Resumo: O Direito atual luta para ser interdisciplinar entre seus ramos e entre as outras ciências. Nesse desafio, desponta o Direito Ambiental com suas inúmeras facetas que traduzem esse novo desejo contemporâneo. Contudo, o estudo jurídico do Direito do Ambiente, com suas três vertentes (doutrina, jurisprudência e legislação), ainda é carente de contato com o denominado Direito Falimentar. Tal constatação exige que se estabeleça um maior diálogo entre esses ramos. Surge a possibilidade de diminuir esse hiato quando se faz a denominada análise do plano de recuperação judicial, instituto tipicamente ligado ao direito falimentar sob a ótica do aspecto ambiental. Observando esta lacuna, esta pesquisa teve como objetivo principal analisar a importância do exame da viabilidade, sob o ponto de vista ambiental, do plano de recuperação judicial. A pesquisa foi realizada com base em fontes bibliográficas, coletadas principalmente em livros e artigos. Além disso, tratando-se de matéria discutida perante o Judiciário, foram coletadas decisões jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça. A conclusão obtida com o estudo foi que a análise ambiental do plano pode ser grande utilidade para sociedade, já que pode prevenir passivos ambientais e obrigar o setor econômico a ter uma postura ambientalmente mais adequada.[1]
Palavras-Chave: Empresa. Direito Falimentar. Função socioambiental.
Abstract: Current Law struggles to be interdisciplinary between its branches and among the other sciences. In this challenge, environmental law emerges with its many facets that reflect this new contemporary desire. However, the legal study of Environmental Law, with its three aspects (doctrine, jurisprudence and legislation), is still lacking contact with the so-called Bankruptcy Law. This requires closer dialogue between these areas. It is possible to reduce this gap when the so-called judicial recovery plan is analyzed, an institution typically linked to bankruptcy law from an environmental perspective. Looking at this gap, the main objective of this research was to analyze the importance of examining the viability, from the environmental point of view, of the judicial recovery plan. The research was carried out based on bibliographical sources, collected mainly in books and articles. Moreover, in the matter discussed before the Judiciary, jurisprudential decisions were collected from the Superior Court of Justice. The conclusion obtained with the study was that the environmental analysis of the plan can be very useful for society, since it can prevent environmental liabilities and compel the economic sector to have an environmentally more adequate posture.
Keywords: Company. Bankruptcy Law. Socio-environmental function.
Sumário: Introdução. 1. Função socioambiental do plano de recuperação judicial. Conclusão.
INTRODUÇÃO
A proeminência dos problemas ambientais e as consequências que deles advém, fizeram com que o Direito começasse a se preocupar em tutelar tal área. Tutela essa que não restringe apenas na elaboração de leis que visam à proteção do bem ambiental, muito pelo contrário. Quando se fala em Direito Ambiental não se referi apenas a legislação ambiental, essa é apenas uma das facetas da ciência jurídica, de tal forma que aquele se dispõe-se em estudar a legislação ambiental não está fazendo um estudo de Direito do Ambiente e sim uma análise do corpo frio da lei (DANTAS, 2010).
O Direito Ambiental é sustentado por um tridente, em cada extremidade possui uma forma de apresentação da temática jurídica, sendo ambos autônomos, no entanto comunicantes. Esse aparente paradoxo não parece muito razoável em um mundo que se exige objetividade, contudo para um estudo completo, ou o mais próximo disso, aquele que procura estudar um instituto jusambientalista necessita se dispor a enfrentar essa problemática sobre a ótica da doutrina, da legislação e da jurisprudência (tríade do Direito). Além dessas três ferramentas, o jurista ambiental deve buscar um conteúdo interdisciplinar para seu estudo mirando sempre a concretude nos seus argumentos através de estudos de casos, de modo que o Direito, que por ora pareça distante, possa ser tocado e compreendido por todos.
