Resumo: o presente estudo tem o objetivo de demonstrar que a doutrina concede tratamento diminuto ao assediador nos casos de assédio moral, limitando-se a citar suas características e estabelecendo a punição a ser aplicada a este, situação que não se coaduna com o princípio da dignidade da pessoa humana, pois partindo da premissa que as características atribuídas ao assediador pela doutrina sejam verdadeiras e analisando essas características a luz da psicopatologia, perceberemos que o mesmo pode ser portador de uma psicopatologia, logo, a luz do princípio da dignidade da pessoa humana, essencial seria a análise da existência de patologia antes da efetivação da dispensa.
Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana. Assédio moral. Assediador. Portador de psicopatologia. Ilegalidade da despedida.
Abstract: This study aims to demonstrate that the doctrine grants a smaller treatment to the harasser in cases of bullying, merely to name their characteristics and establishing the punishment to be applied to this, a situation that is inconsistent with the principle of human dignity, as based on the premise that the characteristics attributed to the harasser by the doctrine are true and analyzing these characteristics the light of psychopathology, we realize that the harasser may have a psychopathology, so the light of the principle of human dignity, it would be essential the analysis of the existence of pathology before the conclusion of the dismissal.
Keywords: Human dignity. Moral Harassment. Harasser. Psychopathology Bearer. Illegality of dismissal.
Sumário: Introdução. 1. Assédio Moral. 2. Base legal para a repreensão do assédio moral. 3. Do princípio da dignidade da pessoa humana. 4. Da responsabilidade civil do empregador pela higidez do ambiente de trabalho. 5. Características da personalidade do assediador. 6. Prática do assédio moral: consequências jurídicas para o contrato de emprego. Conclusão.
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como ponto de partida o instituto jurídico do assédio moral, trazendo a visão de alguns doutrinadores sobre o seu conceito, sobre os efeitos deletérios que causa à vítima, sobre a base legal para sua repreensão e defendemos, inclusive, que é totalmente desnecessária a sua tipificação civil específica, haja vista existir em nosso ordenamento jurídico pátrio fundamentos constitucionais e infraconstitucionais que proíbem e embasem a reprimenda a esta prática.
Dentre os fundamentos constitucionais focamos naqueles que cremos serem os principais, quais sejam, o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade, além de tecermos alguns comentários acerca da eficácia horizontal dos direitos fundamentais para justificar a sua aplicabilidade as relações travadas entre particulares.
Tratar do princípio da dignidade da pessoa humana como sustentáculo jurídico e social para proibição da prática do assédio moral, bem como, base legal para sua repreensão, não é o escopo do presente estudo, mas sem dúvida nenhuma um caminho necessário a ser percorrido para demonstrarmos que o assédio moral possui no mínimo dois lados, e que o mesmo princípio da dignidade da pessoa humana que se presta a proteger o assediado deverá também servir de base para a análise das consequências jurídicas incidentes sobre o assediador, principalmente, quando este ocupar a posição de empregado, tal qual a vítima.
A importância do enfoque da dignidade da pessoa humana no tratamento dispensado ao assediador é de extrema necessidade, mormente porque verificamos que a doutrina e a jurisprudência são uníssonas ao asseverar que a medida correta a ser aplicada ao mesmo é a despedida por justa causa. Não que não concordemos que a conduta do assediador se subsuma a uma das alíneas previstas no artigo 482 da CLT, mas entendemos que cada caso é um caso.
Pois bem, a mesma doutrina que defende a aplicação da penalidade de despedida por justa causa ao assediador atribui-lhe execráveis características de personalidade, que em cotejo com outras ciências, denotam que as suas atitudes não decorrem simplesmente de desvios comportamentais opcionais ou defeitos de conduta, mas em verdade apontam para a possibilidade de o assediador ser portador de uma psicopatologia. Nesse esteio, caso seja portador de uma psicopatologia, forçoso é concluir que não poderá ser despedido por justa causa, inclusive, porque o comportamento que ensejaria a aplicação desta justa causa decorrera da própria doença.
Discorremos também no presente estudo sobre a responsabilidade do empregador em manter a higidez do ambiente de trabalho, bem como de zelar pela saúde dos seus empregados, com fito de demonstrar donde surge a responsabilidade dele pelo encaminhamento do assediador a serviço médico especializado a fim de que seja avaliado e diagnosticado como portador, ou não, de psicopatologia, antes de efetivar a sua dispensa.
1. ASSÉDIO MORAL
Como não poderia ser diferente, é indispensável, didaticamente, conceituar o instituto do assédio moral antes de adentrarmos no ponto fulcral do presente estudo.
Segundo Soboll e Gosdal (2009, p.17), podemos compreender o assédio moral como:
“(…) um processo sistemático de hostilização, direcionado a um indivíduo, ou a um grupo, que dificilmente consegue se defender dessa situação. Esse processo pode ter por efeito, ou resultado, algum tipo de prejuízo para o agredido, que pode ser simplesmente a criação de um ambiente hostil, que traga desconforto físico e emocional, ou até o adoecimento e a exclusão do grupo.”
Na concepção de Zanetti (2015, p. 27):
“O assédio moral se define pela intenção de uma ou mais pessoas praticarem, por ação ou deixarem de praticar por omissão, de forma reiterada ou sistemática, atos abusivos ou hostis, de forma expressa ou não, contra uma ou mais pessoas, no ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, principalmente por superiores hierárquicos, após, colegas ou mesmo por colegas e superiores hierárquicos e em menor proporção, entre outros, por inferiores hierárquicos e clientes, durante certo período de tempo e com certa frequência, os quais venham atingir a saúde do trabalhador, após o responsável ter sido comunicado a parar com eles e não ter parado.”
Garcia (2015, p. 85) é bem direto ao asseverar que o assédio moral causa o dano moral, vejamos:
“O dano moral pode ser decorrente, até mesmo, do chamado assédio moral, também conhecido como “terror psicológico no trabalho” ou “mobbing”, que se caracteriza por uma conduta reiterada, de violência psicológica, desestabilizando e prejudicando o equilíbrio psíquico e emocional do empregado (com atitudes de perseguição, indiferença ou discriminação, normalmente de forma velada), deteriorando o meio ambiente de trabalho, podendo resultar em enfermidades graves de ordem física e psíquica.”
Dos conceitos transcritos acima, denota-se que a prática do assédio moral pressupõe uma conduta reiterada no decorrer do tempo, dirigida contra um indivíduo ou um grupo, de motivação variada, com nítido intuito de lhes ofender de alguma forma.
Sobre a assertiva lançada no parágrafo anterior acerca de ser o assédio moral um fenômeno multifatorial, Hirigoyen (2002, p. 185) assevera:
“Convém considerar o assédio moral como tendo apenas uma única e exclusiva causa e deduzir daí, consequentemente, que uma única e exclusiva solução poderia remediá-lo. Mas uma abordagem racional deve olhar o problema sob diversos prismas: o ângulo psicológico, que leva em conta acima de tudo a personalidade dos indivíduos e sua história, e o ângulo organizacional, que analisa essencialmente as regras de gestão.”
Em outro trecho da mesma obra, Hirigoyen (2002, p. 17), reforça a ideia de repetição e sistematização do assédio moral, o que denota a imprescindibilidade destes requisitos para configuração do instituto jurídico:
“Qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude…) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.”
Dentro deste contexto, é fácil concluir que uma atitude isolada, ainda que ofenda a dignidade da pessoa humana ou os direitos da personalidade, não pode ser considerado assédio moral, podendo, nada obstante, ensejar a reparação por dano moral.
Soboll e Gosdal (2009, p. 30/31) sustentam a desnecessidade de intencionalidade para se configurar a prática do assédio moral, vejamos:
“Ao contrário dos autores do artigo coletivo de 2003, entendemos que o assédio moral é sempre intencional. Em outras palavras, as práticas hostis são deliberadas, mesmo que o objetivo final imediato não seja o de prejudicar o assediado. O processo de assédio pode visar: i) ao enquadramento ou à submissão de uma pessoa às regras do grupo (assédio interpessoal) ou da empresa (assédio organizacional); ii) ao aumento do ritmo do trabalho ou da produtividade (assédio organizacional).
Para o Direito do Trabalho é irrelevante para a caracterização do assédio moral a demonstração da existência de intenção deliberada de prejudicar, enquadrar ou excluir o assediado, porque o empregador é responsável pelo ambiente de trabalho saudável e isento de assédio. A demonstração da existência de vontade deliberada de prejudicar e causar dano pode interferir na fixação da indenização devida, que nesse caso pode ser mais elevada.”
