Resumo: Não obstante todas as normas que tangem o trabalhador, suas garantias constitucionais e os variados Princípios que regem o contrato de trabalho, observa-se atualmente uma crise universal no que diz respeito a doenças de cunho psicológico, havendo uma crescente leva de trabalhadores que sofrem de doenças cujas feridas não se expõem. Hoje, com a intensificação do mercado e, visando sempre o maior lucro, os trabalhadores, braçais e intelectuais, sofrem toda sorte de pressão, ficando no limite daquilo que podem suportar, passando, então, a apresentar sintomas diversos que, se não diagnosticados, levam a interpretação errônea de depressão, estresse, ou outra doença psicológica. O presente artigo busca demonstrar o nexo causal entre o ambiente de trabalho hostil e o desenvolvimento da Síndrome de Burnout, conceituando rapidamente a doença, bem como analisando decisão jurisprudencial sobre o assunto. Discorre-se sobre a importância do ambiente sadio, a relação social que o trabalho possui e qual a atuação do legislador nesse tocante, tanto no que tange à Constituição Federal de 1988, quanto às normas técnicas anteriormente criadas.
Palavras-chave: Burnout. Acidente de Trabalho. Síndrome.
Abstract: Despite all the regulations that concern the employee, it`s Constitutional guarantees and Principles incorporated among employment contracts in general, currently there is a universal crisis regarding the psychological nature of diseases, with a growing number of workers suffering from illness that are not physically exposed. Nowadays, the rise of the market, always seeking the highest profit, workers, from different positions, experience all kinds of pressure, achieving their physical and psychological limits, presenting several symptoms that, if undiagnosed, lead to misinterpretation of depression, stress or other psychological illness. This article seeks to demonstrate the causal connection between a hostile work environment and the actual burnout syndrome development, superficially conceptualizing and analyzing precedents on the matter. The article aims the importance of healthy environment and social work relationship, as well as the actual legislator's activities in this regard, considering both the Brazilian 1988 Constitution of 1988 as well as other legal provisions previously created.
Keywords: Burnout. Workplace Illness. Syndrome.
Sumário: Introdução. Síndrome de Burnout – Breve Análise da Doença. Burnout como doença de trabalho – nexo causal. Conclusão.
Introdução
Quando se fala em direito do trabalho, a tendência é levar em consideração a qualidade do ambiente de trabalho como um todo, ultrapassando a discussão da insalubridade e periculosidade trazidas comumente em processos judiciais. A presente pesquisa baseia-se em revisão bibliográfica, além de contar com decisão jurisprudencial e opinião especializada na área, bem como consulta a material sobre o tema oriundo de outras áreas de pesquisa, tais como medicina, enfermagem, analisando informações de profissionais da saúde e educação.
Objetiva-se, através do método descritivo, fomentar a pesquisa da Síndrome de Burnout como doença proveniente de acidente de trabalho, citando, para tanto, diferentes referencias tanto da área do Direito quanto da Psicologia, de forma a demonstrar que a síndrome se dá exclusivamente no escopo trabalhista, afetando a saúde nos mais variados aspectos humanos, merecendo, assim, maior atenção dos empregadores para que haja, além do tratamento específico, uma política de prevenção. Assim, relevante ressaltar que o tema será tratado tanto pelo seu aspecto jurídico quanto pelo aspecto da saúde do trabalhador, demonstrando que a responsabilidade sobre o bem estar psicológico do empregado pode ser uma questão até mesmo moral, possuindo o empregador responsabilidade sobre.
Qualquer discussão sobre o Direito do Trabalho merece um olhar para sua origem; o Direito Civil[1], em especial seu segmento regulatório das obrigações. No Brasil, corporifica-se o direito do trabalho ainda na primeira metade do século XX, com a criação da Justiça do Trabalho, como menciona Gustavo Tepedino, 2013, p.14, diante da necessidade de proteção do trabalhador, submetido ao contrato de trabalho, sendo a legislação trabalhista oposta ao Direito Civil. Em consequência, permanecem inevitáveis as relações entre os dois campos de direito.
DELGADO, 2015, discorre sobre o direito do trabalho como sendo o correspondente à dimensão social mais significativa dos direitos humanos, ao lado do direito previdenciário (ou de seguridade social), afirmando que é por meio desses ramos jurídicos que os direitos humanos ganham maior espaço de evolução.