Um dos temas ainda poucos discutidos na seara ambiental, principalmente sobre a perspectiva da tríade doutrina, legislação e jurisprudência é o da viabilidade ambiental do plano de recuperação judicial proposta em juízo pelo requerente do instituto. Assunto esse que reclama maior importância, pois com as crescentes formas de proteção e responsabilização ambiental, toda a sociedade deve ficar atenta aos efeitos resultantes da aplicação desse benefício para as empresas que apresentem dificuldades em sua manutenção no mercado, de modo que possam ser cobradas das instituições privadas e públicas um posicionamento mais adequado com a conservação dos recursos ambientais.
Visando minimizar essa lacuna existente de elaboração de trabalhos que conjuguem a tríade proposta por Dantas (2010), conjugada com o estudo de um caso concreto, esse trabalho tem como objetivo analisar a importância do exame da viabilidade, sob o ponto de vista ambiental, do plano de recuperação judicial. Busca-se com isso não só a promoção do estudo ambiental, mas sim gerar um debate plural, procurando sempre uma visão crítica dos institutos.
1 FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
A função social da empresa se baseia na ideia de que toda a coletividade usufrui dos benefícios oriundos da atividade empresária. Em pensamento voltado para a manutenção da atividade empresarial, Claro (2009) defendeu a análise do comportamento do devedor, antes de deferir o processamento da recuperação judicial, em toda a sua existência, cabendo a este demonstrar que sempre cumpriu com suas obrigações e que a crise não foi em decorrência de atos equivocados de sua administração, mas sim do contexto econômico local, nacional ou internacional.
Nos últimos anos, aumentou exponencialmente os países afetados por problemas advindos do meio ambiente e, como consequência, emergiram robustos movimentos sociais questionando os fazeres e os ideais das grandes corporações empresariais que utilizam-se dos recursos naturais (DONAIRE, 2009). Levada ao ápice, a situação ambiental produziu um questionamento paradigmático da sociedade e do capitalismo industrialista. Os primeiros grandes movimentos políticos-legais surgiram na década de 1960, principalmente nos EUA. Muitos Estados reagiram aprovando leis que impunham novas diretrizes às relações com o ambiente. Em muitos casos, isto significou uma justa restrição na liberdade das corporações de causar danos ambientais.
No entanto, grande parte dos representantes do mundo corporativo interpretou essas legislações ambientais como uma intervenção indevida nas atividades empresariais (FIORILLO, 2010). As medidas limitadoras foram recebidas pelos empresários como uma barreira de seu livre arbítrio empresarial. A legislação foi avaliada em seus impactos nas atividades empresariais e em suas consequências financeiras. Os sólidos princípios de respeito mútuo em que se funda a legitimidade das reivindicações não foram considerados e os problemas causados ao ambiente pelas atividades empresariais também foram em grande medida subestimados. Os comandantes da indústria e dos negócios não estavam preparados para enfrentar o questionamento ambiental.
A primeira reação dos empresários às legislações ambientais foi hostil, mas também lenta, desorganizada, deixando sem solução os problemas ambientais que geraram os questionamentos. Milaré (2013) mostra que, inicialmente, as respostas corporativas foram centradas na construção de boas imagens ambientais, mas pouco preocupadas com uma transformação efetiva dos processos que resultavam em degradação do ambiente e da saúde humana. Esta reação era compatível com o estado de ânimo com o qual os representantes corporativos encaravam as questões ambientais.
No entanto, ao longo do tempo e como resultado de contínuos confrontos com o Estado, com os movimentos sociais e com as ideias ambientalistas, as corporações modificaram consideravelmente suas estratégias e suas ações. As empresas aprenderam a gerenciar suas imagens com maior eficiência (FIORILLO, 2013). Donaire (2009) evidencia um aumento dos recursos empresariais destinados a projetos sociais e ambientais. Aquele autor sugere que tal aumento é uma tendência da iniciativa privada e que isto se deve à percepção empresarial de que tais ações são investimentos estratégicos para a construção da imagem corporativa.