Saliente-se também, por oportuno, que o assédio moral pode ser praticado tanto pelos superiores hierárquicos, quanto por empregados de um mesmo nível hierárquico, ou ambos, e até mesmo pelos subordinados da vítima, sendo esta última modalidade a mais rara.
Quando o assediador é um superior hierárquico a doutrina intitula assédio vertical descendente. No que tange aos efeitos deletérios impingidos a vítima “[…] o assédio moral vindo de um superior hierárquico tem consequências muito mais graves sobre a saúde do que o assédio horizontal, pois a vítima se sente ainda mais isolada e tem dificuldades para achar a solução do problema […]” (Hirigoyen, 2002, p. 112).
Como a própria nomenclatura denuncia, o assédio horizontal é aquele praticado por outros empregados do mesmo nível. Segundo Hirigoyen (2002, 113) é raro que um assédio horizontal não se transmude em misto, pois o superior hierárquico torna-se cúmplice em razão da sua omissão. Do contexto, pode-se concluir que o assédio moral misto consubstancia-se na prática do assédio moral horizontal e vertical em face da mesma vítima.
A doutrina, não apenas jurídica, mais principalmente a médica e sociológica, com razão de ser, debruçam-se e discorrem amplamente sobre os efeitos deletérios do assédio moral na saúde física e psíquica da vítima, apontando como os principais: a depressão, o estresse, a ansiedade e outros distúrbios psicossomáticos.
Os ataques sistemáticos que configuram o assédio moral atingem a vítima de forma severa, afrontam a sua dignidade humana, violam seus direitos fundamentais a honra, a imagem, a intimidade.
Discorrendo sobre o tema Barros (2011, p. 738) assim se manifesta:
“Com relação a vítima, os efeitos são desastrosos, pois o assédio moral, além de conduzi-la à demissão, ao desemprego e à dificuldade de relacionar-se, causa sintomas psíquicos e físicos, que variam um pouco entre as vítimas, dependendo do sexo. As mulheres, em geral, são sujeitas a crises de choro; são também mais sujeitas a palpitações, tremores, tonturas e falta de apetite, enquanto os homens (100% deles) têm sede de vingança, ideia e tentativa de suicídio, falta de ar e passam a fazer uso de drogas. A depressão, a insônia, a sonolência durante o dia e a dor de cabeça também se encontram presentes em ambos os sexos, numa proporção mais equilibrada entre eles.”
Corroborando o quanto acima transcrito, e ressaltando que a doutrina, e mais uma vez aqui se repita, que não apenas a jurídica, mas também e principalmente e médica e sociológica, é uníssona ao apontar os graves efeitos deletérios que a prática do assédio moral causam à vítima. Para exemplificar, citaremos algumas palavras de Zanetti (2015, p. 103/104):
“O assédio gera na vítima ansiedade, desconfiança, vigilância e esta atitude defensiva é geradora de novas agressões. A vítima passa perder a estima de si, dúvida de sua competência, etc. Os sintomas do assédio moral estão mais ligados a intensidade e a duração da agressão que a estrutura física de cada um. Assim, podemos ver alguns sintomas que fazem presentes na vítima do assédio, porém, não são exclusivos do assédio moral. Mas o assédio possui dois problemas típicos: o sentimento de culpa e a humilhação.”
Decerto, há muito mais a ser falar sobre assédio moral, porém, esse não é o escopo do presente trabalho, tendo essa breve explanação apenas o intuito de familiarizar aqueles que possuem pouco conhecimento sobre o tema, de modo a permitir que possam compreender o restante do trabalho e, por consequência, seu objetivo principal.
2. BASE LEGAL PARA REPREENSÃO DO ASSÉDIO MORAL.
No Brasil não há Lei Federal dispondo especificamente sobre o assédio moral. Parte da doutrina brasileira defende a necessidade de tipificação civil da proibição à prática do assédio moral, assim como a tipificação penal do assédio moral, e de certa forma, tem conseguido adeptos entre os legisladores, o que, venhamos e convenhamos, não quer dizer muita coisa.
Citamos a título exemplificativo o projeto de Lei 5970/2001, que concede ao empregado o direito de rescindir o contrato de trabalho em caso de coação moral, humilhação ou abuso de poder, obrigando o empregador pagar-lhe todos os direitos trabalhistas. Ora, salvo engano, a nomenclatura jurídica deste instituto é rescisão indireta.
Já o Projeto de Lei 2593/2003 visa proibir a prática do assédio moral. Ora, e já não é proibido pelos mandamentos constitucionais? Os Projetos de Leis 2369/2003, 6757/2010, 4593/2009, 3760/2012, bem como inúmeros outros, seguem o mesmo caminho. Todavia, parece-nos que o Poder Judiciário está combatendo a contento o assédio moral, mesmo sem aprovação desses projetos.
A tipificação penal da prática do assédio moral é inteligível, na medida em que o artigo 1º do nosso Código Penal consagrou no brocardo nullum crimen nulla poena sine lege, um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Logo, penalmente, o assediador somente poderá ser punido caso venha a ocorrer à tipificação penal.
O mesmo raciocínio não acode àqueles que militam a favor da tipificação civil da proibição do assédio moral, mormente porque o nosso ordenamento jurídico pátrio já coíbe qualquer prática lesiva a dignidade da pessoa humana e aos direitos da personalidade, pois “[…] é exatamente a necessidade de proteção à dignidade do empregado que justifica a punição do assédio moral.” (Barros, 2011, p. 732).
Nessa mesma linha segue a lição de Garcia (2015, p. 85), vejamos:
“O assédio moral afronta os princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho (art. 1º, incisos III e IV, da CF/1988), o objetivo fundamental da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, inciso IV, da CF/1988), o direito de ninguém ser submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, inciso III, da CF/1988) e o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, e da imagem das pessoas (art. 5º, inciso X, da CF/1988).”
A valorização social do trabalho é um princípio fundamental da República Federativa do Brasil, elencado no rol do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, devendo ser entendido como valor essencial que compõem a estrutura do Estado, atribuindo-lhe significado especial dentro da nossa ordem constitucional (Novelino, 2013).
Valorizar socialmente o trabalho, nada mais é que iluminar a relação de trabalho com a luz da dignidade da pessoa humana, pois, em verdade, um dos objetivos do trabalho é conceder dignidade ao trabalhador, do mesmo modo que deve ser norteado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, sob pena de ao invés de conceder-lhe dignidade, retirá-la, a exemplo do trabalho em condições análogas a escravo, aviltantes, em condições sub-humanas, etc. Nesse sentido leciona Novelino (2013, p. 366/367):
“O reconhecimento dos valores sociais do trabalho como um dos fundamentos do Estado brasileiro impede a concessão de privilégios econômicos condenáveis, por ser o trabalho imprescindível à promoção da dignidade da pessoa humana, uma vez que pode ser visto como um ponto de partida para o acesso ao mínimo existencial e condição de possibilidade para o exercício da autonomia. A partir do momento em que contribui para o progresso da sociedade à qual pertence, o indivíduo se sente útil e respeitado. Sem ter qualquer perspectiva de obter um trabalho com uma justa remuneração e com razoáveis condições para exercê-lo, o indivíduo acaba tendo sua dignidade violada.”
Reiterando o quanto acima dito, se não for sob a ótica da dignidade da pessoa humana não há valorização social do trabalho, porque a valorização social do trabalho nada mais é que tratar o trabalhador com a dignidade que merece, e não o enxergar como outrora, como simples objeto do processo produtivo, e para isso, além de uma mudança cultural, torna-se imprescindível a intervenção estatal, conforme asseverado por Novelino (2013, p. 367):
“Por essa razão, a Constituição reconhece o trabalho como direito social fundamental (CF, art. 6º), conferindo uma extensa proteção aos direitos dos trabalhadores (CF, arts. 7º a 11). A consagração dos valores sociais do trabalho impõe, ainda, ao Estado o dever de proteção das relações de trabalho contra qualquer tipo de aviltamento ou exploração, como tem ocorrido com certa frequência na história do trabalho assalariado.”
Obviamente, uma gama normas é atingida pela prática do assédio moral e que, em via oposta, servem de base legal para sua repreensão, contudo, esmiuçando todas essas normas torna-se imperioso concluir que decorrem, sem exceção, do princípio da dignidade da pessoa humana. Sob esta ótica, a violação da dignidade da pessoa humana, por si só, justifica e embasa o repúdio e combate a prática do assédio moral.