Em retrospecto, foi durante a primeira era Vargas, com a promulgação da Constituição de 1934, que o trabalhador passou realmente a ser amparado através de normas constitucionais[2]. A Consolidação das Leis do Trabalho foi o resultado da necessidade de sistematizar normas esparsas criadas desde então. Somente em 1988, com o advento da atual Constituição Brasileira que os direitos trabalhistas se tornaram Princípios, Direitos e Garantias Fundamentais, sejam elas Individuais ou Coletivas (SILVA; FERNANDES; RAMOS, 2013).
Para FACHIN (2013, p.122), a eficácia dos Direitos Fundamentais nas relações particulares encontra fundamento no principio da dignidade da pessoa humana, devendo ser buscada de forma ponderada e equilibrada em face ao caso concreto. A discussão da saúde mental do trabalhador é, no entanto, recente.
Foi somente em 1978 que a Portaria n. 3.214 foi criada, aprovando as Normas Regulamentadoras relativas à Segurança e Medicina do Trabalho, obrigando as empresas o seu cumprimento, muito embora a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, já disciplinasse a proteção à segurança e saúde do trabalhador brasileiro, ressalvando que os artigos 154 a 201 sofreram atualização em 1977.
Em suma, as empresas públicas e privadas com empregados regidos pela CLT, manterão obrigatoriamente Serviços Especializados em Medicina do Trabalho, com a finalidade de promover a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho (NR-4 Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho).
Essa análise introdutória demonstra, afinal, que tratar da saúde do trabalhador pelo viés do Direito e reconhecer que há, de fato, doença proveniente exclusivamente do ambiente de trabalho, requer um esforço conjunto. São diversas as áreas de atuação envolvendo tal estudo, da mesma forma ao se tratar do Direito Previdenciário, por exemplo, onde não há o Direito propriamente dito sem análise fática minuciosa e humanitária.
Síndrome de Burnout – breve análise da doença
Primeiramente deve-se estabelecer que a saúde do trabalhador é um bem fundamental, tanto para o trabalhador como pessoa, ser humano possuidor de direitos básicos, como para o trabalhador como cooperador do sistema capitalista, gerador de lucro, prestador de serviço, gestor, etc. A saúde possui direta influência no desempenho de todo trabalhador, sendo gritante a consequência de uma empresa, por exemplo, que negligencie seus empregados doentes ou mesmo os que, de forma reincidente, apresentem problemas que transparecem e afetam o ambiente ao seu redor.
Ainda nesse prisma, destaca-se o fato de que, no Brasil, a Política Nacional de Saúde do Trabalhador entrou em vigência no ano de 2004, visando a redução de acidentes de trabalho e buscando promover ações de reabilitação e outros processos não só paliativos, mas preventivos. Entretanto, o cerne da presente pesquisa é a análise de um síndrome de aspecto psicológico, sendo este capítulo dedicado a explanar, ainda que de forma sucinta, o que vem a ser a Síndrome de Burnout.
Burnout é um termo coloquial em países de língua inglesa, sendo empregado para denotar um estado de esgotamento completo da energia individual, associado a uma intensa frustração com o trabalho (VIEIRA, 2010. p. 269-276). Para Roberto Cruz, 2011, a síndrome de Burnout é a própria exaustão emocional, podendo ser confundida com estresse crônico, até pelo fato de iniciar seu desenvolvimento através dele.
Diferencia-se, então, a Síndrome de Burnout do estresse, sendo a primeira “Uma síndrome multidimensional constituída por exaustão emocional, desumanização e reduzida realização pessoal no trabalho. O Burnout é a maneira encontrada de enfrentar, mesmo que de forma inadequada, a cronificação do estresse ocupacional. Sobrevém quando falham outras estratégias para lidar com o estresse”. (MASLACH; JACKSON apud PEREIRA, 2013, p.389).
Instabilidade emocional, tratamento desrespeitoso, súbita mudança de rotina. Essas e outras situações podem levar o trabalhador a doenças psicossomáticas desencadeadas pelo trabalho. Em termos gerais, para entender a Síndrome de Burnout é necessário ressaltar que sua classificação se deu apenas modernamente, mais precisamente na década de 1970, pelo psicanalista Freudenberger, que trabalhava em uma clínica para tratar viciados em tóxicos (MÜLLER, 2004).
