio constitucional à razoável duração do processo, também chamado de princípio da tempestividade da tutela jurisdicional ou, ainda, princípio da celeridade processual.
Conforme Alexandre Freitas Câmara[52], o que a EC nº 45/2004 fez foi elevar o princípio da tempestividade da tutela jurisdicional ao patamar de garantia constitucional, pois já se encontrava positivado em nosso ordenamento jurídico, em razão da ratificação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) no ano de 1992, a qual garante a todo cidadão ser ouvido e julgado dentro de um prazo razoável. Alguns doutrinadores mencionam que este princípio já estava implicitamente previsto na Constituição Federal, através da garantia do devido processo legal.
A perplexidade atual em relação ao processo judicial, sem dúvida, é a sua celeridade e efetividade.
De acordo com Elpídio Donizetti, depreende que processo efetivo não é sinônimo de processo célere, expondo que:
“(…) O processo efetivo perdurará pelo prazo compatível com a complexidade do direito discutido. Será célere sempre quanto possível. Há a efetividade virtuosa – que leva em conta todas as garantias inerentes ao processo – e a malsã, que prioriza tão somente a celeridade (…).”[53]
É importante relatar, rapidamente, sobre a discussão de que o instituto jurídico da súmula vinculante afronta o princípio do devido processo legal, desentendimento este, que já se encontra superado na doutrina. O devido processo legal, segundo Nelson Nery Junior[54], é a garantia fundamental sobre o qual todos os outros se sustentam. Depreende-se que a súmula vinculante não repele o acesso à tutela jurisdicional, não tolhe o direito ao devido processo ou a garantia da ação, ao contraditório ou a ampla defesa, bem como estabelece a igualdade entre as partes e a exigência da motivação das decisões judiciais.
Analisando o princípio da razoável duração do processo, verifica-se uma imprecisão em sua conceituação, já que as expressões utilizadas são diversificadas – tempestividade, celeridade, razoabilidade – refletindo conceitos indeterminados e abertos, dando a entender que um processo tempestivo seja realizado de acordo com o caso concreto. Segundo José Rogério Cruz e Tucci, em resumo, visualiza-se um processo em tempo razoável como um processo sem dilações indevidas.[55] Portanto, não necessariamente implica a garantia de um processo rápido, mas, sim, de um processo sem dilações descabidas.
O tempo de duração do processo influencia demais na efetiva proteção e realização do direito material, que está sendo tutelado por intermédio da ação judicial. A razão precípua do processo é a de prestar a tutela jurisdicional efetiva aos jurisdicionados e uma demora excessiva pode ocasionar prejuízos sérios aos mesmos.
Nos casos onde a demanda versa sobre direito patrimonial, por exemplo, o autor pretende modificar uma situação que favoreceu o réu e cuja vantagem por este estar sendo usufruída. Quanto mais tempo for utilizado para que autor veja sua pretensão julgada, maior será seu prejuízo. Assim dispõe Marinone:
“Nessa linha é fácil concluir que o autor com razão é prejudicado pelo tempo da justiça na mesma medida em que o réu sem razão é por ela beneficiado. Vistas as coisas através desse ângulo, fica muito claro o valor que o tempo possui diante desses conflitos.
Ademais, a morosidade do processo atinge de modo muito mais acentuado os que têm menos recursos. A demora, tratando-se de litígios envolvendo patrimônio, certamente pode ser compreendida como um custo, e esse é tanto mais árduo quando mais depende o autor do valor patrimonial buscado em juízo. Quando o autor não depende economicamente do valor em litígio, ele obviamente não é afetado como aquele que tem o seu projeto de vida, ou o seu desenvolvimento empresarial, vinculado a obtenção do bem ou do capital objeto do processo”.[56]
Entretanto, o processo com dilações indevidas e com demora excessiva atua como um fator preponderante para a desistência dos jurisdicionados de buscarem a justiça para soluções de seus conflitos de interesse, ocasionando, por via de consequência, o descrédito perante o Poder Judiciário.
É importante analisar o § 1º, do artigo 5º, da Constituição Federal, onde expressa que o direito fundamental à razoável duração do processo tem aplicação imediata.
A celeridade processual, constitucionalmente prevista como um direito fundamental reflete a preocupação em garantir aos jurisdicionados a agilidade na tramitação dos processos, tanto em âmbito judicial como na esfera administrativa. O descumprimento deste princípio compromete tanto a efetividade do processo como a efetividade da própria atividade jurisdicional.[57]
No entendimento de Misael Montenegro Filho[58], a previsão constitucional consagradora do princípio em análise é programática ou idealista, visto que só a sua redação não garante que os processos judiciais ou administrativos sejam realizados em tempo razoável, evitando-se as delongas desnecessárias. Desse modo, entende que “a razoável duração do processo somente é possível, em termos dinâmicos, com a aprovação de normas que desburocratizem a Lei dos Ritos, sob de o princípio constitucional se qualificar como letra morta”.[59]
Da mesma forma, ao comentar sobre referido princípio, Alexandre Freitas Câmara faz a seguinte crítica:
“É preciso ter claro, porém, que a mera afirmação constitucional de que todos têm direito a um processo com duração razoável não resolve todos os problemas da morosidade processual, sendo necessário promover-se uma reforma estrutural no sistema judiciário brasileiro. Fique registrado nosso entendimento segundo o qual a crise do processo não é a crise das leis do processo. Não é reformando leis processuais que serão resolvidos os problemas da morosidade do Poder Judiciário. É preciso, isto sim, promover-se uma reforma estrutural, que dê ao Poder Judiciário meios efetivos para bem prestar tutela jurisdicional, o que exige vontade política para mudar o atual estado de coisas”.[60]
O pensamento do autor acima citado, estar no sentido de que, para combater a morosidade do Poder Judiciário, é primordial uma reforma no sistema judiciário brasileiro, com criações de instrumentos efetivos para concretização da celeridade nas relações jurídicas processuais.