O entendimento de que é despicienda a tipificação civil do assédio moral é corroborada ainda por lições basilares, porém, fundamentais, de responsabilidade civil. Nesse sentido, vejamos a valiosa lição de Ehrhardt Jr. (2014, p. 26/27):
“Também é possível vislumbrar outras diferenças marcantes entre os sistemas acima referidos. No campo penal vige o princípio nullum crimen, nulla poena sine praevia lege, não existindo ilícito sem expressa previsão legal; por se tratar de um sistema fechado, não existe a possibilidade de delimitação de um ato ilícito advindo da violação ao conjunto de normais penais.
Já no sistema civil, a contrariedade a direito não precisa ser expressamente prevista, pois se trabalha com tipos abertos, não havendo necessidade de enunciação literal do ato contrário ao direito, que pode ser construído a partir do confronto com um princípio ou outra norma, quando violar valores incorporados ao sistema jurídico.”
A ânsia de alguns em tipificar civilmente o assédio moral vai à contramão da construção do Direito moderno, que aos poucos tende a transformar-se num sistema de cláusulas gerais, conforme bem observa Ehrhardt Jr. (2014, p. 61):
“Parece que já se pacificou na doutrina o entendimento da valiosa função atualmente desempenhada por conceitos jurídicos abertos na atividade interpretativa, em especial pela utilização de cláusulas gerais. Elas são comumente referidas como uma das possíveis respostas do direito à crescente complexidade do mundo contemporâneo e às expectativas de uma sociedade globalizada, na medida em que propiciam condições para a fluidez de valores constitucionais no direito privado, mediante “valorização da interpretação criativa do direito de acordo com as exigências de justiça nos casos concretos”.
O recurso à categoria das cláusulas gerais normalmente é empregado para descrever dispositivos que apresentam significados intencionalmente vagos. Esta vagueza semântica (tipicidade mínima) permite mobilidade externa ao sistema através da incorporação de novos princípios até então não pertencentes ao próprio código.
É inegável sua utilidade na busca de soluções para problemas de unidade sistemática de institutos jurídicos, possibilitando através da integração normativa, a construção de possíveis respostas por intermédio da funcionalização de estruturas tradicionais em nosso ordenamento, o que permite decisões mais consentâneas com a realidade social, uma vez que não apresentam prévias respostas ao problema, mas facultam que estas sejam construídas progressivamente por decisões motivadas dos juízes.”
Notadamente, existe uma forte resistência por grande parte da doutrina no que tange a adoção de cláusulas gerais, sob o fundamento de que restaria comprometida a segurança jurídica, pois se abriria margem para que o julgador impusesse suas idiossincrasias nas decisões judiciais. Porém, o sistema de cláusulas abertas não proporciona margem maior para que isto ocorra do que o próprio sistema de conceitos determinados, haja vista a grande margem interpretativa pela qual podem percorrer os julgadores. Corroborando, em parte, o quanto dito, Ehrhardt Jr. (2014, p. 69) apud Pietro Pelegrini:
“[…] as cláusulas gerais não têm um valor axiológico autônomo e completo, porque são preenchidas por valores que se encontram não apenas na realidade social, mas nos princípios normativos de relevância hierarquicamente superior, sejam esses constitucionais, comunitários ou internacionais. A vagueza da referência contida na cláusula é superada com o reenvio não à consciência ou à valoração social, mas ao complexo de princípios que fundam o ordenamento jurídico, única garantia de pluralismo e de democracia. […] são, portanto, uma técnica legislativa que consente a concretização e especificação das múltiplas possibilidades de atuação de um princípio, agindo contemporaneamente como critério de controle da compatibilidade entre princípios e regras.”
O Código Civil brasileiro vigente trata a responsabilidade civil com conceitos determinados, mas também com cláusulas gerais, a exemplo dos artigos 186, que assevera que todo aquele que causar dano a outrem, por ação ou omissão, será obrigado a repará-lo, do artigo 187 que classifica como ato ilícito o abuso de direito e do parágrafo único do artigo 927 que atribui responsabilidade objetiva as atividades de risco, porém, sem enumerá-las ou defini-las, sequer, minimamente.
Enfim, já possuímos um sistema legal sobre o instituto da responsabilidade civil permeado por cláusulas gerais que permitem a inserção de qualquer tipo de dano causado a pessoa como sendo indenizável ou merecedor de reparação, logo, qual o sentido ou até mesmo a necessidade de tipificarmos civilmente o assédio moral? Por isso defendemos que é totalmente desnecessária a tipificação civil da proibição da prática do assédio moral. Tanto é assim que o Poder Judiciário, mesmo sem que haja a referida tipificação legal específica, tem reprimido essa prática e compelido os responsáveis a reparar os danos por meio de indenização pecuniária, em regra.
A jurisprudência pátria corrobora o quanto aqui asseverado, apenas a guisa de exemplo, no julgamento de Recurso de Revista do processo nº 81600-06.2008.5.05.0032, realizado em 17/06/2015, que a 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, sob a relatoria do ministro Renato de Lacerda Paiva, que neste caso foi voto vencido, tendo redigido o acórdão o ministro Roberto Freira Pimenta, manteve a condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais em razão do assédio moral praticado em face do empregado, sob o fundamento de que ao praticar o assédio moral o assediador o feriu “atingindo-lhe naquilo que tem de mais valioso, a sua dignidade”.
Na mesma linha de intelecção, tem-se que a 12ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em 09/04/2015, ao apreciar o Recurso Ordinário interposto nos autos do processo nº 00012517120135020081, sob a relatoria do desembargador Marcelo Freire Gonçalves, asseverou que “o direito à reparação do dano nasce a partir do momento em que ocorre a lesão a um bem jurídico extrapatrimonial, como a vida, a honra, a intimidade, imagem etc.”.
Os trechos dos julgados transcritos acima corroboram o quanto expendido no presente estudo no que tange a prescindibilidade da tipificação civil do assédio moral, pois, nada obstante inexistir proibição legal específica, existe a vedação constante nas cláusulas gerais que, na prática, analisando-se a jurisprudência, conclui-se que estão sendo úteis e eficazes.
Por outro lado, a tipificação civil da proibição da prática do assédio moral, certamente, não impediria sua execução pelos assediadores, ou será que pelo fato de inexistir tipificação civil os assediadores entendem que a conduta deles é aceitável pelo Direito?
Os assediadores sabem que agem em afronta ao Direito e justamente por isso camuflam ao máximo suas ofensivas, que sob a égide da lei poderiam configurar assédio moral e, justamente por isso, não se trata de mero acaso a dificuldade de provar a ocorrência do assédio moral em Juízo.
3. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Conforme já asseverado, a base legal para repreensão do assédio moral é a dignidade da pessoa humana, positivada no ordenamento jurídico pátrio como princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1º, III da CF/88). Todavia, não se presta apenas para este fim, pois além de servir como base para repreensão do assédio moral, deve nortear as medidas a serem adotadas em face do assediado e do assediador.
Assim como todos os institutos jurídicos, o conceito dignidade da pessoa humana vem sofrendo alterações ao longo da história do povo dito civilizado, sofrendo, como não poderia deixar de ser, influências não apenas temporais, mas também e principalmente, políticas e culturais, conforme depreende-se da valiosa lição de Barroso (2014, p. 14):
“Como se percebe, a dignidade em seu sentido pré-moderno pressupunha uma sociedade hierarquizada, na qual a desigualdade entre diferentes categorias de indivíduos era parte constitutiva dos arranjos institucionais. De modo geral, a dignidade era equivalente à nobreza, implicando em tratamento especial, direitos exclusivos e privilégios. Tendo essas premissas como base, não parece correto entender a ideia contemporânea de dignidade humana como um desenvolvimento histórico do conceito romano de dignitas hominis. Incorporada em documentos internacionais, tratados e constituições como a base para uma ordem nacional e internacional fundada sobre a liberdade e a igualdade — muitos acrescentariam a solidariedade —, não parece possível, de modo algum, associar ambas as ideias em uma relação linear de sucessão.”
Visando elucidar como se formou, ou seja, que estruturou o conceito moderno de dignidade da pessoa humana, o referido autor busca bases religiosas, filosóficas e políticas. Pois bem, vejamos o que diz Barroso (2014, p. 14/15):
“A noção atual de dignidade humana não substitui a antiga, pois é produto de uma história diferente, que correu paralelamente à narrativa apresentada acima. Deve ficar claro, contudo, que o entendimento atual de dignidade humana possui origens religiosas e filosóficas que remontam a muitos séculos, sendo talvez quase tão antigo quanto o anterior.
