Introdução
Os aspectos relativos aos direitos da personalidade e da função social para fins de desconsideração da pessoa jurídica devem ser considerados no que tange a ligação entre esses institutos, que, correlacionados, cumprem os princípios norteadores da Constituição Federal (CF).
A desconsideração da pessoa jurídica é feita a fim de evitar os abusos, fraudes e confusão patrimonial, pois com o fim de proteger tanto as sociedades, empresas e o sistema financeiro, respeitando a o artigo 170 da CF, quanto a dignidade da pessoa humana.
Havendo a mistura de patrimônios, e, por conseguinte, a confusão patrimonial entre bens dos sócios e das sociedades, as fronteiras da autonomia da pessoa jurídica tornam-se fluídas, causando a perda da responsabilidade limitada de quem lhe dá causa.
Essa situação pode ser verificada em várias configurações, como, por exemplo, quando a denominação social, a organização societária ou o patrimônio da sociedade, na prática, não se distinguem de forma clara da pessoa do sócio; quando a sociedade paga dívidas do sócio, ou este recebe créditos dela, ou o inverso; quando há bens de sócio registrados em nome da sociedade, e vice-versa; quando há inexistência de separação patrimonial adequada na escrituração social; ou, ainda, quando as formalidades societárias necessárias à referida separação não são seguidas.
O objetivo desse estudo é demonstrar o modo o instituto da desconsideração da pessoa jurídica deve ser utilizado no ordenamento pátrio, sendo em âmbito os direitos da personalidade, tal qual o devido processo legal, através dos fundamentos do Princípio da Função Social.
Trata-se de uma pesquisa descritiva de abordagem qualitativa sobre os Aspectos Relativos aos Direitos da Personalidade e da Função Social para fins de Desconsideração da Pessoa Jurídica, tendo por base as fontes bibliográficas, no que tange a doutrina e a jurisprudência já existentes que abordam a temática em questão.
Quanto à metodologia de interpretação da realidade, optou por tomar como base o método dialético. Essa escolha se justifica pelo fato do mesmo levar em consideração a valorização da historicidade dos fatos. Além do quê, considerou-se que a realidade se encontra em permanente transformação, e é este método que nos propõe uma interpretação dinâmica da mesma.
1 Da pessoa jurídica
A fenômeno da pessoa jurídica é um instituto bastante recorrente na Ciência do Direito, sendo estudado por diversos doutrinadores, os quais conceituam esse fenômeno de várias formas, porém sempre com o elemento da personalidade jurídica em comum. Nesses termos, o professor DANIEL EDUARDO CARNACCHIONI conceitua da seguinte forma:
“Pessoa jurídica é um agrupamento de pessoas naturais (sociedade, associações, organizações religiosas e partidos políticos) ou o conjunto de bens (fundações públicas e privadas), dotados pela lei, através do Estado, que buscam a realização de fins comuns, com aptidão para ser titular de direito e obrigações na ordem civil, tendo autonomia funcional, independência, patrimônio próprio e personalidade jurídica independente de seus membros” (2011:243)
Outros doutrinadores também conceituam a pessoa jurídica, tal qual a professora MARIA HELENA DINIZ, ao expor que o fenômeno “é uma unidade de pessoas ou patrimônios, que visa a consecução de certos fins, reconhecida a unidade como sujeito de direitos e obrigações.” (2010:145). Já o professor FRANCISCO AMARAL define pessoa jurídica como “conjunto de bens ou pessoas, dotado de personalidade jurídica” (2008:332).
Assim, a pessoa jurídica pode ser intersubjetiva, a qual é constituída pela união solene de duas pessoas com o escopo de formar uma entidade autônoma e independente, ou patrimonial, corresponde à afetação de um patrimônio destinado a um fim específico.
Logo, consideram-se os requisitos subjetivos para a criação das pessoas jurídicas a vontade humana que lhe dá origem, a organização de pessoas, destinação de um patrimônio afetado a um fim específico, licitude de seus propósitos e a capacidade jurídica reconhecida pela norma jurídica.
Ao tratar da existência da pessoa jurídica, o artigo 45 do CC é cediço ao afirmar que a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado é iniciada com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo. Logo, se a sociedade começar a operar sem o devido registro, é considerada como uma sociedade irregular ou uma sociedade de fato.
As características das pessoas jurídicas, quando já constituídas são a personalidade jurídica distinta dos seus instituidores, adquirida a partir do registro de seus estatutos; patrimônio também distinto dos seus membros; existência jurídica diversa de seus integrantes; não podem exercer atos que sejam privativos de pessoas naturais, em razão de sua estrutura biopsicológica; podem ser sujeito ativo e passivo em atos civis e criminais.
Por logo, o professor ARNALDO RIZZARDO conclui que “a característica fundamental da pessoa jurídica encontra-se na separação do universo do particular, ou seja, de cada pessoa (…) excluindo a ideia de condomínio ou comunhão” (2003:215).
No mais, segundo o artigo 47 do CC, os atos dos administradores obrigam a pessoa jurídica quando exercidos nos limites dos poderes constantes no ato constitutivo.
No âmbito acadêmico, a pessoa jurídica pode ser classificada quanto a sua nacionalidade, a sua estrutura interna e quanto as suas funções exercidas. A primeira divide-se em nacionais e estrangeiras. Já as segundas, ou seja, no que tange a forma organizacional que a compõe, podem ser universitas bonorum cujo patrimônio destinado a uma finalidade específica que lhe dá unidade, como as fundações; ou universitas pesonarum, por um conjunto de pessoas que se unem a uma finalidade comum, como nas corporações. A última pode ser divida ainda em pessoa jurídica de direito público ou privado.
Assim, a pessoa jurídica é considera um instituto criado pelo ordenamento com deveras legitimidade para obter direitos e deveres e auxiliar no cumprimento dos valores sociais, livre inciativa e justiça social previstos na Constituição Federal.
2 Da função social
A Constituição Federal prevê como fundamento da República, tal qual os valores sociais e a livre iniciativa, inseridos no inciso IV do artigo 1º:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:…
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”
O Princípio da Livre Iniciativa está intimamente ligada ao incentivo do Estado para que seus cidadãos possam enveredar para as áreas empresariais, além de demonstrar que o país não desejam interferir as empresas, e consequentemente, no mercado. Esse fato estimula, inclusive, as organizações internacionais para investir no Brasil, pois as mesmas tem a garantia que, por nenhuma forma, terão subtraídos seus capitais, bens, ou direitos de trabalhar e buscar os lucros na sua atividade empresarial.
A ordem econômica, que rege as atuações da livre iniciativa, deve ser seguida segundo os ditames do valor do trabalho humano, a liberdade de iniciativa, a existência digna e justiça social, consoante o caput do artigo 170 da Constituição Federal.
No mesmo artigo, em seu parágrafo único, dispõe que é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Assim, observa-se que o Estado deve proteger a pessoas jurídicas, as sociedades e empresas, em dois âmbitos: Primeiro tende a incentivar tais organizações para que as mesmas possam oferecer trabalho e buscar o lucro, fundamentado no Princípio da Livre Iniciativa. No outro âmbito, tais pessoas jurídicas são condicionadas a respeitar o trabalho humano, a existência digna e a justiça social.