Nesse diapasão, coloca-se a súmula vinculante como um instrumento a conseguir realizar celeridade às demandas processuais, colaborando tanto nas reduções de demandas múltiplas como nas repetitivas ações, fornecendo aos jurisdicionados uma resposta judiciária isonômica e em tempo razoável, da mesma forma também contribui nesse sentido, os precedentes vinculantes do artigo 927 do novo CPC.
Com efeito, é a súmula e os precedentes vinculantes que são instrumentos de efetividade exercida pela função jurisdicional, por conferir resultado útil ao processo na efetivação do direito material, afastando a controvérsia jurídica instaurada e propiciando a tão almejada paz social com a estabilização e segurança jurídica implantada através de seu enunciado.
É nesse sentido que nos deparamos com a reforma do Judiciário, que, além de introduzir o fenômeno da súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro, acrescentou o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal. Nas palavras de Marinoni:
“(…) A demora para obtenção da tutela jurisdicional obviamente repercute sobre a efetividade da ação. Isso significa que a ação não pode se desligar da dimensão temporal do processo ou do problema da demora para a obtenção daquilo que através dela se almeja.
A efetividade da ação não depende apenas de técnicas processuais (tutela antecipatória contra o receio de dano e tutela cautelar) capazes de impedir que o dano interino ao processo possa causar prejuízo ao direito material. O direito de ação exige que o tempo para a concessão da tutela jurisdicional seja razoável, mesmo que não exista qualquer perigo de dano.”[61]
Como prerrogativa fundamental dos indivíduos e dever do Estado, temos direito a tutela jurisdicional conforme artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, e também o direito de obter a demanda respondida de forma eficiente.
O tempo razoável do processo não pode ser realizado apenas nos procedimentos especiais cautelares como menciona o referido autor, e sim, também, no processo principal. Ou seja, o processo principal deve ser respondido em tempo razoável e não só quando haja perigo iminente.
Se o Poder Judiciário, apesar da sua grande importância em todo contexto, não conseguir solucionar com perspicácia suas divergências que surgem em demandas repetitivas implicaria uma insegurança jurídica capaz de abarcar um desprezo pelo mesmo perante a sociedade. Por isso, a importância da introdução desses institutos jurídicos na reforma do judiciário e no novo CPC.
Neste diapasão, a criação das súmulas vinculantes surge como um remédio capaz de trazer rapidez aos processos repetitivos e dar celeridade a justiça como um todo. É evidente que as referidas súmulas e precedentes vinculantes não serão aptas a solucionar os problemas do judiciário brasileiro, mas, são muito úteis ao nosso sistema jurídico, passando segurança jurídica, isonomia, uniformização e tempestividade na prestação da tutela jurisdicional.
A divergência jurisprudencial e a consequente “jurisprudência lotérica”, ressalte-se, sobre questão idêntica, deixa a sociedade frustrada quando não resolvida de modo uniforme pelo Poder Judiciário, quando não aplicando a isonomia entre os jurisdicionados. A presente súmula vinculante, e agora, os outros precedentes vinculantes no novo CPC, foram introduzidos para combater essa contradição e uniformizar a jurisprudência sobre questões idênticas, deixando os jurisdicionados em pé de igualdade, expurgando a denominada “jurisprudência lotérica”.
O instituto da súmula vinculante colabora na concretização destes princípios que foram até aqui, dissecados. Trazendo um pouco mais de celeridade aos processos passíveis de sua aplicação e evitando o ajuizamento de inúmeras demandas, uma vez que, além de vincular os órgãos do judiciário, faz o mesmo na Administração Pública direta e indireta, diferentemente dos precedentes vinculantes do novo CPC que só vincula o Poder Judiciário.
Com a introdução da súmula vinculante em nosso ordenamento jurídico, objetivou, entre outros motivos, dar maior celeridade e efetividade à prestação da tutela jurisdicional. Além disso, tem o intuito de diminuir o volume de recursos interpostos nos Tribunais Superiores, principalmente na nossa Corte Constitucional. Uma vez que, a própria Administração Pública da esfera Federal, Estadual e Municipal terão que obedecerem aos enunciados vinculantes.
Como estamos nos dedicando aos princípios da celeridade e efetividade processual, vemos que na relação jurídica processual, devem ser afastadas as delongas desnecessárias, incabíveis, para não perder de vista estes importantíssimos princípios.
“Fácil perceber que o processo sempre consome tempo, maior ou menor. Muitas vezes, porém, a distância temporal que separa o início e o término do feito é por demais longa, causando angústia nos litigantes, perplexidade nos cidadãos e sentimento de impotência nos operadores do direito verdadeiramente preocupados com a qualidade da prestação jurisdicional.
A fixação apriorística de prazo para término do processo não parece conveniente, pois as peculiaridades do caso concreto, somadas à carga de trabalho a que está submetido o julgador, podem tornar inviável a observância do preceito legal.