A dignidade humana, como atualmente compreendida, se assenta sobre o pressuposto de que cada ser humano possui um valor intrínseco e desfruta de uma posição especial no universo. Diversas religiões, teorias e concepções filosóficas buscam justificar essa visão metafísica. O longo desenvolvimento da compreensão contemporânea de dignidade humana se iniciou com o pensamento clássico e tem como marcos a tradição judaico-cristã, o Iluminismo e o período imediatamente posterior ao fim da Segunda Guerra Mundial.”
Enfim, o que seria a dignidade da pessoa humana? Sarlet (2007, p. 70) assim a conceitua:
“[…] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”
Em determinados ordenamentos jurídicos, a exemplo dos Estados Unidos, os direitos fundamentais possuem apenas eficácia vertical, ou seja, funcionam como limitadores do poder do Estado em relação ao particular. Nesse sentido segue a constatação de Novelino (2013, p. 388):
“No direito norte-americano o entendimento doutrinário e jurisprudencial amplamente adotado é de que com exceção a 13ª Emenda (proibição da escravidão), os direitos fundamentais impõem limitações apenas aos poderes públicos, não vinculando a conduta dos particulares. O principal argumento teórico utilizado está assentado na literalidade do texto constitucional que na maioria das cláusulas consagradoras de direitos fundamentais faz referência apenas aos poderes públicos.”
No Brasil verifica-se que a doutrina e jurisprudência adotam a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, conforme se observa do Informativo 405 do Supremo Tribunal Federal. Vejamos o que vem a ser a eficácia horizontal dos direitos fundamentais no entendimento de Novelino (2013, p. 390):
“Nos termos desta concepção a incidência dos direitos fundamentais deve ser estendida às relações entre particulares, independentemente de qualquer intermediação legislativa, ainda que não se negue a existência de certas especificidades nesta aplicação, bem como a necessidade de ponderação dos direitos fundamentais com a autonomia da vontade.”
Ressalte-se, que o próprio Poder Judiciário, inclusive, na seara trabalhista, tem reconhecido a eficácia horizontal dos direitos fundamentais e a sua aplicabilidade plena as relações de trabalho. Cite-se, como exemplo, recente decisão proferida pela quinta turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região no processo nº 0001025-83.2013.5.04.0025, na qual foi declarada que a prestação habitual de horas extras em quantidade superior ao limite legal ofende a dignidade da pessoa humana do empregado, impossibilitando o desenvolvimento da sua personalidade, bem como o seu desenvolvimento profissional, ensejando a reprimenda do Estado, com base na teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Tendo sido conceituado o princípio da dignidade da pessoa humana e restando óbvio que se faz aplicável também às relações entre particulares, forçoso é concluir que é aplicável as relações de trabalho. E mais que isso, que o princípio da dignidade da pessoa humana atualmente é dos pilares do direito do Trabalho, pois um dos escopos desta ciência jurídica nada mais é que garantir que aquele princípio norteie e permeie as relações de trabalho.
Diversas normas do direito do trabalho possuem como viés o princípio da dignidade da pessoa humana, a exemplo do atual conceito de trabalho escravo, ou em condição análoga, ampliado pela doutrina trabalhista e adotado, inclusive, pelo direito penal, que o tipificou como crime, conforme se infere do artigo 149 do Código Penal.
Vejamos o que assevera Garcia (2015, p. 89) sobre o tema:
“Na conceituação anterior, o trabalho escravo ou forçado exige que o trabalhador seja a coagido a permanecer prestando serviços, impossibilitando ou dificultando o seu desligamento, com violação da liberdade de labor.
Na atualidade, o chamado trabalho degradante, caracterizado por péssimas condições de labor, inclusive sem a observância das normas de segurança e medicina do trabalho, também é visto como uma das modalidades do trabalho análogo à condição de escravo.
Desse modo, o trabalho escravo ou análogo à condição de escravo passou a ser um gênero, tendo como modalidades ou espécies o trabalho forçado ou degradante, ambos considerados atentatórios à dignidade da pessoa humana e vedados pela Constituição Federal de 1988 (art. 5º, incisos III, XIII e XLVII, c, da CF/1988), representando a própria essência dos direitos humanos fundamentais.”
Por questões óbvias o princípio da dignidade da pessoa humana é a base da proibição do trabalho em condições análogas a condição de escravo. Mas não apenas nas normas que coíbem as aberrações socais, como o trabalho escravo, o princípio da dignidade da pessoa humana está presente, estando presente, em verdade, mesmo nas situações mínimas tuteladas pelo direito do trabalho. A guisa de exemplo, citemos o conceito de trabalho decente que nada mais é que uma bandeira hasteada do princípio supracitado, e para corroborar esta alegação valer-nos-emos mais uma vez da lição de Garcia (2015, p. 91 apud Brito Filho: 2006, p. 128):
“Trabalho decente é um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho em condições justas, incluindo a remuneração, e a preservação de sua saúde e segurança; a proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os riscos sociais.”
Verifica-se ainda, a presença do princípio da dignidade da pessoa humana na vedação e tipificação penal de outras aberrações sociais, a exemplo do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, na proibição do trabalho infantil, na proibição de revista intima, entre outras.
Em verdade, arriscamo-nos a afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana permeia todo o direito do trabalho, sendo, inclusive e indubitavelmente, um dos pilares dos direitos que constituem o patamar mínimo civilizatório tão defendido por Delgado (2008, p. 1403):
“No caso brasileiro, esse patamar civilizatório mínimo está dado essencialmente, por três grupos de normas trabalhistas heterônomas: as normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art. 7º, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro (referidas pelo art. 5º, §2º, CF/88, já expressando uma patamar civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil); as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentes à base salarial mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc).”
Segundo Delgado, este patamar mínimo civilizatório é inatingível pelo retrocesso social, pois se prestam a assegurar a dignidade do trabalhador, constituindo-se em um núcleo básico. Ainda tratando a dignidade da pessoa humana como parâmetro para delinear as condições mínimas do trabalho digno, Carvalho (2011, p. 50) assevera:
“O princípio da dignidade da pessoa humana igualmente não exaure a sua atuação no âmbito do direito laboral, pois interfere em setores variados da vida e do Direito. Mas, voltando os olhos à realidade dos que vivem um liame empregatício, uma tarefa deveras interessante seria a de identificar os direitos sociais que salvaguardariam, em qualquer sítio onde se realizasse o labor humano, as condições de trabalho mínimas, abaixo das quais não haveria trabalho digno. Estaríamos a contrastar a diversidade das pautas de direitos sociais com a necessária transcendentalidade de um atributo que é imanente ao gênero humano em qualquer atmosfera cultural, qual seja, a dignidade.”
Ainda nessa linha de raciocínio, se o princípio da dignidade da pessoa humana permeia e norteia o direito do trabalho com fito de proteger o trabalhador, ou seja, de resguardar a dignidade do trabalhador, obviamente, o direito do trabalho não permitiria ofensas à própria dignidade, ou até mesmo, aos direitos da personalidade, que também são oriundos do princípio da dignidade. Torna-se óbvio também que as ofensas a estes bens jurídicos não restariam impunes.
Portanto, se a prática do assédio moral afronta a dignidade da pessoa humana, bem como o direito constitucional fundamental a privacidade, que abrange o direito à intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, denominados pela doutrina como direitos da personalidade e decorrentes diretamente da dignidade da pessoa humana, nada mais justo que punir o ofensor e assegurar ao ofendido o direito a indenização por danos morais e materiais decorrentes da violação dos seus direitos, com espeque no próprio artigo 5º, X da CF/88, combinado com os artigos 186 e 927 do Código Civil.
No caso do assédio moral, a doutrina e jurisprudência sustentam que punindo o ofensor e propiciando o tratamento médico ao ofendido quando necessário, restituindo-se o status quo ante, estar-se-á resguardando a dignidade da pessoa humana. Porém, o tratamento dispensado ao assediador, principalmente, quando este ocupa a condição de empregado, não se coaduna com o princípio da dignidade da pessoa humana.
Diz-se isso, porque conforme expendido neste trabalho, a solução adotada pelo empregador quando o assediador é um empregado, que, na maioria dos casos é a de despedi-lo, não raras vezes por justa causa, notadamente, ofende a dignidade da pessoa humana, pois “[…] a dignidade é violada nos casos em que o ser humano não é tratado como um fim em si mesmo, mas como mero instrumento para se atingir determinados fins […]” (Novelino, 2013, p. 363).
Desta forma, no decorrer do presente trabalho serão expostos os fundamentos que demonstram, em muitos casos, que o tratamento dispensado ao ofensor (assediador), principalmente quando este ocupa a posição de empregado, tal qual a vítima, não se coaduna com o princípio da dignidade da pessoa humana.
4. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR PELA HIGIDEZ DO AMBIENTE DE TRABALHO
Segundo Basile (2012, p. 266), em respeito à dignidade da pessoa humana, a todos os trabalhadores deverá ser garantido um ambiente de trabalho seguro e saudável. Esse ambiente de trabalho também é denominado meio ambiente de trabalho, conforme vaticina Garcia (2015, p. 677):
“O meio ambiente do trabalho insere-se no meio ambiente como um todo (art. 200, inciso VIII, da CF/1988), o qual, por sua vez, integra o rol dos direitos humanos fundamentais, inclusive por ter como objetivo o respeito à “dignidade da pessoa humana”, figurando, ainda, como verdadeiro fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III, da CF/1988).”
Pois bem, tendo ocorrido lesão aos direitos da personalidade ou a dignidade da pessoa humana no âmbito da relação de emprego surge o dever de reparar o dano, neste caso específico o dano moral trabalhista, conforme esmiúça Garcia (2015, p. 84):
“Por dano moral trabalhista entende-se aquele ocorrido no âmbito do contrato de trabalho, no seu bojo e em razão da sua existência, envolvendo os dois polos desta relação jurídica (de emprego), ou seja, empregador e o empregado.”
A responsabilização civil do empregador justifica-se por ser obrigação sua manter a higidez do ambiente de trabalho, ou seja, tendo ocorrido um dano aos direitos da personalidade ou dignidade da pessoa humana de um trabalhador no ambiente de trabalho, tem-se que a responsabilidade é do empregador, pois não logrou êxito em manter aquele ambiente hígido e saudável, conforme leciona Martinez (2015, p. 320):
“As normas de saúde, higiene e segurança laboral passaram, então, a ter um espaço central nas relações de emprego, e isso se justificou diante do fato de o empregador não apenas ser responsável pela contraprestação salarial dos seus operários, mas também pela manutenção da sua higidez no decurso do vínculo contratual.”
A Norma Regulamentadora nº 4 (NR 4) expedida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), aponta como obrigação do empregador manter Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho, com a finalidade de promover a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho.
Em síntese, é pacífico o entendimento de que cumpre ao empregador zelar pela higidez do ambiente de trabalho, notadamente, como meio de preservar a integridade física e psíquica do empregado. A própria Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) traz em seu bojo disposições nesse sentido, a exemplo do artigo 157, I.
Desta forma, a vítima do assédio moral no ambiente de trabalho deve buscar a reparação do empregador, mesmo que o assédio tenha sido praticado por outro empregado do mesmo nível hierárquico, sendo irrelevante perquirir se o empregador tinha ou não ciência dos acontecimentos, pois se não sabia, era sua obrigação saber. Em regra, a reparação a vítima do assédio moral vem por meio da indenização por dano moral. Segundo Garcia (2015, p. 85):
“O dano moral pode ser decorrente até mesmo, do chamado assédio moral, também conhecido como “terror psicológico no trabalho” ou “mobbing” que se caracteriza por uma conduta reiterada, de violência psicológica, desestabilizando e prejudicando o equilíbrio psíquico e emocional do empregado (com atitudes de perseguição, indiferença ou discriminação, normalmente de forma velada), deteriorando o meio ambiente de trabalho, podendo resultar em enfermidades graves de ordem física e psíquica.”
Ressalte-se ainda, por oportuno, que a responsabilidade civil do empregador nesses casos será a responsabilidade civil subjetiva, mas sim a responsabilidade civil objetiva, na qual a culpa é presumida, a teor do quanto disposto no artigo 932, III do Código Civil analisado em cotejo com a Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal. Em suma, não haverá necessidade de comprovação da culpa do empregador ou do seu preposto no evento danoso, bastando, para que se atribua a responsabilidade àquele a comprovação da existência do nexo causal entre a conduta do preposto e o dano.
Sendo ponto pacífico que é o empregador é responsável por manter a higidez do ambiente de trabalho, bem como, garantir a saúde dos trabalhadores, depreende-se, como conclusão lógica, que nos casos de assédio moral, sendo o assediador empregado, aquele também será responsável pela manutenção da saúde deste.
5. CARACTERÍSTICAS DA PERSONALIDADE DO ASSEDIADOR
Através de uma análise da doutrina, legislação e jurisprudência pátrias, concluímos ser dispensado diminuto tratamento a figura do assediador nos casos de assédio moral. Notadamente, a preocupação do ordenamento jurídico, no que tange a reparação dos danos causados pelo assédio moral, recai única e exclusivamente sobre a figura do assediado, vítima do evento danoso.
O diminuto tratamento dispensado pelo ordenamento jurídico ao assediador restringe-se a enumeração das suas características pessoais, dos desdobramentos jurídicos dos seus atos e das nefastas consequências que os atos praticados por este causam a vítima. Nesse sentido, encontraremos na doutrina pátria diversos autores apontando as vicissitudes do assediador.
Essa execração da figura do assediador fez com que os estudiosos do Direito olvidassem que nas situações em que este for um empregado, um trabalhador, tal qual a vítima, também estará protegido pelo conjunto de normas que regem o direito do trabalho.
Destaque-se nesse sentido, que o fato de ter cometido um ato abominável, que é a prática do assédio moral, não o torna um objeto, mas, o mantém ocupando o espaço de sujeito de direito sob a ótica jurídica.
E esse sujeito de direito, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, conjugado com os princípios norteadores do direito do trabalho, merece uma maior atenção, principalmente, mas não apenas, nos casos em que ocupar, assim como a vítima, a condição de empregado.
Diz-se isso porque os estudos realizados por outras ciências, a exemplo da psicologia e psiquiatria, sugerem que o assediador, analisando as características externadas pelo seu comportamento fora dos padrões sociais aceitáveis, possa ser portador de patologia, mais precisamente, de uma psicopatologia.
Não se está a afirmar que o comportamento de todos assediadores decorre de psicopatologias, mas que em alguns casos esse comportamento decorre de uma psicopatologia. Portanto, se faz necessário, e até mesmo imprescindível, propiciar-lhes acompanhamento médico para averiguação dessa possibilidade.
Para fundamentar a ideia de que o assediador possa ser portador de uma psicopatologia, necessário se faz traçar o seu perfil através do estudo das suas características e, para tanto, valer-nos-emos de uma das maiores, senão a maior, autoridade acerca do tema assédio moral, Hirigoyen (2011, p. 144), que assim define o assediador:
“Apresentam total falta de interesse e de empatia para com os outros, mas desejam que os outros se interessem por eles. Tudo lhes é devido. Criticam todo mundo, mas não admitem o menor questionamento ou a menor censura. Diante deste mundo tão poderoso a vítima está forçosamente em um mundo cheio de falhas. Mostrar as dos outros é uma maneira de não ver as próprias falhas, de defender-se contra uma angústia de cunho psicótico.”
Conforme se infere do trecho acima transcrito, a renomada autora demonstra certa convergência de ideia com a defendida neste trabalho, na medida em que assevera poder ser o assediador portador de uma angústia de cunho psicótico.
Mauro Azevedo de Moura (2015, p. 8/9) escreve formidavelmente acerca da possibilidade de o comportamento do agressor ter origens patológicas, vejamos:
“Alguém que não pode existir senão pelo rebaixamento de outros, pois tem necessidade de demonstrar poder e para ter uma boa auto-estima. É uma pessoa nunca reconhecida como ser humano no seu passado. Um tirano ou atropelador (bully), advindo daí o termo bullying. Estudos realizados por Psicólogos do Trabalho diagnosticam os distúrbios mentais do assediador como sendo um perverso-narcisista.
É perverso, pois é anti-social, é falso, mentiroso, irritável. Não tem preocupação com a segurança dos demais e não tem nenhum remorso dos atos que pratica. Nega a existência de conflito para impedir a reação da vítima. É incapaz de considerar os outros como seres humanos.
É narcisista porque se acha um ser único e especial. É arrogante. Ávido de admiração, holofotes. Dissimula sua incompetência. Acha que tudo lhe é devido e tem fantasias ilimitadas de sucesso. Nunca é responsável por nada e ataca os outros para se defender. Projeta no(a) assediado(a) as falhas que não pode admitir serem suas.
Em resumo, trata-se de alguém que é covarde, impulsivo, fala uma "fala vazia" e não escuta. Não assume responsabilidades, não reconhece suas falhas e não valoriza os demais. É arrogante, desmotivador, amoral, plagia ou se apropria do trabalho de outros, e cego para o aprendizado.
Existem, ainda, os psicoterroristas em série, ou serialbully, que assediam um(a) trabalhador(a) após aniquilar com outro(a).”