Tais características são reflexos da Função Social que permeia a Carta Magna moderna, levando em consideração, em todos os seus artigos, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Logo, conceituando em breve a função social, a professora GISELDA MARIA FERNANDES NOVAIS expressa que “a função social, como qualidade inerente ao conceito de propriedade, visa adaptar este direito aos interesses maiores de toda a coletividade, além da figura singular do proprietário” (2010;346).
Portanto, mais uma vez, a CF. trata da justiça social como algo presente nas ações decorrente das atividades econômicas e empresariais. Isso, porque é cada vez mais comum os conflitos entre o Estado e as empresas, as mesmas e os cidadãos, entre as organizações ou entre o Estado e os cidadãos. Logo, são necessárias normas que mantenham o equilíbrio entre as características do sistema financeiro ou a proteção aos direitos humanos.
Seguindo o raciocínio, o professor AUGUSTO GERALDO TEIZEN JUNIOR diz que:
“Existem dois elementos que podem ser verificados no que se refere ao direito da personalidade: 1. O direito individual, que se refere ao fato de que todo homem tem direito – e se trata de um direito absoluto –, a tantos bens quantos necessite para a satisfação de sua condição pessoal, social, humana; 2. O direito social, pelo qual tudo aquilo que excede deve ser redistribuído em proveito da sociedade. Trata-se de um tipo de administração, remunerada, sem dúvida, que se passa por conta do interesse social” (2004;156).
A professora GISELDA MARIA FERNANDES NOVAIS diz que “a doutrina da função social emerge como uma dessas matrizes” (2010:78), limitando institutos de conformação nitidamente individualista, em contraposição aos ditames do interesse coletiva – que se apresentam acima dos interesses particulares – concedendo aos sujeitos de direito não só uma igualdade em seu aspecto estritamente formal, mas permitindo uma igualdade e liberdade aos sujeitos de direito os igualando de modo a proteger a liberdade, de cada um deles, em seu aspecto material.
A preocupação, aos interesses da sociedade, cuja ideia é hoje denominada de Doutrina da Função Social. A ideia é de que os bens de produção cumpram sua finalidade produtiva e nesse interesse afeta a propriedade.
Qualquer forma de podar as atuações de atividade econômica dos agentes do mercado violaria o texto maior pátrio, porque a soberania do Estado, prevista em seu artigo 1º inciso I da Carta Magna, não pode impor escolhas às pessoas, mas deve sim estimular, incentivar e contribuir para a realização de qualquer atividade de cunho lícito e financeiro.
3 Dos direitos da personalidade
A Constituição Federal de 1988 cita em seu artigo 5º caput, como garantia fundamental a inviolabilidade do direito à vida, e, em seu inciso X, garantindo que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.
Os direitos da personalidade são direitos subjetivos, essenciais, inatos, permanentes (vitalícios) e fundamentais para resguardar a dignidade da pessoa humana.
A jurisprudência pátria estabelece em seu Enunciado nº 274 da IV Jornada de Direito Civil:
“Os direitos da personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo CC, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida na CF 1º III (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação”.
Ao explicitar o assunto, o doutrinador CRISTIANO CHAVES DE FARIAS expõe que:
“Os direitos da personalidade derivam da própria dignidade reconhecida à pessoa humana para tutelar os valores mais significativos do indivíduo, seja perante outras pessoas, seja em relação ao Poder Público. Com as cores constitucionais, os direitos da personalidade passam a expressar o minimum necessário e imprescindível à vida com a dignidade” (2012:645).
Tal princípio da Dignidade da Pessoa Humana não comporta definição, mas apresenta um conteúdo mínimo, que é abordado em 3 (três) âmbitos: 1. Integridade física e psíquica, a exemplo da Lei nº 11.346/06, que gera direito a alimentação adequada; 2. Liberdade e igualdade das pessoas, a exemplo ADIN 4.277/DF do Supremo Tribunal Federal, que diz da natureza familiar do relacionamento das pessoas homoafetivas; 3. Direito ao mínimo existencial, dito no artigo 649 inciso II do Código de Processo Civil, ou seja, que são absolutamente impenhoráveis os bens móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida.
Já o professor CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA diz que:
“O homem é ainda sujeito de relações jurídicas que, despidas embora de expressão econômica intrínseca, representam para o seu titular um alto valor, por se prenderem a situações específicas do indivíduo e somente dele. Aí residem os direitos de personalidade, que atraem a atenção da ordem jurídica e encontram proteção no direito positivo, conforme a disposição do artigo 12 do Código Civil” (2004;104)
No mesmo entendimento, o doutrinador ORLANDO GOMES fala que “sob a denominação de direitos da personalidade, compreendem-se direitos considerados essenciais à pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina, a fim de resguardar a sua dignidade” (2008:122).
Os direitos da personalidade são indisponíveis e irrenunciáveis, ou seja, não pode dispor de sua vida, integridade física, honra, imagem, liberdade, intimidade e vida privada, exceto nos casos previstos em lei, conforme dito no artigo 11 do CC.
Observa-se que tal característica é de natureza relativa, pois que há situações em contrário, em que, em casos expressos na norma, segundo a os entendimentos doutrinários contemporâneos, tanto pode haver a disponibilidade do exercício do uso como da titularidade.
Assim, é dito no Enunciado nº 4 da I Jornada de Direito Civil, ao afirmar que “o exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral”.
Observa-se que, apesar da doutrina não manifestar em dito, a jurisprudência pátria expressa que os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes, consoante dito no Enunciado nº 139 da II Jornada de Direito Civil.
Em relação a autolimitação, o professor DANIEL EDUARDO CARNACCHIONI, cita que a “autolimitação voluntária deve ser expressa, precisa, clara e inequívoca. A autolimitação tácita implica grave violação dos direitos fundamentais e da dignidade do ser humano e, por isso, não pode ser admitida” (2010:249).
No que tange a imprescritibilidade, é cediço que o exercício dos direitos da personalidade não se extinguem pelo decurso do tempo ou pelo não uso, sendo, como já citado, inerentes a pessoa. Já, havendo violação de tais direitos, a reparação civil decorrente da lesão está sujeita ao prazo prescricional de 3 (anos), assim dito no artigo 206 § 3º inciso V do CC.
Excepcionasse a regra, segundo o STF, no caso de danos em decorrência de violação de direitos fundamentais, que seria imprescritível a reparação civil, como os de tortura de presos políticos do regime militar, assim ponderando para supremacia do Interesse Público e pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Outra caraterística dos direitos da personalidade é a ampla tutela, que tem natureza inibitória, reintegratória e ressarcitória, prevista no artigo 12 do CC ao diz que pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
No caso de violação aos direitos da personalidade, não há como valorar de forma precisa esse dano, mas sim haverá uma compensação pela violação dos mesmos, em nome de dano moral.
No âmbito de suas especificadas, o CC, nos artigos 11 a 21, preveem, ainda que de forma indireta, a classificação dos direitos da personalidade: Direito à vida, à integridade física, ao nome, à integridade moral, à imagem, à honra, à intimidade, à vida privada.