(…) De toda sorte, é inadmissível a eternização do litígio, causadora de prejuízos (por vezes irremediáveis) às partes e descrédito ao Poder Judiciário”.[62]
O Judiciário está obrigado a prestar a tutela jurisdicional num prazo razoável, a depender, das peculiaridades do caso concreto. Todos os jurisdicionados possuem o direito constitucional em comento, tendo o Estado a obrigação de cumprir o que determina o ordenamento jurídico, pois, solucionar as lides em um tempo razoável.
A prestação jurisdicional célere transparece a sociedade que o Estado está apto a solucionar as lides de forma eficaz, inspirando confiança e atribuindo credibilidade ao mesmo.
7.2 Uniformização de Jurisprudência e Segurança ao Jurisdicionado
Convém comentar inicialmente que a criação de jurisprudência dominante do Tribunal se dar pelas decisões majoritárias ou unânimes de câmaras, seções ou turmas ou pela existência de decisões do Tribunal Pleno, mesmo que não havendo unanimidade.
Todavia, uma vez assentada à jurisprudência pela maioria absoluta do Tribunal, a mesma é compendiada em súmula, com numeração sucessiva. Assim, a súmula deve ser editada para uniformizar a jurisprudência sobre aquela matéria discutida.
Sua citação pelo número prescinde da indicação de outros julgados no mesmo sentido. Nesse diapasão, a súmula reproduz todos os julgados que lhe deram origem, constituindo verdadeiro mecanismo de uniformização.
Há a preocupação em se conferir unidade ao direito, e uma das formas de dar unicidade ao direito, é por intermédio da uniformização jurisprudencial. Assim, se evita que os litigantes fiquem a mercê exclusivamente da sorte na distribuição do feito ou do recurso a este ou àquele órgão, a tão criticada ‘jurisprudência lotérica’.
O nosso Judiciário brasileiro prevê, para tanto, alguns mecanismos para combater a denominada jurisprudência lotérica, e um exemplo expressivo é a súmula, bem como a súmula vinculante. Esta tem uma abrangência maior, vez que tem por escopo unificar as decisões dos órgãos judiciários e da Administração Pública ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal, ao passo que aquela tem por finalidade homogeneizar a jurisprudência no âmbito de um mesmo tribunal. Nas palavras de José Miguel Garcia Medina, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier, “o sistema da súmula vinculante talvez seja um dos métodos mais eficientes para esta finalidade”.[63]
É óbvio que a existência de decisões conflitantes, díspares, de situações análogas por juízes e tribunais diversos, bem como no âmbito de um dado tribunal, ocasiona insegurança jurídica aos jurisdicionados. Desse modo, a súmula vinculante editada pelo Supremo Tribunal surge para firmar segurança ao sistema jurídico, ensejando que causas de semelhante teor e repetitivas sejam decididas de modo uniforme.
A súmula vinculante é um instrumento hábil a conferir celeridade e efetividade à atividade jurisdicional, pois tem a finalidade de garantir homogeneidade das decisões judiciais, e por consequência, estabilidade e segurança jurídica. É, portanto, um instituto voltado para a uniformização da jurisprudência pacífica, em matéria constitucional, assim reconhecido pelo órgão máximo do Judiciário, observados os procedimentos e requisitos para sua edição, conforme analisados no capítulo anterior, os quais viabilizam tratamento isonômico e certeza jurídica aos jurisdicionados.
A divergência jurisprudencial e a consequente dissonância de sentenças, ressalta-se, para casos análogos, ocasiona a desconfiança da sociedade perante o Judiciário, gerando, consequentemente, insegurança jurídica.
“Em país como o nosso, em que as condições socioeconômicas são tão díspares, a obrigatoriedade na aplicação sumular, virá restaurar a confiança e segurança entre os jurisdicionados, que não correrão o risco de ver suas pretensões, apesar de tratar-se de mera repetição de tantas outras de idêntico teor, resultar em decisões contraditórias, demonstrando a total falta de homogeneização nos pronunciamentos dos Tribunais, o que ocorre repetidamente.”[64]
O tratamento isonômico perante os casos análogos viabiliza uma maior segurança jurídica para os jurisdicionados. A Suprema Corte, por ser órgão máximo do Judiciário e intérprete final da nossa Constituição, por lógica, devem os demais órgãos do judiciário aplicar os enunciados das súmulas vinculante para unificação do direito.
É importante lembrar que a súmula vinculante não estagnará o direito ou engessará a jurisprudência, visto que tal instituto não é imutável, em razão da possibilidade de revisão ou até mesmo de seu cancelamento.
O novo CPC traz em seu artigo 926, caput já citado anteriormente que: Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. No intuito de combater a “jurisprudência lotérica”, o artigo 927 inclui outros precedentes vinculantes no sentido de uniformizar a jurisprudência.
Argumentos Contrários apontam violação aos princípios constitucionais
É devido fazer uma análise mais detalhada dos argumentos de que as súmulas vinculantes ofendem aos princípios constitucionais e infraconstitucionais da separação dos poderes, duplo grau de jurisdição, do livre convencimento do juiz e da independência entre os órgãos do poder judiciário.
Analisando primeiramente a separação dos poderes identificamos que, à época da Revolução Francesa havia um sistema mais rígido envolvendo tal separação, o que não há atualmente. Observamos atualmente uma nova visão deste princípio, sendo aquela rigidez substituída pela independência e harmonia entre os poderes.
