Autora: Yasmin Fernanda Araújo, advogada, graduada em Direito pelo Centro Universitário da Fundação de Ensino Octavio Bastos (UNIFEOB) de São João da Boa Vista/SP; membra da Comissão da Mulher Advogada da 88ª Subseção da OAB/SP; Ativista pelos Direitos das Mulheres; e-mail yasminfaraujo.adv@gmail.com.
Autor: Caio Henrique Lourenço, advogado, graduado em Direito pelo Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos, de São João da Boa Vista-SP, e-mail caio_hl@outlook.com.
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo expor de forma não exaustiva a opinião dos autores em relação ao julgamento conjunto da ADO 26 e do MI 4733, que resultou na equiparação da homotransfobia ao racismo para fins de criminalização, além de instituir qualificadora de motivo torpe para os casos de homicídio doloso motivado por LBGTfobia. Acredita-se que ao agir dessa forma, a Suprema Corte, além de violar princípios caros ao Estado de Direito, como o da reserva legal, da proibição de analogia in mallan partem e o da separação de poderes, praticando, assim, o ativismo judicial negativo, ofereceu como resposta ao quadro de intolerância vivenciado por um grupo de minorias nada mais do que uma medida punitivista, que apenas reforça o já presente encarceramento em massa, praticado de forma seletiva, pois que atinge principalmente a população jovem e negra. A decisão do STF apresenta-se, assim, como medida paliativa e que em nada contribui para a nobre luta por direitos da população LGBT+, muito pelo contrário, pois, ao relativizar princípios tão importantes conquistados ao longo do processo civilizatório, dá-se brecha para que esses mesmos direitos deixem um dia de ser aplicados sob a justificativa de que tal medida atende o clamor social por justiça, além de reforçar o encarceramento em massa e seletivo que assola os jovens e negros no país.
Palavras-chave: Homotransfobia. Ativismo. Punitivismo.
Abstract: This paper aims to expose the authors’ opinion in relation to the joint trial of ADO 26 and MI 4733, which resulted in the equation of homotransphobia to racism for criminalization purposes, as well as instituting a misleading motive. for cases of intentional homicide motivated by LBGTfobia. In so doing, the Supreme Court is believed to violate principles dear to the rule of law, such as the legal reserve, the prohibition of analogy in mallan part and the separation of powers, thereby practicing judicial activism. negative, it offered in response to the intolerance experienced by a group of minorities nothing more than a punitive measure, which only reinforces the already present mass imprisonment, practiced selectively, since it mainly affects the young and black population. The decision of the Supreme Court is thus a palliative measure and in no way contributes to the noble struggle for rights of the LGBT + population, quite the opposite, because, by relativizing such important principles conquered throughout the civilizing process, there is a gap so that these same rights will cease to be applied one day on the grounds that such a measure meets the social clamor for justice, in addition to reinforcing the mass and selective incarceration that plagues young and black people in the country.
Keywords: Homotransphobia. Activism. Punitivism.
Sumário: Introdução. 1. O caso em análise. 2. O ativismo judicial negativo. 3. A resposta punitivista. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Não é de hoje que se aprende na vida acadêmica que para que alguém possa ser punido criminalmente pela prática de determinada conduta, é necessário a existência prévia de uma lei definindo-a como crime. A definição do que é ou não um crime tem de ser explícita e induvidosa, cuja criação deve partir do ente competente, ou seja, o Poder Legislativo, sob pena de ser um ato inconstitucional. Tratam-se dos princípios da taxatividade, reserva legal e separação dos poderes, todos violados pela Suprema Corte no julgamento em conjunto da ADO 26 e do MI 4733 que resultou na equiparação de atos de homotransfobia aos de racismo, previsto na Lei nº 7.716/89.