Além da utilização das questões ambientais para promoção de imagem pública, existem muitas evidências que apontam também para um aprendizado das empresas na utilização destas questões como um diferencial competitivo (SIRVINSKAS, 2013).
Nas últimas décadas têm ocorrido grandes mudanças no ambiente em que as empresas operam: antes eram vistas apenas como instituições econômicas com responsabilidades referentes a resolver os problemas econômicos fundamentais (o que produzir; como produzir; para quem produzir), agora têm presenciado o surgimento de novos papéis que devem ser desempenhados, como resultado das alterações no ambiente em que operam (DONAIRE, 2009).
Nesse sentido, o campo de Direito Falimentar ainda é órfão na interdisciplinariedade com o Direito Ambiental. É bem verdade que aos poucos percebe-se um “esverdeamento” no Direito Empresarial. Podemos dar como exemplo o instituto do Compliance Ambiental, muito difundido nos grandes centros empresariais mundiais. Não obstante, nota-se que uma brecha se abre na análise da viabilidade econômica/social da empresa. Sobre a conceituação e as principais finalidades da empresa, Pacheco (2006) fez a seguinte define a empresa como a atividade econômica organizada para a produção circulação de bens ou de serviços, o empresário que a exerce, profissional e habitualmente, tem, permanentemente necessidade de pessoal habilitado, capital, recursos naturais e tecnologia. Para ele a função precípua da atividade empresarial é a produção ou circulação de bens e serviços, com o máximo de rendimento e eficiência. (Pacheco, 2006).
Percebe-se que os recursos naturais aparecem e já são reconhecidos como algo quase que incontroverso no desenvolvimento da atividade empresária, principalmente quanto às atividades econômicas no prisma industrial, como produção de alimentos, petróleo, minério entre outros. Contudo, ainda resiste o lugar comum que meio ambiente é apenas uma fonte, quase que inesgotável, de matéria-prima. De acordo com Donaire (2009) a própria expressão “recursos naturais” já carrega um certo valor de mercantilização ao meio natural.
Para Coelho (2007) nem toda falência é um mal. Algumas empresas, porque são tecnologicamente atrasadas, descapitalizadas ou possuem organização administrativa precária, devem mesmo ser encerradas. Para o bem da economia como um todo, os recursos- materiais, naturais, financeiros e humanos – empregados nessa atividade devem ser realocados para que tenham otimizada a capacidade de produzir riqueza. Assim, a recuperação da empresa não deve ser vista como um valor jurídico a ser buscado a qualquer custo. Pelo contrário, as más empresas devem falir para que as boas não se prejudiquem. Quando o aparato estatal é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes inviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial transfere-se do empresário para os seus credores.
Logo, uma forma de conter as “más empresas” é justamente evitar que aquelas que outrora causaram relevantes passivos ambientais voltem à atividade empresarial sem nenhum ônus. Nesse âmago surge a necessidade de avaliação da viabilidade ambiental da empresa, devendo essa análise pautar-se por princípios intimamente ligados ao Direito do Meio Ambiente, como o do desenvolvimento sustentável, prevenção, vedação ao retrocesso e da intergeracionalidade (MILARÉ, 2013). Apesar de opiniões contrárias a intervenção do juiz no plano de recuperação judicial, entende-se que em determinados situações, como por exemplo na análise de viabilidade ambiental, tal atitude deve ser tomada.
A discussão sobre o meio ambiente já se faz presente nas mais variadas esferas da sociedade. Todavia, ela ganha uma maior relevância sob o âmbito do Direito Ambiental Nacional quando os tribunais superiores começaram a fazer presente em seus acórdãos votos como o do Ministro Herman Benjamin do STJ, em julgamento de RESP[2], no qual ele estabeleceu a responsabilidade solidária de todos envolvidos na cadeia produtivo pelo dano ambiental.