Não há mais razão para uma aplicação absoluta da separação dos poderes, pois aqui no Brasil é adotado o sistema de freios e contrapesos, que significam que as três esferas de poder se fiscalizam, a fim de evitar abusos.
“A idéia, portanto, é a de colaboração e interação entre os três poderes (o que acabou sendo adotado pela Constituição de 1988). Ademais, se possível fosse a separação absoluta dos poderes, tal resultaria na quebra da unidade estatal, antes mencionada, o que dificultaria ou mesmo inviabilizaria o normal funcionamento do Estado”.[65]
É importante que seja sempre interagido entre os poderes a harmonia e equilíbrio, e toda e qualquer forma de excesso deve ser denunciada e expurgada do sistema. Todavia, as súmulas vinculantes não se enquadram neste contexto, segundo Alexandre Sormani e Nelson Luis Santander:
“Ora, a adoção da súmula vinculante, tal qual restou concebida, não se insere em nenhum dos aspectos antes abordados. Sua construção operou-se por meio de uma emenda constitucional que tramitou regularmente pelo Congresso Nacional, observando o rito procedimental próprio previsto na Constituição Federal, afinal, foi aprovada pela maioria qualificada exigida para a validade da alteração constitucional empreendida. Inconstitucionalidade formal, portanto, não há.
Quanto ao aspecto material da polêmica – a suposta violação aos arts. 2º e 60, § 4º, da CF, igualmente não há que se falar em inconstitucionalidade”.[66]
Como se vê, não há qualquer deslize para a hipótese de propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por desrespeito ao procedimento adotado pela Constituição Federal. E sendo superada também a suposta violação aos princípios da mesma.
Cabe ao Poder Judiciário solucionar o litígio entre as partes, prestar a jurisdição àqueles que os provocam e aplicar a lei ao caso concreto. É necessário extrair o sentido da norma através da interpretação, para transformar o simples enunciado em norma jurídica. Vale à pena mencionar que o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição e intérprete final da mesma. Entendemos, portanto, que não é viável uma lei ser aplicada ao caso concreto sem antes extrair o sentido dela através da interpretação. Da mesma forma Sormani e Santander:
“Ora, interpretar uma lei ou um ato normativo de qualquer ordem não equivale a produzir lei ou ato normativo. Vale aqui rememorar a divisão entre norma jurídica e proposição jurídica. A norma jurídica, como produto da atividade legisferante, é de natureza prescritiva, já que fez a imputação de uma determinada consequência a uma dada hipótese. Ao intérprete, por outro lado, cabe descrever essas normas jurídicas, emitindo proposições jurídicas.
Assim, quando o Poder Judiciário no exercício de sua função de julgar descreve as normas jurídicas para aplicação das mesmas aos casos concretos, emite, sim, proposições jurídicas, reconstruindo o ordenamento jurídico de maneira lógica e coerente, muito embora não o tenha inicialmente criado.”[67]
Então, fica evidente que a interpretação da lei não pode ser confundida com sua criação. O Poder Judiciário extrai o sentido da norma através da interpretação para poder aplicar ao caso concreto. Não há essa pretensão de invadir a esfera do Legislativo com a consequente violação ao princípio da separação dos poderes. O Poder Legislativo cria a norma e o Poder Judiciário interpreta a norma, criando-se direito também através da interpretação.
Para que a norma não seja aplicada de maneira aleatória com vários entendimentos divergentes, a denominada ‘jurisprudência lotérica’, o instituto pretende uniformizar a interpretação da lei, mas não com a intenção de criá-la.
O começo normativo continua sendo preponderantemente do Poder Legislativo. Por essa razão, entendemos que as súmulas e os precedentes vinculantes estão para complementar à atividade legislativa, não pretendendo invadir tal esfera. Havendo excesso por parte do Poder Judiciário deverá ser repugnado pelos outros poderes, conforme defender Sormani e Santander:
“Sob esse aspecto, a decisão judicial final nada mais faz do que se integrar ao processo legislativo, aperfeiçoando-o, na medida em que a interpretação da norma a retira do plano formal para, ao dar-lhe concretude, inseri-la no seio das relações humanas, mediante a intelecção e apreensão dos valores atuais filtrados do corpo social em que são produzidos.
Ademais, a decisão proferida no julgamento de uma ação ou de um recurso extraordinário perante o STF é um ato jurisdicional e não, um ato político (como o é a atividade legisferante), uma vez que não inova na ordem jurídica, mas tão-somente a desvenda”.[68]
O fato de as súmulas vinculantes terem eficácia erga omnes não faz com que elas se tornem leis. Não são consideradas leis por não preencherem os requisitos constitucionais para tanto. Contém apenas força formal de lei, o entendimento firmado nos enunciados vinculantes editado pela Suprema Corte é resultado da interpretação.
Fica evidente, portanto, que, por meio das regras que editam as súmulas vinculantes, não ocorre a produção de norma sobre qualquer fato social, mas, sim, interpretação da constituição e da lei, não sendo, assim, usurpada a função do legislativo.
Mais uma razão que nos mostra que a súmula não está subtraindo a função do legislativo, é pelo simples fato de a qualquer momento poder ser elaborada uma lei em sentido contrário à súmula. O Poder Legislativo está aberto para regular qualquer fato social, até mesmo modificar ou revogar a lei que originou o enunciado, podendo, também, emendar a constituição federal, tendo como limite as cláusulas pétreas.