Ainda que se argumente que tal medida era necessária para suprir uma lacuna existente na lei e dar uma resposta à sociedade, há que se ressaltar que também é terminantemente proibido, no Direito Penal, fazer analogia em prejuízo de alguém. No caso analisado pelo presente artigo, a Suprema Corte fez da homotransfobia uma forma de preconceito racial, ferindo princípios caros ao Estado Democrático de Direito, ainda que em defesa de uma causa legítima e que de fato precisa da resposta estatal.
O Brasil é o país onde mais se matam LGBT+ de acordo com o estudo realizado pelo Grupo Gay da Bahia, com um índice de uma morte a cada 19 horas (GGB, 2017). É inegável, portanto, a necessidade urgente da criação de medidas que combatam a intolerância e o preconceito, principalmente através de políticas públicas que visem não apenas a punição dos indivíduos, mas que atuem também na prevenção para que essas práticas intolerantes deixem de existir.
Por outro lado, o Brasil possui a 4ª maior população carcerária do mundo, composta majoritariamente de jovens negros e pobres – o que não impede que a criminalidade continue a crescer. Ou seja: o punitivismo como resposta aos problemas de ordem social não tem outro reflexo senão outro que o encarceramento em massa e de forma seletiva, além do mais, os estudos sobre violência evidenciam que a pena tal como hoje é aplicada está longe de cumprir suas funções de prevenção e ressocialização.
Assim, acredita-se que a decisão do STF foi atecnica e em nada contribui para a luta da comunidade LGBT+. Pelo contrário, pois além de configurar uma medida punitivista que apenas contribui para o encarceramento em massa seletivo que já ocorre no Brasil, relativizou garantias intransponíveis, conquistadas duramente ao longo da história, abrindo-se precedente para que essas mesmas garantias simplesmente não sejam respeitadas sempre que se achar conveniente, bastando invocar qualquer razão justa, simpática, “bem-intencionada” ou mesmo popularmente aceita.
A demanda pela criminalização da homotransfobia foi submetida ao Poder Judiciário por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26, proposta pelo Partido Popular Socialista e do Mandado de Injunção Coletivo (MI) nº 4733, proposto pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros. As ações foram julgadas pelo Plenário no último dia 13 de junho de 2019.
A ADO 26 visava à declaração da omissão do Congresso Nacional por não ter votado projeto de lei que criminaliza atos de homofobia, bem como a imposição do dever de elaborar legislação criminal correspondente, já o MI 4733, além de pedir o reconhecimento da mora legislativa, requeria a aplicação da Lei nº 7.716/89 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero.
A maioria dos ministros votou pela procedência das ações, resultando na fixação da tese que determinou, em síntese: (i) a aplicação da Lei nº 7.716/89 às condutas de homofobia e transfobia, as quais, na hipótese de homicídio doloso, constituirão circunstancia qualificadora por motivo torpe, (ii) a excludente de ilicitude para os fiéis e ministros que expressarem pensamento e convicção no exercício da liberdade religiosa, desde que não configure discurso de ódio, e (iii) a ampliação do conceito de racismo, a fim de integrar discriminação por orientação sexual.
Os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, apesar de terem votado pelo reconhecimento da mora legislativa e da imposição ao Congresso Nacional para criar norma penal sobre o tema, não acolheram o pedido de extensão do conceito de racismo por entenderem que tal medida vai de encontro com os princípios da taxatividade, da reserva legal e da proibição da analogia em matéria penal.
Já o ministro Marco Aurélio sequer foi favorável a admissão do MI 4733 e apenas pela admissão parcial da ADO 26, declarando que a interpretação extensiva do tipo penal de racismo, além de violar os princípios alhures mencionados, também fere a separação dos poderes.
O constitucionalismo moderno surge com a ideia de Estado Social, que tem como característica a promoção do bem-estar aos seus jurisdicionados, tendo como norte a dignidade da pessoa humana. De acordo com esse “modelo” de política, o Estado é responsável por proporcionar a todos os indivíduos, desde o seu nascimento até sua morte, um conjunto de bens e serviços, nos quais se inclui a gratuidade e universalidade do acesso à educação, à assistência médica, aos benefícios de amparo social, à aposentadoria, entre outros (TEIXEIRA, 2012).