Assim, os direitos da personalidade são oponíveis a todas as pessoas e de natureza extrapatrimonial, inclusive para as pessoas jurídicas. Logo, deve ser estendido as pessoas jurídicas os direitos da personalidade tanto previstos na Constituição Federal no artigo 5º caput e inciso X e nos artigos previstos no Código Civil.
3.2 Dos direitos de personalidade na pessoa jurídica
O artigo 52 do CC é cediço ao estabelecer que se aplica às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.
Ocorre que, a doutrina dividiu-se em duas correntes para entender em que abrangência segue essa proteção dos direitos da personalidade para as pessoas jurídicas.
A primeira doutrina expressa que a pessoa jurídica é efetivamente titular dos direitos decorrentes da personalidade. Logo, assim como a pessoa humana, esta outra também seria titular desses direitos, mas apenas naquilo que fosse compatível com a sua estrutura e essência, a exemplo do nome, marca, imagem, honra objetiva, proteção de seus dados e sigilos e domicílio.
A segunda corrente diz que somente a pessoa natural aproveitaria os direitos a personalidade, pois que foram criadas para proteger suas atividades e a função social.
Com base nesse fundamento que foi promovido o Enunciado nº 286 na IV Jornada de Direito Civil, em que “os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos”.
Na busca de uma adequação perante tais teorias, buscou-se um termo intermediário, em que não se protege a personalidade da pessoa jurídica com o intuito econômico, mas sim como modo de tutelar a realização de suas funções sociais.
Assim pensa o professor CRISTIANO CHAVES DE FARIAS, ao expor que “às pessoas jurídicas não são reconhecidos e assegurados, automaticamente, os direitos da personalidade, admitindo-se, na verdade, uma verdadeira extensão da técnica dos direitos de personalidade para sai proteção” (2012:623).
No mesmo raciocínio, o professor CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA é taxativo ao prever que “tendo em vista que a pessoa jurídica é uma criação do direito para a realização das finalidades humanas, o Código, no seu artigo 52, estende-lhe as garantias que a ela são asseguradas, evidentemente naquilo em que houver cabimento.” (2004:124).
O professor César Fiúza esclarece que tais direitos devem ser titulados no que tange as lesões que as pessoas jurídicas podem sofrer:
“a intenção da lei não é a de considerar a pessoa jurídica titular de direitos da personalidade, mas tão só de conferir um meio de proteção e de reparação às lesões sofridas pelas pessoas jurídicas no respeitante a sua nome ou reputação, de vez que tais lesões atingem, seja os sócios ou acionistas, seja o desenvolvimento de suas atividades econômicas” (FIÚZA, 2011).
Logo, observa-se que é possível e cabível que a pessoa jurídica seja detentora dos direitos relativos a personalidade, desde que seja viáveis a sua condição natural e que sejam utilizados para objetivar a efetivação dos princípios da Dignidade da Pessoa Humana dos seus membros e da Supremacia do Interesse Comum.
3.2.1 Efeitos da personalidade da pessoa jurídica
Os principais efeitos da personalização da pessoa jurídica são o estabelecimento de capacidade de fato e de direito, existência distinta dos membros que a compõe, a proteção do nome, do domicílio, ao segredo, à honra objetiva, a marca, a nacionalidade, a autonomia patrimonial, a titularidade processual e a responsabilização civil e penal.
A capacidade de fato trata que a pessoa poderá praticar atos da vida civil independente de assistência ou representação, desde que esteja relacionado com a sua finalidade ou seu objeto social, sendo assim restrita ao chamado princípio da Especialização. Já a capacidade de direito está na possibilidade de ser titular de relações jurídicas, direitos e deveres na ordem civil.
No que tange a existência distinta dos membros que a pessoa jurídica tem, ou seja, ela tem formas de atividade, opinião, avaliação e interesses autônomos dos seus membros, sendo possível a imputação de direitos e obrigações a ela.
A pessoa jurídica tem direito a um nome ao adquirirem a condição de sujeitos de direito, com aptidão para serem titulares de direitos e obrigações, tal qual tem proteção especial do Estado, assim dito no artigo 46 inciso I, 968 inciso I, 997 inciso I e 1.155 a 1.168 do CC.
Outro direito protegido é o domicílio, o qual previsto no artigo 75 e 44 do CC, o qual é de natureza plural, ou seja, será o local em que são exercidas as atividades administrativa e gerenciais, no local eleito no ato constitutivo, chamado assim de domicílio especial ou no local em que se praticou o ato em questão, conforme dito na Súmula nº 363 do STF.
Para o segredo, há a necessidade de reserva de informações em determinadas atividades empresariais, impedindo o tráfico de tecnologia industrial, conforme se observa através do artigo 38 da Lei nº 4.595/64 e o artigo 155 da Lei nº 6.404/76.
No que tange a honra objetiva, a doutrina pátria é cediça ao explicitar que a pessoa jurídica honra objetiva, a ser protegida, pela que é parte legítima para ocupar o pólo ativo da ação em que pleiteia indenização por dano moral. A pessoa jurídica é uma realidade, e não um ficção, podendo ser atingida em sua imagem, conceito público e credibilidade, o que integra a honra objetiva, que merece proteção da lei.
Já a marca é regida pela Lei nº 9.276/96, destinada a individualizar os produtos e serviços de uma empresa, identificando-os, pode via nominal ou verbal, formada por letras ou sinais, admitindo o seu registro.
A nacionalidade é algo bastante claro, a considerar que ao admitir foro no Brasil e ter seus atos constitutivos registros no país, deverá obedecer e será regido e protegido pelas leis nacionais.
Já o efeito da autonomia patrimonial destaca que esse sujeito de direito possui um patrimônio próprio e independe do patrimônio dos membros componentes do quadro social ou dos administradores responsáveis pela gestão da pessoa jurídica, não se comungando com eles e nem os compartilhando.
No fim para a titularidade processual, a pessoa jurídica, ao ter seus atos constitutivos registrados, passa a ter aptidão para atuar em juízo na defesa dos seus interesses tanto no polo ativo quanto no passivo.
Assim, pensa o professor MARLON TOMAZZETE, ao afirmar que:
“Ao exercer direitos e obrigações, a sociedade deve praticar os mesmo atos que um ser humano praticaria, e para tanto necessita dos chamados órgãos. Quando o órgão age, quem age é a pessoa jurídica. Por meio do órgão, se faz presente a vontade da pessoa jurídica, daí se falar que o órgão é presentante da pessoa jurídica e não seu representante”. (2009:119).
No que tange a responsabilidade civil decorre da sua própria personalidade jurídica e da sua autonomia. Sua natureza é de responsabilidade subjetiva, ou seja, deve-se provar a conduta da empresa, o dano sofrido, o nexo de causalidade e a culpa do agente, sócio ou membro.
Assim, responderá a pessoa jurídica com a integralidade do seu patrimônio, tenha ou não a pessoa jurídica finalidade lucrativa, de modo a quem a vítima tenha reparado o seu prejuízo, seja por danos contratuais ou extracontratuais, este inclusive por prejuízos ocasionados por conta de sua atividade empresarial. É o que permeia o chamado princípio da Boa-fé.
Excepcionalmente deve-se observar que independerá de comprovação de culpa, nos casos de contratos de transporte em geral, dito no artigo 734 do CC, nas relações de consumo, expressa no artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, citadas no artigo 37 § 6º da Constituição Federal.