O princípio do duplo grau de jurisdição pretende dar segurança jurídica aos jurisdicionados, pelo simples motivo de assegurar aos mesmos a inexistências de decisões arbitrárias por parte dos magistrados, caso não houvesse tal instituto era mais propício haver tais decisões. Por meio deste princípio, o jurisdicionado que teve uma decisão desfavorável poderá recorrer desta decisão para outro órgão jurisdicional de hierarquia superior, como regra, podendo, excepcionalmente, ser julgado pelo mesmo órgão jurisdicional. Os contrários as súmulas vinculantes afirmam estar sendo desrespeitado tal princípio.
Há autores que entendem estar implícito tal princípio na Constituição Federal, outros afirmam este não ser uma garantia constitucional, podendo ser limitado através de leis infraconstitucionais. Entretanto, este princípio sofre limitações em âmbito constitucional e infraconstitucional, em razão de haver decisões irrecorríveis. Tendo, portanto, atuação limitada.
É de fácil percepção que o princípio do duplo grau de jurisdição opõe-se a celeridade processual. Vejamos, neste sentido, o entendimento dos eminentes doutrinadores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:
“Para que o Estado possa efetivamente desincumbir-se de seu dever de prestar a tutela jurisdicional, garantindo o direito do cidadão a uma tutela jurisdicional tempestiva e adequada, é imprescindível que, em determinadas hipóteses (causas mais simples, notadamente aquelas que envolvem matéria de fato), em nome da celeridade e da oralidade, seja eliminado o duplo grau.”[69]
Exatamente em nome da celeridade que o pleito recursal será afastado, em alguns momentos, quando cabível aplicação das súmulas de efeito vinculante. Estes momentos são quando houver causas idênticas, faticamente e juridicamente. Ou seja, para aqueles casos análogos onde já existe enunciado vinculante, será desnecessário o recurso, uma vez que o entendimento pacífico no Supremo por meio do enunciado vinculante já vem sendo aplicado ao caso concreto, tendo os mesmos que seguir a mesma orientação.
Fica evidente que o princípio do duplo grau de jurisdição sede lugar à razoável duração do processo, celeridade e efetividade processual, por meio da ponderação de interesses, sendo mais importantes aplicar estes, pois a matéria já está pacífica no âmbito do órgão máximo do Judiciário.
Ainda em outras situações onde não haja coesão entre o caso concreto e o enunciado da súmula vinculante e que foi aplicado tal súmula, será permitido ao sucumbente recorrer, fundamentando que a súmula vinculante foi aplicada de forma equivocada.
A fundamentação nova afastará a incidência da súmula e o inconformado poderá interpor recurso com base neste, com a pretensão de alterar a disposição sumulada. Com entendimento convergente, vejamos o que afirma Muscari:
“(…) a aplicabilidade da súmula exige identidade de fatos substanciais, de sorte que o vencido terá oportunidade de demonstrar, em sede reexame, que o caso sub iudice é substancialmente diverso do(s) paradigma(s) que resultou(aram) na edição da súmula. E mais, não lhe faltará oportunidade para, invocando o argumento novo (rectius: ainda não apreciado pelo tribunal emissor da súmula vinculante), procurar alterar a orientação sumulada.”[70]
Acompanhando entendimento de maioria dos doutrinadores, e ainda os que foram acima citados, não encontramos obstáculo para restringir o princípio do duplo grau de jurisdição, uma vez que a Constituição Federal não demonstra que tal princípio seja absoluto, prevendo casos de decisões irrecorríveis.
Os dois últimos argumentos bastante apontados como desvantagem para adoção das súmulas e dos precedentes vinculantes são o do livre convencimento do juiz e o da independência do magistrado.
Alguns doutrinadores entendem que o fenômeno da súmula vinculante colide com estes princípios, argumentando que os magistrados devem obediência apenas a lei, colocando a lei como única fonte de direito no ordenamento jurídico, deixando a jurisprudência como fonte secundária. Esta concepção iluminista de lei e de função judicial restou superada com o advento do Estado Constitucional, deixando de lado aquela concepção do Estado Legalitário mostrado anteriormente.
Averiguando um dos requisitos para edição da súmula vinculante, percebemos que só poderão ser editadas caso hajam reiteradas decisões acerca de matéria constitucional. Este requisito deixa enfraquecida grande parte dos argumentos que a consideram mitigadora da independência do magistrado.
“Assim, a súmula vinculante não surge órfão de qualquer análise e julgamento anterior por parte do Judiciário. Para que sua edição seja possível, é necessário que a Corte tenha decidido de maneira reiterada a matéria constitucional, onde, obviamente, puderam os julgadores valer-se de sua liberdade de convicção fundamentada”.[71]
Além do requisito da reiteração, completam os autores:
“Assim, não só para desenhar a finalidade da súmula vinculante, como também para dar justificativa válida à sua edição, o § 1º do mesmo dispositivo dispõe que a súmula terá por objetivo a validade, interpretação, e eficácia de normas determinadas, acerca dos quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública direta e indireta.”[72]
É notório que a edição de súmula vinculante só concretizará após exaustivo debate jurídico, ocorrido nas mais diversas instâncias. Se o Supremo é o intérprete máximo da constituição, e no caso da súmula vinculante, prever anterior controvérsia e debate judicial exaustivo acerca da matéria para depois edição da mesma, essa sistemática intensifica a não ofensa ao princípio da independência do magistrado.