Nesse voto paradigmático, o ministro trouxe à tona, a necessidade da observância de todos acerca da variável ambiental. Por oportuno, cabe indagar se o próprio magistrado, quando na concessão da recuperação judicial, também não estaria obrigado a observar tal postulado, qual seja, o fator ambiental. Por exemplo, na lei de recuperação judicial e falências, o juiz pode, cumprido determinados requisitos, obrigar a aceitação do plano de recuperação judicial por parte dos credores por meio do denominado cram down. Fundamenta-se tal autorização com base, entre outras variáveis, no princípio da continuidade da atividade empresarial.
Seguindo essa linha de raciocínio, o magistrado do mesmo modo, também não poderia negar o recebimento do plano de recuperação judicial, ainda que com a aceitação dos credores, baseado no histórico recente de passivos ambientais ocasionados pela empresa recuperanda? Pode-se fazer uma especulação com o recente caso da mineradora Samarco. Apesar de quase não existir a possibilidade da referida mineradora requerer a recuperação judicial, em razão do seu controle acionário figurar duas outras gigantes da mineração, caso ele fosse postulado, seria prudente por parte do magistrado aceitar o plano de recuperação judicial em que em nenhum momento a recuperanda faça referência ao aspecto ambiental de sua atividade? Na opinião de Claro (2009) tal atitude por parte do magistrado estaria ferindo diretamente o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado de toda a coletividade e ainda ele estaria ferindo o princípio ambiental da prevenção.
O que defende-se, na verdade, é a possibilidade do juiz negar a plano de recuperação judicial de empresas que apresentem um “histórico sujo” no que tange ao aspecto ambiental. Apesar do posicionamento contrário do STJ, no voto no ministro Luís Salomão outrora comentado (Resp 1.359.311-SP), quanto a análise do magistrado no que se refere à viabilidade econômica do plano, questão essa que está intimamente ligado aos créditos futuros que os credores poderiam receber, a matéria ambiental é de ordem pública, cabendo sim o magistrado interferir em tal questão. Teoriza-se, portanto, uma espécie de cram down inverso. Inverso porque, no tradicional, a Assembleia de Credores não acata o plano de recuperação judicial apresentado e o juiz obriga a aceitação e no inverso é justamente o contrário, a Assembleia aceita o plano, todavia em razão da viabilidade ambiental (passada, presente e futura da empresa) o juiz nega a aceitação.
A hipótese, sob a égide da viabilidade ambiental, não encontra precedentes na jurisprudência nacional. A doutrina também navega pelos mesmos meandros. Contudo isso não impede o estudo de um caso prática sobre sua direção. Tendo em vista tais indagações, não seria equivocado afirmar que se determinada empresa desempenha um importante papel social no seu setor econômico e que caso ocorresse o encerramento das atividades, o impacto seria sentido por toda a coletividade.
CONCLUSÃO
Destarte, a Lei Federal nº. 11.101/2005 fornece vários sinais de que, para a concessão da recuperação judicial, há que se ponderar, de um lado, o custo coletivo que lhe é intrínseco e, de outro, a viabilidade econômica da empresa e os benefícios dela resultantes. O legislador antevê que os benefícios da recuperação judicial não superam seu custo mercadológico e social – hipótese de empresas recém instaladas -, ou já se vislumbra um estado de insolvência anunciada, caso em que, dada a provável ou comprovada inviabilidade econômica, a melhor solução é a decretação da falência.
Portanto, seria interessante que o magistrado procedesse na verificação do valor que a empresa possui junto à sociedade, de modo a valorar sua função socioambiental, no sentido de ter ela cumprido com suas obrigações legais, possuir conduta idônea, utilizar mão-de-obra regularmente instituída, empregar tecnologia atualizada, possuir programas/políticas voltadas para a conservação do meio ambiente dentre outros.
Doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente PRODEMA/UFPE. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente PRODEMA/UFPE. Bacharel em Direito UFPE. Tecnólogo com láurea em Gestão Ambiental IFPE
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