Soboll e Gosdal (2009, p. 122), inclusive, são mais incisivos ao afirmar que uma das explicações para pessoas com condutas irrepreensíveis trilharem o caminho da prática do assédio moral é o acometimento por psicopatologia, vejamos:
“Diante das analogias apresentadas entre realização do “trabalho sujo” e as práticas de hostilidade e assédio moral, transpomos o questionamento de Dejours para o foco de nossa discussão, perguntando: Por que “pessoas de bem” (os trabalhadores, em geral) adotam condutas hostis e práticas de assédio moral contra outrem no trabalho?
Continuaremos este reflexão tendo como base as considerações de Dejours sobre possíveis explicações para a participação das pessoas na prática de injustiças cometidas aos outros e na realização do “trabalho sujo”.
As primeiras explicações são denominadas pelo autor como sendo “explicações convencionais”, e consistem na psicopatologia e na racionalidade estratégica.
No caso das explicações em termos da psicopatologia, mais frequentemente estudadas pela Psicologia clínica, considera-se que os “colaboradores” em tais práticas injustas contra o outro são essencialmente perversos. Ou seja, tais condutas de injustiça e de participação no “trabalho sujo” devem-se a distúrbios na estrutura psíquica do assediador.”
Ao pesquisar sobre a possibilidade de o assediador ser acometido por patologia, encontramos ainda nas lições de Hirigoyen (2002, p. 264) um breve relato sobre as personalidades obsessivas:
“Acompanhado pelas ideias fixas, as personalidades obsessivas apresentam um fundo depressivo particular, chamado de “psicastenia” por Janet, psiquiatra do começo do século XX. Isto os mantém distanciados das preocupações com os outros, envolvidos em abstrações ou grandes teorias. Como são pessoas que manifestam uma certa frieza nos gestos ou nas palavras, bem como uma ausência manifesta de emotividade, os colegas ou parceiros podem se sentir rejeitados.”
Ao esmiuçar o gênero que denomina personalidades obsessivas, Hirigoyen (2002, p. 275) descreve a espécie de psicopatologia denominada personalidade narcisista, vejamos:
“Vendo-os tão à vontade no mundo do trabalho, poder-se-ia pensar que essas pessoas se beneficiam de uma excelente auto-imagem, mas não passam de simples aparências. Os psicanalistas falam a respeito deles como falso self, isto é, uma personalidade falsa. São personalidades muito frágeis, que tudo esperam do olhar do outro. O que importa para eles é criar a ilusão. Na realidade, eles não se amam: “Eu não sou nada sem minhas atuações, meus sucessos. ” Para funcionar corretamente com os outros, é preciso gostar suficientemente de si. Quando não se tem autoconfiança, é necessário estar permanentemente na defensiva, pois é pensado que os outros estão julgando e prontos para criticar. Por nos sentirmos agredidos, antecipamo-nos e agredimos.”
Zanetti (2015, p. 76 e 77), corroborando a citação acima transcrita, aponta a perversidade como sendo uma das características do assediador, dividindo-a em ocasional e habitual, salientando, inclusive, ser importante a realização de exames psicológicos para apurar se o mesmo é um perverso narcisista.
A importância de diagnosticá-lo como sendo ou não um perverso narcisista faria para sua relação de trabalho uma grande diferença, pois, sendo portador de psicopatologia não poderia ser demitido, caso fosse empregado. Mas afinal, o que vem a ser o perverso narcisista? Segundo Hirigoyen (2002, p. 278):
“Os perversos narcisistas são indivíduos que estabelecem com o outro vinculações alicerçadas em relação de força, desconfiança e manipulação. É impossível para eles reconhecer as diferenças do outro como ser humano complementar, que deveriam enriquecê-los. Ao contrário, consideram o outro, a priori, como um inimigo a ser vencido. Precisam, portanto, dominar ou destruir todos os que poderiam ser um entrave ao seu poder. Projetam toda violência interna em alguém que possa os desmascarar ou mostrar suas fraquezas. Este outro se torna mau, responsável por tudo de errado, e deve ser destruído. Existe, incontestavelmente, nos perversos narcisistas um grande prazer em fazer exatamente o que poderá desmantelar a identidade da vítima.”
Para Zanetti (2015, p. 80) o problema da personalidade narcisista revela uma psicopatologia e é diagnosticado com a ajuda de testes ou questionários de personalidade.
Outra possível psicopatologia que o assediador pode ser portador é a agressividade neurótica, consoante bem descreve Hirigoyen (2002, p. 259):
“A agressividade neurótica permanece no mais das vezes inconsciente e se manifesta sem dificuldades em condutas indiretas de ironia, sarcasmo, implicância, rejeição ou então em condutas de atos falhos, indiferença, astenia, apatia, indecisão. Não pode ser vivida como tal sem angústia. A agressividade neurótica, cujo ponto de partida se situa na história pessoal do sujeito, pode em seguida se deslocar e se expressar no local de trabalho. Por exemplo, o ódio que se sente pela mãe pode ser transferido para todas as mulheres, o que explica certos comportamentos machistas ou sexistas.”
Dentre outras características do assediador, citadas pela doutrina abalizada, encontram-se a inveja, o medo, a ausência de empatia etc. Em síntese, características relacionadas à afetividade, que nada mais é que “um termo genérico, que compreende várias modalidades de vivências afetivas, como o humor, as emoções e os sentimentos” (Dalgalarrondo, 2008, p. 155).
É inegável que a afetividade, que compreende as emoções e sentimentos influenciam na formação da personalidade, consequentemente, no comportamento do assediador, podendo inclusive desencadear uma psicopatologia. Nesse sentido, Barros (2011, p. 730/731) leciona:
“A personalidade se constrói e evolui na convivência familiar, nas escolas, nos clubes, nos bairros, no trabalho e finalmente na sociedade, como sistema cultural maior. Nesse processo de aculturação formam-se os sentimentos, o modo de ser das pessoas. Dos sentimentos origina-se a sensibilidade, que se manifesta nas condutas individuais e nos comportamentos coletivos.
O sentimento produz emoções primárias e secundárias. As emoções primárias se adquirem com a experiência, isto é, com a aculturação informal (situam-se aqui o orgulho e o ódio, por exemplo). Já as emoções secundárias, como o medo e a esperança, são adquiridas pelo processo de aculturação formal. As emoções são sensações que nos invadem a alma e a razão, e muitas vezes temos dificuldades de controlá-las. As emoções têm antecedentes causais que advêm do processo de aculturação formal ou informal, daí falar-se, ainda, em emoções estáticas ou passivas, que ocorrem quando somos vítimas, por exemplo, de um dano moral. Elas provocam mudanças no estado de ânimo quando somos ofendidos. A par da emoção passiva, temos a emoções dinâmica ou ativa, que se manifesta quando transmitimos para outrem nossas emoções positivas ou negativas. Isso significa que nas situações “cara a cara” a subjetividade do outro nos é acessível por um máximo de sintomas.
A intensidade dos sentimentos terá reflexos diretos no comportamento futuro, gerando novos estados, como euforia, desgosto ou angústia, o que afeta todo o sistema fisiológico, podendo predispor-nos a sensações agradáveis ou até perniciosas, ou mesmo vir a transformar-nos em agressores inconscientes.”
A doutrina abalizada aponta ainda a inveja como uma das características que pode ser inerente ao agressor assediador. Sobre esse traço da personalidade especifico Hirigoyen (2002, p. 39) leciona:
“A inveja é um sentimento natural que surge inevitavelmente a partir do momento em que duas pessoas estão em situação de se comparar uma à outra, ou em posição de rivalidade. Ela pode causar danos consideráveis ao tornar indivíduos nocivos, mas é um conceito ignorado pelas ciências sociais, como se tal sentimento fosse mera ilusão. É verdade que é algo não confessado facilmente. Como dizer aos outros, e como dizer a si mesmo: “Eu não vou com a cara de fulano porque ele é mais inteligente, mais bonito, mais rico ou parece ser mais amado do que eu”?!? Não podendo dizê-lo, fazemos e tentamos destruir o outro para sobressairmos. Difamando, reduzimos a distância entre nós e o que imaginamos serem os outros.”
Ao apontar a inveja como uma das possíveis características do assediador, Maria Alice Monteiro de Barros (2011, p. 732) assim discorre:
“A inveja é um sentimento causado pelo fato de alguém possuir ou desfrutar algo que desejamos. Pressupõe a relação do indivíduo com uma só pessoa. Já o ciúme pressupõe a relação do indivíduo com pelo menos duas pessoas. Diz respeito ao amor que alguém sente como lhe sendo devido ou como lhe tendo sido tirado. Todos nós podemos ter esses sentimentos como reações ocasionais, seguidas de arrependimento. Se alguém, entretanto, encontrar-se em crise emocional poderá ser levado por esses sentimentos a utilizar-se de mecanismos perversos para se defender. Aliás, o momento inicial da história humana está registrado com dramaticidade, no relato de inveja que levou Caim a matar Abel.”