No Brasil, a Constituição de 1988 expressa muito bem essa ideia de Estado Social quando garante ao indivíduo e à sociedade um rol de direitos fundamentais indisponíveis (art. 5º e 6º), que inclusive são tidos como “cláusulas pétreas”, ou seja, não podem ser retirados senão pelo advento de uma nova Constituição. Entretanto, ainda que a lei resguarde determinados direitos, o acesso a eles ainda não passa de mera expectativa para grande parte da população brasileira, que ainda possui enorme desigualdade social.
E, justamente diante dessa falha estatal em garantir a efetividade de todos os direitos previstos na Constituição, a esperança se volta ao Poder Judiciário, que se viu na missão de consagrar a política, dando ênfase ao fenômeno da judicialização da política ou ativismo judicial, que também se deve a expansão do poder judicial, outra característica do constitucionalismo moderno (SPENGLER, 2017).
Enquanto que na concepção clássica o juiz é sujeito da lei e só exerce seu direito de julgar por meio dela, ele tende, no presente, a elevar-se acima da lei para tornar-se diretamente porta-voz do Direito (SPENGLER, 2017). De fato, a Constituição atualmente em vigor prevê diversas prerrogativas ao magistrado, de modo que ela própria o impulsiona inevitavelmente a uma atuação mais presente na sociedade. A ampliação da possibilidade de utilização do controle abstrato de constitucionalidade, por exemplo, é o que permite o Poder Judiciário – e principalmente o STF – atuar diretamente na concretização de públicas e medidas sociais que são de competência do Poder Executivo.
Não obstante, o constitucionalismo moderno se diferencia do modelo antigo não só por garantir direitos individuais fundamentais e por ampliar o poder jurisdicional, mas, também por limitar o poder estatal que antes era absoluto, evitando arbitrariedades contra o indivíduo e, uma das formas de limitar o poder do Estado é através da separação das funções legislativa, executiva e jurisdicional, as quais também estão sujeitas a delimitações (FIGUEIREDO, 2017).
O Executivo, Legislativo e Judiciário são poderes que não se confundem, ou seja, são independentes, mas devem conviver harmoniosamente entre si (art. 2º, CF/88), formando um sistema de “freios e contrapesos” (MEIRELLES, 2011). Isso significa, por exemplo, que o Judiciário, atuando dentro dos limites de suas atribuições legais pode e deve interferir na esfera de outro poder, desde que essa interferência seja juridicamente possível. De maneira alguma pode o magistrado, ou qualquer outro agente investido na função pública exorbitar as suas competências em nome de convicção pessoal ou mesmo de clamor social, sob pena de sacrificar princípios basilares do Estado de Direito, como o da separação de Poderes.
Quando age dessa forma, fala-se que o magistrado está praticando o ativismo judicial negativo que, para Figueiredo (2017):
(…) é responsável pela formação de uma atmosfera subjetivista, um verdadeiro império de vontades pessoais, onde o julgador sente-se a vontade para julgar conforme o seu isolado pensamento, ainda que divorciado do lastro jurídico e/ou probatório, com extremo risco para a segurança jurídica e para a própria democracia.
Ainda nas palavras do referido autor, o que diferencia o ativismo negativo do positivo é que, enquanto no primeiro a interpretação da ordem jurídica é maculada pela nódoa da arbitrariedade ou adstrita às incertezas da consciência do intérprete, no segundo o julgador atua no estrito limite que lhe foi outorgado e não cria qualquer ruído para a harmonia e independência dos Poderes.