Já a responsabilidade penal da pessoa jurídica é prevista taxativamente na Constituição Federal, no artigo 225 § 3º, ao afirmar que:
“Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. …
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Também no que tange a normas infraconstitucionais, o artigo 3º da Lei nº 9.605/98 é cediço ao dizer que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas inclusive penalmente:
“Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”.
4 Da desconsideração da personalidade jurídica
O conceito de personalidade jurídica sempre foi considerável rígido e estático. Porém a partir do professor ROLF SERICK inicia o entendimento que a desconsideração como um conceito técnico, contraposto e excepcional com relação ao princípio da separação patrimonial. Logo a pessoa jurídica seria um ente dotado de uma essência pré-jurídica, que se contrapõe e eventualmente se sobrepõe ao valor específico de cada norma, chamada de Teoria Unitarista (SERICK apud SALOMÃO FILHO:56).
Assim segundo o professor WALTER BIGIAVI, o sócio faz uso da sociedade como coisa sua, chegando à responsabilidade ilimitada do sócio tirano através de sua equiparação à figura do empresário oculto, para o qual já havia deduzido uma regra de responsabilidade pessoal, a qual é prevista no Código Civil italiano artigo 2.362 (BIGIAVI apud SOLOMÇÃO FILHO:57). Logo para o caso de redução da sociedade a um só sócio único, a responsabilidade ilimitada do sócio único em caso de falência.
Desse modo, divide-se entre aqueles que justificam a desconsideração do modo objetivo-institucional ou a corrente que expressa a desconsideração identificando o elemento intencional na utilização fraudulenta da forma societária.
A aceitação integral da teoria unitarista tem duas implicações necessárias, as quais seria admitir a desconsideração apenas para atribuir responsabilidade a sujeito diverso do devedor e, a segunda, é admitir a desconsideração, como evento excepcional que é, apenas em último caso, ou seja, em caso de insolvência (e não impontualidade) do devedor.
Assim, admitir tal teoria implicaria a desconsideração apenas em caso de falência da sociedade, na hipótese em que, mesmo depois de levantamento os bens, ainda assim o patrimônio não fosse suficiente ao pagamento das dívidas.
Porém, segundo o professor CALIXTO SALOMÃO FILHO, “a influência entre desconsideração e falência é cercada de problemas, pois que haverá uma infringência no que tange a lista dos credores particulares do sócio” (2011:60). Logo, a consequência da subordinação da desconsideração à insolvência seria a imposição aos credores de excluir a continuação da sociedade, o que não seria interessante para fornecedores, ou seja, os credores mais comuns da sociedade.
No âmbito nacional, observa-se que o artigo 81 da Lei nº 11.101/2005 prevê a falência dos sócios ilimitadamente responsáveis em caso de falência da sociedade e a sujeição deles aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à falida. No caso da sociedade limitada, havendo desconsideração, o sócio é equiparado ao sócio de responsabilidade ilimitada.
A corrente opositora a Unitária, é a denominada Antiunitária, citada pelo professor RICHARD MÜLLER-FREIENFELS, que diz que considerar ou não a separação patrimonial depende da análise da situação concreta e da verificação do objetivo do legislador ao importa uma determinada disciplina (MÜLLER-FREIENFELS apud SOLOMÃO FILHO:62). Defende um tratamento diferenciado das pessoas jurídicas segundo as diversas funções econômicas que desempenham.
Essa segunda teoria utiliza uma expressão chamada desconsideração atributiva, a qual se busca permitir à desconsideração para aplicação de normas em forma coerente com o escopo do legislador, nas hipóteses de que, por exemplo, quando as características pessoais do sócio podem ser atribuídas à sociedade; ou quando os comportamento do sócio podem ser atribuídos à sociedade, porquanto o sócio não seria considerado terceiro em relação à sociedade; ou quando há proibições impostas ao sócio que podem ser estendidas também à sociedade; ou na aplicação à venda de todas as quotas da normativa referente aos vícios da venda.
Essa teoria ainda faz uma classificação no que tange a desconsideração segundo o tipo de atuação da sociedade e do sócio que venha a justificar tal efeitos, com as hipóteses de confusão das esferas, subcapitalização ou abuso de forma.
No Brasil, os debates a respeito a desconsideração da pessoa jurídica se tangem para o problema da essência e da função da personalidade jurídica. Assim, o professor RUBENS REQUIÃO, embasado na teoria Unitarista, prevê como hipótese de desconsideração “todos os casos em que separação patrimonial é utilizada com abuso de direito ou para praticar fraude” (1977:49).
Diferentemente do professor Requião, o doutrinador FÁBIO KONDER COMPARATO nega a possibilidade de usar a fraude à lei como elemento central da desconsideração, observando que pode haver uma desconsideração em favor do sócio. Assim, para ele, “o desvio da pessoa jurídica já seria o fator justificativo da desconsideração, pois sim, haveria a inexistência dos pressupostos legais da personalidade jurídica” (1983:276). A confusão patrimonial é o critério básico no raciocínio do professor Comparato para a desconsideração no caso de sociedade.
Já para o professor JOSÉ LAMARTINE CORRÊA DE OLIVEIRA LYRA, a análise da desconsideração deve ser feita como “consequência de uma disfunção da personalidade jurídica, pois, para ele, a principal função da personalidade jurídica é a separação patrimonial, que por sua vez é vista como indicador da existência de um centro autônomo de interesses” (1979:219).
Segue a teoria de RICHARD MÜLLER-FREIENFLES, que prevê a necessidade de tratamento diferenciado das pessoas jurídicas e crer que os atos motivadores a desconsideração ocorre quando a imputação de responsabilidade por dívida alheia.
A jurisprudência pátria tem preferencia em utilizar a teoria Unitária, pois utiliza um valor pragmático atribuído à pessoa jurídica, que fez com que a separação patrimonial e a respectiva desconsideração sejam admitidas em caso de previsão legal expressa ou quando há comprovação de comportamentos fraudulentos.
4.2 Características da desconsideração da pessoa jurídica
A desconsideração, em si, imputa uma norma ao sócio ou à sociedade sem que esses sejam seus destinatários específicos. Logo, deve-se observar a possiblidade de imputação nos mais variados casos e a respectiva possibilidade de desconsideração.
O elemento característico do método de desconsideração está em fundamentar-se na atividade societária e não em um determinado ato. Porém, a lesividade da atividade caracteriza-se através de um único ato de natureza, sendo necessário que haja participação da sociedade, pois que o procedimento da sociedade de aprovação do ato o deslocaria para o campo da desconsideração da personalidade jurídica.
Outra característica do método da desconsideração é sua natureza casuística, a qual permite-se uma adequação para o ataque ao patrimônio do sócio unicamente no que tange ao crédito específico. Entretanto, tal avaliação do caso concreto não pode ser feita sem parâmetros, que são, estes, os mesmo que foram presumidos para a atribuição da personalidade jurídica.