Deve-se frisar que tal síndrome é um distúrbio proveniente exclusivamente do âmbito trabalhista, rechaçando a hipótese de se considerar uma doença psicológica originaria de fatos alheios ao ambiente de trabalho, sendo, portanto, uma classe totalmente distinta dentro da Classificação Internacional de Doenças (CID 10).
“A síndrome de burnout integra o rol de doenças ocupacionais do Ministério do Trabalho e Emprego. Está inserida no Anexo II do Regulamento da Previdência Social. O mencionado Anexo identifica os agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho, conforme previsão do artigo 20 da Lei nº 8.213/91. Entre os transtornos mentais e de comportamento relacionados ao trabalho (Grupo V da CID-10) consta, no item XII, a síndrome de burnout – “Sensação de Estar Acabado (Síndrome de Burnout, Síndrome do Esgotamento profissional)”, que na CID-10 é identificado pelo número Z73.0”. (TST – RR – PROCESSO nº 959-33.2011.5.09.0026)
Ainda para o psicólogo Roberto Cruz, é comum haver a confusão entre Burnout e stress crônico, sendo que o trabalhador acometido pela Síndrome de Burnout pode vir a possuir condições físicas para desempenhar suas funções, apesar do esgotamento psicológico de mundo com grandes expectativas de resultado. Assim, necessário salientar que o atual sistema de controle de saúde do trabalhador foca na diminuição da insalubridade por meios físicos, e não psicossociais.
Essa realidade transmite grande responsabilidade aos peritos que realizam exames nas ocasiões de demissão, afastamento, e concessão de benefícios previdenciários, sendo que “a gravidade do distúrbio psicológico […] é constatada pelas informações de natureza fática registradas[…]: longo período de afastamento do trabalho, com a concessão de benefício acidentário pelo INSS e o consumo de medicamentos antidepressivos, além de […] laudos periciais reconhecendo que a incapacidade laboral […] é total, a doença é crônica e não há certeza sobre a possibilidade de cura. […] se reconhece como passível de reparação por dano moral a exigência excessiva de metas de produtividade, isso porque o sentimento de inutilidade e fracasso causado pela pressão psicológica extrema do empregador não gera apenas desconforto, é potencial desencadeador de psicopatologias, como a síndrome de burnout e a depressão, o que representa prejuízo moral de difícil reversão ou até mesmo irreversível, mesmo com tratamento psiquiátrico adequado”. (TST – RR – PROCESSO nº 959-33.2011.5.09.0026)
Observa-se a citada classificação, a classe mais próxima de Burnout seria o código Z73.0 “Esgotamento”, inserido no compendio “Problemas relacionados com a organização de seu modo de vida[3]”, o que em absoluto traduz precisamente o que vem a ser a Síndrome. Essa falta de classificação exata pode refletir diretamente em como os sintomas são considerados pelo empregador e até tratados, estando também os peritos do INSS adstrito aos códigos de doença existentes.
Vale ressaltar também que uma classificação equivocada de doença pode resultar em processos administrativos e judiciais ainda mais difíceis de serem resolvidos, tanto no que concernem as provas da doença, seu nexo causal e até mesmo a competência em caso de processo judicial para se adquirir benefício de auxílio doença ou aposentadoria por invalidez, uma vez que o legislador incumbiu à justiça estadual a competência para tratar de doenças do trabalho.
Em uma consulta abrangente sobre a descrição da doença[4], temos que a síndrome acarreta a diminuição da realização pessoal, que se expressa como falta de perspectivas para o futuro, com sentimentos de incompetência e fracasso[5]. Ainda, segundo cartilha da Unimed, não há dados sobre a incidência desta síndrome no Brasil, mas os consultórios médicos e psicológicos registram um constante aumento do número de pacientes com relatos de sintomas típicos[6].
Penido; Perone (2013, p.33) afirmam que “para os juristas, o significado de subjetivo abarca o que é próprio de um ou de mais sujeitos, mas não é válido para todos, podendo ser aparente ou ilusório ou, mesmo, sendo passível de interpretação pessoal. Todavia, para o médico os sintomas descritos pelo paciente, mesmo que sentidos subjetivamente […], valem para todas as pessoas que padecem da enfermidade por ele diagnosticada, é um sintoma da doença em si […]”.
Tem-se, então, a Síndrome de Burnout como uma doença que enseja atenção redobrada ao ser diagnosticada e tratada, seja por parte do empregador, dos médicos ou do próprio Julgador, uma vez que apesar da suposta subjetividade da doença, há um padrão comportamental experimentada por aqueles que a ela sucumbem. Observa-se, também, que é uma doença passível de ser indenizada moralmente diante dos danos psicológicos causados ao trabalhador.