Tratando mais especificamente da inveja patológica, Dalgalarrondo (2008, p. 173) assevera o seguinte:
“A inveja, por sua vez, é a sensação de desconforto, raiva e angústia diante da constatação de que outra pessoa possui objetos, qualidades, relações que o indivíduo gostaria de ter, mas não tem. Pode ser importante fonte de sofrimento em indivíduos imaturos, extremamente neuróticos e com transtornos da personalidade. Além disso, a inveja intensa pode ter efeitos devastadores nas relações interpessoais.”
Ademais, independe das características específicas apontadas pela doutrina, o próprio senso comum qualifica as atitudes do assediador como um desvio de comportamento moral. Nessa linha de intelecção, tem-se que o próprio comportamento amoral poderá decorrer de patologia, conforme ressalta Dalgalarrondo (2008, p. 176), vejamos:
“O neuropsicólogo Marc Hauser e o neurologista Antonio Damasio identificaram que pacientes com lesões no córtex pré-frontal ventromedial demonstravam menos empatia, compaixão, culpa, vergonha e arrependimento quando tomavam decisões que, embora utilitárias, causavam dano a alguém, mesmo sendo a uma pessoa próxima.”
Existe ainda no mercado de trabalho o psicopata propriamente dito, vejamos o que diz Barbosa Silva (2014, p. 96):
“Identificar psicopatas fora das prisões e dos manicômios judiciários é uma empreitada bastante difícil. Eles estão por toda a parte, e, no dia a dia, é possível encontrá-los em diversas categorias profissionais. Em particular, em organizações e empresas públicas ou privadas. Estas costumam se constituir em um cenário favorável para peculiar maneira de agir de tais indivíduos. Sem nenhuma sombra de dúvida, o papel de liderança em cargos como diretor, gerente, supervisor ou executivo é sempre algo muito atraente para um psicopata.”
Ainda segundo Barbosa Silva (2014, p. 98) os psicopatas costumam tiranizar os seus colegas de trabalho. Porém, a psicopatia, por não possuir cura, apresenta-se como um caso sui generis, não podendo ser englobada no escopo do presente trabalho.
Enfim, parece-nos óbvio que um indivíduo que se compraz na realização do mal, que sente prazer e satisfação em ferir um semelhante, pode, em alguns casos padecer apenas de um desvio de conduta, mas em outros casos possuem determinado transtorno mental que poderá vir a ser classificado como sociopatia, psicopatologia, etc. De fato, não se pode comprovar essa afirmação por enquanto, mas de uma análise empírica dos sintomas, denominados aqui como características, facilmente chegar-se-á a essa conclusão.
Por fim, considerando a possibilidade de o assediador ser um potencial portador de psicopatologia, haja vista suas caraterísticas comportamentais nos remeterem a essa conclusão, sob nenhuma hipótese seu despedimento seria válido, sem que antes fosse analisada a sua sanidade mental por meio de relatório médico emitido por especialista.
Notadamente, com base no princípio da dignidade da pessoa humana e na responsabilidade do empregador na manutenção da higidez do ambiente de trabalho e na preservação da saúde do trabalho, a aquele competiria encaminhar o assediador para o referido acompanhamento médico antes de efetivar a sua despedida.
E certamente, como o empregador não adotará essa medida por vontade por própria, cabe ao Estado obrigá-lo, afinal, a saúde é direito de todos e dever do Estado garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, conforme assevera o artigo 196 da CF/88.
6. PRÁTICA DO ASSÉDIO MORAL: CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS PARA O CONTRATO DE EMPREGO
Para o escopo do presente estudo, a consequência jurídica da prática do assédio moral que merece maior destaque, e é justamente a que será pormenorizada, é a rescisão do contrato de emprego. Como é notório, a Consolidação das Leis Trabalhistas abarca em seu bojo diversas modalidades de extinção do contrato de trabalho, porém, o ponto fulcral do presente estudo é a medida legal geralmente adotada pelo empregador face àquele empregado que assedia moralmente outro colega de trabalho.
Suponhamos que o empregador tenha tomado ciência da prática do assédio moral perpetrada por um colega de trabalho em face de outro, denominado pela doutrina de assédio moral horizontal, e resolvido adotar providências. Pois bem, segundo Garcia (2015, p. 85) a providência a ser adotada consiste na despedida por justa causa do assediador, vejamos:
“Se o empregado pratica o assédio moral contra outro colega de trabalho, tem-se a prática da justa causa para resolução do contrato de trabalho, conforme o art. 482, alínea j, da CLT, o qual prevê o ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em legítima defesa própria ou de outrem.”
A mesma medida é defendida por outros doutrinadores nos casos do assédio moral ao asseverarem que “[…] quem praticou o ato será despedido por justa causa segundo estabelece o artigo 482 da CLT alíneas “j” e “k” […]” (Zanetti, 2015, p. 151).
Nesse sentido, necessário se faz esclarecer o que vem a ser falta grave que enseja a resolução por justa causa do contrato de emprego, valendo-nos da lição de Martinez (2015, p. 639), vejamos:
“O contrato é dissolvido por culpa ou por justa causa do empregado quando ele, no exercício de seu trabalho ou em atividades correlatas ao serviço, viola um ou alguns dos deveres de conduta resultantes daquilo que foi estipulado, notadamente quando aferido de acordo com o princípio da boa-fé.”
Em síntese, o empregado comete fala grave ensejadora da rescisão contratual por justa causa quando a sua conduta se subsume a alguma ou algumas das práticas elencadas no artigo 482 da CLT, bem como outras dispostas em outros artigos da CLT e legislação extravagante.
Em síntese, quando se trata de assédio moral praticado por um empregado em face de outro empregado, a solução mais cômoda para o empregador é despedir o assediador por justa causa. Diz-se cômoda porque é corroborada como conduta correta pela doutrina, conforme já foi demonstrado, e também pela jurisprudência, conforme será demonstrado a seguir, sem que haja sequer uma voz dissonante.
Cite-se como exemplo o processo nº 0020351-65.2013.5.04.0013, no qual a sétima turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região asseverou expressamente que a circunstância de a empresa ter reconhecido o assédio realizado por empregado seu e tomado providências para que tal não continuasse ocorrendo, despedindo-o por justa causa, demonstra a correção de seu comportamento empresarial em relação ao ambiente de trabalho, apesar de não a eximir do pagamento de indenização por danos morais em prol da vítima.
O mesmo raciocínio verifica-se no processo AIRR – 138900-34.2008.5.04.0102, no qual a despedida por justa causa só não foi mantida porque a empresa não conseguiu comprovar nos autos que o seu ex-empregado tenha efetivamente, praticado o assédio moral. Em suma, caso a empresa conseguisse comprovar que o mesmo praticou assédio moral, a justa causa seria mantida, corroborando o quanto asseverado no parágrafo anterior.
Encontramos outro exemplo no processo RO 01381-2008-141-18-00-5. Neste processo discutia-se a reversão da justa causa aplicada a ex-funcionário da empresa que ofendeu outro empregado, por meio de divulgação de fotos retiradas do site de relacionamento, atribuindo-as conotação sobre a orientação sexual com o nítido intuito pejorativo, configurando, conforme reconhecido por sentença, assédio moral horizontal. Observe-se, que a justa causa foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, reforçando o quanto foi dito acerca da aplicação da justa causa ao assediador nos casos de assédio moral.
Entretanto, inobstante ter incorrido numa das hipóteses previstas no artigo 482 da CLT, circunstância que efetivamente enseja a aplicação da despedida por justa causa, cada caso deve ser analisado de acordo com as suas peculiaridades.
Devemos recordar que outrora pouco importava a saúde dos empregados nos casos de embriaguez habitual ou em serviço, hipótese de despedida por justa causa prevista no artigo 482, f, da CLT, porém, atualmente, recebem tratamento diferenciado, conforme discorremos a seguir.
Antes de tudo, é importante conceituarmos o instituto, vejamos o que nos diz Carvalho (2011, p. 317) sobre o assunto:
“São duas as situações que, segundo a expressão legal, devem-se distinguir: a embriaguez costumeira ou a embriaguez em serviço. A princípio, para a configuração da justa causa sob exame basta uma só manifestação de embriaguez durante o cumprimento da jornada de trabalho ou, em outras circunstâncias, a sucessiva turbação alcoólica fora do ambiente ou do tempo de trabalho. O torpor, que a ingestão desmesurada de álcool provoca, degenera o caráter do homem e o expõe à irrisão ou ao medo, à inércia ou à atividade motora desordenada, causando insegurança e apreensão que não são condizentes com a função social da empresa.”