O instituto da desconsideração também é marcado pala especificidade, a qual prima que o sujeito, sócio ou membro, pode ser responsabilizado pela via direta do credor, caracterizando assim uma solidariedade, bastando que esta presente os requisitos, no âmbito civil, do artigo 50 do CC, pois o mesmo é devedor direito, e não apenas garantidor. Assim, não é viável o direito de regresso contra a sociedade.
Mais um característica da desconsideração, e talvez a principal delas, é o fato da mesma não implicar em alterações nas esferas de ação, ou seja, não influi na integralidade da personalidade jurídica, atuando apenas de maneira específica. Assim, a desconsideração é um meio eficaz para evitar um pedido de falência, preservando o patrimônio social da empresa. Logo, desconsidera-se para um fim previsto, permanecendo os restantes e não influenciando na validade dos atos praticados, garantindo os direitos e interesses de terceiros de boa-fé.
Seguindo, a desconsideração é instrumento para efetividade do processo executivo, pois que tal fenômeno não precisa ser declarada ou obtida em processo autônomo. Basta que esteja presente os requisitos do artigo 50 do CC, no âmbito civil, para tanto.
No Brasil, a desconsideração divide-se em dois grupos. O primeiro abrange aquelas em que essa hipótese está taxativamente previsto nas próprias normas, tal como os previstos na legislação trabalhista, tributária, consumerista, ambiental ou no caso de responsabilidade civil. É a chamada Teoria Menor, na qual a desconsideração será feita condicionando o afastamento do princípio da autonomia à simples insatisfação de crédito.
O segundo grupo está aplicada no âmbito do Direito Civil pátrio, considera-se aplicável a chamada Teoria Maior, em que a desconsideração do efeito da autonomia do patrimônio estaria condicionada a caracterização de fraude ou abuso de direito, e que estes tenham lesado interesses de terceiros. Assim, o mero descumprimento de obrigações ou a insolvência da pessoa jurídica não são suficientes para a aplicação do instituto da desconsideração.
É a chamada Teoria Maior, taxada assim no Código Civil, em seu artigo 50, ao descrever que:
“Art. 50 Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
No mesmo entendimento o professor MARLON TOMAZZETE, expressando que “a fraude e o abuso de direito relacionado à autonomia patrimonial são os fundamentos básicos da aplicação da desconsideração”. (2009:230).
A Teoria Maior da desconsideração da personalidade jurídica possui duas formulações: a objetiva e a subjetiva.
Na teoria subjetiva a fraude ou abuso de direito precisa ser intencional, necessitando de prova da intenção dos sócios em prejudicar os credores. No caso da objetiva, basta provar qualquer fato ocorrido que gerou prejuízo aos credores, sem a necessária prova da intenção.
No Brasil, a doutrina tradicional, em nome do professor ROLF SERICK, defende que o abuso de personalidade jurídica só se caracterizava quando houvesse a prova efetiva da fraude, ou seja, da atuação dolosa dos sócios, em prejuízo dos credores da sociedade, confirmando a teoria subjetiva.
Já o professor ANDRÉ SANTA CRUZ RAMOS entende que “tem-se tentado estabelecer critérios mais seguros para a aplicação do instituto da desconsideração, sem que seja necessária a prova de fraude, bastando a prova da ocorrência fática destas situações especificas” (2011:328), entendendo pela teoria objetiva. Esse pensamento é corroborado pelo professor CRISTIANO CHAVES DE FARIAS, ao afirmar que:
“Não apenas as condutas do sócio deliberadamente nocivas e intencionais (como a fraude, por exemplo) autorizam a desconsideração, mas também, a simples mistura de patrimônio, independentemente do animus do sócio, por contrariar a finalidade social da empresa, recomendada pelos arts. 5º, XXIII e 170 da Lex Mater” (2012:589).
No que tange a insolvência, o Enunciado nº 281 da IV Jornada de Direito Civil, expressando “a aplicação da teoria da desconsideração, descrita no artigo 50 do CC, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica”. A partir desse entendimento, é importante ressaltar que não há benefício de ordem para fins de garantir ao credor seu valor legítimo, havendo presente os requisitos do artigo 50 do CC, podendo requer contra quem acreditar que possa suprir o débito com maior agilidade.
Neste sentido, leciona Waldo Fazzio Júnior:
“Não basta a impotência patrimonial da sociedade; reclama-se seja derivada de fraude. A desconsideração visa corrigir o mau uso da pessoa jurídica, não sua singela inadimplência. Com certeza, o mecanismo da desconsideração há de ser aplicado com cautela, evitando-se o risco de destruir o instituto da pessoa jurídica e lesionar os direitos da pessoa física“ (2008:162).
4.3 Efeitos da desconsideração da pessoa jurídica
O requisito inicial previsto no artigo 50 do CC é o desvio de finalidade, o qual será sempre que a pessoa jurídica descumprir a seu objeto social ou a função para a qual foi constituída. Ao limitar o uso da pessoa jurídica para o fim para a qual ela foi criada, busca o legislador evitar a participação da pessoa jurídica em negócios estranhos ao seu objeto social.
No que tal ao outro requisito, ou seja, a confusão patrimonial, ocorrerá no caso em que se torna impossível separar o patrimônio da pessoa jurídica do patrimônio de seus sócios ou administradores. Em razão da má gestão administrativa e contábil, em que os patrimônios de sujeitos de direitos distintos passam a ser uma coisa só, é possível a desconsideração, independente também de qualquer elemento subjetivo.
A doutrina civilista, no intuito de esclarecer o que seria ou não considerado como abuso para fins de desconsideração promoveu o Enunciado nº 282 da IV Jornada de Direito Civil, em que diz que “o encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica”.
No que se refere a qual dos sócios ou membros terá o seu patrimônio atingido pelas dívidas da pessoa jurídica, é cediço que a doutrina expressa que tal responsabilidade incorrerá apenas aos que cometeram o ato irregular. Assim, entende a doutrina majoritária diz no Enunciado nº 7 da I Jornada de Direito Civil, em que “só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido”.
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica não cuida de extinção ou dissolução da pessoa jurídica, nem se confunde com a anulação ou declaração de nulidade da personalidade jurídica. Trata-se, essencialmente, do fato de que será mitigado o efeito da autonomia patrimonial relativo a personalidade das pessoas jurídicas, para que o valor em débito pela pessoa jurídica possa atingir o patrimônio do autor do ato ilícito.
Assim, o Enunciado nº 146 da III Jornada de Direito Civil, em que dize que “nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica previsto no artigo 50 do CC”.
Assim, não haverá separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o de seus membros, os quais utilizaram a personalidade desse ente como instrumento de fraude ou abuso de direito, o que legitima a vinculação do patrimônio pessoal desses membros para a garantia de obrigações pecuniárias perante terceiros, suspendendo temporariamente o princípio da autonomia patrimonial.
Assim, RODRIGO MAZZEI, conceitua o instituto:
“Desconsiderar a personalidade jurídica importa em ignorar os efeitos de sua personificação em um determinado caso concreto, isto é, mitigar a existência de obstáculo à responsabilidade dos sócios e administradores de determinada sociedade. Com outras palavras, significa a suspensão dos efeitos da personificação nos limites de uma relação jurídica contraída pela sociedade, desde que a situação examinada e decidida se enquadre nos moldes do gabarito previsto na legislação para tal”. (2012:258)
A responsabilização por garantir um débito decorrente de abuso ou confusão patrimonial será exclusivamente daquele que realizou o ato ilícito, seja ele ou não detentor de poderes administrativos de direito. Considera-se que, os outros membros, independentemente do tipo societário a ser considerado, não participaram do ato irregular, não devendo responder pelo mesmo.