Logo, é possível concluir que no julgamento da ADO 26 e do MI 4733, em que o STF determinou a equiparação da homotransfobia ao racismo para fins penais, criou “excludente de ilicitude” e inseriu qualificadora para o crime de homicídio, houve grave afronta à Constituição de 1988, especificamente ao artigo 5º, XXXIX, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, bem como ao artigo 22, I, que estabelece como competência privativa da União legislar sobre matéria penal.
Ora, a própria Supre Corte, em outras situações, declarou que criminalizar condutas sem a prévia existência de lei em sentido estrito fere o princípio da reserva legal. Cita-se como exemplo, no julgamento do RHC 121.835 PE, de relatoria do ministro Celso de Mello – que posteriormente mudou seu entendimento e votou favorável à tese de equiparação da homotransfobia ao racismo para fins de criminalização:
“Em matéria penal, prevalece o dogma da reserva constitucional de lei em sentido formal, pois a Constituição da República somente admite a lei interna como única fonte formal e direta de regras de direito penal, a significar, portanto, que as cláusulas de tipificação e de cominação penais, para efeito de repressão estatal, subsumem-se ao âmbito das normas domésticas de direito penal incriminador, regendo-se, em consequência, pelo postulado da reserva de Parlamento. Doutrina. Precedentes”.
Ademais, o próprio entendimento de que é vedada a aplicação da analogia in mallan parten em matéria penal já foi partilhado pela Primeira Turma da Suprema Corte que, em votação unânime, decidiu arquivar denúncia proposta pelo Ministério Público Federal contra o Deputado Marco Antônio Feliciano, que teria proferido manifestações de natureza discriminatória contra a comunidade LGBT+ em sua conta no Twitter. Já naquela oportunidade, defendia-se a tese de aplicação das penas previstas no artigo 20 da Lei 7.716/1989 (Estatuto da Igualdade Racial) como forma de punição de condutas homotransfóbicas. Porém, a denúncia foi arquivada pelo ministro Marco Aurélio, relator do caso, que asseverou em seu voto:
Procede a defesa no que articula a atipicidade. Ter-se-ia discriminação em virtude da opção sexual. Ocorre que o artigo 20 da Lei 7.716/89 versa a discriminação ou o preconceito considerada a raça, a cor, a etnia, a religião ou a procedência nacional, não contemplando a decorrente da opção sexual do cidadão ou da cidadã. O ditame constitucional é claro: não há crime sem anterior lei que o defina, nem pena sem prévia cominação legal – inciso XXXIX do artigo 5º. Ante esse fato, deixo de receber a denúncia, fazendo-o com base no inciso III do artigo 386 do Código de Processo Penal, a revelar que, não constituindo o fato infração penal, dá-se a absolvição do réu, o que, nesta fase, sugere a simples ausência de instauração da ação penal.[1]
Como é possível verificar, os ministros que votaram favoráveis a tese que resultou na aplicação da Lei 7.716/1989 para punição de práticas homotransfóbicas assim o fizeram mediante o sacrifício de princípios caros aos Estado de Direito, agindo, inclusive, contra a jurisprudência do próprio órgão ao qual integram, praticando, sem sombra de dúvidas o ativismo judicial de forma negativa.
É inegável que o Brasil possui uma cultura de intolerância para com a população LGBT+. Somente em 2018, 420 pessoas morreram vítimas da homotransfobia, o que faz do país campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais, segundo o relatório elaborado pelo Grupo Gay da Bahia (2017). Ressalta-se que esses dados são obtidos através de notícias publicadas nos meios de comunicação, haja vista que atualmente não existe uma legislação que determine o enquadramento da vítima de homicídio como gay, trans, lésbica ou bissexual, assim, é possível presumir que há uma subnotificação de casos que poderiam ser enquadrados como LGBTfobia mas não o são por ausência de informações.