Mostra-se salutar também pontuar que a embriaguez que trata a norma legal não se refere exclusivamente àquela causada pelo álcool, mas também por outras substâncias psicotrópicas que possuam o condão de causar torpor, conforme leciona Garcia (2015, p. 398):
“Embriaguez é o estado em que a pessoa (no caso, o empregado) fica sem plenitude dos seus sentidos, em razão de ter ingerido ou consumido substâncias químicas (como bebidas alcoólicas ou drogas, que afetam o sistema nervoso, retirando, total ou parcialmente, a sua capacidade de controle de si.”
Nessa mesma linha de intelecção, todavia, de forma mais minudenciada, vaticina Carvalho (2011, p. 318):
“Além disso, o texto da Consolidação das Leis do Trabalho está visivelmente desatualizado no tocante a outras substâncias tóxicas, diferentes do álcool. Não há razão para se restringir a justa causa ao consumo desregrado de bebida alcoólica, como observam Wilson de Souza Campos Batalha e Sílvia Batalha Netto. Até porque estaria essa conduta (consumo de qualquer substância entorpecente em meio à jornada) subsumida, decerto, em outra das justas causas enumeradas no artigo 482 da CLT, o que tornaria anódina essa discussão.”
Dito isso, é importante salientar que por muito tempo esta norma foi inflexível, ou seja, incidindo o empregado em algumas das hipóteses de embriaguez, habitual ou em serviço, inevitável seria a aplicação da justa causa. Porém, há algum tempo, a doutrina e a jurisprudência têm manifestado entendimento diferente nos casos de embriaguez patológica. Vejamos o que diz Carvalho (2011, p. 318):
“Questão ainda controvertida é a relativa à embriaguez patológica, que é, para muitos, o mesmo que embriaguez habitual ou alcoolismo. Rodrigues Pinto anota “um consistente alinhamento de juízes e tribunais do trabalho com a tese de que a embriaguez habitual (cuja denominação mais precisa é alcoolismo) não configura justa causa para despedida do empregado. A tese encontra respaldo nas áreas médica e sociológica, para as quais o alcoolismo é doença, conclusão que não pode deixar de refletir-se, necessariamente, no campo jurídico”. O autor lembra que o alcoolismo é reconhecido como enfermidade pelo órgão competente da Organização Mundial de Saúde, inclusive com inscrição na Classificação Internacional de Doenças – CID.”
No mesmo sentido Garcia (2015, p. 398) discorre sobre a questão em sua obra:
“No entanto, especialmente quanto à embriaguez habitual, há corrente de entendimento, que vem se fortalecendo, no sentido de não ser considerada como justa causa a embriaguez, quando se caracterizar como uma enfermidade. Tanto é assim que a embriaguez é reconhecida como uma enfermidade, no Código Internacional de Doenças (CID – 10).
Por isso, o empregado com o referido problema de saúde, na realidade, deve receber o devido tratamento médico, ainda que com eventual afastamento com este objetivo, e não ser punido com a justa causa.”
Outro não é o entendimento esposado por Martinez (2015, p. 644) em sua obra, vejamos:
“A embriaguez prevista no art. 482, f, da CLT para fins de resolução contratual por falta grave operária deve ser habitual, ainda que fora do ambiente laboral, ou constatada em serviço. A primeira hipótese – aquela que diz respeito a embriaguez habitual – tem sido excluída do âmbito das causas geradoras do desligamento motivado. Isso acontece porque, sendo ela habitual, estará fatalmente caracterizada a existência de dependência química do ébrio e da necessidade de tratamento médico.”
Com razão a jurisprudência abraçou esse entendimento, pois o portador de patologia não pode ter seu contrato de trabalho rescindido, mas, deve receber tratamento médico, independentemente de ser o empregador causador ou não desta patologia.
Inclusive, esse foi o entendimento sustentado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região ao julgar o recurso ordinário apresentado no processo nº 00984.2008.033.22.00.2. Em síntese, o egrégio tribunal asseverou que o alcoolismo configura doença progressiva, incurável e fatal, que consta do Código Internacional de Doenças, logo, caberia à mitigação da antiga caracterização da dispensa por justa causa em face da embriaguez do empregado em serviço (art. 482, “f”, da CLT), devendo o autor, ao invés de punido, ser encaminhado para tratamento médico.
Vale ressaltar, apenas corroborando o quanto já afirmado no decorrer do presente trabalho, que ao tratar de embriaguez, o artigo 482, f, da CLT não se refere exclusivamente ao álcool, mas a qualquer substância química que possa causar torpor. Com base nesta interpretação extensiva, o mesmo tratamento jurídico que a doutrina e jurisprudência vêm concedendo ao alcoólatra, têm estendido ao toxicômano.
Em decisão prolatada no ano de 2005, a segunda turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, no processo nº 00044.2005.000.02.00-1, determinou a reintegração de um ex-funcionário viciado em cocaína, sob o fundamento de que o uso habitual da droga denota doença catalogado no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde.
O que merece maior destaque é o fundamento jurídico que embasa a não aplicação da justa causa nesses casos específicos, mesmo havendo subsunção entre a conduta e a norma, qual seja, a autor da falta grave ensejadora da aplicação da justa causa ser portador de patologia. Porém, não de qualquer patologia, mas de patologia que o leve a praticar a conduta descrita na norma.
Esse fundamento jurídico também se presta a corroborar a não aplicação da justa causa ao empregado que prática assédio moral em face de outro empregado, desde que seja comprovado que o seu comportamento assediador é decorrente de uma psicopatologia. Porém, para isso, necessário se faz que sejam os assediadores encaminhados ao serviço médico especializado antes da efetivação da despedida por justa causa, e não que sejam submetidos apenas ao corriqueiro e superficial exame demissional.
O encaminhamento do assediador ao serviço médico especializado mostra-se imprescindível, pois conforme demonstrado em tópicos anteriores, existe a real possibilidade de que o seu comportamento seja decorrente de psicopatologia, inclusive catalogada no Código Internacional de Doenças, do mesmo modo que o alcoolismo e a toxicomania, logo, a este deveria ser dado o mesmo tratamento jurídico.
Vale ressaltar, por fim, que a importância dada ao diagnóstico que assediador tem uma razão de ser. Caso o assediador seja diagnosticado como portador de psicopatologia, o laudo médico terá o condão obstar a sua dispensa, devendo o empregador manter incólume o seu contrato de trabalho até o restabelecimento da sua saúde.
Como é sabido, apesar de inexistir lei que vede a dispensa do empregado doente, excede os limites do poder potestativo o empregador que o faz, incidindo em abuso de direito, conforme disposto no artigo 187 do Código Civil. Além disso, a conduta de despedir o empregado doente vilipendia também a boa-fé contratual, princípio geral do direito.
CONCLUSÃO
Restou demonstrado pelo presente estudo que existe a possibilidade de o empregado assediador ser portador de psicopatologia, ou no mínimo, transtornos mentais, portanto, imperioso se faz, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, encaminhá-lo a serviço médico especializado a fim de que seja investigada essa possibilidade, antes de efetivar-se a sua despedida, seja por justa ou sem justa causa.
A importância da certeza acerca de ser o assediador portador de psicopatologia, primeiramente, se faz necessária em razão da preservação da saúde do próprio trabalhador, ser humano e, além disso, porque se restar comprovado que o mesmo é portador de psicopatologia ou transtorno mental seu contrato de trabalho não poderá ser rescindido, mas em verdade, deverá este ser encaminhado para tratamento médico e, talvez, até mesmo, para gozo de benefício previdenciário junto ao INSS, hipótese na qual seu contrato de trabalho estará suspenso.
Desta forma, esperamos ter lançado uma semente que regada com argumentos e fundamentos jurídicos trazidos por doutrinadores e estudiosos possa, em breve, florescer, pois temos plena consciência que essas mal traçadas linhas não possuem o condão de estabelecer verdades, mas já nos daremos por satisfeitos se conseguirmos fomentar uma discussão sobre o tema.
Advogado. Especialista em Direito Processual Civil. Especialista em Direito Processual e Material do Trabalho. Juiz Leigo da Comarca de Araci Bahia. Professor de Direito Constitucional e Direito Administrativo do Curso Isoladas – Preparatório para Concursos
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