Porém, observa-se considerar que, para atingir o patrimônio do autor do ato ilícito, em determinados regimes de bens decorrentes do casamento, deverá preservar o patrimônio do cônjuge, que não poderá ter seus bens atacados em decorrência de atos ilícitos cometidos pelo parceiro. Assim, considerando a boa-fé do cônjuge que não incorreu ao fato irregular, a dívida não atingirá todo o patrimônio do casal, mas somente àquele em que o autor do ato ilícito tiver por seu de direito, independentemente do valor que venha a ser o débito.
Contudo, o crédito não pode ser executado sem respeitar os limites do mínimo existencial para a vida digna do devedor, respeitando o fundamento constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, dito no artigo 1 inciso III da CF. Portanto, observar-se-á em juízo as possibilidades reais de quitação da dívida.
Isso incorre dizer que, o devedor poderá postergar seu pagamento, oferecer bens móveis ou imóveis, títulos de créditos, enfim, promover qualquer ação que possa satisfazer o crédito em juízo, ainda que a longo prazo, desde que tais condição sejam essenciais para a sua vida digna e para possibilitar a sua recuperação financeira a fins de quitar o débito.
No que tange aos limites da responsabilidade desse autor do ato ilícito, deve-se ter em mente que o mesmo responderá na mesma altura do dano causado, independentemente dos valores de suas cotas empresariais, respeitando o Princípio da Livre Iniciativa, garantido pela CF. no seu artigo 170 parágrafo único, e o Princípio da Boa-fé do credor que sofreu com os atos de abuso de poder, fraude e confusão patrimonial da pessoa jurídica.
5 Desconsideração da pessoa jurídica e o devido processo legal
A norma de direito material prevista no Código Civil artigo 50, estabelece, apesar de forma genérica, os requisitos da desconsideração da pessoa jurídica. Porém, no âmbito processual, o diploma é bastante tímido, prevendo unicamente que tal fenômeno deve ser instigado a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando puder intervir na ação, não podendo, por conseguinte, ser expedido de ofício pelo magistrado.
O respectivo artigo não versa sobre o procedimento a ser adotado na desconsideração, razão pela qual a doutrina, bem como a jurisprudência, não é pacífica quanto aos seus aspectos processuais.
Segundo a professora MONISA CARLA BERTACCO DOS SANTOS, “como ainda não existem dispositivos processuais específicos que regulamente o instituto nessa seara, cada juiz age conforme seu entendimento no momento de decretar a desconsideração da personalidade jurídica” (2007:249). Isso acarreta uma desarmonia no procedimento a ser adotado pelos operadores do direito, dando margem a arbitrariedade.
A abordagem a respeito do procedimento da desconsideração da personalidade jurídica sobre o momento oportuno e a forma adequada de aplicação do fenômeno, haverá duas correntes doutrinárias que divergem sobre o assunto.
Inicialmente, uma primeira corrente defende a necessidade de ajuizamento de processo autônomo de caráter cognitivo, uma ação de conhecimento paralela à execução em curso contra a sociedade, movida pelo credor da executada contra os sócios, para que possa ser autorizada a desconsideração.
Deverá haver a formação de um novo título executivo judicial, com a devida participação do possível atingido pela aplicação do instituto, permitindo responsabilizar o sócio da empresa devedora, de modo a incluí-lo no polo passivo da execução.
A segunda corrente sustenta que a desconsideração deve ocorrer, de forma incidental, em simples decisão no bojo da própria execução já em curso contra a pessoa jurídica, dependendo apenas de simples comprovação da existência de fraude ou abuso de direito, o que torna dispensável a instauração de demanda própria para esse fim.
Uma vez constatada a má utilização da sociedade, autoriza-se a desconsideração desta nos autos da fase executiva, determinando a constrição dos bens particulares dos sócios, com o propósito de garantir a execução e a quitação da dívida, buscando, desta forma, a maior eficiência possível do processo.
A jurisprudência entende que a desconsideração da personalidade jurídica deve ocorrer diretamente no próprio processo de execução já em curso, o que é conhecido, na prática forense, como o redirecionamento da execução contra os sócios, como vem afirmando reiteradamente o Superior Tribunal de Justiça.
Posto isso, verifica-se que a jurisprudência brasileira é pacífica no sentido de que a Teoria da Desconsideração deve ser promovida no âmbito executivo, sendo, portanto, desnecessária ação autônoma e pronunciamento judicial prévio a fim de reconhecer sua aplicação através de título executivo judicial.
Observa-se que ação autônoma é dispensável, ou seja, não é obrigatória. Porém cumprir ressaltar que também é cabível a desconsideração no próprio processo de conhecimento, desde que comprove os requisitos do artigo 50 do CC no na própria exordial ou durante o curso do processo de conhecimento, assim que o credor demonstre através de informações que provem o abuso, desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Assim a teoria da desconsideração da personalidade jurídica deve ser autorizada durante a fase de conhecimento, nos casos em que a descoberta da prática do ato ilícito ocorre antes do trânsito em julgado, ou durante a fase de execução, nos casos em que já houve a formação do título executivo judicial.
Portanto, é cabível o pedido de desconsideração da pessoa jurídica tanto no processo de conhecimento, ora na exordial ou no decurso do mesmo, antes do trânsito em julgado da sentença, quanto no processo executivo, a ser tratado a título de incidente processual, suspendendo a execução, todos garantindo a ampla defesa e o contraditório.
5.2 Citação no processo judicial de desconsideração da pessoa jurídica
No ordenamento jurídico pátrio, a Constituição Federal de 1988 prevê, no Capítulo I, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, no que tange aos Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, em seu artigo 5º no inciso LV, in verbis:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Logo, é cediço que a qualquer ser com personalidade tem a garantia fundamental constitucional do direito ao contraditório e a ampla defesa, inclusive com todos os meios e recursos em processos judiciais ou administrativos.
O STF, em grande parte de suas decisões, incorpora a ideia de que não deve existir nada que venha a ferir a ampla defesa e os meios de recursos nos processos judiciais ou administrativos. Essa proposta de parte da intenção da busca pela promoção de uma sociedade justa, que é previsto como um objetivo fundamental da República, consoante o previsto no artigo 3º inciso I da Constituição Federal, a qual diz que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, construir uma sociedade livre, justa e solidária.
Em suma, efetivar os princípios constitucionais significa dar ciência de todos os atos processuais as partes envolvidas, além de lhes assegurar oportunidades isonômicas para se manifestarem, principalmente quando de alguma forma necessitam agir contra aos que lhe causem prejuízos.
Sendo assim, em respeito ao princípio do contraditório, uma vez proposta judicialmente a desconsideração, independente do ser em processo de conhecimento ou em execução instaurado contra a pessoa jurídica, deverá haver a citação do responsável pelo ato ilícito possa exercer o seu direito de defesa com todos os recursos a ela inerentes.