As súmulas vinculantes versarão sobre matéria constitucional em sentido amplo. Sabe-se que o ordenamento jurídico prevê que a guarda da constituição cabe ao Supremo Tribunal Federal, órgão que detém a última palavra acerca de todas as questões constitucionais.
Caso não haja questão idêntica as súmulas não serão aplicadas. Outros estudiosos entendem, ainda, que, mesmo havendo caso idêntico, elas poderão deixar de ser aplicadas, desde que, seja de forma fundamentada. Num caso deste, o prejudicado poderá valer-se do instituto da Reclamação Constitucional.
“A livre convicção do juiz (rectius, sua persuasão racional – CPC, art. 131) não é prejudicada pela aplicação da súmula vinculativa. À parte os casos em que a própria lei autoriza o juiz a se distanciar do critério de legalidade estrita (CPC, arts. 127, 1.109; Cci, 1.515, § 2º), no mais, e como regra geral, ele atua como aplicador do ordenamento positivo. O ordenamento brasileiro, que antes já abrangia as súmulas persuasivas, conta agora com outra modalidade, a saber, as súmulas vinculativas. No iter intelectivo percorrido pelo juiz para a formação do seu convencimento, cabe-lhe ter presente todas as formas de expressão do Direito que lhe pareçam cabíveis na espécie, inclusive pois o Direito Sumular, quando através dele se possa dirimir a controvérsia. Parecendo ao juiz que determinada súmula vinculativa não rege ou não abrange o objeto litigioso do processo, poderá, fundamentadamente, deixar de aplicá-la, em iter intelectivo, pois, semelhante ao que ocorre quando uma norma legal é invocada nos autos, mas em verdade não se aplica ao caso vertente. De resto, mesmo no regime da commom law, pode o juiz demonstrar que o caso concreto não é precisely similar ao precedente judiciário.”[73]
No mesmo sentido:
“Nesse caso, mesmo que o Supremo Tribunal Federal casse a decisão proferida e determine ao julgador que profira outra em seu lugar, ainda assim não há que se falar em violação à sua independência de julgar, pelas mesmas razões antes expostas, ou seja, como guardião da Constituição Federal, à Colenda Corte cabe, sempre e irrefutavelmente, a última palavra acerca de sua interpretação, o que contribui para preservar a sua eficácia normativa. E, contra isso, nem mesmo a pretendida independência judicial pode ser oposta.”[74]
Mesmo depois de fixado um entendimento pacífico sobre determinada matéria constitucional e posteriormente quando cumprido os requisitos, editarem súmulas vinculantes, nada impede que juízes ou tribunais adotem entendimento contrário. É sabido que não há previsão legal para a sanção disciplinar caso algum Tribunal ou juiz decida de modo contrário a súmula vinculante. Contudo, abre caminho para a Reclamação Constitucional, com a finalidade de que seja cumprido o enunciado vinculante editado pelo Supremo Tribunal Federal.
Após averiguar a origem histórica dos dois sistemas de direitos vigentes nos dias atuais, pesquisar e estudar sobre as súmulas vinculantes instituídas em nosso direito pátrio pela Emenda Constitucional 45/2004 e abordar as vantagens e desvantagens apontadas pelas doutrinas favoráveis e contrárias ao recente instituto jurídico. Após essa análise, podemos afirmar que as súmulas vinculantes são benéficas ao ordenamento jurídico brasileiro.
Com a Emenda Constitucional nº 45/2004, da reforma do Sistema Judiciário Brasileiro, o Supremo Tribunal Federal obteve sua importância e força reconhecidas através da instituição da súmula vinculante, reforçando o sentido de ser a mais Alta Corte de Justiça do país.
Não podemos esperar que as súmulas e os precedentes vinculantes solucionem o problema do nosso Judiciário, considerando esses dois institutos um remédio milagroso. Também não podemos desdenhar os benefícios que trazem ao nosso ordenamento jurídico.
Embora as súmulas não solucionem de forma definitiva a crise em que o Judiciário se encontra, é lógico que são importantes para uma prestação jurisdicional mais eficaz. Entendemos que os argumentos favoráveis à súmula são bem mais contundentes.
É primordial que o direito seja aplicado da mesma forma em casos idênticos ou análogos. A devida aplicação das súmulas vinculantes assegura ao jurisdicionado segurança jurídica, uma vez que sua lide será julgada de forma justa e equânime, conforme as anteriores que foram julgadas baseadas na súmula vinculante. Sendo aplicado um entendimento já debatido exaustivamente, decidindo em tese, uma solução mais coerente e justa.
No mesmo sentido, elucida André Ramos Tavares sobre este aspecto:
“(…) a súmula constitui um instituto que busca a eliminação das antinomias do sistema. Objetiva-se, em outras palavras, alcançar a coerência, que deve haver no direito. A necessária unidade do Direito não pode ser olvidada”.[75]
Aplicando o direito de forma igual para os casos idênticos proporcionará segurança ao jurisdicionado e confiança do mesmo no Poder Judiciário. A súmula vinculante e os precedentes buscam a unidade do Direito e a isonomia de tratamento aos cidadãos, objetivos esse, essencial a qualquer sistema jurídico. Essa breve explanação mostra o quanto são benéficos ao nosso ordenamento jurídico tais institutos.
A padronização da interpretação feita pelas súmulas só tem a melhorar a situação do nosso Judiciário brasileiro, com o intuito de diminuir as críticas que vem se deparando com relação à demora para resolução dos casos concretos.