Burnout como doença trabalho – nexo causal
Tratar do nexo causal entre a Síndrome de Burnout e sua classificação como doença de trabalho é necessário uma vez que, explanada a descrição da doença, esclarecido está que o Burnout advém da relação doentia entre empregado e sua profissão, sendo que para cada pessoa os sintomas podem apresentar-se de maneira única. Entender o Burnout como uma doença do trabalho acarreta alguns reflexos diretos quando do seu diagnostico, sendo necessária, por exemplo, a comprovação do nexo causal entre o trabalho desenvolvido, seu ambiente, suas condições de higiene e a manifestação da doença.
GUEDES (2013, p. 506) afirma que na Justiça do Trabalho o nexo causal chega a ser desconsiderado, sob o fundamento de que a natureza da responsabilidade é objetiva, como se não houvesse uma dependência da prova da relação de causalidade.
Ainda, “na esfera trabalhista confunde-se também, frequentemente, nexo causal com culpa, tamanha é a associação feita entre esses dois elementos da responsabilidade civil. O problema se acentua no campo trabalhista com a constatação de que o empregador responde na maioria dos casos por omissão, seja porque não ofereceu ao seu empregado equipamento de segurança adequado, seja porque não o treinou para a prática daquela atividade de risco ou mesmo porque não o advertiu a respeito de um perigo especial. O exame (…) fica ainda mais dramático, porque passa pela questão de se saber quando a “omissão” equivale realmente à conduta comissiva para fins de responsabilização”. (GUEDES, 2013, p. 506).
Pontual distinguir aqui, ainda que de forma sutil, a diferença entre doença profissional e doença do trabalho, uma vez que a lei, de forma talvez obscura, dificulte o entendimento numa primeira análise. A doença profissional, também chamada de tecnopatia[7], é desencadeada pelo exercício da profissão per si, ligada diretamente à determinada atividade. MARTINS (2003. P.442) a descreve como sendo a doença inerente exclusivamente à profissão e não ao trabalho. Dada sua tipicidade, não demandam prova de nexo causal.
Por ser a Síndrome de Burnout uma doença que se desencadeia nas mais diversas áreas e profissões, é outra sua classificação, não estando, portanto, restrita à determinada profissão ou função. OLIVEIRA (2013) traça essa diferença; “Por outro lado, a doença do trabalho, também chamada mesopatia ou doença profissional atípica, apesar de igualmente ter origem na atividade do trabalhador, não está vinculada necessariamente a esta ou aquela profissão. Seu aparecimento decorre da forma em que o trabalho é prestado ou das condições específicas do ambiente de trabalho. O grupo atual das LER/DORT é um exemplo oportuno das doenças do trabalho, já que podem ser adquiridas ou desencadeadas em qualquer atividade, sem vinculação direta a determinada profissão. Nas doenças do trabalho "as condições excepcionais ou especiais do trabalho determinam a quebra da resistência orgânica com a consequente eclosão ou a exacerbação do quadro mórbido, e até mesmo o seu agravamento”. (Apud. OLIVEIRA, José de. Acidentes
do trabalho, 1997, p.2.) Diferentemente das doenças profissionais, as mesopatias não têm nexo causal presumido, exigindo comprovação de que a patologia desenvolveu-se em razão das condições especiais em que o trabalho foi realizado" (p. 47)
Cabe ao perito responsável traçar o nexo causal entre o trabalho desenvolvido pelo paciente acometido da doença (considerando nesse aspecto não só sua função, como também as questões de higiene do trabalho) e a doença adquirida.
Klayne Leite Abreu (2002, p. 22-29), explica que a Síndrome é uma resposta ao estresse laboral crônico que se produz nas profissões que se centram na prestação de serviço, como, por exemplo, os profissionais que cuidam dos interesses e da satisfação das necessidades de pacientes, com contato direto com as pessoas as quais se destina tal trabalho.
O resultado prático dessa relação se percebe a partir do momento em que considerar-se a obrigação[8] da Comunicação de Acidente do Trabalho, sendo que a empresa deverá comunicar o acidente do trabalho[9] à Previdência Social até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência. Além disso, deve-se frisar que compete ao empregador a garantia da elaboração e implementação do PCMSO[10], zelando por sua eficácia.