Importante ressaltar que, em nenhuma situação, poderá haver a constrição de bens do, ainda, acusado de ter praticado o ato ilícito, sem que antes lhe seja feita a sua citação para conhecimento da ação e oferecido todos os meios de defesa inerentes a ele, sob pena de haver responsabilização do Estado pela sua arbitrariedade.
Assim, é um aspecto processual muito importante para a aplicação da desconsideração, por isso, em qualquer processo no qual for requerida a desconsideração da personalidade jurídica deverá o juiz determinar a oitiva das partes interessadas.
A falta de citação do autor do ato ilícito na fase de conhecimento, com a formação do título executivo judicial em desfavor da sociedade empresária, certamente requererá na fase de execução, mediante a qual será instalado um incidente processual.
Essa ação incidental deverá importar na paralisação da execução até que seja resolvido o incidente. E aqui discutisse o limite do contraditório, vez que não poderia desconstituir o título executivo judicial mediante rediscussão da dívida por meio do exercício do direito de defesa.
Assim, deve-se ter comportamento adequado do magistrado, em cada caso específico: 1. Havendo pedido de desconsideração na exordial ou durante o processo de conhecimento, anterior o trânsito em julgado da sentença, o juiz deverá chamar ao processo autor do ato ilícito para que exerça o direito de contraditório, dando a abertura de todo e qualquer prazo, como se o processo retorna-se ao seu início; 2. Havendo pedido de desconsideração durante a execução, deverá o magistrado suspender o processo executivo, e julgar o pedido a título de incidente processual, o qual oferecerá ao réu, autor do ato ilícito, todos os direitos como se o processo foi iniciado naquele momento.
Portanto, para que haja a plena eficácia do fenômeno, durante o processo judicial, deverá haverá plenas garantias dos direitos ao contraditório e a ampla defesa para o autor do ato ilícito.
5.3 Participação do autor do ato ilícito no polo passivo no procedimento de desconsideração e os respectivos recursos
No que tange a participação do autor do ato ilícito no polo passivo do procedimento da desconsideração da pessoa jurídica e os recursos inerentes a tal atribuição, depende de como o autor do ato foi incluído no procedimento.
O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento recente pela desnecessidade de citação do sócio para compor o polo passivo, bastando a sua intimação, onde será oportunizada a sua defesa, haja vista é suficiente a intimação do sócio da empresa, ocasião em que será oportunizada a sua defesa, ainda mais quando o processo encontra-se na fase de cumprimento de sentença, onde o recorrente fará jus à ampla defesa e ao contraditório, pois, poderá impugnar o pedido ou oferecer exceção de pré-executividade.
Ousa-se, com deveras respeito ao entendimento jurisprudencial, descordar do entendimento acima exposto, pois, para verificar a necessidade de participação do autor no polo passivo deverá ser observado o momento em houve o conhecimento que o autor cometeu o ato ilícito.
Portanto, sendo de conhecimento, anterior a propositura da ação, por parte dos credores que aquele membro da pessoa jurídica cometeu o ato ilícito, deverá sim este membro ser incluído no polo passivo da ação judicial.
Assim, havendo provas robustas e contundentes da realização de ato ilícito por membro da pessoa jurídica, deverá o credor, promover um litisconsórcio passivo necessário entre tal membro e a própria pessoa jurídica, cabendo ao juiz decidir se haverá ou não o fenômeno da desconsideração e o modo como aquele crédito será solvido pelas partes rés. Logo a sentença resolverá a lide, sendo cabível, por qualquer das partes, o recurso da apelação.
Caso no início do processo de conhecimento não havia essa informação, deverá o credor prosseguir com a ação. Caso o seja conhecido antes do trânsito em julgado da sentença, o autor do ato irregular será chamado ao processo, conforme previsto no artigo 77 inciso III do Código de Processo Civil, sendo citado para garantir todo o direito de defesa previsto na Constituição Federal. Assim, haverá uma sentença que solucionará o caso, atacável também por apelação.
Estando o processo em fase executiva, assim que o souber, quaisquer das partes promoverá um incidente processual, afim de que o ação inicial seja suspensa até que o mesmo magistrado da exordial resolva o incidente e decida se houve ato ilícito, decidindo ou não pela desconsideração da pessoa jurídica.
Após, o juiz promoverá a decisão, que terá natureza interlocutória, podendo, por conseguinte, ser revista através do recurso de agravo, ao qual deve ser concedido efeito suspensivo.
Diante de uma decisão que autoriza a desconsideração, o agravo de instrumento apresenta-se como remédio preventivo, no sentido de buscar a reforma do ato monocrático pelo tribunal, evitando, portanto, que os bens do autor do ato ilícito venha a ser conscrito. Com isso, a finalidade do agravo, neste momento, seria de impedir a possibilidade da prática de atos executivos contra o membro da pessoa jurídica que realizou o ato ilícito, demonstrando que não estariam presentes os requisitos autorizadores da desconsideração.
Seguindo, caso o recurso de agravo seja indeferido, a questão da aplicação da teoria de desconsideração da pessoa jurídica ainda pode ser discutida no âmbito da execução, através das defesa já previstas, ou seja, embargos do devedor ou impugnação, pois se tornou parte no processo, passando a integrar o polo passivo da demanda.
Há uma parte da doutrina que entende que o sócio atingido pela responsabilização adquire a condição de terceiro interessado no processo, uma vez que seus bens serão utilizados, unicamente, para pagar a dívida da empresa, não sendo ele incluído no polo passivo da execução como litisconsorte ou como executado.
Consequentemente, uma vez que o membro da pessoa jurídica, ainda que alcançado pela desconsideração, não passará a ser parte no processo e seus bens foram objeto de constrição indevida, este ingressará na execução como terceiro interessado. A tutela executiva continuará sendo movida contra a empresa que contraiu a obrigação, portanto, devedora e executada, enquanto o sócio, não devedor nem parte no processo, terá seus bens atingidos, tão somente, devido a uma ampliação da responsabilidade patrimonial, o que não implica, necessariamente, uma modificação da legitimidade passiva da demanda.
Devido a essa condição de terceiro interessado, o membro terá como meio de defesa os embargos de terceiro, visto que os bens constritos através da desconsideração são os dele. Segundo esse entendimento, os embargos de terceiro têm forte relação com a desconsideração, já que, ao ser aplicada, esta determina tão somente a responsabilidade patrimonial do membro, não tornando-o, contudo, devedor principal.
Diante dessa controvérsia doutrinária e jurisprudencial, mostra-se necessária a aplicação, por parte dos julgadores, do princípio da fungibilidade, pois se trata de caso em que há dúvida objetiva, verificada por opiniões divergentes a respeito do problema, tanto por parte da doutrina quanto da jurisprudência.
Portanto, o professor ANDRÉ PAGANI DE SOUZA diz que “nessas situações em que não se pode determinar um único remédio possível e legitimado para se chegar ao mesmo fim, ou para atingir determinada finalidade, de acordo com o princípio mencionado, ambos os meios devem ser considerados” (2009:345).