Desde 2011 do Disque Direitos Humanos – Disque 100 se tornou o principal canal de recebimentos de denúncias de violação de direitos humanos contra a população LGBT. Os dados colhidos entre 2011 e 2016 indicam um cenário de abusos cotidianos dos mais variados tipos contra essa população no Brasil. Em 2016 o número de denúncias/violações chegou a 4.783 (GGB, 2017).
Nesse sentido, tem-se como urgente a criação de políticas públicas para proteção desse grupo de pessoas, principalmente que atuem na prevenção de violências.
Apesar de não se negar a sua importância, a adoção de medidas punitivistas pouco tem contribuído para a diminuição da violência no país, ainda mais a praticada contra as minorias. A título de exemplo, cita-se o crescente número de feminicídios praticados desde a criação da Lei 13.105/2015, que prevê penalidades mais graves para esse tipo de crime: somente no 1º trimestre de 2019 houve um crescimento de 76% em relação ao mesmo período do ano anterior em São Paulo, de acordo com o último Anuário de Segurança Pública (2019).
A aplicação de uma sanção aflitiva para determinada conduta tida como reprovável no meio social tem como objetivo, segundo a doutrina predominante, a prevenção do crime (geral e específica), a ressocialização do agente infrator bem como a retribuição do mal por ele produzido. No entanto, o que se pode apurar através dos estudos sobre criminalidade no país é que a pena cumpre apenas esta última finalidade, ou seja, ela serve apenas como medida de reprovação da conduta praticada pelo agente.
Primeiramente há que se ressaltar que o sistema carcerário tal como encontra-se hoje no Brasil, além de constituir uma grave violação aos direitos humanos, serve para estigmatizar as pessoas presas e para precarizar ainda mais a sua sobrevivência. As pessoas que sobrevivem ao sistema carcerário ficam marcadas pelo rótulo e classificação da delinquência e suas chances de retornar a praticar um ato criminoso se tornam ainda maiores, acionando e justificando os mecanismos de controle e de repressão e, consequentemente, autorizando e legitimando, em uma perversa lógica, as ações e políticas massacrantes e genocidas (PASTORAL, 2017).
O Brasil já é o quarto país que mais encarcera no mundo, com aproximadamente 700 mil pessoas presas e, mesmo assim, convive com taxas de criminalidade muito altas, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2019). Isso demonstra que o punitivismo só tem como resultado o encarceramento em massa da população que, associado a seletividade penal, atinge principalmente jovens negros, conforme aponta o Mapa do Encarceramento (2014).
Os dados alarmantes chamam a atenção para as necessidades de estudos aprofundados sobre a função ressocializadora das penas, o fenômeno da reincidência criminal, bem como sobre a eficácia de dispositivos alternativos como meios de contornar a crise no sistema prisional brasileiro (ALMEIDA, 2018).
Ao comparar os dados, conclui-se que encarcerar e punir já não gera qualquer resultado positivo para a diminuição da violência. A continuidade das prisões desmedidas, tão somente para dar cumprimento ao caráter retributivo da pena e como resposta demandada por diversos setores da sociedade, demonstrou não ser capaz de gerar qualquer resultado eficaz, pelo contrário, o sistema prisional brasileiro tal como se encontra constitui uma afronta à dignidade da pessoa humana.
Conclusão
Ao estabelecer uma medida punitivista como resposta aos anseios da população LBGT+ por justiça, a Suprema Corte ignora que o Brasil já vive um encarceramento em massa, que ocorre de forma seletiva, atingindo principalmente os jovens e negros do país.
Além do mais, agiu mediante o sacrifício de princípios valiosos ao Estado de Direito, sob a pretensa fundamentação de que, assim, estava atendendo aos anseios por justiça.
A pretensão social fomenta agentes estatais que se travestem de verdadeiros heróis. O ponto controverso é que essa não é a função do Poder Judiciário e, portanto, suas decisões não devem ser orientadas pelo clamor de uma plateia faminta de justiça e vingança (ALMEIDA, 2018).