Ainda, MONTE, (2003, p. 19-33) defende que “A necessidade de estudar a síndrome de quemarse[11] pelo trabalho vem unida à necessidade de estudar os processos de estresse laboral, bem como a ênfase que as organizações vêm tendo sobre a necessidade de preocupar-se mais com a qualidade de vida laboral que oferecem aos seus empregados”[12]. (tradução livre)
Para conceituar acidente de trabalho, utiliza-se aqui o dispositivo legal pertinente[13].
“Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”. (BRASIL).
Analisando os parágrafos[14] que seguem o caput do artigo 19 da Lei supracitada, que descreve os Planos de Benefícios da Previdência Social, é de se perceber que o empregador deve zelar por medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do empregado, sendo passível de multa o não cumprimento das normas não só de segurança, mas também de higiene[15] do trabalho.
Um dos diferenciais na possibilidade de se considerar o Burnout como doença proveniente de acidente de trabalho é a responsabilidade civil do empregador pela segurança daqueles que compõem a sua força de trabalho, conforme decisão judicial RR – 1294-36.2012.5.09.0020, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, 3.ª Turma, DEJT 12/12/2014. Tal responsabilidade decorre do dever de zelo que o empregador possui face aos empregados, uma vez que a manutenção constante do ambiente do trabalho é obrigação inerente ao contrato firmado entre as partes (AFFONSO, 2013), responsabilidade essa inclusive sumulada pelo Supremo Tribunal Federal em 1963 através da Súmula 229, que leciona; “A indenização acidentaria não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador”. (BRASIL).
“Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I – doença profissional, (…) II doença do trabalho (…).§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.” (BRASIL).
A responsabilidade pela saúde do trabalhador, seja ela física ou mental, não é exclusiva do empregador, entretanto. Existem ações para combater os excessos praticados nos ambientes de trabalho e prevenir doenças que possam deles se originar.
A Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho[16] tem por objetivos a promoção da saúde e a melhoria da qualidade de vida do trabalhador e a prevenção de acidentes e de danos à saúde advindos, relacionados ao trabalho ou que ocorram no curso dele, por meio da eliminação ou redução dos riscos nos ambientes de trabalho. Tal programa possui como princípios básicos a universalidade, a prevenção, a precedência das ações de promoção, proteção e prevenção sobre as de assistência, reabilitação e reparação, o diálogo social e a integralidade.
“O atual sistema de segurança e saúde do trabalhador carece de mecanismos que incentivem medidas de prevenção, responsabilizem os empregadores, propiciem o efetivo reconhecimento dos direitos do segurado, diminuam a existência de conflitos institucionais, tarifem de maneira mais adequada as empresas e possibilite um melhor gerenciamento dos fatores de risco ocupacionais”. (BRASIL, p.8)
Para alcançar tal objetivo, o Plano deverá ser implementado por meio da articulação continuada das ações de governo no campo das relações de trabalho, produção, consumo, ambiente e saúde, com a participação voluntária das organizações representativas de trabalhadores e empregadores.
Contudo, o maior desafio permanece em tentar conciliar a saúde do trabalhador sem perder a produtividade (SILVA; FERNANDES;RAMOS, 2013), sendo importante identificar os processos de degradação psicológica desde as primeiras manifestações, a fim de evitar que o indivíduo chegue a estágios avançados do Burnout.
Atualmente, o Brasil encontra-se em segundo lugar no índice de ocorrência de Burnout, com 30% de seus empregados sofrendo com a doença, perdendo apenas para o Japão, com 70%. Esses dados foram atingidos graças à pesquisa realizada em oito países; Estados Unidos, Alemanha, França, Brasil, Israel, Japão, China e Fiji, além de Hong Kong, pela Isma (International Management Stress Assossiation ), segundo a Revista Vida e Saúde.
Importante ressaltar que a Síndrome de Burnout gera consequências não só para o trabalhador, mas também para as empresas como um todo. Segundo a fala de Anecelmo Macedo para a Revista Vida e Saúde, o nível de absenteísmo e entrega de atestados médicos vem aumentando consideravelmente a cada ano, com destaque a dificuldades gastrointestinais, cardíacas e emocionais, principalmente no que se refere aos desdobramentos do estresse no trabalho.