A demora excessiva para resolução do caso concreto deixa o jurisdicionado sem intenção de exercer seu direito de ação. Isso impossibilita o cumprimento dos direitos fundamentais que, por vezes, não chegam a ser cumpridos em razão da ‘crise da Justiça’. Pedro Lenza comenta em sua obra sobre a morosidade da Justiça e a tal crise da Justiça, vejamos:
“A morosidade da Justiça, amplamente conhecida e criticada, apresenta-se como uma das grandes mazelas do Judiciário desse começo de novo século.
(…) a divergência jurisprudencial, atrelada ao sistema recursal pátrio, bem como as diversas causas repetidas em que a Fazenda Pública figura como parte vêm contribuindo para agravar a chamada “crise da Justiça”.[76]
O mesmo autor menciona sobre a contribuição do instituto da súmula vinculante:
“A súmula vinculante, em nosso entender, sem dúvida contribui para, ao lado de tantas outras técnicas, buscar realizar o comando fixado no art. 5.º, LXXVIII, também introduzido pela Reforma do Poder Judiciário e, na mesma medida, estabelecer a segurança jurídica, prestigiando o princípio da isonomia, já que a lei deve ter aplicação e interpretação uniforme.”[77]
Por intermédio das súmulas vinculantes consegue-se realizar uma interpretação uniforme para causas idênticas fazendo valer o princípio da isonomia. O processo tornar-se-á mais célere com a aplicação de entendimento uniforme para casos análogos já previstos em enunciados vinculantes, garantindo mais certeza e previsibilidade ao jurisdicionado.
Caso entendam que a súmula vinculante estagnará o direito, estão equivocados, pois é sabido que há previsão de revisão ou cancelamentos destas.
Em relação às críticas dirigidas aos recentes institutos, com o intuito de mostrar a nocividade do mesmo, foram elas rebatidas com argumentos sólidos deixando mais claro o quanto a introdução desses institutos foram benéficos ao nosso ordenamento. E com a intenção de elucidar que tais institutos não desrespeitam o princípio da independência do juiz, vejamos:
“A figura das súmulas vinculantes não retira, de nenhuma forma, a liberdade de julgar dos magistrados de instâncias inferiores. Estes continuarão a participar da interpretação da Constituição até o momento em que, em processo no qual a quaestio juris seja a mesma, crie o Supremo Tribunal Federal súmula sobre o assunto.”[78]
É neste sentido que mostramos a harmonia do instituto com o princípio ora comentado. Outros argumentos contrários ao instituto foram rebatidos no tópico anterior com um raciocínio coerente.
Para uma melhor elucidação com relação à interpretação final vinculante por meio da súmula do Supremo para as causas repetidas, é importante lembrar que o Supremo Tribunal Federal é o órgão máximo do Judiciário e guardião da nossa Constituição Federal, consequentemente, intérprete máximo da nossa Constituição. É sabido que súmula vinculante pretende complementar a lei e não substituí-la ou sobrepô-la.
Para reforçar os benefícios que o instituto dimensiona, vejamos o que disseca o relatório da CCJ do SF:
“Parece-nos evidente que a súmula vinculante tende a promover os princípios da igualdade e da segurança jurídica, pois padronizará a interpretação das normas, evitando-se as situações propiciadas pelo sistema vigente, em que pessoas em situações fáticas e jurídicas absolutamente idênticas se submetem a decisões judiciais diametralmente opostas, o que prejudica em maior medida aqueles que não têm recursos financeiros para arcar com as despesas processuais de fazer o processo chegar ao Supremo Tribunal Federal, onde a tese que lhe beneficiaria fatalmente seria acolhida.”[79]
Entendemos que as palavras supracitadas, como as anteriores são claras para discernir sobre o benefício e a constitucionalidade dos institutos. Vejamos o entendimento do eminente Pedro Lenza:
“(…) o novo modelo de súmula vinculante mostra-se não só necessário, como totalmente constitucional, não se admitindo, deixe-se bem claro, qualquer sanção funcional ao juiz ou tribunal em caso de descumprimento. A “reclamação” assegurará eventual abuso, devendo ser fixados, é natural, os seus limites”.[80]
Por último, deve-se deixar bem claro que o instituto da súmula vinculante não fere as cláusulas pétreas previstas no artigo 60, § 4º da nossa Constituição Federal.
E o novo CPC traz outras formas de se aplicar a súmula vinculante, demonstrando sua estabilização quanto à sua aplicação no nosso ordenamento jurídico.
8. Considerações Finais
Ao apresentarmos uma breve elucidação histórica sobre o tema, verificamos os principais sistemas jurídicos adotados pelos Estados ocidentais atualmente, que são o civil law e common law tido como os principais. O primeiro tem suas origens no direito romano, sendo chamado de sistema Romano-Germânico. Este sistema foi acentuado com a Revolução Francesa quando a lei foi considerada a única forma autêntica da nação, expressada pela vontade geral. Este sistema tem a lei como principal fonte, deixando a jurisprudência num plano secundário. Já o sistema do common law , adotado principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, prioriza os costumes e os precedentes judiciais.
Verifica-se uma aproximação entre os dois sistemas jurídicos, reconhecendo-se nos últimos anos laços recíprocos entre eles. Neste sentido, é admissível que um país que adote o sistema civil law reconheça validamente jurisprudência com efeito vinculante como no sistema common law. Então, com essa aproximação entre os dois modelos supra, civil law e common law, enxerga-se a coerência de a súmula e o precedente vinculante ter sido introduzido em nosso ordenamento jurídico.