Aplicar e ampliar sanções sob o pretexto de estar se praticando a justiça é tratar de forma simplória um problema complexo, ignorando inclusive o fato de que no Brasil a criminalidade aumenta junto com o crescimento da população carcerária, o que demonstra a ineficiência do sistema prisional em ressocializar o indivíduo e prevenir a prática de crimes.
A criação de políticas públicas que atuem efetivamente na prevenção de práticas discriminatórias e a serem articuladas pelos três poderes, surge, portanto, como medida eficaz alternativa ao punitivismo e como uma legítima medida de promoção da dignidade da pessoa humana, tal como previsto na Constituição de 1988.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC nº 121.835 Agr/PE. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, 13 de outubro de 2015.
FIGUEIREDO, Chrislayne Aparecida Pereira de. Ativismo judicial penal e garantias penais. Actio Revista de Estudos Jurídicos, n. 27, vol. I, jan/jun 2017. Faculdade de Maringá: Maringá/PR. 2017. Disponível em: www.actiorevista.com.br. Acesso em: 16/10/19.
Fórum de Segurança Pública, 13º Anuário de Segurança Pública, 2019. Disponível em <http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/13-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/>. Acesso em 25/11/19.
IBGE, Pobreza aumenta e atinge 54,8 milhões de pessoas em 2017. Disponível em <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/23299-pobreza-aumenta-e-atinge-54-8-milhoes-de-pessoas-em-2017>. Acesso em 21/11/19.
Governo Federal, Mapa do Encarceramento – Os jovens do Brasil. Brasília, 2015.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 38ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
Ministério dos Direitos Humanos, Violência LGBTFóbicas no Brasil: dados da violência. Brasília: Ministério dos Direitos Humanos, 2019. Disponível em <https://www.mdh.gov.br/biblioteca/consultorias/lgbt/violencia-lgbtfobicas-no-brasil-dados-da-violencia>. Acesso em 25/11/19.
Grupo Gay da Bahia. Mortes violentas de LBGT+ no Brasil – Relatório 2018. Rio de Janeiro: 2019. Disponível em <https://tribunahoje.com/wp-content/uploads/2019/01/Popula%C3%A7%C3%A3o-LGBT-morta-no-Brasil-relat%C3%B3rio-GGB-2018.pdf?x69597>. Acesso em 25/11/2019.
Pastoral Carcerária Nacional, Sistema Penal e Encarceramento da Pobreza – Pelo fim do punitivismo e da política de encarceramento em massa. São Paulo: Editora Paulus, 2017. Disponível em < https://carceraria.org.br/arquivos/sistema-penal-e-encarceramento-da-pobreza-pelo-fim-do-punitivismo-e-da-politica-de-encarceramento-em-massa>. Acesso em 25/11/19.
SPENGLER, Fabiana. A crise do estado e a crise da jurisdição: (in)eficiência face à conflituosidade social, p. 12, 26, 30 e 33. Disponível em: <http://www.bibliotekevirtual.org/index.php/2013-02-07–03-02-35/2013-02-07-03-03-11/1020-revistadedireito/v07n01/9615-a-crise-do-estado-e-a-crise-da–jurisdicao-in-eficiencia-face-a-conflituosidade-social.html>. Acesso em: 16 de out. de 2019.
TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Ativismo Judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e decisão política. REVISTA DIREITO GV, SÃO PAULO. 8(1). P. 037-058. JAN-JUN 2012.
[1] EMENTA: “TIPO PENAL DISCRIMINAÇÃO OU PRECONCEITO ARTIGO 20 DA LEI Nº 7.716/89 ALCANCE. O disposto no artigo 20 da Lei nº 7.716/89 tipifica o crime de discriminação ou preconceito considerada a raça, a cor, a etnia, a religião ou a procedência nacional, não alcançando a decorrente de opção sexual”. Inquérito nº 3590/DF. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, 12 de agosto de 2014.
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