Assim, caso o membro atingido pela desconsideração da personalidade jurídica apresente embargos de terceiro no lugar de embargos do devedor, ou impugnação, e vice-versa, deverá ser aplicado, no caso em comento, o princípio da fungibilidade, devendo um ser aceito pelo outro, desde que observados os seguintes requisitos da existência de dúvida objetiva sobre qual seria a via adequada e a observância do menor prazo previsto para aqueles possíveis remédios, consoante prevê o Superior Tribunal de Justiça.
Outrossim, também poderá se defender através da exceção de pré-executividade, nos casos em que não forem respeitadas as condições específicas de procedibilidade da execução, de modo a torná-la nula. Cumpre mencionar que tal via de defesa não comporta dilação probatória, devendo os membros provar, por simples prova documental, que não realizaram o ato ilícito previsto no artigo 50 do CC.
Logo, através dos embargos em sentido amplo, da impugnação o sócio poderá demonstrar a ilegalidade da aplicação da teoria da desconsideração, devido à inocorrência da fraude ou do abuso de direito na utilização da pessoa jurídica, de forma plena, visto que nesses meios de defesa é possível a produção de provas e a análise de mérito. Nestes casos, o embargante, ou impugnante, poderá comprovar que não estariam presentes, no caso concreto, os pressupostos autorizadores da Teoria da Desconsideração, pugnando pela desconstituição da constrição realizada sobre o seu bem.
Considerações finais
Assim, a função social no âmbito da desconsideração da pessoa jurídica e a análise dos direitos da personalidade em tal fenômeno, devem ser observadas por um óbice macro, pois que não deve haver a simples e mera limitação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica sem considerar os impactos que isso causaria tanto para os membros da organização, para os credores, para o Estado e para o interesse coletivo.
No que tange aos membros da organização, tal impacto podem ser considerados a perceber que a mitigação da autonomia patrimonial unicamente daquele que realizou o ato ilícito, seja ele ou não detentor de poderes administrativos de direito. Pois que, os outros membros, independente do tipo societário a ser considerado, não ocorrem para a participação do ato irregular, não devendo, por conseguinte, responder pelo mesmo.
Ainda relativo ao impacto junto os membro da pessoa jurídica, ao atingir o patrimônio do autor do ato ilícito, em determinados regimes de bens decorrentes do casamento, causará um dano patrimonial em relação ao cônjuge, que terá seus bens atacados em decorrência de atos ilícitos cometidos pelo parceiro. Assim, considerando a boa-fé do cônjuge que não incorreu ao fato irregular, a dívida não atingirá todo o patrimônio do casal, mas somente àquele em que o autor do ato ilícito tiver por seu de direito, independente do valor que venha a ser o débito.
Porém, não se deve também aniquilar a existência desse autor. Portanto, observarão em juízo as possibilidades reais de quitação da dívida. Logo, o crédito não pode ser executado sem respeitar os limites do mínimo existencial para a vida digna do devedor, respeitando o fundamento constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, dito no artigo 1 inciso III da CF.
Isso incorre dizer que, o devedor poderá parcelar, postergar seu pagamento, oferecer bens móveis ou imóveis, títulos de créditos, enfim, qualquer coisa que possa fim satisfazer o crédito, ainda que a longo prazo, desde que tais condição sejam essenciais para a sua vida digna e para possibilitar a sua recuperação financeira a fins de quitar o débito.
Para os credores, leva-se em questão o que se refere aos limites da responsabilidade desse autor do ato ilícito, deve-se ter em mente que o mesmo responderá na mesma altura do dano causado, independentemente dos valores de suas cotas empresariais, sendo a empresa uma sociedade limitada ou semelhante. Assim, a decisão respeitará a defesa empresarial, o Princípio da Livre Iniciativa, garantido pela CF. no seu artigo 170 parágrafo único, e o Princípio da Boa-fé do credor que sofreu com os atos de abuso de poder, fraude e confusão patrimonial da pessoa jurídica.
Entretanto, para que os credores tenham essa confirmação do recebimento do seu crédito, durante o processo judicial, deverá haverá plenas garantias dos direitos ao contraditório e a ampla defesa.
Ou seja, se já era de conhecimento do credor o autor do respectivo ato ilícito, deverá incluído desde já na exordial, devendo incluí-lo no polo passivo, assim como a empresa, possibilitando ao juiz estabelecer o responsável por satisfazer o crédito, julgando se houve ou não abuso a lei ou confusão patrimonial. Assim, a sentença resolverá a lide, sendo cabível, por qualquer das partes, o recurso da apelação.
Caso no início do processo de conhecimento não havia essa informação, deverá o credor prosseguir com a ação. Caso o seja conhecido antes do trânsito em julgado da sentença, o autor do ato irregular será chamado ao processo, conforme previsto no artigo 77 inciso III do Código de Processo Civil, sendo citado para garantir todo o direito de defesa previsto na Constituição Federal. Assim, haverá uma sentença que solucionará o caso, atacável também por apelação.
Estando o processo em fase executiva, assim que o souber, quaisquer das partes promoverão um incidente processual, afim de que o ação inicial seja suspensa até que o mesmo magistrado da exordial resolva o incidente e decida se houve ato ilícito, decidindo ou não pela desconsideração da pessoa jurídica. O autor do ilícito será citação afim, também para oferecer defesa e todas as provas em direito admitidas. Após, o juiz promoverá a decisão, que terá natureza interlocutória, podendo, por conseguinte, ser revista através do recurso de agravo. Ainda poderá discutir a aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica a níveis de embargos de devedor, de terceiro ou em exceção de pré-executividade.
No que se refere ao Estado, observa-se que a desconsideração pode ter um efeito bastante produtivo a considerar que os credores, mormente bancos, instituições financeiras, fornecedores em larga escala, e empresa de grande porte em geral, sentem segurança em investir no Brasil, pois que, terão a tranquilidade que os respectivos créditos que as empresa menores derivarem serão quitados, seja pela própria pessoa jurídica, seja pela pessoa física que cometeu o ato ilícito. Assim, de qualquer maneira, esse capital não restará prejudicado.
Por outro óbice, caso essa desconsideração seja efetuada de maneira desenfreada, seja verificar os limites previstos no artigo 50 do CC ou as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa, o Estado pode sofrer uma redução significativa de médias e pequenas empresa, pois seus membros estarão inseguros em ingressar para a atividade empresarial, podendo ter seus bens pessoais conscritos a qualquer momento e de qualquer modo pelos credores da pessoa jurídica de que fazem parte.
No que tange ao interesse coletivo, a desconsideração da pessoa jurídica, utilizada de maneira coerente, legítima e observando as normas e princípios constitucionais, tem deveras importante no cenário nacional.
Isso ocorre porque tal fenômeno visa, em sua essência, expurgar da atividade empresarial, aqueles membros que utilizam-se da pessoa jurídica para benefícios pessoais ou de terceiros, assim diversos do previsto no contrato social ou nas lei pátrias.
Logo, a intenção de retirar os que agem de má-fé tem amplo respaldo na sociedade, pois legitima, justifica e valoriza ainda mais aqueles que labutam correta e dignamente através das pessoas jurídicas.
Assim, percebe-se que o fenômeno da desconsideração da pessoa jurídica, no âmbito civil, deve seguir as regras previstas no próprio Código Civil, respeitando também as características da Função Social e os princípios e fundamentos constitucionais.
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