A situação jurídica em que se insere a súmula e o precedente vinculante é identificada pela crise da Justiça enfrentada pelo Judiciário, com o abarrotamento de processos e a consequente morosidade na solução da lide obstaculizando o cumprimento da efetividade na prestação da tutela jurisdicional, sendo tais institutos umas das técnicas utilizadas para amenizar os problemas enfrentados pelo nosso Judiciário.
Entende-se que a súmula vinculante e os precedentes são institutos semelhantes, e com as mesmas finalidades, que é combater a morosidade do judiciário. A diferença é que a primeiro vincula o judiciário e administração direta e indireta e o segundo vincula apenas o judiciário.
Verifica-se que as súmulas vinculantes ingressaram em nosso ordenamento jurídico por intermédio da Emenda Constitucional nº 45/2004, que trata da Reforma do Judiciário e os precedentes vinculantes com o novo CPC.
Por meio de um procedimento próprio para edição, revisão e cancelamento, a súmula de efeito vinculante tem como intuito dar solução eficaz às decisões divergentes em face de vários processos sobre causa idêntica. Sua forma de elaboração resulta de reiteradas decisões sobre matéria constitucional, tendo ampla e exaustiva discussão sobre o assunto para posteriormente aprová-las.
Com a força vinculante da mesma pretende-se alcançar a diminuição dos processos nos Tribunais. Sendo muito importante também a vinculação em face da administração pública direta e indireta, este último efeito não tendo nos precedentes vinculantes.
A introdução desses institutos do Common Law em nosso ordenamento jurídico gerará uma maior segurança jurídica e, além disso, um tratamento isonômico em situações idênticas. Um dos principais objetivos do instituto é justamente a segurança jurídica, sendo um dos requisitos para edição da mesma, a controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica.
Para elaboração das súmulas vinculantes deve respeitar o artigo 103-A e seu § 1º, necessitando preencher os requisitos previstos na Constituição Federal, sendo eles: legitimidade ativa; versar sobre matéria constitucional; representar controvérsia atual entre órgãos do judiciário ou entre estes e a Administração Pública, e a controvérsia deve estar ocasionando ou deverá vir a ocasionar grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. Deverão ser submetidas à confirmação por dois terços dos membros da Suprema Corte e deverão também ser publicadas na imprensa oficial. E as súmulas anteriores a EC nº45/2004 só terão eficácia erga omnes e efeito vinculante, desde que respeitados os requisitos e procedimentos daquela.
A revisão ou o cancelamento das súmulas vinculantes permitem à dinâmica do entendimento jurisprudencial vinculante, impedindo o engessamento da mesma. A aplicação de entendimento diverso daquele sedimentado em súmula vinculante, dará ensejo a impetração de Reclamação Constitucional, sendo este, um instrumento específico pelo qual o Supremo Tribunal Federal cassará ou revogará aquela decisão ou ato administrativo divergente. Este instrumento próprio demonstrará a força da jurisprudência vinculante do Supremo.
Outro objetivo do instituto é a desnecessidade dos jurisdicionados acionarem a Justiça para ser aplicado determinado enunciado vinculante, tendo que a Administração Pública aplicar de imediato o entendimento pacificado, sendo passível de punição o descumprimento pelo agente administrativo. Essa previsão colabora na diminuição das demandas judiciais.
Através das súmulas vinculantes, pretende-se conferir unidade à interpretação jurídico-constitucional, evitando pronunciamentos distintos para uma mesma questão constitucional, afastando a denominada jurisprudência lotérica. Neste sentido, as súmulas e os precedentes servem para uma aplicação isonômica do direito, como foi mencionado anteriormente, fixando uma diretriz interpretativa a serem seguidas pelas demais instâncias, em situações semelhantes.
Extraímos os argumentos favoráveis e os contrários aos institutos da súmula e dos precedentes vinculantes. Estes argumentam que o referido instituto fere os princípios constitucionais e infraconstitucionais, sendo eles, o da separação dos poderes, duplo grau de jurisdição, do livre convencimento do juiz e da independência entre os órgãos do poder judiciário. Já aqueles argumentam que os institutos têm a pretensão de uniformizar a jurisprudência em face de causas idênticas e também o intuito de cumprir os princípios da efetividade e tempestividade, promovendo, assim, um tratamento isonômico em prol dos jurisdicionados e afastando a indesejável jurisprudência lotérica, assegurando, assim, segurança jurídica aos mesmos. Entendemos que os institutos são benéficos ao ordenamento jurídico, por assegurarem um tratamento isonômico aos jurisdicionados em razão da aplicação uniforme do direito em face de causas semelhantes, proporcionando, consequentemente, uma maior segurança jurídica. E contestamos os entendimentos contrários em face dos institutos com argumentos sólidos.
Ao final desse estudo percebe-se que os institutos das súmulas e dos precedentes vinculantes proporcionam uma maior tempestividade e efetividade na prestação da tutela jurisdicional. E nessa perspectiva, esperamos ter contribuído para a reflexão do tema e ilustrado que é possível minimizar o problema crítico da morosidade judicial.
Esperamos fomentar o interesse na produção de pesquisas futuras sobre o tema, podendo ser aprofundado em abordagem posterior em face dos resultados trazidos ao ordenamento jurídico brasileiro.
Graduado pela Universidade de João Pessoa. Pós Graduado em Direito Público. Pós graduando em Direito Processual Civil. Procurador Municipal
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