Tem-se, portanto, que a questão chave envolvendo a Síndrome de Burnout está situada na comprovação do nexo causal entre o trabalho exercido pelo empregado e o acometimento da doença, uma vez que, como observado através da pesquisa, por se tratar de uma mesopatia, não está eximida da comprovação do nexo para que haja responsabilização civil. Tal comprovação deve considerar que cada empregado pode vir a manifestar sintomas diferenciados quando acometidos pela Síndrome, devendo ser analisado o trabalho como um macrocosmo, prezando pela saúde do trabalhador como um todo, garantindo-se uma salubridade psicológica no ambiente de trabalho.
Conclusão
Após estudo sobre o tema proposto, importante ressaltar que segundo dados da própria Previdência Social, no Brasil as doenças mentais são a segunda maior causa de afastamento do trabalho, prevendo que dentro de alguns anos, segundo também a OMS, esses transtornos mentais assumirão o primeiro posto no que se refere aos afastamentos.
Considerando as referencias, fica claro que firmar uma síndrome psicológica como sendo proveniente do trabalho desempenhado e, portanto, classificar essa síndrome como advinda de “acidente de trabalho”, é extremamente delicado, exatamente por se tratar de uma doença que exige comprovação do nexo causal e um acompanhamento do funcionário desde sua admissão, para se traçar uma evolução psicológica.
Esse posicionamento, num primeiro olhar, pode parecer demasiadamente dispendioso para o empregador, mas há alguns pontos que devem ser ponderados. O direito do trabalhador desmistificado, suas garantias, os princípios que o defendem, são tão novos quanto nossa atual Constituição, ou seja, ainda são objetos de estudos e aprofundamento, havendo necessidade de se interpretar e expandir o leque para um mundo cada vez mais moderno, que necessita de leis que o acompanhem.
Conceber a Síndrome de Burnout, portanto, como doença do trabalho, poderia até mesmo fomentar uma política de saúde mais robusta, com empresas prezando pela diminuição da rotatividade de seus funcionários, criando diretores e chefes de RH que zelem pela saúde mental do trabalhador tanto quanto pelas condições de insalubridade e periculosidade.
Observa-se também, que os fatores que levam ao desenvolvimento da síndrome podem ser vários, desde ambientes que desestabilizam o funcionário à metas impossíveis de serem atingidas e que, ainda assim, são cobradas, o que desencadeia uma dura realidade que deve ser encarada por grande parte dos trabalhadores em profissões desgastantes sem apoio psicológico devido.
Esse ciclo se dá justamente pela grande competitividade do mercado de trabalho, onde não há lugar para conciliar tratamento psicológico aliado à manutenção do cargo do trabalhador, que deve ser substituído de pronto, evitando a diminuição da produção, de um modo geral. O destaque legal que deve ser dado ao trabalhador diagnosticado como portador da Síndrome de Burnout são seus direitos trabalhistas, que diferem daqueles direitos oriundos da pessoa que, como segurado do INSS, adquire doença num âmbito geral, passando a receber auxílio nos momentos em que for acometido por uma doença ou acidente e em função disso ficar incapacitado para o seu trabalho[17].
Nesse contexto, é importante que o empregador despenda esforços para manter seus empregados psicologicamente estáveis dentro daquilo que o ambiente de trabalho possa oferecer, uma vez que há, inclusive, jurisprudência[18] no sentido de possuir caráter indenizatório a Síndrome de Burnout, desde que caracterizada a relação de causa e consequência.
Por fim, a já citada Lei dos Planos de Benefícios da Previdência Social, trata dos direitos e garantias do trabalhador acometido por doença de trabalho, garantindo-o a permanência de seu contrato de trabalho na empresa por, pelo menos, doze meses, dentre outras providências[19]. Desta forma, cabe, em tese, empregador encaminhar o trabalhador diagnosticado com Síndrome de Burnout ao tratamento médico especializado de maneira a não querer eximir-se de sua responsabilidade legal frente ao problema enfrentado pelo funcionário.
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Notas:
Advogado. Pós Graduado em Direito do Trabalho e Processo Trabalhista. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa
Uma das dúvidas mais comuns entre clientes e até mesmo entre profissionais de outras áreas…
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regula o trabalho aos domingos, prevendo situações específicas…
O abono de falta é um direito previsto na legislação trabalhista que permite ao empregado…
O atestado médico é um documento essencial para justificar a ausência do trabalhador em caso…
O cálculo da falta injustificada no salário do trabalhador é feito considerando três principais aspectos:…
A falta injustificada é a ausência do trabalhador ao trabalho sem apresentação de motivo legal…